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Mulheres no cárcere: reflexões sobre as condições de vida e efetivação de direitos no âmbito da prisão

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Academic year: 2021

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MARDJELE DA SILVA DE BARCELLOS

MULHERES NO CÁRCERE: REFLEXÕES SOBRE AS CONDIÇÕES DE VIDA E EFETIVAÇÃO DE DIREITOS NO ÂMBITO DA PRISÃO

Ijuí (RS) 2014

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MARDJELE DA SILVA DE BARCELLOS

MULHERES NO CÁRCERE: REFLEXÕES SOBRE AS CONDIÇÕES DE VIDA E EFETIVAÇÃO DE DIREITOS NO ÂMBITO DA PRISÃO

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC. UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientadora: MSc. Francieli Formentini

Ijuí (RS) 2014

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Dedico este trabalho ao meu querido avô Pedro Queiróz da Silva (in memorian), a quem muito devo. A ele atribuo esta singela homenagem, adaptada de doutrina jurídica (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23 ed. São Paulo: Helvetica, 1998). Meu avô, eterno professor: Meu avô, amigo dos amigos, da família, dos empregados, dos vizinhos e até dos inimigos...

Meu avô, homem de caráter; homem de convicções, homem sem preço. Meu avô, poeta na juventude, inteligente, vivo e

espirituoso. Meu avô, silencioso na dor; humilde nas

homenagens. Meu avô, apoio nos acertos e nos desacertos. Meu avô, que adorava plantas e animais. Meu avô, que acreditava no nosso País. Meu avô, trabalhador até a morte. A este homem, que sempre teve fé na vida, amor pelas pessoas, pelo trabalho e pelo Brasil,

Ao ser humano que muito lutou contra os seus defeitos e evoluiu, A ele, que deixou um vazio enorme aos que o

conheceram, A ele, que tinha tanta luz e um sorriso tão doce... O meu amor eterno.

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AGRADECIMENTOS

A Deus e Jesus Cristo, por permitirem e subsidiarem mais essa conquista, apesar das adversidades enfrentadas.

À minha preciosa família, em especial minhas amadas mãe e avó, pelo incentivo, apoio, paciência, confiança e incansável auxílio e prestatividade, jamais me deixando esmorecer.

Ao meu também amado avô Pedro, que em vida zelou por mim, orientou-me e me educou; transmitindo os valores de caráter que hoje tenho como inexoráveis.

Ao meu pai, pela compreensão e esmero a mim dispensados.

Ao Freddy e à Bijou, pelo companheirismo, lealdade e carinho que só os bichinhos sabem dar.

À minha orientadora, professora Francieli Formentini, por dividir comigo seus saberes e conduzir de forma tranquila e acertada a realização deste estudo.

Aos professores de Direito da Unijuí, com quem tive o prazer de conviver e aprender, e que definitivamente exortaram meu interesse pela matéria objeto desse estudo.

Àqueles com quem tive a satisfação de trabalhar (Professor Gilmar Antonio Bedin; Dr. Valério Cogo, Dra. Catiuce Ribas Barin e todo o pessoal das Promotorias Criminais de Ijuí, Dr. Eduardo Giovelli e toda equipe do cartório e gabinete da 2.ª Vara Criminal de Ijuí, professora Ester Hauser, professor César Busnello), pela oportunidade de aliar teoria e prática profissional que me proporcionaram, e pela confiança e credibilidade em mim depositada.

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À direção, agentes penitenciários e mulheres presas da Penitenciária Modulada de Ijuí, que embasaram minha pesquisa de campo de forma solícita e atenciosa.

E, por fim, a todos que, de uma forma ou de outra, próximos ou distantes, torceram por mim e pela minha vitória e, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização desse trabalho.

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O homem é definido como ser humano e a mulher é definida como fêmea. Quando ela comporta-se como um ser humano ela é acusada de imitar o macho. Simone de Beauvoir

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RESUMO

O presente estudo traz uma análise das condições de vida e efetivação (ou não, e em que medida) de direitos e garantias fundamentais na seara prisional, sob a ótica feminina, isto é, das mulheres encarceradas, sejam condenadas ou provisórias. O objetivo principal da pesquisa é perscrutar se o Estado Brasileiro está apto, ou não, a fazer frente ao crescente número de mulheres presas, averiguando as implicações e circunstâncias daí decorrentes, e perpassando ainda as diferenças nas taxas de criminalidade femininas vis à vis às masculinas e a formação do arcabouço penitenciário voltado à segregação do público feminino. A metodologia abrange, para além da pesquisa bibliográfica, pesquisa de campo no ergástulo de Ijuí (Penitenciária Modulada), no fito de observar o objeto de estudo via práxis. Como resultados e conclusões, quer-se demonstrar que o protótipo carcerário adotado em nosso país é um sistema falido, que com maiores gravames atinge as mulheres, por não serem essas alvo da atenção e visibilidade de políticas públicas prisionais.

Palavras-Chave: Encarceramento feminino. Condições de vida. Efetivação de direitos e garantias. Especificidades de gênero. Penitenciária Modulada de Ijuí.

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RESUMEN

Este estudio presenta un análisis de las condiciones de vida y el cumplimiento (o no, y en qué medida) de los derechos fundamentales y las garantías en la cosecha de prisión, desde un punto de vista femenino, es decir, de las mujeres encarceladas son condenados o provisional. El objetivo principal de la investigación es igual si el gobierno brasileño es capaz o no de hacer frente al creciente número de mujeres detenidas por el examen de las consecuencias y las circunstancias que puedan surgir, y aún impregna las diferencias en las tasas de criminalidad vis-à-vis de mujer a hombre y la formación para el marco de la segregación prisión dirigida al público femenino. La metodología se extiende más allá de la investigación, la investigación de campo bibliográfico en ergástulo Ijuí (Modulada Penitenciario), el objetivo de observar el objeto de estudio a través de la praxis. Los resultados y conclusiones, que está destinado a demostrar que el prototipo de prisiones aprobado en nuestro país es un sistema fracasado, que con cargas más grandes que afectan a las mujeres, ya que no se alo tal atención y la visibilidad de las políticas penitenciarias.

Palabras-clave: Prisión de Mujeres. Las condiciones de vida. Hacer cumplir los derechos y garantías. Especificidades de género. Penitenciaría Modulada Ijuí.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO ENCARCERAMENTO E CRIMINALIDADE FEMININOS ... 15

1.1 Contextualização histórica da pena privativa de liberdade e do confinamento de mulheres ... 16

1.2 A faceta feminina do crime: divergências nas taxas femininas de criminalidade e principais razões que levam ao ilícito ... 30

2 PANORAMA BRASILEIRO ATUAL TOCANTE À MULHER PRESA ... 46

2.1 Direitos e garantias assegurados pela Lei de Execuções Penais, Código Penal e Constituição da República Federativa do Brasil ... 47

2.2 Realidade e reflexões acerca da situação das mulheres encarceradas no cenário brasileiro ... 54

3 PESQUISA DE CAMPO COM AS MULHERES RECOLHIDAS NO ERGÁSTULO DE IJUÍ/RS ... 77

3.1 Estudo de caso exploratório na Penitenciária Modulada Estadual de Ijuí/RS ... 79

3.2 Análise dos dados obtidos ... 91

CONCLUSÃO ... 99 REFERÊNCIAS ... 104 APÊNDICE ... 110 Apêndice A ... 110 Apêndice B ... 112 Apêndice C ... 114 Apêndice D ... 115 Apêndice E ... 117 Apêndice F ... 118

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INTRODUÇÃO

Mulheres no cárcere: reflexões sobre as condições de vida e efetivação de direitos no âmbito da prisão, é um trabalho de conclusão de curso de graduação em Direito – Bacharelado na Unijuí destinado a averiguar a realidade vivenciada pelo público feminino nos cárceres Brasil afora e como e em que medida se dá o atendimento e observação de seus direitos e garantias enquanto mulheres, dadas as especificidades deste gênero e as demandas intrínsecas daí relacionadas.

O contínuo crescimento da segregação penal de mulheres e sua cada vez maior inserção em atividades ilícitas é fato e, dada a veracidade dessas circunstâncias, palpita a necessidade de melhor conhecer este universo, sobre cujo tema ainda são poucos os juristas, sociólogos e demais pesquisadores a se debruçar.

De efeito, há patente discrepância material no que toca aos aspectos do encarceramento masculino versus feminino. É bem verdade, no entanto, que à época da edição de importante lei a respeito da matéria (Lei de Execuções Penais, de 1984) e promulgação de nossa Magna Carta Constitucional (1988), o número de mulheres encarceradas não era tão relevante e expressivo ao cotejo da totalidade da população carcerária como o é hoje. Todavia, as mulheres submetidas à privação de liberdade permanecem, ainda hoje, à mercê de um sistema carcerário não pensado, tanto fática quanto axiologicamente, para seus reclamos e necessidades mais básicas.

Certamente, também não se descura que a legislação brasileira no que tange aos direitos humanos e fundamentais dos presos é uma das mais democráticas,

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modernas e avançadas no mundo, estando centrada na humanidade e no rechaço a qualquer tratamento cruel, constrangedor, desumano ou aviltante. Contudo, inobstante essa normativa legal e constitucional, o que a realidade desvela é uma série de violações aos direitos dos presos e a própria degradação de suas pessoas, o que se agrava ainda mais quando estamos falando de mulheres, as quais passam por maiores privações em função de sua condição pessoal, a exemplo da ausência de berçários e módulos de saúde para gestantes/parturientes, rompimento dos laços familiares, entre outros.

Consequentemente – e é isso que o estudo epigrafado pretende demonstrar – quedam-se mais severas as condições de cumprimento da pena privativa de liberdade pelas mulheres, em especial se levarmos em conta a sabida deficiência nos serviços de reabilitação, saúde, lazer e educação prisionais. Há pesquisadores do tema que digam, ainda, que a presidiária é mais discriminada, oprimida e estigmatizada se traçado um paralelo com o homem nas mesmas condições intramuros, e isto se daria sobretudo ante a desigualdade de tratamento recebido (tanto pela legislação como pela sociedade), consequências familiares geradas, concepção que o seio social faz da mulher “desviada” e maiores dificuldades socioculturais em superar a transgressão cometida.

A invisibilidade dispensada às mulheres intramuros, no entanto, é fato incompreensível, já que censos, estatísticas e pesquisas penitenciárias realizadas no último decênio, seja pela Pastoral Carcerária Nacional, CNJ, DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional ou SUSEPE – Superintendência dos Serviços Penitenciários ou outros institutos e órgãos, tem aferido que o número de mulheres encarceradas no país vem aumentando significativamente com o passar dos anos. Para ter-se uma ideia da proporção do crescimento desta cifra feminina confinada nas unidades prisionais do país, basta algumas ilustrações: conforme estudo realizado pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, em parceria com a Pastoral Carcerária Nacional/CNBB e demais órgãos, levantou-se que o número de mulheres presas passou de 5.601 em 2000 para 14.058 no ano 2006, o que representa um vertiginoso aumento de 135,37% (CENTRO PELA JUSTIÇA E PELO DIREITO INTERNACIONAL et al, 2007). Também, relatório geral do DEPEN sobre o encarceramento feminino apontou que a população feminina reclusa aumentou

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102% em todo o Brasil, no triênio 2009 -2011 (BRASIL. Ministério da Justiça. Departamento Penitenciária Nacional, 2011).

Assim, de um lado há o fenômeno da crescente criminalização e encarceramento de mulheres e, de outro, há a urgência de serem melhor tutelados e assegurados pelo Estado (tanto legal quanto materialmente) direitos e garantias que não foram atingidos – leia-se tolhidos – em função da perda de liberdade, bem como de serem formuladas políticas públicas visando a oportunizar tratamento digno e acesso a todas as formas de reinserção social a este público, consideradas suas condições pessoais como mulheres, a fim de que o sistema penitenciário não tenha de continuar, desafortunadamente, marcado por uma gens masculina, constrangendo aqueles que não possuem este perfil a adaptar-se ao modelo estabelecido.

Pretende o trabalho em apreço, destarte, compreender e avaliar a conjuntura em que se dá o ingresso da mulher no arcabouço carcerário – passando pela evolução da pena privativa de liberdade, a inserção da mulher nesse contexto, e as razões das diferenças nas taxas de criminalidade das mulheres se comparadas às dos homens –, examinando, outrossim, as circunstâncias, implicações, problemáticas e principais motes que gravitam em torno do tema e são daí decorrentes, somado ainda à perscrutação da efetivação ou não, e em que grau, dos direitos das presidiárias, o que será feito ao longo dos dois primeiros capítulos.

Constituem desígnios específicos, bem ainda, desse trabalho de conclusão de curso, identificar a população feminina encarcerada na Penitenciária Modulada Estadual de Ijuí/RS, traçando o perfil sociocultural das internas e a tipologia penal em que condenadas ou pelo qual estão presas preventivamente/temporariamente; extraindo, ademais, a partir de questionários e entrevistas semiestruturadas, informações gerais a respeito da efetivação dos direitos garantidos ao público recluso feminino em dito estabelecimento, bem como as principais demandas dessas mulheres intramuros, o que será desenvolvido no terceiro capítulo.

Em outras palavras, propugna-se responder, com esse trabalho, as seguintes indagações: quais são os motivos e os fatores que contribuem de forma significativa

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para o aumento da criminalidade feminina? O sistema carcerário brasileiro está estruturado para fazer frente a essa demanda, oferecendo instalações apropriadas à mulher presa, bem como garantindo seus direitos mais básicos e atendendo às necessidades específicas da mulher, proporcionando-lhe condições para que, uma vez egressas, possam reestruturar suas vidas e inserir-se de forma positiva na sociedade? Na Penitenciária Modulada Estadual de Ijuí/RS, situada na região noroeste do Estado do Rio Grande do Sul e pertencente à 3.ª DPR – Delegacia Penitenciária Regional, qual é o perfil sociocultural das detentas e em que medida são observados os direitos a elas assegurados no ordenamento jurídico, nesta unidade prisional?

Para a consecução do trabalho, de efeito, foram utilizados os métodos descritivo-exploratório com abordagem qualitativa, com pesquisa de fontes bibliográficas e sua respectiva leitura. Tocante à pesquisa de campo, foi eleita a técnica de pesquisa de documentação direta intensiva e extensiva.

Ainda no que tange ao estudo de caso na PMEI (Penitenciária Modulada Estadual de Ijuí), cumpre frisar que os sujeitos são as mulheres lá reclusas, sejam condenadas ou presas provisoriamente (tanto temporárias quanto preventivas), ressaltando-se que a voluntariedade e a liberdade de adesão são imprescindíveis critérios de inclusão, dada a ética e a responsabilidade envolvidas na pesquisa, o total anonimato das pesquisadas e a necessidade de assinatura do TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os instrumentos aplicados nos sujeitos consistem em questionários com perguntas fechadas e entrevista semiestruturada (mediante assinatura de TCLE). Os dados obtidos diretamente da administração prisional, como fichas e prontuários, obedecem igualmente a um questionário de extração de informações padrão (mediante assinatura do responsável institucional ao TCS – Termo de Compromisso de Sigilo).

Ainda, os relatos e informes obtidos são geridos com total privacidade e confidencialidade, sendo que permanecerão com a responsável pela pesquisa – Profa. Francieli Formentini – por um prazo de 05 anos, ao final do qual serão

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incinerados/deletados. De mais a mais, importante registrar que as informações levantadas são tratadas com circunspecção, tendo todo o estudo de caso respeitado a normativa da Resolução nº 466/2012 no Conselho de Saúde, sobretudo em relação ao item IV.6, alínea “b”. No ponto, importa igualmente enfatizar que o projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa – CEP da Unijuí e restou aprovado, tal como foi autorizado pela Escola de Serviços Penitenciários da SUSEPE (em Porto Alegre) e pela administração da casa prisional ijuiense.

Os métodos empregados e a própria pesquisa não trazem risco às mulheres e à instituição pesquisada, tampouco ônus ou bônus financeiros. Em contrapartida, o trabalho desenvolvido importa em benefícios e, em última análise, pode contribuir à preservação do direito das presas à memória e à verdade.

Enfim, acredita-se que o tema aqui tratado se reveste de significativa relevância jurídica, haja vista que ainda são poucas as pesquisas e estudos que se debruçam sobre o tema; bem como porque a perscrutação, ainda que não exaustiva, de uma temática como a ora tratada pode contribuir, de alguma forma, para o melhor entendimento das nuances da clausura e da criminalidade feminina e, eventualmente, como um dos referenciais para a tão imperiosa e urgente reforma e humanização da execução penal, objeto de legítima preocupação social.

Derradeiramente, o projeto em questão igualmente se justifica como sendo um meio de colaborar para os direitos à memória e à verdade das mulheres presas.

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1 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO ENCARCERAMENTO E CRIMINALIDADE FEMININOS

De plano, afirma-se que o escopo precípuo deste trabalho, como explanado precedentemente (objetivos gerais e específicos), é perscrutar a situação da mulher encarcerada no Brasil e suas principais demandas e privações enquanto interna do sistema carcerário; bem como averiguar se seus direitos e garantias fundamentais previstos em diplomas legais próprios, além daqueles vaticinados pela própria Magna Carta de 1988, são observados e efetivados.

Preliminarmente, destarte, é preciso tecer alguns comentários tocante ao percurso histórico das penas, sua transformação e adoção na forma privativa de liberdade e a inserção feminina em todo esse contexto, passando pela discrepância da taxa de criminalidade entre gêneros (masculino e feminino); sem o objetivo, todavia, de aqui esgotar a matéria a esse respeito. Dito de outra forma, necessário se apresenta construir, como ponto de partida, pelo menos sucinto apanhado dos eventos, datas e conjunturas relevantes para a evolução do sistema de punir e seu culminar na privação do direito de ir e vir, antes de dar início à discussão tangente às atuais circunstâncias em que se acham as mulheres apenadas.

Isso porque a sociedade e suas correlações devem ser a fonte e gênese das ciências que a estudam e regem, ainda que juridicamente, porquanto o pensar centrado “estritamente no jurídico é sempre estéril. O direito marcha na direção em que a sociedade caminha, e anda com ela, e não à frente dela. A par disso, o Direito não é raiz” (PASSOS, 1999, p. 102).

No ponto, pertinente também citar o que diz Flávia Lages de Castro, lembrada por Vanessa Maciel Lema (2011, p. 13):

O valor do estudo da História do Direito não está em ensinarnos não somente o que o direito tem “feito”, mas o que é direito é. Buscando compreender não somente as regras de povos que viveram no passado, mas sua ligação com a sociedade que a produziu assim, e somente assim, entender o “nosso” direito.

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Nessa esteira, antes de tratarmos sobre o sistema carcerário – que se constitui numa das maiores tônicas da atualidade – sob a ótica feminina, é imperioso que se perquiram os alicerces e as características basilares desse arcabouço, como se verá adiante.

1.1 Contextualização histórica da pena privativa de liberdade e do confinamento de mulheres

Desde as remotas origens da humanidade, o homem em seu estado de natureza, como descrito em Thomas Hobbes, movido pelas cada vez mais numerosas e complexas necessidades biológicas e de subsistência que possuía, reuniu-se com seus semelhantes, agrupando-se, a fim de melhor satisfazer as exigências reclamadas pela sobrevivência, tais como alimentação (caça, pesca, plantio e colheita), vestuário, segurança, etc. No entanto, dadas estas nuances, e tal como aduz a máxima “o homem é o lobo do homem” – cunhada pelo autor nomeado supra – havia permanente estado de beligerância entre os homens, que cada vez mais se viam obrigados a agrupar-se no fito de resistir à pretensão de outros grupos, sucessivas vezes.

Da vida antes insulada e independente à vivência comunitária, surgiram então, junto com as facilidades proporcionadas por essa reunião, também problemáticas e dificuldades, como o temor de encontrar inimigos a todo lado e a contínua insegurança na manutenção da liberdade do homem. Por ditas razões, deliberou este, já disposto em grupos, em ceder parte de sua liberdade ao bem comum, no intuito de gozar do restante com maior segurança; criando, assim, a sociedade, instituição artificial, fruto de um pacto, uma convergência de vontades.

À frente dessa organização, constituída, por conseguinte, pela soma das porções de liberdade de cada um dos homens que a integravam, quedou-se um soberano, a quem foram atribuídas a administração geral e elaboração das “leis”.

Inobstante essa nova conformação, contudo, fez-se preciso assegurar a instituição e tutelar o próprio homem dos desígnios arbitrários e das usurpações dos

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demais, que tendiam a retirar do depósito comum a sua porção de liberdade e, não bastasse, apoderar-se da dos outros.

Estabelecida a apontada situação,

eram necessários meios sensíveis e muito poderosos para sufocar esse espírito despótico, que logo voltou a mergulhar a sociedade em seu antigo caos. Tais meios foram as penas estabelecidas contra os que infringiam as leis. (BECCARIA, 2009, p. 19).

Essa a lição de Cesar Bonesana, marquês de Beccaria, jurista, filósofo, economista e literato italiano, a respeito do nascimento das penas.

Daí seguiu-se que, ao princípio, como é de geral sabença, as punições por atos considerados ilícitos, impróprios ou proibidos, eram corporais, isto é, aplicadas sobre a carne do tido como condenado, resumindo-se as penas, basicamente, a castigos e flagelos cruéis, degradantes e aviltantes, tais como a fogueira, o pelourinho, o patíbulo, a tortura, o enforcamento, a guilhotina, as galés, os trabalhos forçados, o banimento, etc.

É preciso ressaltar que, como advertido por alguns autores, o encarceramento já era conhecido desde a antiguidade, contudo sem o caráter de pena, senão para outros fins. Nesse verte, a prisão existia, mas servia somente como forma de custódia até a decisão final, eis que não havia propriamente uma fase de “execução da pena”, tendo em conta ainda que as sanções se esgotavam com a morte ou com as penas corporais infamantes.

A esse respeito, faz-se possível asseverar que

a sociedade feudal conhecia o cárcere preventivo e o cárcere por dívidas, mas não se pode afirmar que a simples privação de liberdade, prolongada por um determinado período de tempo e não acompanhada por nenhum outro tipo de sofrimento, fosse conhecida e portanto prevista como pena autônoma e ordinária. (LEMA, 2011, p. 13-14).

Extrai-se então que a punição, naqueles tempos, resumia-se aos castigos corporais; embora a privação de liberdade existisse, mas sob outra forma, que não a de “pena” ou “sanção” propriamente dita.

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Entretanto, tempos mais tarde, já em meados da Idade Moderna, ao final do século XVIII e início do XIX, o “teatro espetacular da punição”, termo cunhado por Michel Foucault para designar o ritual público de dominação das massas pelo terror e pela aflição impingida ao condenado, vai perdendo força e cedendo lugar a um outro estilo de penalidade pelo cometimento de atos tidos como abjetos pela sociedade e autoridades constituídas: as casas correcionais, ou, na atualidade, simplesmente prisões, presídios, penitenciárias, qual seja a denominação que se queira dar. Quanto à matéria, anota com propriedade Foucault (2002, p. 12):

O cerimonial da pena vai sendo obliterado e passa a ser apenas um novo ato de procedimento ou de administração. A confissão pública dos crimes tinha sido abolida na França pela primeira vez em 1791, depois novamente em 1830 após ter sido restabelecida por breve tempo; o pelourinho foi supresso em 1789; a Inglaterra aboliu-o em 1837. As obras públicas que a Áustria, a Suíça e algumas províncias americanas como a Pensilvânia obrigavam a fazer em plena rua ou nas estradas – condenados com coleiras de ferro, em vestes multicores grilhetas nos pés, trocando com o povo desafios, injúrias, zombarias, pancadas, sinais de rancor ou de cumplicidade – são eliminados mais ou menos em toda a parte no fim do século XVIII, ou na primeira metade do século XIX. O suplício de exposição do condenado foi mantido na França até 1831, apesar das críticas [...]; ela é finalmente abolida em abril de 1848. Quanto às cadeias que arrastavam condenados a serviços forçados através de toda a França, até Brest e Toulon, foram substituídas em 1837 por decentes carruagens celulares, pintadas de preto. A punição pouco a pouco deixava de ser uma cena. E tudo o que pudesse implicar de espetáculo desde então terá um cunho negativo [...]

Malgrado as penas infamantes tenham sido substituídas mais ou menos por toda a Europa nos séculos supra descritos, a pena privativa de liberdade, nova modalidade de punição introduzida, sofreu a desaprovação de alguns reacionários, cujas fortes críticas aventavam a incapacidade da privação de liberdade em atender ao sem número de tipos de crimes e suas peculiaridades. Césare Beccaria (2009, p. 40), verbis gratia, dizia:

se eu traí meu país, sou preso; se matei meu pai, sou preso; todos os delitos imagináveis são punidos da maneira mais uniforme. Tenho a impressão de ver um médico que, para todas as doenças, tem o mesmo remédio.

De qualquer forma, a reclusão e a detenção vieram substituir as penas corporais, que antes funcionavam como pena-representação, pena-função geral ou pena-sinal, na medida em que serviam a castigar o condenado e causar aos demais

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a certeza da punição e nunca da impunidade (FOUCAULT, 2002). Nesse viés, surgiram as prisões, como instrumento apto a abrigar aqueles condenados ou processados a penas privativas de liberdade.

O surgimento das penitenciárias, consectariamente, e ainda segundo o entendimento do referido autor, sucedeu-se como alternativa à mantença da ordem e da lei, a fim de legitimar o poder estatal em face de mudanças e novos contornos que iam surgindo nas relações sociais, devido à ascensão do capitalismo, circulação de bens e economia de mercado.

Esclarece-se: com a queda do arquétipo de produção do feudalismo, ao final do século XV (período em que se findou historicamente, também, a Idade Média), a burguesia ascendeu e, com ela, germinou gradativa e concomitantemente a classe proletária, nova força de trabalho na economia. Nesse diapasão, a nascente estratificação social necessitava de mão de obra e produção e, como tal, um homem não produtivo era um homem inconveniente e socialmente inútil, sob o enfoque capitalista. Daí que, os primeiros “alvos” das prisões e das casas correcionais eram prostitutas, mendigos e vadios/ociosos; para quem o cárcere representava, invariavelmente, o almejado pela elite burguesa e pela novel economia de comércio: trabalho obrigatório e manufatura penal.

O cerne das casas correcionais e das prisões, por conseguinte,

[...] era uma combinação de princípios das casas de assistência aos pobres (poorhouse) e instituições penais. Seu objetivo principal era transformar a força de trabalho dos indesejáveis, tornando-a socialmente útil. Através do trabalho forçado dentro da instituição, os prisioneiros adquiriam hábitos industriosos e, ao mesmo tempo, receberiam um treinamento profissional. Uma vez em liberdade, esperava-se, eles procurariam o mercado de trabalho voluntariamente. O segmento visado era constituído por mendigos aptos, vagabundos, desempregados, prostitutas e ladrões. Primeiramente só os que haviam cometido pequenos delitos eram admitidos; posteriormente, os flagelados, marginalizados e sentenciados com penas longas. (RUSCHE; KIRCHEIMER, 2004 apud LEMA, 2011, p. 16).

Não se pode descurar, outrossim, que a proposta de privação de liberdade foi adotada por atender a dois modos de paridade de penas: a um pois a liberdade é um bem comum a todos e, dessa forma, sua perda custa também o mesmo, e a dois porque a retirada do “tempo” do condenado, sob a lógica capitalista, transmitia à

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ideia de que a infração daquele lesou não só a ele, mas também à sociedade (LEMGRUBER, 1983).

Presta-se a pena então, sob essa perspectiva, não “somente para a redenção do culpado mas também de alerta aos outros, que poderiam ser tentados a delinquir e, por isso, os deve intimidar”, segundo os dizeres de Francesco Carnelutti (2013, p. 73).

Dito de outra forma, a prisão nasceu como instituição “intrinsecamente relacionada à emergência do capitalismo e da sociedade moderna” (MÁXIMO; THOMES, 2012, p. 33); tornando-se aparelho orientado pela disciplina, correção do encarcerado pela reeducação e preparação para o trabalho, no intuito de transformar particularmente o pobre, o proletário, em dócil instrumento de exploração. Aliás, a função da reabilitação (ou reforma) e da punição (ou retribuição) recaiu sobre as penas privativas de liberdade tão logo as penas corporais e degradantes foram relegadas; adotando e sedimentando-se as “casas de correção” ou penitenciárias por toda a Europa, de modo que o modelo em testilha alastrou-se, posteriormente, para toda a porção ocidental do mundo.

De outro verte, possivelmente pode ter sido a prisão inspirada, ainda, nos recintos de monges da Idade Média (século V à século XV), pois o confinamento consistia na sanção “imposta aos monges que se afastavam das regras do clero, os quais eram recolhidos em suas celas e obrigados a se penitenciarem da falta cometida refazendo sua ligação original com Deus”, conforme ensina Samantha Buglione (2002, p. 130). Atente-se que apontada origem do cárcere é, há que se reconhecer, bastante provável, já que as penas de prisão foram, “até o século XIX, cumprida[s], na Europa, em mosteiros e conventos.” (BUGLIONE, 2002, p. 130).

No que toca à mulher, foco desta monografia – ao lado da questão carcerária e da execução penal –, admite-se que as primeiras notícias de criminalidade feminina, na história, foram a bruxaria/feitiçaria e a prostituição, sendo que a primeira foi fortemente reprimida pela Igreja Católica a qual – como é sabido, em sendo a instituição política mais influente e poderosa da época –, sentindo a eminência da perda de seu prestígio e percebendo-se “ameaçada frente ao

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crescimento de novas concepções que contestavam os dogmas, a riqueza, a castidade, resolve tomar atitudes mais severas, inicia-se a tão romântica caça às bruxas” (BUGLIONE, 2002, p. 135), manifestada na famigerada Inquisição.

A notoriedade do que foi feito e o imaginário cultural precedem o vocábulo Inquisição, razão pela qual ela dispensa maiores comentários a respeito do que se tratava. Nem é preciso dizer que, vista como ser que não correspondia ao estereótipo e aos padrões já traçados para a mulher, as “bruxas” foram avidamente perseguidas, torturadas e queimadas vivas, ainda nos tempos em que se utilizavam as penas corporais.

Após, por volta dos séculos XVII e XVIII (ao despontar da pena privativa de liberdade e do banimento dos castigos carnais, como visto alhures) surgiram na Europa as casas de Conversão ou Arrependimento, específicas para mulheres, onde seu serviço como “criadas” era explorado pelas elites sociais e igualmente por organizações religiosas, que despendiam recursos na manutenção dessas casas sob o pretexto da recuperar a mulher desviada (BUGLIONE, 2002).

Um dos primeiros estabelecimentos exclusivo para mulheres de que se tem notícia é o The Spinhuis, em Amsterdã, na Holanda, ano de 1645, voltado para a preparação ao trabalho na indústria têxtil e destinado a abrigar mulheres pobres, bêbadas, prostitutas, e criminosas, bem ainda meninas que desobedeciam seus genitores e maridos. No entanto, ao que consta (ANDRADE, 2011), esse modelo de casa de correção facilmente e com o passar do tempo tinha seus objetivos primordiais deturpados e, com isso, as mulheres apenadas viam-se obrigadas a dividir espaço com homens e, igualmente, a se prostituir.

Necessário salientar que, consoante outras fontes, as casas de correção do tipo Spinhis (ou Spinhuis), para mulheres, foram criadas em Amsterdã em 1597 (LEMA, 2011).

As outras casas de correção e detenção que foram surgindo, a partir daí, possuíam como mote axial o resgate da moral, da feminilidade e a preparação para o trabalho e para atividades eminentemente tidas como femininas, sendo comum,

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principalmente na Inglaterra, a intervenção de voluntárias militantes da classe média, denominadas lady visitors.

Já na França, sabe-se que a adoção do modelo de separação dos presos pelo sexo deu-se por volta de 1820.

Na América do Norte, por sua vez, especificamente nos Estados Unidos, a primeira prisão exclusiva para mulheres foi instituída no ano de 1835, denominada Mount Pleasant Female Prision, ao que se seguiram, a partir do ano de 1870, a abertura de diversos reformatórios, dentre eles House of Shelter, Reformatory Institution, e New York House of Refuge for Women.

Também na Inglaterra, por volta do século XIX, a prática de enviar prisioneiros e prisioneiras para as colônias foi aos poucos deixada de lado, motivo pelo qual foram construídos os primeiros estabelecimentos voltados ao aprisionamento feminino, na década de 1850, denominados Millbank, Brixton e Fulham.

Bruna Soares Angotti Batista de Andrade (2011) ressalta que, nas prisões femininas europeias, buscava-se incutir nas internas sentimento de orgulho doméstico e o aprendizado de certas posturas e comportamentos, doutrinando-se para as tarefas de cunho caseiro, vida em família e educação para o lar; razão pela qual a severidade e a vigilância eram maiores nas prisões de mulheres em comparação àquelas de homens, haja vista que além das regras do cotidiano intramuros, deveriam as reclusas aprender e seguir as condutas que lhe eram preestabelecidas.

Contudo, com o advento do século XX e, sobremaneira, da Primeira Guerra Mundial, houve uma substancial mudança nas instituições prisionais e reformatórios femininos na Europa, em especial em virtude de doenças venéreas. Explica-se:

A política de aprisionamento de prostitutas para evitar que doenças venéreas se espalhassem na população masculina, bem como o aprisionamento de usuárias de drogas e alcoólatras levou para dentro das prisões mulheres estigmatizadas, consideradas pouco reformáveis, o que gerou um abandono por parte dos grupos de caridade e uma descrença no

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potencial reformador desses espaços. Nos Estados Unidos, o aprisionamento de mulheres por essas razões gerou o aumento da população carcerária feminina e desestabilizou os reformatórios, antes voltados para um público menor, com um trabalho mais personalizado. Outros fatores, como a depressão econômica de 1929, impediram a continuidade do projeto de reforma prisional e a manutenção do modelo personalizado dos reformatórios. (ANDRADE, 2011, p. 25-26).

Vale anotar que a prostituição, no entanto, sempre estimulou o recolhimento das mulheres dedicadas a esta atividade a ergástulos locais. A forte carga de estigmas preconceituosos, a exclusão social da qual eram vítimas as prostituídas, os dogmas das leis arcaicas e da Igreja Católica, os padrões sociais impostos, a dureza da vigilância de pais, irmãos e tutores sobre as mulheres, e a coerção informal dos costumes misóginos estabelecidos, prestavam-se a abafar qualquer prenúncio de sexualidade feminina, que, ao se manifestar, poria em perigo o equilíbrio doméstico e as funções da maternagem e da esposa, ameaçando a ordem das instituições civis e eclesiásticas (FARIA, 2010).

A mulher prostituída, nesse ínterim, era alvo do jus puniendi do Estado pois disseminava um protótipo de sexualidade e liberdade contrário à moral feminina de genitora e esposa, devendo ser detida e neutralizada a fim de evitar a repetição de seu comportamento por outros entes do público feminino.

Tangente ao Brasil, como se verifica, o processo não foi diferente. Historicamente habituado a importar protótipos da vivência empírica, sociopolítica e os costumes europeus, nosso país assim o fez igualmente com as penitenciárias, voltadas ao trabalho do presidiário durante o dia e seu recolhimento às celas, em silêncio, durante a noite. Inspirados nesse modelo foram instituídas e erigidas, no Brasil, as primeiras casas de correção, nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, em 1852.

Especificamente quanto à temática das mulheres presidiárias, objeto deste trabalho de conclusão de curso, escreve com propriedade Andrade (2011) que, desde o período colonial, aquelas já eram recolhidas a estabelecimentos mistos, precários, onde frequentemente ficavam nas mesmas celas que os homens. Dada a inexistência de espaços destinados exclusivamente ao público feminino encarcerado, situações como promiscuidade, doenças, abusos sexuais e problemas

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com o corpo de guardas, majoritariamente composto por homens, amiúde eram observados nas penitenciárias que abrigavam mulheres.

No século XIX, haja vista a visibilidade que foi dada à questão das mulheres, graças ao trabalho de penitenciaristas estudiosos da área, relatórios foram elaborados dando conta da realidade vivida pela esmagadora maioria das presas, bem ainda suas principais demandas e dificuldades. Um destes documentos, confeccionado em 1831, sublinhava que, em relação às mulheres detidas na Cadeia de São Paulo, fazia-se necessário separar as presas condenadas das processadas, bem ainda fornecer alimentação e vestuário às reclusas do local, no intento de evitar que as mesmas se prostituíssem para conseguir tais mantimentos (ANDRADE, 2011).

Exemplo disso, e ao que se tem notícia, era a prisão do Calabouço, situada no Morro do Castelo e posteriormente transferida para a Casa de Correção da Corte, no estado do Rio de Janeiro. O cárcere, conforme dados da época, inicialmente era destinado a escravos e, durante os anos de 1869 a 1870, teria abrigado cerca de 187 reclusas, em celas compartilhadas com homens, sendo que somente no ano de 1905 foram criadas, ao que consta, aproximadamente cinco celas femininas.

No mesmo local, Rio de Janeiro colonial, estava em funcionamento a prisão do Aljube, que segundo dados teria sido erigida entre 1735 e 1740, nas imediações da Ladeira da Conceição. Nas palavras de Rodrigo Duque Estrada Roig (2000 apud LEMA, 2011, p. 22), boa parte da instituição de Aljube

[...] era subterrânea. De acordo com a investigação de 1830, era tão horrível, úmida, insalubre e inabitável que nem mesmo animais deveriam ser alojados ali. Numa pequena praça externa, uma “multidão” de mulheres e crianças tentava conversar com os prisioneiros através de dois portões. Eles queixavam-se de calor, fome e saúde ruim. Embora a capacidade normal da prisão fosse de 192 prisioneiros em 1835, ela alojava então 390, sendo que em 1833 esse número já chegara a 340. Embaixo do recinto superior lotado ficava a masmorra chamada de Guiné, e quem não pudesse pagar uma taxa de trinta réis era confinado lá. No verão esses prisioneiros morriam frequentemente sufocados. Havia também uma pequena área do aljube separada para mulheres, que era uma “desgraça”, nas palavras da Comissão.

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Aliás, tão somente nos primórdios do século XX é que foram criadas e instaladas, de forma apropriada, prisões onde os internos eram classificados e segregados de acordo com certas peculiaridades: contraventores, processados, menores, loucos e mulheres (MÁXIMO; THOMES, 2012).

De acordo com o pensamento de Jorge Augusto de Medeiros Pinheiro (2012), uma das razões que exortou a concepção de que homens e mulheres deveriam ser recolhidos de forma separada e, igualmente, alavancou a convicção de que deveriam ser criadas unidades prisionais específicas para mulheres, foi a moral patriarcal e machista presente na época, já que, na visão de alguns juristas e estudiosos do período, a permanência das mulheres junto aos homens instigaria os instintos mais masculinos destes, comprometendo a tranquilidade e a ordem das prisões.

Uma vez necessitando a mulher de espaço próprio nas unidades carcerárias e, na faina de encontrar um doutrinamento que servisse à dogmática da época, ao modelo de economia primário exportador e ao lugar de submissão e restrição ao âmbito doméstico (privado) reservado à mulher na sociedade brasileira, as autoridades públicas da época lograram encontrar na religiosidade o melhor método para reeducar e transformar a mulher de pecadora à rainha do lar.

Exemplo disso é o Patronato das Presas, criado em 1921 a fim de oportunizar uma solução condigna para as mulheres inseridas no sistema carcerário brasileiro. Como explicitado por Andrade (2011), o lema desta instituição era “amparar, regenerando”, sendo formada por senhoras da sociedade carioca e religiosas (irmãs) da Congregação de Nossa Senhora do Bom Pastor D’Angers (ou D’Angeles), originária da França, onde recebia o nome de Notre-Dame de Charité Du Bom Pasteur D’Angers. Uma das propostas do Patronato era unificar, em um único estabelecimento prisional, preferencialmente agrícola, as mulheres condenadas dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

O paradigma central da reeducação e reinserção através do auxílio da religião tinha como pano de fundo a ideia de que a mulher criminosa possuía a ambiguidade de santa e pecadora, fugindo de sua natureza “pura” quando do cometimento do

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crime, já que a prática deste, pelo ente feminino, era encarado como algo patológico, anormal. Assim, o mal deveria ser expurgado e, em sendo assim, recuperada a faceta bucólica da mulher, restaurando nela a boa mãe e esposa para o espaço privado do lar.

Do exposto, queda-se patente o forte preconceito a que eram submetidas as mulheres, a quem eram atribuídos os adjetivos da fragilidade e docilidade, sugerindo que

não é dado ao universo feminino o direito à violência, somente podendo atingir seus fins maléficos com a malícia. Não lhes é permitida a prática de condutas que demonstrem a capacidade de inverter o papel social da inferioridade que lhes é imposto, o uso da violência por parte das mulheres choca, pois demonstra, em verdade, a equivalência dos seres na espécie humana. (FARIA, 2010, p. 6071).

Por ser a mulher mãe e esposa, logo, é alvo de especial deferência da lei masculina e, ainda, por ser ela considerada como um sujeito essencialmente doméstico, solidifica-se a concepção, à época, de que ela encontraria escassas oportunidades para atuar criminalmente. Ficariam expostas, então, a boa e a má face de Eva, que contém, simultaneamente, a Virgem Maria e o Demônio (FARIA, 2010).

Mas retomemos a questão da administração penitenciária feminina pelas irmãs religiosas. Mecanismo e padrão diametralmente opostos, percebe-se, eram adotados nas penitenciárias masculinas, cujas fórmulas e métodos visavam a recuperar o apenado, cidadão, para a sociedade, para o espaço público e amplo, destinado eminentemente ao homem naqueles tempos. Efetivamente, muito embora a disciplina religiosa imposta às mulheres pelas irmãs obtivesse caráter inovador e fosse apresentada como o antônimo da punição, era, em verdade, “o exercício da violência contra a mulher, com outra roupagem [, por] não respeitar a subjetividade das presas, traduzindo-se em um tratamento repressor e massificador.” (PINHEIRO, 2012, p. 85).

Mais. Penitenciarista amplamente reconhecido, sobretudo por advogar a instituição de “reformatórios” unicamente para mulheres e tomar a frente da reforma

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penitenciária em 1923 e 1924, foi José Gabriel de Lemos Britto, que percorreu especialmente as capitais do Brasil traçando um panorama dos padrões carcerários. Um de seus escritos bem reflete a moral e a dogmática discriminatória da época, no que toca ao público feminino nas prisões:

Ao lado da mulher honesta e de boa família, condenada por um crime passional ou culposo, ou a que aguarda julgamento, seja por um aborto provocado ou motivo de honra, seja por um infanticídio, determinado muitas vezes por uma crise psíquica de fundo puerperal, estão as prostituídas mais sórdidas, vindas como homicidas da zona do baixo meretrício, as ladras reincidentes, as mulheres portadoras de tuberculose, sífilis, moléstias venéreas ou hostis à higiene. (PINHEIRO, 2012, p. 83).

O pensamento patriarcal e moralista da época, digno de nota, é hialiano, mormente se considerarmos que à mulher era atribuído, naqueles tempos, um papel determinado, doméstico, de recato e introspecção, submisso ao homem e aos padrões pré-estabelecidos na família e na sociedade. Tais valores, nessa toada, exortaram as correntes, pensamentos e opiniões dos penitenciaristas à elaboração de modelos de prisões femininas, nas quais as internas deveriam ser “educadas na prática de trabalhos rurais e agrícolas, próprios para as mulheres, como a avicultura, a apicultura, a pequena lavoura e a jardinagem” (PINHEIRO, 2012, p. 84), consoante a proposta de Cândido Mendes de Almeida, jurista da época e pesquisador dos sistemas carcerários brasileiros.

Ainda acerca dos trabalhos de Lemos Britto, insta frisar que sua incursão pelo país resultou na publicação, em 1924, do livro “Os Systemas Penitenciarios do Brasil”, onde o autor traz à baila a situação prisional de cada um dos estados em que esteve, descurando, todavia, de particular análise da temática feminina, haja vista que a parcela majoritária da população apenada era de fato, masculina, sendo escassas as mulheres encarceradas no período.

A veracidade desta informação pode ser constatada nas poucas vezes em que as mulheres são mencionadas no livro de autoria de Lemos Britto:

Na cadeia de Fortaleza, no estado do Ceará, havia um total de 106 detentos, sendo 101 homens e cinco mulheres. Na Capital da Paraíba havia um total de 175 detentos, dentre os quais 173 eram homens. Na cadeia da capital do estado de Sergipe, que o autor classifica como hedionda, havia, à época, 74 homens e duas mulheres. Os encarcerados na Capital do Piauí

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eram 80 homens e uma mulher. Já em São Luís do Maranhão havia um total de três mulheres e 143 homens presos. (ANDRADE, 2011, p. 20).

A respeito da Casa de Detenção que havia na cidade do Rio de Janeiro, o mesmo penitenciarista destaca que nesta unidade prisional havia um espaço exclusivo destinado às mulheres, observando que “estas ocupam três prisões do fundo, também isoladas, e a cargo de duas senhoras, mas essas prisões são de máu aspecto” (LEMOS DE BRITTO, 1925 apud ANDRADE, 2011, p. 20).

Alguns anos após, publicou-se no Diário Oficial, mais especificamente em 04 de março de 1928, o relatório intitulado “As mulheres criminosas no centro mais populoso do Brasil”, de autoria de Cândido Mendes de Almeida Filho, então presidente do Conselho Penitenciário do Distrito Federal. Nos dados levantados pelo relatório, que abrangeu o Distrito Federal e os Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo, apontou-se que, em 1926, havia no total 43 mulheres presas, distribuídas entre essas unidades federativas, sendo que no ano seguinte, 1927, esse número reduziu-se para 39 mulheres condenadas. O relatório apontava ainda que, além das condenadas, havia “contraventoras” presas, geralmente enquadradas na infração penal de vadiagem (ANDRADE, 2011).

Dentre as já condenadas, os crimes mais comuns consoante os dados obtidos na época eram homicídio, infanticídio, “ferimento”, roubo e uso de tóxicos.

Já em 1934, o Conselho Penitenciário do Distrito Federal encontrou, nos estados acima citados, 46 mulheres presas, frente a um universo de 4633 homens encarcerados, já sentenciados; o que ilustra que a face feminina nos presídios era minoria e, por isso, raramente era alvo de políticas públicas no escopo de atentar e melhorar sua situação.

Em 1937, 1941 e 1942 foram instituídos, respectivamente, o Instituto Feminino de Readaptação Social no Rio Grande do Sul, o Presídio de Mulheres de São Paulo e a Penitenciária Feminina do Distrito Federal; primeiras unidades exclusivamente femininas em todo o país. A criação relativamente tardia de tais unidades específicas para mulheres, se considerado o longo tempo em que a questão do encarceramento feminino era um fato verídico e constatado na

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sociedade brasileira, justifica-se pela pequena quantia de mulheres presas à época, o que também explica o adiamento de soluções para a situação dessas apenadas.

No ano de 1942, segundo as pesquisas do penitenciarista Lemos Britto o qual, auxiliado pelos Conselhos Penitenciários Estaduais, fez um levantamento estatístico sobre o aprisionamento feminino no Brasil, constatou-se que havia cerca de 300 mulheres reclusas em todo o país; ressaltando-se que, tendo em conta uma margem de erro de 12% sobre esse quantum e possíveis omissões, à época havia menos de 400 mulheres presas no Brasil; o que corresponde a uma mulher presa para cada 100 mil habitantes, tomando-se uma população de 41 milhões de pessoas, em 1939 (ANDRADE, 2011).

Ainda hoje o número de mulheres presas, em que pese crescer mais e mais a cada dia, fato notório, permanece bem inferior estatisticamente à proporção de homens segregados em todo o país. Se nos idos dos séculos XVIII e XIX se tinha a ideia, no entanto, que a parcela menor de mulheres vis à vis aos homens que atuavam criminalmente se dava em razão da natureza dócil e doméstica daquela, atualmente, em contrapartida, tem-se a noção de que

seu percentual reduzido em face de todo o contingente de criminosos, contudo, [...] se dá menos por diferenças anatômicas ou psicológicas e mais por conta dessa condição social, por causa desse estereótipo tão bem urdido e calcificado no tempo por um sexismo religioso e cultural. (LIMA, 2007 apud FARIA, 2010, p. 6073).

Ao final do século XX e início do século XXI diversos estabelecimentos penais voltados exclusivamente para mulheres vieram a ser construídos em nosso país, que atualmente conta com 82 unidades femininas ao total, dentre penitenciárias, colônias agrícolas e industriais, casas de albergado, cadeias públicas, hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, patronatos e estabelecimentos terceirizados de regime fechado, de acordo com o último relatório Infopen realizado, o qual data de dezembro de 2011, sob realização do DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional.

Na contemporaneidade, como é sabido, os ergástulos não mais possuem o caráter de “reformatório” de outrora, onde eram abrigadas, como dito anteriormente,

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prostitutas, moças que desafiavam a autoridade de seus pais e maridos, vadias e ociosas, escravas, dentre outras, mas sim locais, segundo Virdal Senna, lembrado por Viviane Isabela Rodrigues et al (2012, p. 84), “que o Estado destina para manter sob sua guarda aqueles indivíduos que, em decorrência de seu comportamento antissocial, precisam ser segregados, a guisa de reprimenda, desde que haja norma jurídica assim determinando”.

1.2 A faceta feminina do crime: divergências nas taxas femininas de criminalidade e principais razões que levam ao ilícito

Como é cediço, historicamente sempre se apresentou substancial desigualdade nas taxas de criminalidade feminina e masculina. Tal discrepância acentuada no que diz com os números dos diferentes sexos da população carcerária deu-se ao longo dos anos e se dá não só no Brasil, mas em diversos países do mundo, tanto nos considerados desenvolvidos como nos subdesenvolvidos. Infere-se então, em geral, e até mesmo com baInfere-se em obInfere-servações empíricas do que assistimos em nosso cotidiano, que os homens parecem tender mais ao crime que as mulheres.

Na atualidade, o gráfico e tabela a seguir podem ser empregados para ilustrar tal afirmação, pontuando-se que se referem à reclusão no Brasil, no ano de 2007 (FONTE: BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres).

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Acima, vê-se que, àquela época, a população feminina confinada representava pouco mais de 6% da população prisional total. Abaixo, tem-se dados comparativos do crescimento prisional entre homens e mulheres de 2000 a 2006, donde se constata que, sem embargo do percentual feminino recluso ter-se elevado vertiginosamente nos últimos anos (com crescimento superior, inclusive, ao crescimento populacional masculino nas prisões), as mulheres ainda continuam sendo minoria nesse painel:

Remonta a muitos anos atrás a procura de diversos autores – juristas, criminalistas, sociólogos, antropólogos, psiquiatras, etc. – em explicar tal diferença nas taxas de criminalidade masculina e feminina. As primeiras explicações centravam-se em justificativas fisio e biológicas, como aquelas levadas em consideração na Escola Penal Positivista, da qual foram expoentes Césare Lombroso e Enrico Ferri.

Lombroso, famigerado jurista italiano contemporaneamente pelas suas contribuições ao Direito Penal; olvidando fatores socioculturais e econômicos, propugnava a ideia do criminoso nato, cujo alicerce era o pressuposto de que todo homem criminoso apresentava certas características determinadas, a exemplo do tamanho do crânio, formato das sobrancelhas, forma do queixo e da testa, entre outras. Tais caracteres, aliados, predisporiam o indivíduo ao crime e, assim, formavam os chamados “sinais de degenerescência” ou “estigmas atávicos”. Assim, a escola Lombrosiana e seus discípulos advogavam a tese de que

existiam espécies humanas com processos de evolução diferentes, de forma que adultos dos grupos inferiores comparavam-se às crianças dos grupos superiores. As chamadas “espécies inferiores” possuíam características do “homem selvagem” e essa era a herança que levava-os às condutas criminosas. (FARIA, 2010, p. 6070).

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No entanto, em seu trabalho Lombroso observou que as mulheres, em geral, não apresentavam, da mesma forma que o gênero masculino, características recorrentes que delimitassem sua tendência criminosa ou não. Noutro falar, os estudos de Lombroso demonstraram que as mulheres não apresentavam de modo consistente, e em igual número, os sinais de degenerescência encontrados nos homens (LEMGRUBER, 1983).

Para tanto, Lombroso e Ferrero, a fim de explicarem tal constatação, novamente adotaram posições voltadas a considerar tão somente o aspecto fisiobiológico, na medida em que, “para eles, as mulheres seriam mais passivas e conservadoras do que os homens devido, basicamente, à imobilidade do óvulo comparada à mobilidade do espermatozoide.” (LEMGRUBER, 1983, p. 12).

Sobre essa curiosa espécie de argumentos sexistas, Eugenio Raúl Zaffaroni (1991, p. 77) explica que, desse protótipo

provém a famosa teorização postuladora da tão mencionada analogia entre o criminoso e o selvagem (colonizado), da qual também não se salvaram a criança, o ancião (por ser “regressivo”), ou a mulher (em razão de sua menor capacidade de racionalidade “funcional”para a produção e de sua menor agressividade para a competição violenta).

Freud, a seu turno, procurou esclarecer a maior tendência dos homens ao crime, se comparados às mulheres, pelo fato de que o cometimento de delitos por estas “representa uma rebelião contra o natural papel biológico da mulher e evidencia um ‘complexo de masculinidade.’ (LEMGRUBER, 1983 pg. 12).

Dessa forma, a mulher criminosa era categorizada biologicamente como “anormal”, o que ensejava, de efeito e à época, que o público feminino que praticasse uma infração penal fosse duplamente condenado: primeiro, pelo Estado-juiz, através da persecução penal e, segundo, pela sociedade, ao serem consideradas anormais em termos sexuais. Nas palavras de Césare Lombroso e Wiilian Ferrero (apud LEMGRUBER, 1983, p. 12), no livro “The Female Offender” (ou “A Mulher Criminosa”, publicado no século XIX, em 1893), “como uma dupla exceção, a mulher criminosa é um monstro”. Nesta obra, de efeito, nomeados criminalistas estabeleceram classificações para a mulher criminosa: criminosas

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ocasionais, criminosas natas, criminosas de paixão, ofensoras histéricas, criminosas lunáticas, suicidas, epiléticas e moralmente insanas.

No século XIX, como explica Thaís Dumêt Faria, em trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI – Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito, realizado no ano de 2010 (p. 6071), a criminologia da época, em seu leque de justificativas para classificar e categorizar os seres humanos, asseverava que

as mulheres faziam parte do grupo “cientificamente” inferior. Muitos estudos foram feitos para comprovar as diferenças evolutivas entre homens e mulheres. Um dos estudos que gostaríamos de chamar atenção foi a obra de Livio de Castro, A Mulher e a Sociogenia, publicada em 1887 no Brasil que, através de estudos muito similares aos da Escola Positivista, atesta a inferioridade da mulher. Defendeu, inclusive que as mulheres não poderiam ser professoras, porquanto tinham o mesmo desenvolvimento cerebral que uma criança.

Igualmente, Lívio de Castro, além de estudar crânios e o funcionamento das estruturas somáticas das mulheres, elaborou tese sobre o papel da mesma perante o homem, dizendo que: “A mulher é apenas um utensílio, e quando seu possuidor é bastante rico para não ressentir-se da perda de tal propriedade, ella vale quase nada, não merece atenção.” (1887 apud FARIA, 2010, p. 6071).

Quase 70 anos depois, é introduzida, a partir do livro “The Criminality of Women”, de Otto Polack, datado de 1961, uma nova corrente de pensamento acerca dos fatores que levariam homens e mulheres à perpetração de injustos penais. Consoante o autor, e nas palavras de Julita Lemgruber (1983, p. 13), a mulher seria tão criminosa quanto o homem, e a distinção entre ambos residiria no fato

de que os crimes cometidos por mulheres são, em geral, menos detectáveis do que aqueles cometidos por homens. Ademais, mesmo quando descobertos, os crimes femininos são menos frequentemente relatados às autoridades e, quando relatados, há menor chance de que as mulheres sejam levadas a tribunais e consideradas culpadas.

Todavia, Otto Polack parece esquecer as relações socioculturais e econômicas de poder e sujeição entre homens e mulheres, levando em conta apenas estereótipos.

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A seu turno, e como lembra Lemgruber (1983), os autores Cowie, Cowie e Slater, em seu livro “Delinquency in girls”, 1968, elucidam o comportamento criminoso de homens e mulheres com base em alterações cromossômicas, segundo as quais homens e mulheres tidos como “normais”, onde o último par de cromossomos consiste em XY e XX, respectivamente, era acrescido de um Y nos indivíduos “criminosos”, o que correspondia ao desenvolvimento de uma denominada “masculinidade exacerbada”, predispondo à prática delitiva. Destarte, Cowie, Cowie e Slater, em suas explanações para os índices de criminalidade em homens e mulheres, tomam a assertiva de que os comportamentos masculino e feminino são determinados geneticamente.

À título de outra ilustração, aliás, oportuno citar que os autores adrede citados chegaram a cogitar que a mulher e o homem, óvulo e espermatozoide, diferiam-se na tendência criminalidade tal como diferiam na gênese de suas vidas, sendo o macho catabólico e a fêmea anabólica. Explica-se: o termo catabólico “refere-se à destruição de energia, um processo que resulta em criatividade; enquanto que anabólico está relacionado ao armazenamento de energia que resulta em passividade.” (LEMGRUBER, 1983, p. 12).

Dados esses pressupostos, claramente infere-se que, para além das teses biologistas, na gênese dos estudos criminológicos e sociológicos as explicações para a criminalidade feminina, no mais das vezes diversa da masculina, estavam centradas na percepção cultural do papel e do lugar, historicamente construídos, da mulher nas relações sociais.

Todavia, é cediço que os comportamentos tidos como femininos ou masculinos não são fruto de uma linearidade biológica ou anatômica. Ao contrário, as características de gênero são, sim, determinadas pela cultura dominante em certa sociedade, em certo momento histórico. Samantha Buglione, em artigo denominado “O dividir da execução penal: olhando mulheres, olhando diferenças”, 2002, p. 129, refletia no que calha à matéria que

não está no ordenamento da natureza a norma de que mulher é igual feminino e homem igual a masculino, isso é uma construção social. Simone de Beauvoir, na sua célebre frase, já evidenciava que não se nasce mulher,

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torna-se mulher. [...] Mesmo não estando na natureza as características, os valores históricos que são atribuídos ao feminino e ao masculino busca no argumento da natureza a sua legitimação – é na ideia do natural que essas diferenças se fundamentam. Ou seja, uma construção social e histórica é tomada como algo inato, um fato natural, biológico. (grifo da autora).

Por volta dos anos 70, contudo, houve uma reviravolta na doutrina sobre a criminalidade feminina, onde os novos estudiosos e adeptos refutaram as teses anteriores, negando qualquer tipo de influência dos aspectos fisio ou biológicos sobre o comportamento dos gêneros masculino e feminino, a ponto de determinar necessariamente se seriam, ou não, voltados ao crime. Nesse ínterim, os teóricos que exsurgiram naquela década pautaram-se por fatores de distinta socialização e resposta social de homens e mulheres frente ao crime. Vejamos.

Os autores Hoffman e Bustamante, lembrados por Lemgruber (1983), notaram que as mulheres tem menor tendência ao crime haja vista que, desde muito cedo, são incentivadas a portar-se de modo passivo e não agressivo, ao contrário dos homens, o que justifica o envolvimento majoritário das mulheres em crimes não violentos; ressaltando-se que, nas escassas vezes em que tal situação ocorre, dão-se em virtude do papel dão-secundário e auxiliar das mulheres ao lado dos homens neste tipo de crimes. Também, foi suscitado por mencionados autores que as mulheres, via de regra, teriam maior grau de tolerância e conformismo a determinados padrões sociais e morais fixados, se traçado um paralelo com os homens, tangente a essa questão.

Porém, assim como as correntes e teorias anteriores, a “teoria dos papéis sociais”, como foi denominada a tese desenvolvida por Hoffmann e Bustamante, não é totalmente completa e ainda deixa a desejar, eis que não especifica os motivos da criminalidade feminina e, bem ainda, não evidencia os vetores socioculturais, históricos e econômicos que, conjugados, levavam às mulheres a se comportarem da forma alhures descrita (passiva e menos agressivamente) ou a adquirirem tal status na sociedade.

Posteriormente, durante os anos de 1970 a 1980, sucedeu paulatino e crescente aumento na criminalidade feminina, sendo uma das possíveis causas para tal fenômeno a contínua busca das mulheres pela igualdade entre gêneros, tanto

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formal quanto substancialmente, principalmente após o advento do Movimento pela Libertação das Mulheres. Em sendo assim, ao passo que a inserção feminina crescia como força de trabalho e, consequentemente, a igualdade entre os sexos ascendia, a participação das mulheres nas estatísticas criminais também aumentava. Exemplificativamente, no transcorrer dos anos de 1960 a 1972, nos Estados Unidos da América, diz Julita Lemgruber (1983, pg. 14) que

o número de detenções de mulheres aumentou três vezes mais rapidamente do que para os homens. No Cadaná duplicou em nove anos. Na Índia o número de presidiárias quadruplicou entre 1962 e 1965. No Brasil, entre 1957 e 1971 as condenações de mulheres cresceram duas vezes mais rapidamente do que as de homens e, paralelamente, a participação da mulher na população economicamente ativa passa de 14,7% em 1950, para 17,9% em 1960 e, finalmente, 21,0% em 1970 [...]

Nesse norte, a participação feminina despontou, até mesmo, nos crimes de colarinho branco (ou white collar crimes), como reflexo da abertura de cargos elevados no mercado de trabalho às mulheres.

Hodiernamente, pensa-se que, em geral, o aumento da criminalidade feminina está intrinsecamente ligado ao nível de chamamento da mulher a participar no mercado de trabalho, na sociedade, na labuta diária pela sobrevivência, ligando-se, outrossim e mormente, a fatores de ordem social, cultural e econômica. Tanto é verdade, que se pode observar várias experiências nesse sentido em diferentes países, como leciona Lemgruber (1983, pg. 15), lembrando o observado por Sykes, Jones e Radzinowicz:

Tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, durante a Segunda Guerra Mundial, as taxas de criminalidade feminina aproximaram-se às masculinas quando a mulher foi chamada a exercer um papel mais atuante, na medida que sobre elas recaíram maiores responsabilidades sócio-econômicas. Já foi também demonstrado, estatisticamente, que entre os negros norte-americanos e entre as camadas sociais mais baixas a desigualdade nas taxas de criminalidade feminina e masculina são menores. Argumenta-se que tais diferenças se devem à maior participação das mulheres, nestes grupos, na luta pela sobrevivência. Comparando-se taxas de criminalidade urbana e rural, verifica-se que a participação feminina é maior na primeira. Tal fato parece indicar que na cidade há também uma maior igualdade entre os sexos, enquanto que no campo a mulher ainda situa-se em posição de subordinação acentuada e mais voltada paras as lides domésticas.

À luz dessas explanações, resta hialino que à proporção em que as distinções de gênero decrescem no seio social, majoram-se as taxas de mulheres envolvidas

Referências

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