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Realidade e reflexões acerca da situação das mulheres encarceradas no

2 PANORAMA BRASILEIRO ATUAL TOCANTE À MULHER PRESA

2.2 Realidade e reflexões acerca da situação das mulheres encarceradas no

Não é novidade que a pena privativa de liberdade tem sofrido duras críticas nos últimos anos, devido a degradar, humilhar e estigmatizar os que a ela são submetidos, como é de geral conhecimento. Desde o século VIII grassa entre os estudiosos reformadores a ideia de combater a pena privativa de liberdade, sob o argumento de que ela

[...] é desprovida de efeito sobre o público. Porque é inútil à sociedade, até nociva: é cara, mantém os condenados na ociosidade, multiplica-lhes os vícios. Porque é difícil controlar o cumprimento de uma pena dessas e corre-se o risco de expor os detentos à arbitrariedade de seus guardiães. Porque o trabalho de privar um homem de sua liberdade e vigiá-lo na prisão é um exercício de tirania. (FOUCAULT, 2002, p. 95).

Sob a lição de Michel Foucalt (2002, p. 107), bem ainda, infere-se que desde 1840 já se constatava a “inutilidade” dos estabelecimentos penais: “a prisão é um duplo erro econômico: diretamente, pelo custo intrínseco de sua organização e, indiretamente, pelo custo da delinquência que ela não reprime.”

É irrefragável que a realidade carcerária, hodiernamente, dispensa maiores comentários. A superlotação; a precariedade das condições de higiene, infraestrutura e serviços de saúde no interior do ergástulo; a utilização de drogas; a lugubridade do ambiente; a ausência de vagas e oportunidade de trabalho ou estudo para todos os apenados; o controle de facções sobre as próprias administrações carcerárias; o sedentarismo e o ócio dos detentos; a corrupção de agentes penitenciários; a morosidade e os erros do Poder Judiciário; o fato de os estabelecimentos penais consistirem em bolsões de doenças infectocontagiosas (tuberculose, leptospirose, micose, pediculose, sarna, AIDS, gripe, etc.), entre outros, são algumas das problemáticas que nos permitem dizer que a afirmação de Foucault, mesmo hoje, permanece atual e válida.

Aliás, da análise como o sistema carcerário está configurado, o mesmo autor conclui que a

prisão é uma pena. A humanidade se levanta contra esse horrível pensamento de que não é uma punição privar um cidadão do mais precioso dos bens, mergulhá-lo ignominiosamente no mundo do crime, arrancá-lo a tudo o que lhe é caro, precipitá-lo talvez na ruína e retirar-lhe, não só a ele, mas à sua infeliz família todos os meios de subsistência. (BRISSOT, 1781 apud FOUCAULT, 2002, p. 99).

Muito a propósito, convém sinalar ainda a violência institucional que amiúde ocorre no interior das próprias prisões, praticada pelos próprios apenados. De fato, revestindo-se de forma física, psíquica ou moral, a violência reproduzida nos ergástulos pelos próprios reclusos não raro inclui humilhações, tortura, estupro, homicídio, subjugação, sodomização, constrangimento, ameaças, chantagens, etc.

De ímpar valia, nesse tópico, a lição do mestre Heleno Cláudio Fragoso (1985), que teceu comentário sobre a prisão, lembrado por Marcos Rolim (2002, p. 322):

Como instituição total, a prisão necessariamente deforma a personalidade ajustando-se à subcultura prisional. O problema da prisão é a própria prisão... Aos efeitos comuns a todas as prisões, somam-se os que são comuns nas nossas: superpopulação, ociosidade, promiscuidade.

Deveras, a falta de supervisão eficiente, o ócio, a ausência de classificação dos presos em muitas penitenciárias (segundo a reincidência ou primariedade e os tipos de delitos), a abundância de armas e drogas, as péssimas condições das prisões, entre outros vetores, fazem com que o espírito humano inexoravelmente se derroque, esvaindo pouco a pouco os escrúpulos e a dignidade, enquanto afloram a selvageria e a leniência com toda sorte de brutalidades. Por essas razões e as apontadas adrede, com segurança pode-se afirmar que a prisão, no mais das vezes, é um local sofrível; tanto que há muito surgiram propostas de extinguir o sistema penal tal como é hoje, a exemplo do que segue:

É preciso abolir o sistema penal. Isto significa romper os laços que, de maneira incontrolada e irresponsável, em detrimento das pessoas diretamente envolvidas, sob uma ideologia de outra era e se apoiando em um falso consenso, unem os órgãos de uma máquina cega cujo objeto mesmo é a produção de um sofrimento estéril. (HULSMAN, 1997 apud LEMA, 2011, p. 6).

Sobre a afirmativa de Hulsman, Eugenio Raúl Zaffaroni (1991, p. 98) desenvolve com propriedade que:

Entre outras razões, Hulsman afirma que há três motivos fundamentais a favor da abolição do sistema penal: é um sistema que causa sofrimentos desnecessários que são distribuídos socialmente de modo injusto; não apresenta efeito positivo sobre as pessoas envolvidas nos conflitos; e é sumamente difícil de ser mantido sob controle.

Como reação a essa série de violações ocorridas na prisão e a violência institucional gerada pelo Estado, de cujo mal da pena imposta supera o próprio mal do crime, surgiram vários movimentos sociais em prol dos direitos humanos, até hoje permanecendo a mobilização de pastorais, ONG’s e outras entidades da sociedade civil contra os “horrores” observados em unidades penais:

Os grupos e iniciativas civis latino-americanos manifestam crescente preocupação com o sistema penal. Muitos desses núcleos apareceram como resistência civil ao terrorismo do estado e, nos países onde essa etapa parece superada, não se pode deixar de perceber a permanência quase intacta dos órgãos que executaram esse terrorismo, com seu próprio poder administrado de forma mais prudente ou dirigido para outros setores sociais. (ZAFFARONI, 1991, p. 34).

Sem embargo de todas essas considerações, “a pena-prisão, embora reconhecidamente falida, não parece estar à beira da extinção” (LEMGRUBER, 1983, p. 15) e, já que comprovadamente deturpe os que a ela são submetidos, sejam presos condenados ou provisórios, no caso das mulheres – objeto desta monografia – tal situação é ainda mais periclitante e gravosa, gerando danos e violações de toda ordem, sejam físicos, morais ou psicológicos. É o que se buscará demonstrar a seguir.

Como o sistema carcerário é, estreme de dúvidas, eminentemente masculino, a questão das mulheres presas e as implicações daí decorrentes sempre foram, historicamente, relegadas a segundo plano e ao esquecimento, razão pela qual, ipso facto, poucas foram as políticas públicas, projetos sociais, estudos censitários e estatísticos que contemplaram a matéria, fazendo com que, via de consequência, as mulheres detentas representem um grupo altamente vulnerável e invisível, longe de nossas consciências e reflexões.

A respeito do tema, convém trazer excerto de artigo escrito por Samantha Buglione (2002, p. 125):

Zaffaroni já alertava para o fato de que a maior crueldade se concentra no silêncio. Ele dizia isso ao se referir aos parcos estudos sobre mulheres e criminalidade. Na mesma linha do seu pensamento, ressaltamos a denúncia que os poucos estudos sobre execução penal fazem, contribuindo, talvez, para as atrocidades que quotidianamente ocorrem neste mundo – a parte (em desejo) de nossas consciências e responsabilidades.

Como é de geral sabença, destarte, e a notoriedade o precede, o sistema carcerário brasileiro não está de todo estruturado, e da forma mais apropriada e satisfatória, para atender na integralidade as necessidades das mulheres presas. Além da principal dificuldade em torno do déficit de vagas nas unidades prisionais, já que a defasagem, atualmente, gira em torno de 13.827 vagas (dados do último relatório Infopen realizado, em 2011, onde a coleta de dados é alimentada pelos órgãos da administração penitenciária de todo o país, onde as unidades federativas com menor e maior déficit, são, respectivamente, Rio Grande do Norte com 480,77% e Sergipe com 1,1%); a maior parte dos então 82 estabelecimentos prisionais femininos existentes no Brasil – entre colônias agrícolas ou industriais, casas de albergado, cadeias públicas, hospitais de custódia e tratamento penitenciário, patronatos e outros – não dispõe de creches/berçários ou equivalentes, tampouco módulos de saúde para gestantes e parturientes, a fim de cuidar do pré e pós-natal, consoante salientado no tópico anterior (“Direitos e garantias assegurados pela Lei de Execuções Penais, Código Penal e Constituição da República Federativa do Brasil”).

Malgrado essas dificuldades e óbices apresentados pelo sistema, a criação dos filhos ainda assim acaba recaindo sobre as mulheres encarceradas. Tendo traçado um perfil da mulher presa entre os anos de 2000 e 2006, o grupo de trabalho interministerial vinculado à Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (BRASIL, Ministério da Justiça, 2007, p. 36) constatou que as reclusas, antes da segregação,

[...] moravam com seus filhos e filhas – categoria que é reduzida para os homens, que em sua maioria vivia com a mãe ou cônjuge, reafirmando o que ocorre fora dos muros: o ônus da criação dos filhos recai sobre as mulheres.

Quando do encarceramento da mulher, encontramos um percentual expressivo de filhos sob a tutela de avós maternos, o que indica que a criação dos filhos das detentas acaba recaindo mais sobre sua família que sobre a do companheiro.

Corroborando com a afirmação acima, informações coletadas pelo Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional em parceria com outros órgãos (2007, p. 39- 40), dão conta de que

alta porcentagem de mulheres presas são mães e se encarregam de cuidar dos filhos, porém, de modo geral, não há políticas públicas adequadas no tratamento das presas. [...] 87% das detentas brasileiras têm filhos, sendo que 65% delas não mantêm relacionamento com os pais das crianças (são mães solteiras), do que se pode depreender que a maior responsabilidade recai sobre as mulheres. De fato, em São Paulo, onde está abrigada, aproximadamente, 41% da população carcerária feminina do país, no último censo de 2002- sobre a gravidade e complexidade de garantias relacionadas ao assunto, especialmente a delicadeza das relações entre mães e filhos, mulheres e relações afetivas- foi observado que, na Penitenciária Feminina da Capital, 83% das mulheres declararam ter filhos, dos quais 59% viviam com a família da reclusa; o marido (ou ex-marido) conservou a guarda apenas em 6% dos casos.

A respeito do tema, é incontroverso que também a superlotação de presídios é problemática não somente de deficiência de espaço físico para acomodar todas as detentas; mas também vetor de diversas mazelas, desproteção social, violação de direitos e reprodução da sociedade excludente que é vivenciada extramuros (INSTITUTO TERRA, TRABALHO E CIDADANIA; PASTORAL CARCERÁRIA, 2013). Aliás, é bem verdade que as mulheres são penalizadas mais severamente, vis à vis aos homens, pela privação de liberdade. Entre outras razões, primeiro porque todo o sistema penal foi pensado e construído, primordialmente, para abrigar homens, e não mulheres. Segundo pois, e daí decorrente, que ainda é dada pouca visibilidade à questão feminina na execução penal; sendo muito dos direitos ínsitos às mulheres, então, negligenciados.

Em outras palavras, pode-se dizer que se relativamente aos homens presos – sejam condenados ou provisórios –, os quais representam a maioria da população carcerária do país, existem grandes deficiências estruturais e institucionais que devem ser superadas, assim como dificuldade na coleta e produção de dados, no que tange à situação das mulheres estas parecem passar despercebidas, e a “invisibilidade” a que estão relegadas colabora para que o Estado atue de maneira ainda mais acintosa (CENTRO PELA JUSTIÇA E PELO DIREITO INTERNACIONAL et al, 2007).

Invisibilidade esta, todavia, que é incompreensível diante dos cada vez mais expressivos números, estatísticas e censos prisionais, cuja interpretação já indica uma superlotação dos ergástulos femininos: nos anos de 2000 a 2006, v. g., o percentual de mulheres reclusas no país aumentou mais de 151%, conforme ilustram as tabelas abaixo (FONTE: CENTRO PELA JUSTIÇA E PELO DIREITO INTERNACIONAL et al, 2007).

De 2000 a 2006, percebe-se, a quantia de mulheres presas quase que triplicou, o que não foi seguido pelo número de vagas nos estabelecimentos penais:

Além do déficit acima ressaltado, que em 2006 encontrava-se em 4.233 vagas para as mulheres, a tabela abaixo evidencia, a seu turno, a pequena quantia de vagas destinadas às presas dentro do universo total de vagas nas prisões.

Mais. Recentemente, o diretor do DEPEN, Augusto Rossini, afirmou que a população carcerária feminina aumentou 256% só em 2012, enfatizando que o aumento no caso dos homens foi quase a metade desta porcentagem: 130%, conforme reportagem do periódico local Jornal da Manhã, tiragem dos dias 27 e 28 de julho de 2013. A reportagem com Rossini prossegue dizendo que, no momento coevo, “7% de todos os presos no Brasil são mulheres, o que corresponde a algo em torno de 36 mil detentas. Há mais de 550 mil pessoas em presídios no País e um déficit de 240 mil vagas, das quais 14 mil são para mulheres”. (NÚMERO de mulheres presas mais que duplicou em 2012, aponta estudo, 2013, p. 22).

Tocante ao Rio Grande do Sul, dados coletados pelo DEPEN demonstram que, em dezembro de 2005, o total de mulheres no sistema penitenciário era de 911, entre provisórias e condenadas em todos os regimes, inclusive submetidas à medida de segurança. Já no mesmo período de 2012, esse número cresceu para 1.902 presas, significando um acréscimo de 108,78% neste lapso temporal de 7 anos. As tabelas abaixo expressam esses números (FONTE: BRASIL. Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional, 2012):

Em todo esse universo prisional, poucas são as mulheres, se considerado o número que seria ideal ou esperado – e confrontando-se as estatísticas do total de presas existentes no Brasil e a parcela que trabalha ou estuda –, que cursam educação formal dentro dos presídios ou que exercem atividade laboral remunerada, seja esta última interna ou externamente às unidades prisionais, restringindo-se, assim, a possibilidade de remição de pena (BRASIL, Ministério da Justiça, 2011). Tanto é verdade que, em trabalho realizado ao longo do primeiro decênio dos anos 2000, o

[...] Grupo de Trabalho Interministerial constatou que a grande maioria das mulheres em situação de prisão no Brasil é jovem e não tem acesso à oferta educacional.

Se, por um lado, não causa maiores espantos, tendo em vista que no sistema prisional a educação é tratada como uma benesse e não como um direito, por outro, é causa de indignação, visto que a Educação é um direito de todos e todas como garante a Constituição Federal.

Levantamento feito em 2004 pelo Ministério da Justiça indica que apenas 18% da população carcerária desenvolviam atividades educacionais. (BRASIL, Ministério da Justiça, 2007, p. 70).

Não à toa diz-se que as prisões, nessa esteira, são escolas da criminalidade: sem educação básica/fundamental, cursos profissionalizantes ou incentivo ao trabalho, a detenta (e o detento, igualmente) permanece no ócio e de nenhuma forma benéfica ou altruísta ocupa seu tempo no interior do ergástulo.

Espera-se a punição e a reeducação do infrator com a simultânea proteção da sociedade, isto é, ações de natureza punitiva, pedagógica e protetora. Levando-se em conta que as tecnologias da punição, da educação e da segurança sejam incompatíveis entre si, presume-se e constata-se que as finalidades múltiplas atribuídas à pena privativa de liberdade jamais serão atendidas. (RIBEIRO DE SÁ, 1996, p. 40).

Nos lindes do pensamento de Geraldo Ribeiro de Sá, é possível afirmar então, com segurança, que uma das razões para a prisão não consistir em alternativa viável e eficaz reside no fato de que “iniciativas que não se caracterizam essencialmente pela “punitividade”, como a oferta de trabalho e educação, enfrentam dificuldades para se consolidar” (CENTRO PELA JUSTIÇA E PELO DIREITO INTERNACIONAL, 2007, p. 47), haja vista que as penitenciárias alicerçam- se no paradoxo de punir e, ao mesmo tempo, produzir um indivíduo apto ao convívio social.

A respeito dos motivos que levam à evasão (ou ausência) de ensino nas prisões femininas, interessante o seguinte trecho:

Além das condições adversas relacionadas à viabilização da escola e das aulas, pesquisas demonstram que, muitas vezes, as mulheres presas atribuem o aparente desinteresse pelas atividades educacionais à falta de condições emocionais, resultantes da situação de tensão interna à instituição prisional e, também, preocupações com a família, em especial com os filhos. Mesmo diante de um quadro de adversidade emocional e material, aquelas que estudam na prisão descrevem a escola como uma instituição à parte, onde são tratadas com respeito. A conquista do respeito e da admiração da família – particularmente dos filhos –, é outro forte estímulo para ir à escola. Algumas avaliam que sua condição de estudante incentiva os filhos a valorizarem seus próprios estudos e vêem na escola, ainda, uma fonte de autonomia em relação aos homens de seu círculo familiar, sejam companheiros ou pais. Muitas mulheres condenadas à prisão abandonaram ou não chegaram a freqüentar os bancos escolares em razão de terem tido suas vidas marcadas pela miséria econômica, acompanhada, não raro, de situações de violência e submissão familiar. Dentre os motivos que levam as presas a estudarem, há ainda as razões impostas pelo cotidiano da prisão: a possibilidade de escrever as próprias cartas – para muitas, única forma de contato com o mundo externo – sem ter que pedir favores ou pagar às colegas pelo serviço - e até mesmo a possibilidade de compreender sua situação jurídica. (CENTRO PELA JUSTIÇA E PELO DIREITO INTERNACIONAL et al, 2007, p. 49).

A par de todas essas considerações, e daquelas outrora feitas, pode-se dizer, estreme de dúvidas, que a detenta vai deixar o sistema penal tão pobre intelectual e materialmente quanto entrou.

A prova da afirmação acima, além de residir em todos os fatores alhures explicitados, também pode ser extraída, verbis gratia, no que tange ao direito social do preso – e da presa, por óbvio – ao trabalho como vínhamos falando, na forma do que preceitua o art. 6.º e 170 de nossa Magna Carta brasileira.

Deslinda-se: apesar de ser igualmente considerado dever social e condição de dignidade humana (na forma do art. 28 da Lei de Execuções Penais) e sendo sempre remunerado, garantidos ainda os benefícios da Previdência Social (de acordo com art. 39 do Código Penal), o trabalho prisional poderá ser remunerado com até mesmo ¾ do salário mínimo, mas nunca em valor inferior a isso, destacando-se que este montante deve atender, ainda, a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios; b) à assistência à família; c) a pequenas despesas pessoais;d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores (consoante art. 29, §1.º da referida LEP).

Via de consequência, apenas o excipiente disso tudo é destinado às presas pelo seu labor. Logo, sobre o tema, afirma com propriedade Geraldo Ribeiro de Sá (1996, p. 46):

Se admitirmos que um dos critérios para distinguir os “homens de bem” dos “homens criminosos” seja a dedicação ao trabalho ou a posse de rendas e que as pessoas, ao passarem pela prisão, transformar-se-ão em cidadãos honestos, porque aprenderão a trabalhar e sairão com posse de certa renda decorrente de pecúlio, estaremos muito enganados por várias razões. Em primeiro lugar, porque a maioria da população prisional trabalhava antes de ser presa [...] Em segundo porque os presos, quando privilegiados com o trabalho, e trabalho remunerado, recebem, por lei, somente três quartos do salário mínimo vigente. Esses três quartos são distribuídos de várias maneiras [...]

Deduz-se do excepcional e irrisório pagamento que, atendidas as quatro finalidades legais, se houver um resíduo, este será destinado à constituição do pecúlio. Pela magnitude do pecúlio prevê-se a insignificância da renda. Da insignificância da renda percebe-se a insignificância do valor atribuído ao trabalho penal. Conclui-se, portanto, que dependendo do pecúlio e de sua renda, o preso sairá da “cadeia mais pobre do que entrou”.

Some-se a isso que não há vagas de trabalho para todas as encarceradas, considerando que muitas se encontram em cadeias públicas ou até mesmo delegacias de polícia, onde não há viabilidade de labutar. Logo, a prisão não edifica; pelo contrário, tende muito mais a empobrecer intelectual e moralmente as apenadas.

Outras condições frequentemente inobservadas são a segurança, infraestrutura e salubridade e higiene das prisões. Não raro ocorre o

descumprimento de padrões mínimos exigidos. Como há falta crônica de espaço, o arcabouço arquitetônico e os equipamentos internos são amiúde adaptados, gerando ambientes sem o essencial de abastecimento de luz, água e ventilação, assim como ausência de privacidade para as mulheres. Isso se agrava nas cadeias públicas e nas delegacias de polícia, que são deliberada e largamente utilizadas no Brasil afora para abrigar mulheres, tanto condenadas quanto provisórias. Além do mais, ante a ausência de presídios exclusivamente femininos, o problema da adaptação “improvisada” está presente em nosso país em antigos manicômios judiciários e centros de reeducação de menores, cujas instalações são reformadas e ajustadas para receber o público feminino (INSTITUTO TERRA, TRABALHO E CIDADANIA; PASTORAL CARCERÁRIA, 2013).

A pesquisa desenvolvida pelo Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional – CEJIL (2007, p. 19), em parceria com outros órgãos – tais como Associação Juízes para a Democracia (AJD), Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITCC), Pastoral Carcerária Nacional/CNBB, Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Centro Dandara de Promotoras Legais Popular, entre outros – destaca, nesse mister, que a discriminação sexista no tocante aos estabelecimentos penais

[...] resta por ocasionar as violações do Estado brasileiro, [que] ocorrem quando é priorizada a construção de unidades prisionais para a população masculina e ao se manter parte significativa da população encarcerada