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Direitos e garantias assegurados pela Lei de Execuções Penais, Código

2 PANORAMA BRASILEIRO ATUAL TOCANTE À MULHER PRESA

2.1 Direitos e garantias assegurados pela Lei de Execuções Penais, Código

De pronto, tangente aos direitos das detentas em nosso país, podemos afirmar que estes se encontram elencados, basicamente, no Código Penal (CP, Decreto-Lei n.º 2.848/1940), Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF) e Lei de Execuções Penais (LEP, Lei n.º 7.210/1984). Em síntese, esses diplomas legais concentram previsões específicas sobre as mulheres nos seguintes artigos: 5.º, incisos XLVIII e L, ambos da CF; 37 do CP e, por fim, 14, §3.º, 19, § único, 77, §2.º, 82, §1.º, 83, §§ 2.º e 3.º, 89, § único, incisos I e II, e 117, incisos III e V, estes últimos da LEP (CASTILHO, 2007), conforme se verá adiante.

Em específico, também são os direitos das detentas brasileiras tutelados pelas Resoluções n.º 04 de 15/07/2009 e n.º 14 de 11/11/1994, ambas do CNPCP – Conselho Nacional de Políticas Criminal e Penitenciária, cujos dispositivos atinentes à matéria não serão analisados mais detidamente por não se tratarem de objeto peculiar desse trabalho, mas tão somente citados.

Em primeiro lugar, tem-se o art. 5.º da Magna Carta brasileira, que assim dispõe em seus incisos XLVIII e L, respectivamente: “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado” e “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”. (BRASIL, Constituição, 1988).

Todavia, conforme brevemente explanado nos introitos deste trabalho monográfico, a realidade é diametralmente oposta àquilo que é preconizado nos dispositivos acima, componentes da mais imperativa norma de nosso ordenamento jurídico: a Constituição Federal. Nesse tópico, cabe salientar o último levantamento realizado pelo DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional, no ano de 2011, em cujo teor consta que, ao total – considerando as mulheres presas em estabelecimentos do sistema penitenciário e delegacias de polícia –, são 33.289 mulheres para 82 unidades prisionais, sendo que há déficit nacional de 13.827 vagas (p. 7), consoante explana detalhadamente, por unidade da federação, a tabela

abaixo (FONTE: BRASIL. Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional, 2011).

Em sendo assim, da singela análise dos dados acima apresentados, depreende-se que o sistema carcerário do Brasil não possui número suficiente de estabelecimentos penais femininos aptos a suprir a crescente demanda de presas. Logo, a conclusão daí é corolário lógico: grande parte das mulheres encarceradas divide espaço com presos do sexo masculino, seja em prisões mistas, onde se tem alas/galerias/módulos para mulheres; ou até mesmo em celas mistas, como amiúde ocorre em delegacias de polícia e cadeias públicas, do que deriva, evidentemente, uma séria de flagrantes violações aos direitos das internas.

Pertine à matéria, ainda, o que vem estatuído no art. 37 de nosso Código Penal pátrio: “As mulheres cumprem pena em estabelecimento próprio, observando-se os deveres e direitos inerentes à sua condição pessoal, bem como, no que couber, o disposto neste Capítulo”. (BRASIL, Código Penal, 1940). O art. 82, §1.º da LEP, transcreve regra bastante assemelhada, acerca da separação dos presos:

Os estabelecimentos penais destinam-se ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso. [...] § 1° A mulher e o maior de sessenta anos, separadamente, serão recolhidos a estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal. (Brasil, Lei de Execuções Penais, 1984).

Como “condição pessoal” tem-se que a interpretação mais adequada, e no melhor interesse das detentas, não é aquela que leva em consideração diferenças que as inferiorizam enquanto gênero, mas sim que toma em conta as diferenças quando a igualdade (paralelo com os homens, para quem foi pensado o sistema penal) as descaracterizam enquanto mulheres.

Insta gizar, além disso, que não só o número de estabelecimentos penais específicos para mulheres é insuficiente, como também as instalações e acomodações dos estabelecimentos já existentes, como se verá abaixo; haja vista que também o ditame constitucional relativo ao aleitamento materno (art. 5.º, inciso L, CF/88) “reafirma implicitamente a obrigatoriedade de estabelecimentos penitenciários distintos para as mulheres, com espaços e equipamentos que permitam a permanência dos filhos durante o período da amamentação” (CASTILHO, 2007, p. 41).

Quanto à amamentação, assim, cuja proximidade entre mãe e filho é assegurada constitucionalmente nesse período à mulher presa, o que ocorre nos ergástulos brasileiros é deveras diferente. De efeito, são ainda ínfimas as penitenciárias que comportam módulos para lactantes, parturientes ou gestantes, e inclusive creches para as crianças enquanto pequenas. Em verdade, o que se tem, segundo informado pelos Estados da federação ao DEPEN, são 59 creches ao total para a prole das mais de 30 mil mulheres presas no sistema prisional brasileiro, destacando-se que o próprio DEPEN, ao analisar os dados recebidos pelos ergástulos nacionais, considerou que algumas dessas “creches” informadas pelas unidades federativas seriam, na verdade, leitos, informados erroneamente pelos Estados.

Sobre as presas nutrizes, dispõe também o art. 7.º, §2.º, da Resolução n.º 14 de 11/11/1994, e art. 1.º, inciso III, da Resolução n.º 04 de 15/07/2009, ambas do CNPCP, que seguem respectivamente:

Art. 7º. Presos pertencentes a categorias diversas devem ser alojados em diferentes estabelecimentos prisionais ou em suas seções, observadas características pessoais tais como: sexo, idade, situação judicial e legal, quantidade de pena a que foi condenado, regime de execução, natureza da prisão e o tratamento específico que lhe corresponda, atendendo ao princípio da individualização da pena.

[...]

§ 2º. Serão asseguradas condições para que a presa possa permanecer com seus filhos durante o período de amamentação dos mesmos. (BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Nacional de Políticas Criminal e Penitenciária, 1994).

Art. 1º A estada, permanência e posterior encaminhamento das (os) filhas (os) das mulheres encarceradas devem respeitar as seguintes orientações: [...]

III - Amamentação, entendida como ato de impacto físico e psicológico, deve ser tratada de forma privilegiada, eis que dela depende a saúde do corpo e da "psique" da criança; [...] (BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Nacional de Políticas Criminal e Penitenciária, 2009).

Ainda sobre o tema da prole vinda à luz dentro do cárcere, o art. 83, §2.º da LEP traz à baila o tempo de aleitamento materno mínimo, a fim de assegurar o pleno desenvolvimento da saúde do recém nascido:

Art. 83. O estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva.

[...]

§ 2o Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade. (BRASIL, Lei de Execuções Penais, 1984).

Já o art. 14, §3.º da LEP salvaguarda a saúde da criança, aliás, desde a gestação das reclusas, através de acompanhamento médico antecedente ao nascimento, a saber:

Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico. [...]

§ 3o Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido. (BRASIL, Lei de Execuções Penais, 1984).

Outrossim, o mesmo diploma legal alude àquelas crianças que não possuam família extensiva externamente à penitenciária, necessitando, consectariamente, ficar em companhia da mãe reclusa, até a idade máxima de 7 anos completos:

Art. 89. Além dos requisitos referidos no art. 88, a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa Parágrafo único. São requisitos básicos da seção e da creche referidas neste artigo

I – atendimento por pessoal qualificado, de acordo com as diretrizes adotadas pela legislação educacional e em unidades autônomas; e

II – horário de funcionamento que garanta a melhor assistência à criança e à sua responsável. (BRASIL, Lei de Execuções Penais, 1984).

Diretrizes a respeito da permanência de crianças em estabelecimentos penais, junto de suas genitoras, também vem estatuídas nos arts. 2.º a 6.º da Resolução n.º 4 de 15/07/2009 do CNPCP, como se colaciona abaixo:

Deve ser garantida a permanência de crianças no mínimo até um ano e seis meses para as (os) filhas (os) de mulheres encarceradas junto as suas mães, visto que a presença da mãe nesse período é considerada fundamental para o desenvolvimento da criança, principalmente no que tange à construção do sentimento de confiança, otimismo e coragem, aspectos que podem ficam comprometidos caso não haja uma relação que sustente essa primeira fase do desenvolvimento humano; esse período também se destina para a vinculação da mãe com sua (seu) filho (o) e para a elaboração psicológica da separação e futuro reencontro.

Art. 3.º Após a criança completar um ano e seis meses deve ser iniciado o processo gradual de separação que pode durar até seis meses, devendo ser elaboradas etapas conforme quadro psicossocial da família, considerando as seguintes fases:

a) Presença na unidade penal durante maior tempo do novo responsável pela guarda junto da criança;

b) Visita da criança ao novo lar;

c) Período de tempo semanal equivalente de permanência no novo lar e junto à mãe na prisão;

d) Visitas da criança por período prolongado à mãe.

§ único. As visitas por período prolongado serão gradualmente reduzidas até que a criança passe a maior parte do tempo no novo lar e faça visitas à mãe em horários convencionados.

Art. 4.º A escolha do lar em que a criança será abrigada deve ser realizada pelas mães e pais assistidos pelos profissionais do Serviço Social e Psicologia da unidade prisional ou do Poder Judiciário, considerando a seguinte ordem de possibilidades: família ampliada, família substituta ou instituições.

Art. 5.º Para abrigar crianças de até dois anos os estabelecimentos penais femininos devem garantir espaço de berçário de até quatro leitos por quarto para as mães e para suas respectivas crianças, com banheiros que comportem banheiras infantis, espaço para área de lazer e abertura para área descoberta.

Art. 6.º Deve ser garantida a possibilidade de crianças com mais de dois e até sete anos de idade permanecer junto às mães na unidade prisional desde que seja em unidades materno-infantis, equipadas com dormitório para as mães e crianças, brinquedoteca, área de lazer, abertura para área descoberta e participação em creche externa.

Parágrafo único: Nesse caso, o Estado deve se habilitar junto ao DEPEN, informando às unidades que terão tal estrutura. (BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Nacional de Políticas Criminal e Penitenciária, 2009).

Ora, outra questão que salta aos olhos é o ainda reproduzido raciocínio binário entre masculino versus feminino. Explica-se: verbis gratia, e dado o tópico que discutimos acima, porque não há creches/berçários nos presídios masculinos? Os homens presos não são pais, ou então não desejam passar tempo com sua prole?

Ocorre que o que rege a estrutura é o pensamento de que ao masculino, logo homens, não cabe a reprodução ou a responsabilidade sobre ela, e, por consequência, essa não deve ser fato relevado para estar presente na execução penal. (BUGLIONE, 2002, p. 134).

Versando sobre a temática da educação e ensino profissionalizante a serem ministrados nas dependências do ergástulo, o art. 19 da já referida Lei de Execuções Penais determina, em seu único parágrafo, que o “ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico. Parágrafo único. A mulher condenada terá ensino profissional adequado à sua condição”. (BRASIL, Lei de Execuções Penais, 1984).

Em consonância com o entendimento de Ela Wiecko V. de Castilho, a norma inserta no art. 19 é discriminatória, a um porque o gênero sexual não é critério para o oferecimento de cursos profissionalizantes diferenciados segundo os sexos, e a dois porque o artigo pressupõe que existam profissões que não são “tipicamente” femininas. Parece bastante óbvio que esse regramento é um remanescente do pensamento vigente quando da edição da Lei n.º 7.210, em 1984; década de 80, em que as conquistas femininas no espaço público e no mercado de trabalho, como explicitado no primeiro capítulo do presente trabalho, tomavam forma e buscavam, paulatinamente, alçar voos maiores.

De outro viés, interessante sinalar que também a legislação pátria prevê que nas penitenciárias onde se abrigam mulheres deverá trabalhar apenas pessoal do sexo feminino, salvo se se tratar de pessoal especializado ou técnico. Tais são as normas inseridas nos arts. 77, §2.º e 83, § 3.º, ambos da LEP, e ainda art. 52 da Resolução n.º 14 de 11/11/1994 do CNPCP, respectivamente:

Art. 77. A escolha do pessoal administrativo, especializado, de instrução técnica e de vigilância atenderá a vocação, preparação profissional e antecedentes pessoais do candidato.

[...]

§ 2º No estabelecimento para mulheres somente se permitirá o trabalho de pessoal do sexo feminino, salvo quando se tratar de pessoal técnico especializado. (BRASIL, Lei de Execuções Penais, 1984).

Art. 83. O estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva.

[...]

§ 3o Os estabelecimentos de que trata o § 2o deste artigo deverão possuir, exclusivamente, agentes do sexo feminino na segurança de suas dependências internas. (BRASIL, Lei de Execuções Penais, 1984).

Art. 52. No estabelecimento prisional para a mulher, o responsável pela vigilância e custódia será do sexo feminino. (BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Nacional de Políticas Criminal e Penitenciária, 1994).

Infelizmente, não se dispõem de dados, pesquisas, estatísticas ou censos a fim de examinar se as regras atinentes aos recursos humanos envolvidos na administração penitenciária são de fato, ou não, cumpridas. Todavia, dada a defasagem de vagas ocorrente no sistema prisional feminino, o baixo número de estabelecimentos penais destinados apenas para mulheres (82, segundo o último censo do DEPEN, realizado em 2011), e o fato de que ainda há muitas reclusas dividindo espaço com homens – seja em casas de albergado, cadeias públicas, penitenciárias, colônias agrícolas, industriais ou similares –, acredita-se que os agentes penitenciários responsáveis pela segurança sejam de ambos os sexos; até mesmo porque as regras supracitadas indicam os “estabelecimentos prisionais para mulheres”, dando a entender sua inaplicabilidade em relação à estabelecimentos mistos.

Por derradeiro, tem-se o art. 177, incisos III e IV da LEP, que trata sobre as hipóteses em que condenado em regime aberto pode recolher-se à residência: “Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: [...] III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV - condenada gestante”. (BRASIL, Lei de Execuções Penais, 1984). Este dispositivo identifica a mulher com o papel de mãe. É questionável, no entanto, o porquê de o inciso III apenas fazer referência à “condenada”, será porque o condenado, que seja pai, não concorre com a genitora de seu filho deficiente físico

ou mental para os cuidados e responsabilidade sobre este? Ou a função de zelo pela prole cabe exclusiva e unicamente à mulher?

Mais uma vez, deparamo-nos com vestígios dos arcaicos pensamento e dogmática vigentes ao tempo de publicação da Lei de Execuções Penais, lembrando que tal artigo e seus incisos aplicam-se às presas condenadas, em cumprimento de pena no regime aberto. Regra análoga vem trazida pelo Código de Processo Penal (Decreto-Lei n.º 3.689/1941) em seu art. 318, desta feita, porém, em relação à prisão preventiva, com regra introduzida pela Lei n.º 12.403/2011, não fazendo distinção entre homens e mulheres:

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:

[...]

III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;

IV - gestante a partir do 7o(sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.

Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo. (BRASIL, Código de Processo Penal, 1941).

De todo o exposto, vislumbra-se que o ordenamento jurídico brasileiro possui, ainda que de forma bastante tímida se traçado um paralelo com normas exclusivamente para os homens reclusos ou normas sui generis (que, em verdade, igualmente foram pensadas para o público masculino), normatizações tangentes às detentas.

No entanto, muito embora haja regramento legal para os direitos e garantias a serem assegurados em prol das mulheres, pode-se com segurança afirmar que a realidade não os contempla de plano e, outrossim, a própria legislação pátria é um tanto quanto débil no que tange à melhor tutelar – e da forma apropriada – a questão das mulheres presas, dadas suas sabidas especificidades e demandas.

2.2 Realidade e reflexões acerca da situação das mulheres encarceradas no