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A (in)constitucionalidade da lei de drogas e a posição dos tribunais superiores

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UNIJUI - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

GREGORY HAYLE BOZ FERREIRA

A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE DROGAS E A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

Três Passos (RS) 2019

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GREGORY HAYLE BOZ FERREIRA

A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE DROGAS E A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia. UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Eloisa Nair de Andrade Argerich

Três Passos(RS) 2019

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Dedico este trabalho ao meu falecido avô, que me deu condições de estar aqui, a todos que me apoiaram no desenvolvimento deste projeto e, a todos que me acompanharam ao longo da graduação e às pessoas que me inspiraram a trabalhar no tema deste trabalho, desenvolvendo uma visão mais ampla da realidade desse país.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, pela vida, força e coragem.

Principalmente a minha orientadora, prof. Eloisa Argerich, por ter aceito este desafio, por nunca ter me deixado desistir, e pela sua dedicação e disponibilidade durante todo o desenvolvimento do trabalho.

Ao meu avô, por todo apoio, incentivo, e educação que me fez chegar até aqui.

A minha namorada por toda sua compreensão e carinho durante o desenvolvimento do trabalho

Ás pessoas que de alguma forma contribuíram para que eu mantivesse firme a escolha que fiz.

A todos que colaboraram de uma maneira ou outra durante a trajetória de

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“Essa tribo é atrasada demais, eles querem acabar com a violência, mas a paz é contra a lei, e a lei é contra a paz”.

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RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica realiza uma análise pontual de reconhecimento ou não da constitucionalidade da Lei de Drogas, junto com a visão dos Tribunais superiores. Objetiva, também, explicar brevemente sobre os princípios fundamentais, e analisar a fundamentação dos Tribunais Superiores com relação ao assunto. Discute-se, por fim, a atual falência do Sistema Carcerário/Estado, e a falência da política de “guerra as drogas”.

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ABSTRACT

The present work of monographic research carries out a punctual analysis of whether or not to recognize the constitutionality of the Drug Law, along with the view of the higher Courts. It also aims to briefly explain the fundamental principles and to analyze the reasoning of the higher courts in relation to the subject. Finally, we discuss the current bankruptcy of the Prison System / State, and the bankruptcy of the "war on drugs" policy.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUA IMPORTÂNCIA COM RELAÇAO À VIDA ... 11

1.1 Evolução histórica dos direitos fundamentais ... 11

1.2 Do direito à vida, à liberdade e à igualdade ... 16

1.3 Da dignidade da pessoa humana e sua fundamentalidade ... 21

1.3.1 Dignidade humana como tarefa do estado ... 23

2 AS DROGAS E SUA (DES)CRIMINALIZAÇÃO/PROIBIÇÃO ... 25

2.1 Aspectos históricos referentes às drogas no mundo e no Brasil ... 26

2.2 Aspectos evolutivos da legislação contra drogas no Brasil ... 31

2.3 Decisões judiciais: Superior Tribunal de Justiça – posse de drogas, usuário e tráfico de drogas ... 36

2.3.1 Supremo Tribunal Federal e a (des)criminalização do porte de drogas para consumo pessoal (RE nº 635659) ... 41

3 CONCLUSÃO ... 49

4 REFERÊNCIAS ... 50

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INTRODUÇÃO

Para introduzir um tema de tanta relevância, se faz necessário tratar sobre direitos fundamentais, pois quando se fala em consumo de drogas, certamente isto nos remete ao direito à vida, à saúde e à dignidade humana.

Também, é importante referir que o combate às drogas em nosso país tem enfrentado uma série de obstáculos e muitos destes são colocados pelo próprio Estado. Um exemplo disto são as péssimas condições dos estabelecimentos penais que geram entre os apenados um sentimento de abandono por parte do Estado, contrariando o que determina a Lei de Execução Penal, com violação do princípio da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais previstos na Constituição da República Federativa do Brasil-CF/88. E neste aspecto, o consumo de drogas, o tráfico continua a ser praticado dentro do próprio cárcere.

Esta pesquisa é do tipo exploratória e vai ser utilizado em seu delineamento, a coleta de dados em fontes bibliográficas, doutrinas, jurisprudência, e artigos e textos encontrados em meios digitais, ou seja, na internet.

Por isso, desenvolve-se o trabalho em dois capítulos. No primeiro capítulo desta monografia, estuda-se sobre os direitos fundamentais. Dentro do histórico, foi desenvolvido aspectos históricos sobre os direitos fundamentais e sua importância com relação à vida, liberdade e igualdade, saúde e dignidade humana, estabelecendo relações desses direitos fundamentais com a proibição prevista na Lei de Drogas.

No segundo capítulo, é feita uma abordagem da evolução das legislações internacionais sobre o tema, às quais se desenvolveram inicialmente para solucionar a questão da venda do ópio, acarretando, inclusive, a chamada Guerra do Ópio na China, para posteriormente adentrar nas legislações brasileiras sobre o tema drogas, demonstrando que sendo desde as Ordenações Filipinas até a Lei nº 11.343 de 23 de agosto de 2006, já havia uma preocupação com o consumo de drogas e o tráfico.

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Por fim, aborda-se sobre as decisões judiciais de Tribunais Superiores sobre posse de drogas, usuário e tráfico de drogas, e entender qual o mínimo estabelecido para configuração de tráfico, diferenciando usuário de traficante.

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1. DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUA IMPORTÂNCIA COM RELAÇAO À VIDA

Considerando que o sistema penitenciário brasileiro está em crise, uma vez que a superlotação e as péssimas condições dos estabelecimentos penais geram entre os apenados um sentimento de abandono por parte do Estado, contrariando o que determina a Lei de Execução Penal, com violação do princípio da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais previstos na Constituição da República Federativa do Brasil-CF/88, pretende-se abordar aspectos referentes aos direitos fundamentais e sua importância com relação a vida e desta forma aprofundar o estudo em um tema que envolve as áreas jurídica, administrativa, social e moral.

Pretende-se, também, neste capitulo, desenvolver sobre a evolução histórica dos direitos fundamentais com enfoque no direito à vida, à liberdade e à igualdade, e desta forma adentrar na importância da dignidade da pessoa humana e sua fundamentalidade para concretização dos direitos dos cidadãos, em especial, ao usuário de drogas.

1.1. Evolução histórica dos direitos fundamentais

A Constituição Federal de 1988 regula os elementos do Estado, que nada mais são do que um conjunto de leis fundamentais, normas e regras do país, que organizam o seu funcionamento.

Neste sentido, José Afonso da Silva (2011, p. 43) preceitua que:

A constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado.

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Observa-se, portanto, que no texto constitucional encontram-se os alicerces para os princípios e direitos humanos fundamentais, os quais são assegurados por meio da maior regra de um Estado democrático de direito qual seja, a Constituição.

É inegável que a Constituição é um complexo de normas que tem por finalidade a realização dos valores que apontam para a existência da comunidade, representando o poder que emana do povo. Silva (2011, p. 39) ressalta que:

A Constituição é algo que tem, como forma, um complexo de normas (escritas ou costumeiras); como conteúdo a conduta humana motivada pelas relações sociais (econômicas, políticas, religiosas etc.) como fim a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade; e, finalmente, como causa criadora e recriadora, o poder que emana do povo. Não pode ser compreendida e interpretada, se não tiver em mente essa estrutura considerada como conexão de sentido como e tudo que integra um conjunto de valores.

A Constituição é tida como condição essencial de manutenção da vida em sociedade, reconhecida como uma das maiores conquistas da civilização, na qual a garantia de direitos e de dignidade do ser humano, ganham destaques, explica Silva (2011, p. 40).

Então, se faz necessário, antes de adentrar na evolução dos direitos fundamentais, salientar a distinção sobre os direitos fundamentais e direitos humanos que nas lições de Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 47) são elucidativas:

Os direitos fundamentais são os direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito Constitucional positivo de determinado Estado; a expressão ‘direitos humanos’, por sua vez, ‘guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem Constitucional e que, portanto, aspiram á validade universal, para todos povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional(internacional)’. Os direitos naturais não se equiparam aos direitos humanos uma vez que a positivação em normas de direito internacional já revela a dimensão história e relativa dos direitos humanos.

Portanto, neste trabalho se vai utilizar a nomenclatura direito fundamental e não direitos humanos, pois como visto os direitos humanos referem-se aos direitos no âmbito internacional e, o que interessa para melhor desenvolver essa pesquisa são os direitos fundamentais e sua evolução.

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Sem sombra de dúvida, os direitos fundamentais passaram por uma grande evolução ao longo da história, sendo que são muitas as classificações adotadas que correspondem a um determinado período e reconhecem o indiscutível progresso ético e político da humanidade (BEDIN, 2002).

Destaca-se que será utilizada a classificação proposta por T.H. Marshall, em 1967 e aceita pelos constitucionalistas brasileiros, entre eles, Paulo Bonavides, José Afonso da Silva e outros, pois estão em consonância com nossa ideologia constitucional.

Neste aspecto, deve-se registrar que assim como T. H. Marshall apresenta a classificação utilizando-se da expressão gerações de direitos, Paulo Bonavides (2002, p. 456) também o faz, quando salienta que:

[...] Os direitos fundamentais passaram na ordem institucional a manifestar-se em três gerações sucessivas, que traduzem manifestar-sem dúvida, um processo cumulativo e quantitativo, que afirma que o termo gerações desencadeia a falsa ideia de que os direitos fossem evoluindo e ocorreria uma substituição de uma geração pra outra, o que, como sabemos, jamais poderá acontecer.

(grifo nosso).

Por outro lado, Bonavides (2002, p. 456) no mesmo texto se manifesta dizendo: “Defendo a expressão dimensão e não geração uma vez que se reconhece a indução a uma sucessão cronológica o que não é verdadeiro. Reconhece-se, assim, que a expressão dimensão é a mais adequada, sendo inclusive motivo de debates e neste aspecto Sarlet (2007, p. 55) afirma que

[...] a teoria dimensional dos direitos fundamentais não aponta, tão-somente, para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, para, além disso, sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno [...]

Esclarecedoras são as palavras de Sarlet (2007, p. 55) ao referir-se a expressão dimensão, explicando que sua opção por tal termo, mesmo que com a divergência terminológica existente em torno das classificações:

Assim sendo, a teoria dimensional dos direitos fundamentais não aponta, tão-somente, para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, para

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além disso, sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e, de modo especial, na esfera do moderno

Para melhor compreensão da evolução dos direitos em gerações ou dimensões, Gilmar Antonio Bedin (2002, p. 42) informa que:

A classificação proposta por T.H. Marshall(1967) é, sem sombra de dúvida, a mais aceita e valorizada pelos estudiosos da área. No entanto, temos que reconhecer, neste momento, que ela possui uma grande lacuna: não abrange (e não poderia abranger, pois foi proposta em 1950) um fenômeno novo que é a questão dos direitos do homem no âmbito internacional. Por isto, para efeito desse trabalho, propomos a seguinte classificação:

a) Direitos civis ou direitos de primeira geração; b) Direitos políticos ou direitos de segunda geração;

c) Direitos econômicos e sociais ou direitos de terceira geração; d) Direitos de solidariedade ou direitos de quarta geração.

Dessa forma, passa-se a abordar os direitos, conforme a classificação acima, ressaltando que:

Os direitos da primeira geração são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente (BEDIN, 2002, p. 43).

Os direitos mencionados anteriormente proporcionam ao cidadão uma garantia de gerir sua vida como desejar, desde que suas escolhas não prejudiquem terceiros, cabendo à lei proibir somente as ações lesivas à sociedade.

Dentro dessa perspectiva, Bonavides (2001, p. 563) ao fazer referência aos direitos de primeira dimensão afirma que

Os direitos fundamentais de primeira dimensão representam exatamente os direitos civis e políticos, que correspondem à fase inicial do constitucionalismo ocidental, mas que continuam a integrar os catálogos das Constituições atuais (apesar de contar com alguma variação de conteúdo), o que demonstra a cumulatividade das dimensões.

Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior (2005, p. 116), ao manifestarem-se sobre o tema, afirmam que:

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Trata-se de direitos que representavam uma ideologia de afastamento do Estado das relações individuais e sociais. O Estado deveria ser apenas o guardião das liberdades, permanecendo longe de qualquer interferência no relacionamento social. São as chamadas ‘liberdades públicas negativas’ ou ‘direitos negativos’, pois exigem do Estado um comportamento de abstenção.

Significa dizer que o Estado sendo o protetor das liberdades deve ficar distante, não interferir nos direitos dos cidadãos. São direitos contra o Estado e exigem que este tenha um comportamento de privação.

Tem-se, ainda a segunda dimensão dos direitos fundamentais. São aqueles que exigem que o Estado proporcione aos seus cidadãos condições mínimas para uma sobrevivência com dignidade, ou seja, “[...] são os direitos sociais, econômicos e culturais que buscam diminuir as desigualdades sociais, notadamente proporcionando proteção aos mais fracos”, como ressalta Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2005, p. 41).

Não se pode deixar de explicar que os direitos de primeira dimensão somam-se aos direitos de somam-segunda dimensão, ou somam-seja, não somam-se excluem de maneira alguma, antes o contrário, se complementam.

A primeira geração de direitos viu-se igualmente complementada historicamente pelo legado do socialismo, cabe dizer, pelas reivindicações dos desprivilegiados a um direito de participar do “bem-estar social”, entendido como os bens que os homens, através de um processo coletivo, vão acumulando no tempo. É por essa razão que os assim chamados direitos de segunda geração, previstos pelo welfare state, são direitos de crédito do indivíduo em relação à coletividade. Tais direitos – como o direito ao trabalho, à saúde, à educação – têm como sujeito passivo o Estado porque, na interação entre governantes e governados, foi a coletividade que assumiu a responsabilidade de atendê-los [...] Daí a complementaridade, na perspectiva ex parte populi, entre os direitos de primeira e segunda geração, pois estes últimos buscam assegurar as condições para o pleno exercício dos primeiros, eliminando ou atenuando os impedimentos ao pleno uso das capacidades humanas (LAFER, 2006, p.127).

Os direitos de segunda dimensão dão ao Estado a possibilidade de promover políticas públicas que visem diminuir as disparidades econômicas e sociais e assim proporcionar aos hipossuficientes uma melhor qualidade de vida e o exercício de sua cidadania.

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Tendo como referência os dizeres de Bonavides (2010, p. 569) ao destacar que de acordo com as demandas de cada época e períodos distintos, os direitos fundamentais vão surgindo para dar respostas às necessidades dos cidadãos que fazem parte de um mundo globalizado, surge a terceira dimensão, na qual “[...] os direitos não se destinam especificamente à proteção dos interesses do indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado”, pois os destinatários são indeterminados, tais como o direito ao meio ambiente , ao desenvolvimento, a fraternidade.

Observa-se que, estes direitos, conhecidos como novos direitos se traduzem em ações que envolvem a todos indistintamente e são importantíssimos para a construção da cidadania. Já, os que compreendem os direitos à democracia, a informação e ao pluralismo, são denominados de direitos de quarta ou quinta dimensão.

Tais direitos versam sobre o futuro da cidadania e a proteção da vida a partir da abordagem genética e suas atuais decorrências. Esta imposição de reconhecimento e garantia por parte do Estado se dá porque as normas constitucionais estão em constante interação com a realidade (BONAVIDES, 2010, p. 572)

Sem pretender esgotar o assunto, a seguir aborda-se o que realmente se entende como primordial para esta pesquisa: os direitos de primeira geração, com destaque para o direito à vida, liberdade e igualdade, pois ambos estão inter-relacionados e ajudam a compreensão do tema referente ao uso de drogas.

1.2 Do direito à vida, à liberdade e à igualdade

O Estado não pode vedar a liberdade dos indivíduos com o propósito de aspirar salvaguardá-los, pois vive-se em uma democracia. A própria ideia de democracia é contrariada quando intervenções estatais presumivelmente visam proteger um direito contra a vontade do indivíduo que é seu titular.

É importante salientar que o Estado democrático de direito garante aos cidadãos uma vida digna atrelada à liberdade para todos, em um ambiente de

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diversidade. É o que basicamente traz o artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil (1988):

Art.5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo – se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. [...]

Os direitos civis e políticos integram os direitos fundamentais de 1ª dimensão e estão presentes em todas as Constituições das sociedades democráticas. O direito à vida, à intimidade, à inviolabilidade de domicilio, à propriedade, a igualdade perante a lei, entre outros, são exemplos de direitos inerentes ao indivíduo. (BEDIN, 2002).

Neste contexto, se faz necessário abordar, primeiramente o direito à vida, para, posteriormente tratar do direito à liberdade e à igualdade, pois ambos estão interligados e fazem parte de um campo de princípios fundamentais que contribuem para compreensão do tema que ora se estuda.

Dentre os direitos fundamentais, registra – se que a Constituição Federal de 88 apresenta o direito à vida como o de maior importância, sendo garantido a todas as pessoas sem qualquer distinção. Segundo Alexandre de Moraes (2011, p. 111) “O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais”.

Na verdade, evidencia – se que o direito à vida deve ser assegurado, uma vez que, se não for assegurado perde o seu sentido de existência. Nesse aspecto, as lições de André Ramos Tavares (2009, p. 543) asseveram que “O direito à vida assume duas vertentes, sendo a primeira no direito de permanecer existente, que é o direito principal. Em um segundo momento o direito a um adequado nível de vida.”

Desta forma, não se pode deixar de mencionar que o direito à vida é o principal direito que existe, no entanto, pode sofrer restrições na seara do direito, pois no caso de defesa da própria vida quando esta estiver em conflito com outro

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direito de viver, de outra pessoa, o próprio Estado permite a violação do direito à vida de outrem, sem punição de sua parte 1(TAVARES, 2009).

O que há de ser devidamente enfatizado, é a circunstância de que o direito à vida sempre estará em primeiro plano em qualquer situação, pois mesmo com a evolução da ciência e da tecnologia, novos direitos deverão ser resguardados e disciplinados juridicamente, contudo a vida está acima do próprio desenvolvimento e encontra limitações na legislação brasileira.

Pontes de Miranda (apud Diniz, 2002, p. 24) enuncia que “a vida está acima de qualquer lei e é incólume a atos dos Poderes Públicos, devendo ser protegida contra quem quer que seja, até mesmo contra seu próprio titular, por ser irrenunciável e inviolável.”

Por outro lado, em decorrência da vida, o homem tem direito à liberdade e igualdade, sendo que o artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH (1948) estabelece que: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espirito de fraternidade” e, da mesma forma, esta explicito no texto constitucional, art 5º, já mencionado, esses direitos e garantias fundamentais, polêmicos, mas fundamentais.

Para falar de liberdade, cabe salientar que faz parte da primeira dimensão de direitos e é a pedra fundamental da democracia moderna e que segundo Gilmar Antonio Bedin (2002, p. 43) “onde sofrerem restrições todo edifício democrático corre o risco de desmoronar”.

Na verdade, entre os direitos liberdade, existem elencados na CF/88, liberdades físicas, liberdades de expressão, de consciência, da pessoa acusada, e, também, a liberdade as garantias desses direitos. Nessa perspectiva, o direito à liberdade deixa de ser estudado da forma que deveria ser, pois não coexiste liberdade separadamente, a liberdade é uma só e todas remetem a um mesmo

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direito. “[...] Ao ser assim tratada, por partes, como um conjunto de direitos singulares, acabamos por perverter-lhe o seu verdadeiro sentido, restringindo-lhe em muito o seu alcance, [...], segundo palavras de Renato Laudório (2015, p. 2)

Ao abordar liberdade como “liberdades” delimita-se o alcance somente aos conteúdos enunciados. Ou seja, essa limitação implica em considerar como direito à liberdade somente aquilo que o Estado determina como direito de liberdade, princípio de Estados totalitários, o que conflita com o modelo democrático adotado pelo Brasil, consolidado pela CF de 88 (LAUDÓRIO, 2015).

Na verdade, há um equívoco no tratamento do direito à liberdade, como mostra Laudório (2015, p. 5):

[...] o principal equívoco no tratamento do direito de liberdade é o de encará-lo como direito positivo, quando, na realidade, trata-se do mais típico direito negativo. Em outras palavras, o verdadeiro conteúdo do direito de liberdade não deve ser buscado em suas muitas manifestações positivas (“liberdade de ir e vir”, “liberdade de reunião”, etc.), mas sim no princípio da legalidade, tomado sob a perspectiva de um Estado Democrático de Direito.

A liberdade, neste aspecto está interligada ao princípio da legalidade, alicerce da democracia brasileira, sendo que, o art 5º, inc II assim expressa: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.(BRASIL, 1988)

Nesse sentido, José Murilo de Carvalho (2002, p. 205) afirma que:

Para alcançar o verdadeiro significado ou, melhor ainda, conteúdo essencial da palavra liberdade, é imprescindível que cada ser humano saiba com a maior amplidão o que deve entender por liberdade seus aspectos fundamentais, já que ela, como princípio lhe assinala e substancia sua posição dentro do mundo.

Vale ainda assinalar que a liberdade é inerente ao ser humano. Não há como desfrutar de uma vida com dignidade, em uma sociedade que pretende ser justa e solidaria, como está previsto na CF/88, sem o exercício da liberdade dentro dos parâmetros legais.

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Outro direito a ser tratado nesse trabalho diz respeito ao direito à igualdade, sendo necessário, citar, em primeiro lugar, a clássica definição de Aristóteles (apud BONAVIDES, 2006, p. 563):

[...] à igualdade existira entre as pessoas; se as pessoas não forem iguais, elas não terão uma participação igual nas coisas, mas isto é origem das querelas e queixas (quando pessoas iguais têm e recebem quinhões desiguais, ou pessoas desiguais recebem quinhões iguais). Além do mais, isto se torna evidente porque aquilo que é distribuído às pessoas deve sê – lo ‘de acordo com o mérito de cada uma’.

Significa dizer que se deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida se sua desigualdade, já mencionava Rui Barbosa em seu poema “Oração aos moços”.

Na mesma linha, observa-se que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, na França afirmava que “os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem se basear na utilidade comum”. (DHC, 1789)

Dando continuidade à evolução histórica dos direitos fundamentais, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela ONU em 1948, o art. 7º afirma que “todos são iguais perante a lei e têm direito sem distinção a uma equitativa proteção da Lei. Todos têm direito a uma proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitação a uma tal discriminação.”

Da mesma forma, segundo entendimento de Celso Antonio Bandeira de Mello (2008, p. 46), o princípio da igualdade não permite a arbitrariedade da autoridade pública, pois

Tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório, de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é. Fundamento logico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o especifico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional.

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É importante referir que o princípio da igualdade está vinculado à liberdade, e à dignidade, pois tratar desigualmente os desiguais na medida das suas desigualdades não é uma tarefa das mais fáceis, haja vista que em nossa sociedade as pessoas são tratadas desigualmente como forma de discriminação e não como forma de igualização, principalmente, se fizer parte de uma minoria usuária de drogas.

Outro ponto a ser destacado quanto a previsão do princípio da igualdade relaciona-se intimamente com a dignidade da pessoa humana, pois ambos são direitos inerentes ao ser humano, parte integrante da vida.

O Estado tem o dever de garantir o direito à vida e a dignidade humana, pois basta a condição de ser humano para que a legislação outorgue a devida proteção. O Estado, segundo Moraes (1997, p. 87) tem a

Obrigação de cuidado a toda pessoa humana que não disponha de recursos suficientes e que seja incapaz de obtê-los por seus próprios meios;

Efetivação de órgãos competentes públicos ou privados, através de permissões, concessões ou convênios, para prestação de serviços públicos, adequados que pretendam prevenir, diminuir ou extinguir as deficiências existentes para um nível mínimo de vida digna da pessoa humana.

Nesse sentido, precisa-se entender que o direito à vida implica em se ter uma vida em condições dignas, decente, com o mínimo necessário para um ser humano, razão pela qual se torna essencial o estudo da dignidade da pessoa humana.

1.3 Da dignidade da pessoa humana e sua fundamentalidade

Ao referir- se à dignidade da pessoas humana, observa-se que essa ganha cada vez mais relevância no plano nacional dos Estados e na área da sociedade internacional. Desta forma, a conceituação de dignidade da pessoa humana proposta por Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 41) é fundamental para a compreensão do tema que se pretende abordar. Afirma que:

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A dignidade da pessoa humana é a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o fez merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de nos proporcionar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.

A relação existente entre a vida e dignidade é inseparável, uma vez que não há como tratar de uma sem que a outra esteja presente, pois a dignidade é uma questão de valores que faz parte da vida humana. Qualidade que distingue o homem enquanto ser racional dos animais e ganha destaque quando os textos constitucionais a consagram como fundamento, como é o caso da Constituição Federal de 1988.

Significa que a dignidade ganha legitimidade quando é reconhecida e consagrada como indispensável ao ordenamento jurídico por meio da Constituição Federal de 1988, que a menciona em seu art. 1º, inciso III:

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

III- a dignidade da pessoa humana. (BRASIL, 1988)

Nesta perspectiva, o Estado tem a tarefa de implementar ações e programas que visem minimizar as desigualdades socais, promovendo políticas públicas que possibilitem aos cidadãos melhoria de suas condições materiais, pois como um atributo específico dos seres humanos, estes deverão, com a ajuda do Estado, conquistá-la. Segundo Luhmann (apud Sarlet, 2001, p. 48): “a pessoa alcança sua dignidade a partir de uma conduta autodeterminada e da construção exitosa da sua própria identidade”

Desta forma, infere-se que o ser humano se constitui como a primeira finalidade do Estado e este existe para assegurar a dignidade da pessoa humana e não o contrário, sendo que sua fundamentalidade se expressa quando o Estado chama para si a responsabilidade de auxiliar os mais vulneráveis na sociedade. (SARLET, 2011).

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Sendo assim, pode-se afirmar que a dignidade humana é tarefa do Estado e como tal necessita estar atenta às necessidades dos cidadãos, seja na área da educação, saúde, lazer, segurança ou em outro campo. Respeitar a dignidade é em última instância respeitar o ser humano, pois sem dignidade o homem não vive e não sobrevive.

1.3.1 Dignidade humana como tarefa do Estado

A dignidade humana foi elevada à categoria de fundamento ou princípio constitucional, pois o texto constitucional tem um cunho essencialmente social, por isso, impõe tarefas ao Estado, sob a forma de prestações decorrentes de direitos fundamentais.

Neste sentido, Eurico Bitencourt Neto (2010, p.100):

[...] tais prestações, para que se concretizem, dependem de interposição legislativa, o que dilui a sua eficácia imediata. O impasse é aparente porque o princípio da dignidade da pessoa humana possui uma reserva de eficácia direta: o direito ao mínimo para uma existência digna.

De tal modo, as hipóteses de violência à dignidade humana por falta de bens necessários que não conseguem ser solucionadas pelas prestações de direitos fundamentais sociais, são eliminadas pela aplicação do direito a uma existência digna.

Por outro lado, para evitar a degradação do homem, reforça - se a ideia de um direito ao mínimo para uma existência digna, da qual decorrem a realização de alguns direitos fundamentais essenciais para a garantia de meios materiais de subsistência, que significa que o Estado tem a tarefa de promover políticas públicas indispensáveis para assegurar o mínimo existencial, que se traduz nos direitos sociais.

Em outras palavras, a consagração constitucional expressa de direitos sociais impõe ao Estado um dever de bem – estar, na medida em que tais direitos, dotados de fundamentalidade, são direitos universais. Quando se fala em um direito fundamental à saúde, ao ensino, à cultura, ao lazer, à segurança, ao desporto, entre outros, não se faz referência apenas a uma dimensão de combate à miséria – que decorre diretamente do princípio da

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dignidade da pessoa humana e não necessita de consagração constitucional sob a forma de direitos sociais (BITENCOURT NETO, 2010, p. 77).

Constata-se assim que o Estado tem o dever de construir o bem-estar de toda a sociedade fazendo com que os direitos sociais, tais como saúde, educação, segurança, lazer, entre outros, sejam universalizados e que não haja discriminações entre aqueles que são considerados hipossuficientes. (BITENCOURT NETO, 2010).

Pode-se hoje dizer que a dignidade da pessoa humana exige do Estado uma tarefa fundamental, que é garantir que todos os cidadãos, independentemente de credo, raça, sexo, idade, cor, possam usufruir das prestações materiais necessárias para uma existência digna, decente e em condições de sobrevivência. (BITENCOURT NETO, 2010).

Registre – se que não se pretende fazer uma análise exaustiva do tema em discussão, em virtude da natureza deste trabalho, que objetiva desenvolver aspectos relacionados a inconstitucionalidade da utilização do uso de drogas, mas que abordou sobre os direitos fundamentais como forma de contextualizar o assunto.

Resumindo, a tarefa do Estado, enquanto garantidor dos direitos fundamentais, implica – se em assegurar direitos, proporcionar uma vida digna a cada cidadão, não interferindo nas escolhas pessoais e profissionais de cada indivíduo, para não ferir a sua individualidade, uma vez que sua função é realizar ações que contribuam para a concretização dos direitos prestacionais. (BITENCOURT NETO, 2010).

A seguir, aborda-se aspectos referentes a utilização das drogas para consumo, bem como, pretende-se desenvolver pontos que dizem respeito a interpretação do Superior Tribunal de Justiça, quanto à legislação que trata do assunto, em especial a Lei nº. 11.343/2006 para verificar a (des)criminalização do uso de drogas e o tratamento jurídico que os julgadores oferecem ao tráfico de drogas, posse de drogas e ao usuário, ou “mulas.”

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2 AS DROGAS E SUA ( DES) CRIMINALIZAÇÃO/PROIBIÇÃO

A análise de aspectos históricos e evolutivos das drogas no Brasil, para compreender a sua criminalização, se faz necessária, uma vez que sua lesividade atinge bens jurídicos como, a vida, saúde e liberdade, bens tutelados pelo Direito Penal brasileiro que merecem ser estudados para que se possa compreender a criminalização/proibição das drogas.

Mesmo que o sistema penal seja considerado um mecanismo de controle social, não está autorizado/legitimado a promover a criminalização de condutas e da liberdade das pessoas, se não houver ofensa a bens jurídicos fundamentais. Na visão de Luiz Flávio Gomes (2002, p. 14) “[...] nenhum sistema penal está legitimado a ‘sacrificar’ a liberdade individual senão quando incrimina fatos significativamente ofensivos a bens jurídicos de relevância (pessoal) indiscutível”

Em decorrência disto, percebe-se que a criminalização de condutas que não oferecem risco à sociedade e não lesionam bem jurídicos, sejam do próprio incriminado ou de terceiros, protegidos pelo Direito Penal, não cabe a sua criminalização.

No entanto, a política criminal antidrogas adotada no Brasil, revela, sem sombra de dúvida,” [...] um verdadeiro “direito penal contra o inimigo”, o qual se baseia em uma espécie de “criminalização antecipada”, o que não se coaduna com os fundamentos e princípios constitucionais” alerta Gomes. ( 2002, p. 19).

Antes de adentrar em aspectos que apresentam as justificativas da criminalização das drogas em nosso país, estuda-se sua evolução e aspectos históricos.

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2.1 Aspectos históricos referentes às drogas no mundo e no Brasil

Não se desconhecem as dificuldades encontradas para se identificar a origem histórica referente às drogas no mundo e no Brasil, bem como a existência de legislação proibindo-as. “O que está ao alcance, entretanto, é a possibilidade de captação de elementos punitivos que surgiram em determinados momentos da história que implicariam, posteriormente, na estruturação de todo o arcabouço proibicionista que temos atualmente (CARVALHO, 2010, p. 10).

Desse modo, inicia-se apresentando o que Marcos da Costa Leite e outros (1999, p. 17) explicam sobre o controle de consumo de drogas, ou seja, segundo ele

O primeiro caso na história de controle de consumo de substâncias psicoativas ocorreu ainda civilização Inca, originária da região de Cuzco que se voltou totalmente à produção e à utilização de coca. Lá, apenas a oligarquia tinha autorização para consumir a coca e [...]. Mascar sem autorização era considerado crime no Império

Nessa passagem histórica pode-se deduzir que o consumo de drogas era restrito a um pequeno grupo que detinha o poder, a oligarquia2, que desfrutava de

privilégios que não se estendiam as demais (LEITE, 1999).

Contudo, não se tem notícias sobre o marco inicial sobre a proibição do consumo de drogas, mas nessa pesquisa, a abordagem vai referir-se a dados do Século XX e adentrar no atual Século XXI, porque não se pretende esgotar o assunto.

Ressalta-se que no ano de 1906, se tem notícia de que em Xangai o número de pessoas dependentes do ópio era tão grande que foi considerada como uma epidemia das mais avassaladoras conhecidas na história. “Por esse motivo, a Comissão de Xangai voltou-se a trabalhar arduamente na restrição de substâncias psicoativas, com o intuito de conter a imensa epidemia, nunca vista antes”. (SILVA, 2012, p. 29).

2 Corresponde a um regime de governo vinculado ao controle de quantidade restrita de pessoas que desfrutam de uma série de vantagens devido a sua condição alicerçada no poder ( LEITE. 1999).

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Nessa seara, as considerações de Alba Zaluar (1999, p.130) são fundamentais para a compreensão do que ocorreu naquele período. Assinala que “A epidemia por tóxicos passou a ser reconhecida, inicialmente, nos Estados Unidos no ano de 1950 com a enxurrada de casos envolvendo o vício em heroína”.

Avançando um pouco mais e sem deixar de considerar aspectos da história mundial da utilização de drogas, visto que estão interconectados, aborda-se sobre o problema social da referida utilização no Brasil.

O crescente consumo de Cannabis (maconha), tornou-se um problema social, no Brasil, em meados dos anos 70, no entanto a utilização dessa droga ilícita não era nada se comparada com a invasão da cocaína nos anos 80 (ZALUAR et al. 1999, p. 131).

Vale aqui recordar que a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas foi aprovada em 1988, completando 25 anos em 2013, com o objetivo de promover a cooperação entre os Estados e de alguma forma minimizar os problemas oriundos da utilização de drogas, bem como, “[...] para tratar de forma mais eficaz o tráfico de drogas, acabar com os lucros de organizações criminosas através da produção de drogas ilícitas e do trafico e fornecer novas ferramentas aos governos.(ONU, 2013)

Sobre essa aprovação, observa Silva (2012, p. 31):

[...] assim, fortaleceu o controle de percussores químicos, acrescentando o éter etílico e a acetona no rol das substâncias controladas. Essa convenção também posicionava-se sobre a cooperação internacional para a extradição de traficantes de drogas, seu transporte e procedimentos de transferência.

Sem sombra de dúvidas, o sistema internacional de controle de drogas teve o seu apogeu no final da década de 80 quando o problema das drogas passou ser visto como um problema de toda sociedade, envolvendo todos os países que estavam vivendo essa situação, e entenderam que unidos, cooperando uns com os outros poderiam solucionar os mais diversos problemas que as drogas causavam em cada um (BOITEUX et al, 2012).

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É importante frisar que a Convenção da ONU contra tráfico de entorpecentes e substancias psicotrópicas possibilitou que a maioria dos países signatários dessa criassem políticas proibicionistas e campanhas no sentido de minimizar os grandes problemas oriundos tanto do abuso quanto do tráfico de drogas. BOITEUX et al, 2012).

As políticas proibicionistas de drogas ilícitas culminaram para que diversos órgãos em todo o mundo criassem campanhas no sentido de amenizar os grandes problemas oriundos tanto do abuso quanto do tráfico de drogas (SILVA, 2012, p. 32).

Em 2009 a Comissão de Narcotráficos (CND - sigla em Inglês) das Nações Unidas reafirmou seu comprometimento em combater o tráfico de drogas e organizações criminosas, apresentando um estudo comparativo, tendo como referência os dez últimos anos para, assim verificar quais os países que conseguiram de alguma forma amenizar esse problema. Passaram-se 10 anos e muita coisa permaneceu como estava. (UNODOC, 2018)

Neste sentido, o Relatório Mundial sobre Drogas de 2018, lançado pelo Escritório das Nações Unidas sobre drogas e crimes (UNODOC) apresenta dados alarmantes relativos a utilização de medicamentos e segundo conclusão refere que:

O uso não medicinal de medicamentos sob prescrição está se tornando uma enorme ameaça para a saúde pública e o cumprimento da lei no mundo, com opioides sendo responsáveis pelos maiores danos, contabilizando 76% de mortes envolvendo distúrbios relacionados ao uso de drogas.

O fentanil e seus análogos ainda constituem um problema na América do Norte, enquanto o tramadol - um opioide utilizado para tratar dores moderadas e graves - tem se tornado uma preocupação crescente em partes da África e da Ásia. O acesso ao fentanil e ao tramadol para usos medicinais é vital para o tratamento da dor crônica, mas traficantes os produzem ilicitamente, promovendo-os em mercados ilegais e causando danos consideráveis à saúde. ( UNODOC, 2018).

(29)

Ainda, o Relatório Mundial sobre Drogas de 2018, evidencia que o tráfico de entorpecentes, dentre os quais se incluem os opioides farmacêuticos3, com

destaque para o tramadol4 têm liderado as apreensões globais, desde 2016. Ou

seja, segundo a UNODOC ( 2018, s.p)

A apreensão global de opioides farmacêuticos em 2016 foi de 87 toneladas, aproximadamente a mesma quantidade de heroína apreendida naquele ano. A apreensão de opioides farmacêuticos - principalmente do tramadol na África Central, Oriental e do Norte, contabilizou 87% do total global em 2016. Países da Ásia, que contabilizaram no passado mais da metade das apreensões globais, representaram apenas 7% do total global em 2016.

Constata-se, que os resultados desse estudo mostram que poucos países conseguiram diminuir o conflito existente com o tráfico, produção e comercialização de entorpecentes e drogas afins, o que significa que a necessidade de mudança na política antidrogas, que coloquem as pessoas em primeiro lugar.

Por outro Lado, Portugal, o primeiro país a descriminalizar todas as drogas, em 2001, é referência global no que diz respeito ao tratamento de dependentes e redução da violência que está relacionada com a proibição, como demonstra o infográfico [ANEXO I], que mostra o número de mortes relacionadas à drogas pós descriminalização.

Destaca-se que continua sendo configurado como crime a comercialização e ou produção de qualquer tipo de droga, seja no âmbito internacional ou nacional. No entanto, alguns países, entre eles Portugal, apresenta uma legislação mais avançada, pois para este país tratar dos dependentes de drogas é mais importante do que trancafiar traficantes, pois estes vão continuar praticando o crime de dentro dos estabelecimentos prisionais. (SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE, 2019). Segundo o SNS de Portugal,

O usuário que for pego pela polícia portando qualquer tipo de droga em Portugal é encaminhado à Comissão de Dissuasão da Toxicodependência (IDT), que normalmente é formada por três

3 Os opioides são medicamentos derivados da papoula - planta que também é a base de produção do ópio e da heroína. (BBC, 2019).

4 O tramadol é um analgésico oral de ação central (droga analgésica) que contém um opioide (narcótico). Outros opioides incluem medicamentos com os quais você pode estar mais familiarizado, como oxicodona ou codeína. Os opioides ganharam as manchetes nos últimos anos devido ao tremendo problema do vício em opiáceos nos EUA .(L. Anderson, PharmD, 2019, s.p).

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pessoas, um advogado, um médico e um trabalhador social ( Serviço Nacional de Saúde, Portugal, 2019).

Interessante destacar que a intenção da comissão não é a punição e sim realizar o tratamento dos que são dependentes, afetados pelo consumo de drogas. Inclusive, salienta a Comissão, na plataforma digital do Serviço Nacional de saúde de Portugal que :

o papel dessa comissão é recomendar o tratamento, apresentar as opções que o usuário tem se quiser largar o vício, mas nunca punir qualquer pessoa que esteja portando no máximo dez doses diárias da droga que consome. ?

E essa política, como apresenta esse outro mapa, corroborou a diminuição do consumo continuo de drogas entre todos os adultos [ver ANEXO II].

Cabe referir que a Assembleia Nacional da ONU, em 2016, reuniu-se em Nova Iorque, com representantes das nações5 reconhecem que a criação de

políticas globais sobre drogas passam necessariamente pela abordagem com viés de saúde pública e direitos humanos (ONU,2016).

Por outro lado, um aspecto relevante sobre a redução da demanda e da oferta de drogas ocorreu em 2016, quando o Brasil participou da reunião do Grupo Temático Ampliado das Nações Unidas sobre HIV/Aids(GT/UNAIDS), em Brasília, com a discussão do tema para ser apresentado no encontro da Assembleia Geral ocorrida em abril do mesmo ano. Nesse encontro, discutiu-se a necessidade de modificar as políticas antidrogas e a construção de “[...] uma política de drogas integrada, interdisciplinar baseada em evidencias cientificas e com uma perspectiva de saúde que respeite os direitos humanos”. (GTANU, 2016).

A partir do exposto, contudo sem extenuar o assunto das políticas antidrogas, aborda-se a seguir sobre os aspectos evolutivos da legislação contra as drogas no Brasil.

5 Entre as nações que reconhecem a criação de políticas globais sobre drogas passam necessariamente pela abordagem com viés de saúde pública e direitos humanos se encontra: EUA, Polônia, Chile, Portugal, México, Suíça, Colômbia. Reino Unido, BRASIL, Peru, França, Noruega, entre outros. ( UNODOC, 2016)

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2.2 Aspectos evolutivos da legislação contra as drogas no Brasil

A proibição de drogas não é um fato recente. Segundo Carvalho (2010, p. 10)

No Brasil, se tem notícias sobre a proibição com relação as drogas como com o surgimento nas Ordenações Filipinas, que apresentava no Título LXXXIX do livro V que sua utilização [...] era proibida por qualquer pessoa a posse e o comércio de qualquer substância venenosa.”6

Com o decorrer dos anos, não houve menção as substancias venenosas, hoje tidas como drogas, até o ano de 1890, quando o tema surge no Código Penal de 1890, como crime ligado à saúde pública. (CARVALHO, 2012)

Nesse sentido, as lições de Carvalho (2012, p. 11) são esclarecedoras quando afirma que:

Vários crimes que se referiam à saúde pública passaram a ser regulamentamos, com Código Republicano era possível identificar no seu artigo de ordem 159 que a exposição, a venda ou a utilização de substâncias venenosas sem prévia autorização seriam penalizadas com multa (CARVALHO, 2012, p. 11).

Tatiani Cristina da Silva (2012 p. 34-35) ressalta que o Código de 1890 permaneceu inalterado até 1932 quando passa por uma importante alteração substancial, e

[...] as leis penais passaram a ver os delitos cometidos contra a saúde pública com olhos mais rigorosos; neste período foram acrescentados doze parágrafos no artigo de ordem 59 daquele código, alterações merecem ser observadas: a pena de multa já prevista se manteve, acrescentando também a pena de prisão; foi acrescentado o termo “substâncias entorpecentes”; e o termo “vender e subministrar” entorpecentes. Diante disso surge um novo modelo de proibição de drogas amparado pelos decretos nº 780/36 e 2.953/38.

6 Índios da bacia Amazônica tomam esse chá alucinógeno há mais de 4 mil anos – um hábito que chamou a

atenção de portugueses e espanhóis assim que eles desembarcaram por aqui, no século 16. Ao chegarem à Amazônia, padres jesuítas escreveram sobre o chá da “poção diabólica” e as cerimônias que os indígenas realizavam depois de consumir o ayahuasca. Durante todo esse tempo, a bebida provavelmente teve a mesma receita: um cozido à base de pedaços do cipó Banisteriopsis caapi (2006, s.p)

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Não se pode deixar de mencionar que a Consolidação das Leis Penais em 1932, amplia a regulamentação das condutas contra saúde pública, nas quais há uma imensa gama de verbos para incriminar essas condutas, bem como o termo substancia venenosa é substituída por substancia entorpecente, apresentando à sociedade um novo modelo de política repressora.( CARVALHO, 2012)

Assim sendo, a partir dessa regulamentação o Brasil assume o modelo internacional de controle antidrogas, aprovando e promulgando a Convenção Única sobre Entorpecentes, em 1964, assinada pelo então presidente Castelo Branco. No decreto 54.216/64 traz em seu texto a distinção entre consumidor e traficante, entre doente e delinquente, passando a punir ambos com pena de reclusão, e permanecendo até o ano de 1973, quando surge a Lei 6.368/76.( CARVALHO, 2012).

Assevera Torcato (2016, p.251) que “a diferença entre a Lei de 1968 e a de 1976 não está nas figuras típicas do código, mas no maior peso da pena: de três a quinze anos de prisão”

Em 1938 o Brasil torna-se signatário do Modelo Internacional de Controle às drogas, a “política proibicionista sistematizada” que amparava as substâncias entorpecentes surgiu efetivamente na década de 1940 através do Decreto Lei nº 891/38 (CARVALHO, 2010, p. 12).

Segundo Silva (2012, p.34) esse assunto voltou a ser novamente estudado pelo Código Penal de 1940 quando criado o Decreto Lei nº 2.848/1940e previa no seu artigo 281:

Art. 281 - importar ou exportar, vender ou expor a venda, fornecer, ainda a título gratuito, transportar, trazer consigo, ter em depósito, guardar, ministrar ou, de qualquer maneira, entregar a consumo substância entorpecente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar (SILVA, 2012, p. 34).

Em 1976 é instituída a Lei nº 6.368/76, podemos analisar pelo ano de instituição que referida lei se deu no regime militar de governo, o teor desta lei se baseia principalmente na redução na comercialização das drogas, ou seja, fora

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empregada políticas no sentido de fiscalizar e trabalhar de forma repreensiva à comercialização de drogas, os que eram surpreendidos nesse comércio, tanto os que compravam quanto os que vendia eram submetidos à prisão (CARVALHO, 2010, p. 35).

Ao relatar o amparo que a Constituição de 1988 e a Lei de Crimes Hediondos deu às drogas disserta Silva:

A entrada em vigor da Constituição de 1988 manteve o tratamento repressivo ao traficante, haja vista que a Carta Magna determina essa conduta como crime inafiançável e insuscetível de graça ou indulto. Com a edição da Lei dos Crimes Hediondos – Lei nº. 8.072 de 1990, foi vedada a concessão de liberdade provisória aos acusados por tráfico de drogas. A mesma lei determinou que a pena privativa de liberdade fosse cumprida em sua integralidade sob o regime fechado e que o livramento condicional só pudesse ser requerido pelo condenado que já tivesse cumprido mais de dois terços da pena. (SILVA, 2012, p. 36).

[...]

Explica Carvalho (2010, p. 36) que em 2002 entrava em vigor a Lei nº 10.409 que regulamentava de forma inda mais eficiente aspectos sobre a prevenção, o tratamento, a fiscalização, e o comércio de drogas.

Já no ano de 2006, através da Lei nº11.343 instituiu-se o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SINAD) que prescreveu medidas para prevenção, repressão e reabilitação do dependente químico na sociedade (FREITAS, 2014, p. 01)

Lei que está em vigor até hoje, foi sancionada após muita discussão, negociação, e junção de projetos de lei sobre a matéria. Seu relator foi Paulo Pimenta, deputado federal do PT-RS, a ideia era substituir a um “Sistema Nacional Andrigrodas”, por um “Sistema Nacional de Politicas Publicas sobre as Drogas”, com o intuito de resolver a confusão legislativa ocasionada pela vigência concomitante das Leis nº 10.409, de 2002, 6.368 de 76, e do Projeto de Lei nº 6.18/2002, que tramitou como PL 7.134/2002. ( SENADO FEDEARL, 2019)

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O artigo 1º da referida lei, impõe medidas para prevenção do uso indevido, a atenção e reinserção social de dependentes e usuários de drogas, constitui normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico, e define crimes.

Agora, o usuário não é mais penalizado com a reclusão ou restrição de direitos, o mesmo é autuado pela autoridade policial que fará o termo circunstanciado, e o julgará em audiência no Juizado Especial Criminal, onde poderá ser advertido sobre o efeito das drogas, punindo com o pagamento de prestação de serviços à comunidade, sofrer medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (28, caput, paragrafo 1º), admoestação verbal e multa.( FREITAS, 2014)

Quanto ao tráfico, será sempre equiparado a crime hediondo, salvo quando se tratar de trafico privilegiado, sob pena de reclusão e sem fiança quem por em prática a circulação de produtos ilícitos, conforme artigo 33 da referida Lei.

Com a criação de novas figuras típicas, destacando-se o informante colaborador do tráfico e o financiador do tráfico, a atual Lei de Drogas agrava a repressão ao tráfico e a produção não autorizada, pois há um aumento da pena mínima do tráfico, e vedação a fiança, graça, anistia, indulto, sursis, substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, e liberdade provisória.

Dente as mudanças em prol do usuário, por reduzir o controle penal sobre o uso de drogas, se destaca, além da descarceirização da posse para o uso próprio(artigo 28), a equiparação dessa conduta à daquele que planta para consumo pessoal(artigo 28, §1º), a redução da pena para hipótese de consumo compartilhado de droga ilícita ou, “cedente eventual”, como era conhecido(artigo 33§3º), conduta que era equiparada ao tráfico na lei anterior, a conduta daquele que utiliza local ou bem de sua propriedade ou posse, por qualquer título para o uso de entorpecentes, conduta até então também era equiparada ao tráfico na revogada Lei de Entorpecentes, não se viu mais tipificada na Lei vigente, mantendo, somente a criminalização daquela utilização de imóveis e bens para o tráfico de drogas em si, conforme artigo 33, inciso III, §1º da Nova Lei de Drogas. ( PBPD, ELIAS, 2019).

Embora, aparentemente, a Lei tenha alguns avanços significativos, na verdade representou um grande aumento da população carcerária, como explica

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Gabriel Santos Elias, coordenador de Relações Institucionais na Empresa Plataforma Brasileira de Política de Drogas(PBPD):

O problema é que, como uma forma de compensar e aumentar essa distinção entre usuário e traficante, as penas para tráfico de drogas aumentaram. Isso fez com que a população carcerária nos últimos dez anos aumentasse muito, em grande parte por crimes relacionados a drogas. O crescimento saltou de 15% para 30% nos últimos dez anos. Realmente foi um impacto muito grande, especialmente para a população feminina, que aumentou 513%. Esse foi um dos principais impactos da Lei de Drogas de 2006. Por isso, é muito importante ressaltar o quão equivocada foi essa lei que buscou aumentar a punição para os crimes relacionados a tráfico.(PBPD, ELIAS, 2019)

Há um nítido fracasso da Lei, ao tentar acabar com o consumo e tráfico, todos os dados apontam que esses números também cresceram. Hoje, 64% das mulheres encarceradas estão presas por crimes relacionados às drogas.

Esse fracasso se dá por um descompasso da Lei e sua aplicação, contribuindo com a problemática existente no direito penal das drogas. A presunção de culpa, fator inconstitucional, é fator primordial para a consolidação desse problema.

Desde 2006, quando iniciou a vigência da Lei, a população periférica, principalmente jovem e negra, está sendo cada vez mais condenada por tráfico, sendo que, muitas vezes, nem há relação com o crime, são meros usuários.

Isso se dá muito pela subjetividade e seletividade da nova Lei, que normalmente atinge só as classes menos favorecidas, contrariando a Lei Fundamental (presunção de inocência, artigo 5º, inciso LVII) e o Código de Processo Penal (a prova da alegação incumbirá a quem fizer, artigo 156), na medida em que enseja a presunção de culpa, ou seja, o indivíduo que for flagrado com drogas tem a incumbência de provar que sua finalidade não é comercial, estando em jogo sua liberdade. (FREITAS, 2014, p. 03)

Além disso, outro ponto importante na discussão sobre drogas é a violência. A segurança pública, assegurada no artigo 6º da CF, com essa Lei, não cumpre seu papel, e segundo Leandro Machado (BBC-SP/ 2019),

[...] hoje financia e subsidia organizações criminosas, que são combatidas fortalecendo uma estrutura militar do Estado e uma

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estrutura paramilitar das organizações criminosas”. Colocando, assim, o Brasil no 10º lugar no ranking dos países mais violentos do mundo, e no 4º lugar em população carcerária. (MACHADO, Leandro. BBC News Brasil, São Paulo, 2019).

Outro aspecto inconstitucional trata da criminalização da saúde dos usuários de drogas, que muitas vezes deixam de buscar ajuda para possíveis danos porque o porte para consumo ainda é considerado crime. Essa média afasta os usuários do sistema de saúde, contrariando o artigo 196 da Carta Magna:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1988)

Sobre esse mesmo tema, o Recurso Extraordinário para descriminalização do consumo de drogas, está em julgamento no Supremo Tribunal Federal, recurso com base na condenação de Francisco Benedito de Souza pelo crime de porte de maconha para consumo próprio. Esse recurso pode significar um grande avanço para legislação brasileira. Na medida que a descriminalização do consumo teria efeito tanto na população carcerária, quanto na saúde.

Desse modo, imprescindível colacionar algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal que tratam especificamente do assunto referentes a proibição e descriminalização de drogas

2.3 Decisões Judiciais: Superior Tribunal de Justiça-Posse de drogas, Usuário e Tráfico de Drogas

É imprescindível buscar junto aos Tribunais superiores, Superior Tribunal de Justiça, Supremo Tribunal Federal, decisões que possam contribuir para demonstrar que “É possível o reconhecimento do tráfico privilegiado ao agente transportador de drogas, na qualidade de "mula", uma vez que a simples atuação nessa condição não induz, automaticamente, à conclusão de que ele seja integrante de organização criminosa”, bem como quando “Os condenados pelo crime de tráfico de drogas terão a pena reduzida, de um sexto a dois terços, quando forem reconhecidamente

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primários, possuírem bons antecedentes e não se dedicarem a atividades criminosas ou integrarem organizações criminosas”, segundo Hábeas Corpus 387.077- SP que foi julgado no STJ.

Assim, colaciona-se abaixo, na íntegra a Ementa para deixar claro como o STJ está aplicando penalidades por tráfico de drogas.

HC 387.077-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, por unanimidade, julgado em 6/4/2017, DJe 17/4/2017. Tráfico de drogas. Dosimetria da pena. Causa de diminuição do art. 33, § 4°, da Lei n. 11.343/2006. Agente na condição de “mula”. Ausência de prova de que integra organização criminosa.

PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. AGENTE NA CONDIÇÃO DE “MULA”. AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE INTEGRA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. NECESSIDADE DE READEQUAÇÃO DO QUANTUM DE REDUÇÃO. REGIME PRISIONAL. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA. MODO FECHADO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO. FALTA DO PREENCHIMENTO DO REQUISITO OBJETIVO. MANIFESTA ILEGALIDADE VERIFICADA. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM

CONCEDIDA DE OFÍCIO.

1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.

2. Os condenados pelo crime de tráfico de drogas terão a pena reduzida, de um sexto a dois terços, quando forem reconhecidamente primários, possuírem bons antecedentes e não se dedicarem a atividades criminosas ou integrarem organizações criminosas (art.

33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006).

3. Embora haja diversos julgados de ambas as Turmas deste Tribunal Superior nos quais se afirme não ser possível o reconhecimento do tráfico privilegiado ao agente transportador de drogas na qualidade de “mula”, acolho o entendimento uníssono do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, no sentido de que a simples atuação nessa condição não induz, automaticamente, à conclusão de que o sentenciado integre organização criminosa, sendo imprescindível, para tanto, prova inequívoca do seu envolvimento, estável e permanente, com o grupo criminoso, para autorizar a redução da pena em sua totalidade. Precedentes do STF. 4. O conhecimento pela paciente de estar a serviço do crime organizado no tráfico internacional constitui fundamento concreto e idôneo para se valorar negativamente na terceira fase da dosimetria, razão pela qual o percentual de redução, pela incidência da minorante do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, deve ser estabelecido no mínimo legal, atento a especial gravidade da conduta praticada. Precedentes do STF e STJ. 5. Fixada a pena definitiva em 5 anos de reclusão, revela-se correta a imposição do regime inicial fechado (imediatamente mais grave segundo o quantum da sanção aplicada), tendo em vista a aferição desfavorável de uma das circunstâncias judiciais, nos exatos termos do art. 33, § 2º, “a”, e § 3º, c/c o art. 59, ambos do Código Penal. 6. É inadmissível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, pela falta do preenchimento do requisito objetivo (art. 44, I, do

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Código Penal). 7. Habeas corpus não conhecido. Ordem, concedida, de ofício, para fazer incidir em 1/6 a minorante do art. 33, § 4º, da Lei n. art. 11.343/2006, resultando a pena definitiva da paciente em 5 anos de reclusão mais o pagamento de 500 dias-multa. (STJ, Quinta Turma, HC 387.077/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 06/04/2017) (HC 387.077 - BRASIL, 2017).

Neste julgamento pelo STJ, evidencia-se que a controvérsia a ser discutida refere-se a “[...] possibilidade de reconhecimento do tráfico privilegiado ao agente transportador de drogas, na qualidade de 'mula' do tráfico”. Ora, deve-se lembrar que não há um posicionamento uniforme na Quinta e a Sexta Turmas deste Superior Tribunal de Justiça, pois os ministros divergem em suas posições e isso acarreta insegurança jurídica. (STJ, 2017).

Diante da jurisprudência hesitante desta Corte, entende-se por bem acolher e acompanhar o entendimento uníssono do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a simples atuação como "mula" não induz automaticamente a conclusão de que o agente integre organização criminosa, sendo imprescindível, para tanto, prova inequívoca do seu envolvimento, estável e permanente, com o grupo criminoso. Portanto, a exclusão da causa de diminuição prevista no § 4° do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, somente se justifica quando indicados expressamente os fatos concretos que comprovem que a “mula” integre a organização criminosa (HC 132.459, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, BRASIL. 2017 a).

Outra decisão que possibilita que se faça uma reflexão e com respeito a segregação cautelar do réu que portava certa quantidade de drogas e foi apreendida, ou seja, se em razão da quantidade, ele vai ser preso ou não.

Conforme se verifica na leitura da Ementa do Habeas Corpus 469.179/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 23/10/2018, DJe 13/11/2018, (grifo da autora):

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES.

ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO. FLAGRANTE CONVERTIDO EM PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. VARIEDADE E ELEVADA QUANTIDADE DE DROGAS APREENDIDAS. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. PERICULOSIDADE DO AGENTE. NECESSIDADE DE GARANTIR A ORDEM PÚBLICA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS.

INSUFICIÊNCIA. DESPROPORCIONALIDADE ENTRE A SEGREGAÇÃO PREVENTIVA E PENA PROVÁVEL. INVIABILIDADE DE EXAME NA VIA ELEITA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. RECURSO DESPROVIDO.

Referências

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