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A legitimidade da função política do Poder Judiciário na democracia constitucional: uma concepção orientada à concretização dos direitos fundamentais.

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Academic year: 2021

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(1)1. UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITO PÚBLICO. LUANA PAIXÃO DANTAS DO ROSÁRIO. A LEGITIMIDADE DA FUNÇÃO POLÍTICA DO PODER JUDICIÁRIO NA DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL: UMA CONCEPÇÃO ORIENTADA À CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. Salvador 2010.

(2) 2. LUANA PAIXÃO DANTAS DO ROSÁRIO. A LEGITIMIDADE DA FUNÇÃO POLÍTICA DO PODER JUDICIÁRIO NA DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL: UMA CONCEPÇÃO ORIENTADA À CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito Público. Orientador: Prof. Dr. Dirley da Cunha Júnior. Salvador 2010.

(3) 3. FICHA CATALOGRÁFICA.

(4) 4. LUANA PAIXÃO DANTAS DO ROSÁRIO. A LEGITIMIDADE DA FUNÇÃO POLÍTICA DO PODER JUDICIÁRIO NA DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL: UMA CONCEPÇÃO ORIENTADA À CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do grau de Mestre em Direito Público no curso de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia e aprovada, em sua forma final, em ____ de ________ de 2010.. Banca examinadora:. __________________________________ Prof. Dr. Dirley da Cunha Júnior – Orientador Universidade Federal da Bahia __________________________________ Prof. Dr. Ricardo Mauricio Freire Soares Universidade Federal da Bahia. __________________________________ Prof. Dr. Walber de Moura Agra Universidade Católica de Pernambuco.

(5) 5. Aos meus pais e irmão, incentivo e crença de toda a vida. A todos que crêem no Judiciário e no homem..

(6) 6. AGRADECIMENTOS Ao meu Orientador, Prof. Dr. Dirley da Cunha Júnior, pelo conhecimento compartilhado, disponibilidade amável e preciosa sensibilidade, o meu respeito e admiração. A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia (PPGD/UFBA), em especial àqueles com quem tive o privilégio de aprender: Rodolfo Mário Veiga Pamplona Filho, Nelson Cerqueira, Saulo José Casali Bahia, Paulo Pimenta, Wilson Alves, Fredie Souza Didier Junior, Roxana Cardoso Brasileiro Borges, Heron Gordilho e Celso Castro. Pela cátedra, poesia, filosofia, solidariedade e afeto. Ao professor Dr. Manoel Jorge e Silva Neto, pela orientação no tirocínio docente e pelas ricas lições. Ao professor Dr. Ricardo Maurício Freire Soares, pelas sugestões valiosas. Ao Professor D. Walber de Moura Agra, por sempre responder aos meus e-mails e perguntas. Aos servidores do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia (PPGD/UFBA), em especial a Jovino e Luiza, pela doação. Aos colegas do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia, pela interlocução, construção e troca de saberes e vivências. Ao professor Msc. Cláudio Carvalho e à professora Valéria Dias, pelo sonho do Ensino de um Direito emancipador e justo. Ao meu amigo André Andrade, por consertar o meu Word numa manhã de domingo. À Ana Kelly Reis, por formatar o sumário, em uma tarde de trabalho. Aos meus amigos Osmir Globekner, Nei Bahia, Gustavo Carneiro e Fábio Schmidt pela confiança, auxílio e paciência. Aos meus pais e irmão, por existirem. Ao divino, em tudo que é humano..

(7) 7. Temos uma instituição que leva algumas questões do campo de batalha da política de poder para o fórum de princípio. Ela oferece a promessa de que os conflitos mais profundos, mais fundamentais entre o indivíduo e a sociedade irão, algum dia, em algum lugar, se tornarem finalmente questões de justiça. Não chamo isso de religião nem de profecia. Chamo isso de Direito. (Ronald Dworkin)..

(8) 8. RESUMO A presente dissertação foi desenvolvida na área de concentração de Direito Público, na linha de pesquisa de Cidadania e Efetividade de Direitos e versa sobre a legitimidade da função política do poder judiciário na democracia constitucional. O objetivo desta dissertação é comprovar que o exercício da Função Política do Judiciário é democraticamente legítimo. Inicialmente, o trabalho fixa a natureza política do Poder Judiciário a partir da análise da definição de política e de poder político. Aborda o desenvolvimento desta função política a partir das obrigações assumidas pelo Estado de Bem Estar Social. Analisa a função política e a criatividade da Jurisdição Constitucional. Acerca do problema da legitimidade a despeito da composição não representativa, o trabalho define legitimidade e revisa as concepções de Democracia para demonstrar que a atuação política do Poder Judiciário é legítima do ponto de vista de uma Democracia Substantiva e Constitucional. Analisa a legitimidade democrática da jurisdição constitucional e situa o ativismo judicial da Suprema Corte norte americana e do Tribunal Constitucional alemão. Distingue e expõe as propostas teóricas de legitimação substancialistas e procedimentalistas. Expõe a teoria procedimentalista de Jürgen Habermas acerca da legitimidade democrática do Judiciário situada na Teoria da Razão Comunicativa. Expõe a concepção habermasiana de Direito. Demonstra a de complementaridade entre moral racional e direito positivo e a relação interna entre o direito e a política, neste autor. Expõe a indeterminação do Direito e as tentativas de racionalização da jurisprudência. Colaciona as críticas às teorias procedimentais de legitimação da jurisdição constitucional. Acerca das teorias substancialistas de legitimação, expõe o pensamento de Cappelletti e Ronald Dworkin. Trata da legitimidade democrática do judiciário na teoria de Ronald Dworkin e de como a atuação política do judiciário, para os substancialistas, em geral, significa a consolidação da democracia. Expõe as críticas ao pensamento de Dworkin. Aborda a relação entre a função política do poder judiciário, o Neoconstitucionalismo e a nova teoria dos princípios e como isto resulta da reaproximação entre Direito, política e moral. Afirma que a Teoria dos Princípios operou a fusão dos planos deontológico e axiológico e que isto intensifica a criatividade e a politização jurisprudencial. Ressalta a relação entre a função política do Poder Judiciário e a nova hermenêutica. Afirma que a atuação política do Poder Judiciário requer o domínio da Hermenêutica para que a concretização do conteúdo político e axiológico do Direito, vago e indeterminado, não resvale para a arbitrariedade ou para o decisionismo. Colaciona os conceitos de Alexy de democracia deliberativa, Direitos Fundamentais e representação argumentativa do cidadão, como uma interessante proposta de alinhar a análise procedimental do discurso normativo a pontos de partida substantivos. Discute propostas de densificação da legitimidade democrática do Supremo Tribunal Federal. Analisa a recente jurisprudência desta Corte. Conclui que a legitimidade democrática do Poder Judiciário é predominantemente substantiva. Mas, admite que o desenvolvimento de teorias procedimentais que fixem pautas substantivas podem ser úteis, bem como o desenvolvimento da prática democrática. Palavras-chave: legitimidade, política, politização, poder judiciário, democracia constitucional, direitos fundamentais..

(9) 9. ABSTRACT This thesis was developed in the area of concentration in public law, in the research of Citizenship and Effectiveness of Rights and focuses on the legitimacy of the political role of the judiciary in constitutional democracy. The objective of this dissertation is to prove that the exercise policy of the Civil Judiciary is democratically legitimate. Initially, the dissertation establishes the political nature of the judiciary from the analysis of the policy setting and political power. Discusses the development of this policy function from the obligations assumed by the Welfare State. Examines the political role and creativity of Constitutional Jurisdiction. About the problem of legitimacy in spite of the unrepresentative composition, the dissertation defines legitimacy and reviews the concepts of democracy to demonstrate that the political activity of the judiciary is a legitimate point of view of a substantive democracy and constitutional. Examines the democratic legitimacy of constitutional jurisdiction and places the judicial activism of the Supreme Court of North American and German constitutional court. Distinguishes and sets out proposals to legitimize substantialistic theoretical and procedural. Expounds the theory of Jürgen Habermas proceduralist about the democratic legitimacy of the judiciary situated in the Theory of Communicative Reason. Exposes the Habermasian conception of law. Demonstrates the complementarity between the rational and moral law and positive relationship between domestic law and politics, in this author. Exposes the indeterminacy of law and attempts to rationalize the law. Collations criticism of theories of procedural legitimation of constitutional jurisdiction. About substantial theory of legitimation, exposes the thought of Cappelletti and Ronald Dworkin. This is the democratic legitimacy of legal theory of Ronald Dworkin and how the political actions of the judiciary, for substantialistic generally means the consolidation of democracy. Exposes the criticism of Dworkin's thought. Addresses the relationship between the political role of the judiciary, and the neoconstitutionalism new theory of the principles and how this results from the rapprochement between law, politics and morality. Affirms that the Theory of the Principles operated the merger plans and axiological ethics and that this intensifies creativity and judicial politicization. Emphasizes the relationship between the political role of the judiciary and the new hermeneutic. Affirms that the political activity of the Judiciary requires mastery of hermeneutics to the achievement of political and axiological content of the law, vague and indeterminate, did not fall into the arbitrary or the decisionism. Alexy collated the concepts of deliberative democracy, Rights and argumentative representation of the citizen, as an interesting proposal to align the procedural analysis of the legal discourse on substantive points of departure. Discusses proposals for densification of the democratic legitimacy of the Supreme Court. Concludes that the democratic legitimacy of the judiciary is predominantly substantive. But he admits that the development of theories that set procedural guidelines may be useful substantive as well as the development of democratic practice. Keywords: legitimacy, fundamental rights.. political,. politics,. judiciary,. constitutional. democracy,.

(10) 10. SUMÁRIO. 1 INTRODUÇÃO. 15. 2 A NATUREZA POLÍTICA DO PODER JUDICIÁRIO. 21. 2.1 A Função Política do Poder Judiciário e o Estado Social de Direito. 27. 2.2 A Função Política do Poder Judiciário e o Estado Democrático de Direito 35 2.3 A Revisão das Teorias Democráticas. 40. 2.4 A Crise da Democracia Representativa. 47. 2.5 A Natureza Política da Jurisdição Constitucional. 52. 2.6 A Criatividade das Cortes Constitucionais. 59. 3 A LEGITIMIDADE DA FUNÇÃO POLÍTICA DO PODER JUDICIÁRIO NA DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL. 62. 3.1 Definição de Legitimidade Democrática. 62. 3.1.2 Legitimidade de Origem e Legitimidade de Exercício. 68. 3.2 A Legitimidade Democrática da Jurisdição Constitucional. 68. 3.3 O Ativismo Judicial Norte Americano. 73. 3.4 O Ativismo Judicial do Tribunal Constitucional Alemão. 76. 3.5 Distinções Gerais entre Procedimentalistas e Substancialistas. 79. 3.6 A Função Política do Judiciário para os Procedimentalistas. 83. 3.7 A Legitimidade pelo Procedimento. 87. 3.7.1. A. Legitimação. pelos. Procedimentos. Assecuratórios. do. Regime. Democrático. 88. 3.7.2 A Teoria de John Hart Ely: a Igualdade de Participação Política dos Cidadãos. 88. 3.7.3 A Teoria de Cass Sunstein: a Democracia Política. 92. 3.8 A Função Política do Judiciário para os substancialistas. 94. 3.9 Legitimidade Substantiva da Jurisdição Constitucional em Cappelletti. 99.

(11) 11. 3.10 Críticas substancialistas aos procedimentalistas. 103. 4 A LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA DO JUDICIÁRIO NA TEORIA DE JÜRGEN HABERMAS 106 4.1.. A. Teoria. da. Razão. Comunicativa. e. a. Concepção. de. Direito. em Habermas. 106. 4.2 Direitos Humanos e Soberania do Povo. 112. 4.3 A Relação de Complementaridade entre Moral Racional e Direito Positivo. 113. 4.4 A Relação Interna entre o Direito e a Política. 115. 4.5 Teoria da Razão Comunicativa e a “Separação” de Poderes. 117. 4.6 A Indeterminação do Direito e a Racionalidade da Jurisprudência. 119. 4.7 A Legitimidade da Jurisdição Constitucional. 119. 4.8 Críticas às Teorias Procedimentais de Legitimação da Jurisdição Constitucional. 125. 5 A LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA DO JUDICIÁRIO NA TEORIA DE RONALD DWORKIN. 127. 5.1 A Concepção de Direito. 127. 5.2 O Modelo de Regras e Princípios. 130. 5.3 A Interpretação Construtiva e a Única Decisão Correta. 131. 5.4 O Juiz Hércules. 132. 5.5 Distinção entre Questões de Princípio e Questões de Política. 133. 5.6 A Concepção Comunitária de Democracia. 134. 5.7 O Problema da Legitimidade Democrática do Poder Coercitivo Estatal 137 5.8 A Legitimidade da Jurisdição Constitucional. 138. 5.9 Crítica de Dworkin ao Procedimentalismo. 142. 5.10 Críticas a Dworkin. 142.

(12) 12. 6. A. FUNÇÃO. POLÍTICA. NEOCONSTITUCIONALISMO. E. A. DO. PODER. NOVA. TEORIA. JUDICIÁRIO, DOS. O. PRINCÍPIOS:. REAPROXIMAÇÃO ENTRE DIREITO, POLÍTICA E MORAL. 145. 6.1 A Dimensão Ético-Moral do Direito. 145. 6.2 Síntese da Colocação da Ética e da Moral no Direito. 149. 6.2.1 Do Jusnaturalismo ao Positivismo Jurídico. 150. 6.2.2 O pós-Positivismo: a reaproximação entre Direito e Moral no plano dos Princípios. 153. 6.3 Teoria dos Princípios: Fusão dos Planos Deontológico e Axiológico. 155. 6. 3.1 Dworkin: o conteúdo Moral do Direito. 157. 6.3.2 A pretensão de correção de Alexy: elo entre o Direito e a Moral na Teoria da Argumentação. 160. 6.4 O Neoconstitucionalismo: supremacia axiológica da Constituição. 166. 6.4.1 Direitos Fundamentais: Conteúdo da Democracia Constitucional no Neoconstitucionalismo. 169. 7 FUNÇÃO POLÍTICA DO PODER JUDICIÁRIO E A NOVA HERMENÊUTICA 170 7.1 Definição de Hermenêutica. 170. 7.2 A Sociedade Aberta de Intérpretes. 172. 7.3 Postulados da Hermenêutica Gadameriana. 176. 7.3.1 A Hermenêutica Gadameriana, a Ética Aristotélica e o Problema Hermenêutico. 179. 7.3.2 A Indeterminabilidade Prévia do Saber Ético e Hermenêutico e a Aplicação do Direito. 182. 7.4 Panorama da Hermenêutica Crítica de Jürgen Habermas. 183. 7.4.1 A pseudocomunicação em Habermas face ao primado Ontológico da Tradição Lingüística em Gadamer. 186. 7.4.2 O Interesse Emancipatório. 188.

(13) 13. 7.5 A Ética Aristotélica na Hermenêutica Gadameriana Versus o Interesse Emancipatório da Hermenêutica Habermasiana: um vetor ético e emancipatório para a politização do Poder Judiciário. 190. 7.6. A legitimidade discursiva e a Teoria da Argumentação Jurídica. 193. 7.7 O Discurso Normativo por Tércio Sampaio Ferraz Júnior. 194. 7.8 O Constitucionalismo Discursivo de Alexy. 197. 7.9. Democracia. Deliberativa,. Direitos. Fundamentais. e. Representação. Argumentativa do Cidadão. 199. 8 A LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 204. 8.1 Propostas Estruturais para a Densificação da Legitimidade Democrática do STF. 206. 8.2 Propostas Materiais para a Densificação da Legitimidade Democrática Do STF. 208. 8.3 A Abertura do Processo. 210. 8.4 O Amicus Curiae. 215. 8.5 A Natureza Jurídica do Amicus Curiae. 216. 8.6 As Hipóteses Legais de Participação do Amicus Curiae. 217. 8.7 Amicus Curiae: Legitimação e Participação Democrática no Judiciário 220 8.8 A Função Política do STF e a evolução jurisprudencial do Mandado de Injunção. 222. 8.9 A Demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. 231. 8.10. As. Argüições. de. Descumprimento. de. Preceito. Fundamental. nos 54 e 186. 238. 8.10.1 A Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). 238. 8.10.2 Audiência Pública na ADPF 54-8 – Abortamento de feto anencéfalo 241 8.10.3 Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 186 e Recurso Extraordinário 597.285/RS: políticas de ação afirmativa (ou discriminação reversa) de acesso ao ensino superior. 247.

(14) 14. CONCLUSÃO. 251.

(15) 15. 1 INTRODUÇÃO. A doutrina política e jurídica, em sistemas jurídicos de diversos países, observa que a atuação do Poder Judiciário tem adentrado em conteúdos políticos, seja na Jurisdição Constitucional, no controle de políticas públicas, na guarda dos Direitos Fundamentais ou em decisões que efetivam os direitos sociais. A densificação do conteúdo político das decisões judiciais perpassa por uma transformação ampla do perfil do Estado e dos locais de atuação política, que reflete uma transformação da própria Democracia e da sociedade. O ponto merecedor de destaque no exame do exercício da Função Política do Poder Judiciário na Democracia Constitucional é a análise da legitimidade deste Poder para esta função. Tendo em vista que sua composição, distintamente da dos outros poderes do Estado, não é representativa. Destarte, o problema a ser enfrentado por esta dissertação será legitimar o exercício da Função Política do Poder Judiciário na Democracia Constitucional, definida esta como a Democracia que se funda na supremacia constitucional. O objetivo principal desta dissertação será comprovar que o exercício da Função Política do Judiciário lhe é inerente e inexorável, legitimamente consolida a Democracia Constitucional e é imprescindível para a realização dos Direitos Fundamentais, concretização da Constituição e dos valores nela insertos. Para, desta forma, consolidar o Judiciário como espaço público de participação política do cidadão, destinatário e autor dos Direitos Fundamentais e da própria proteção do Direito. A hipótese principal aventada para o início da pesquisa foi que a Função Política do Poder Judiciário é inerente às Democracias Constitucionais e que o seu exercício é legítimo e essencial à realização dos fins desta Democracia, a saber, a efetivação dos Direitos Fundamentais. Coloca-se como premissa desta hipótese que a atividade do Poder Judiciário é sempre política, por definição. As hipóteses secundárias cogitam que a Função Política do Poder Judiciário foi maximizada pelo Estado Social. Que a Teoria da Tripartição do Poder Político, revisada pela Supremacia Constitucional, não invalida a Função Política do Judiciário. Que a crise da representatividade política reforça a democraticidade da desta função. Que a necessidade de inclusão das minorias, a proteção dos Direitos.

(16) 16. Fundamentais e a supremacia da Constituição legitimam a atuação do Judiciário em questões políticas. Que a participação do cidadão no processo judicial é exercício político de cidadania.. Que a abertura do Processo à ‘comunidade aberta de. intérpretes’ (HÄRBELE, 2002) reforça a legitimidade da Jurisdição. Que os instrumentos processuais de participação democrática em causas de transcendência social devem ser ampliados aos processos coletivos. Que a construção da Democracia Constitucional com base nos Direitos Fundamentais, necessariamente perpassa pelo Poder Judiciário. A relevância teórica do tema exurge da necessidade de compreensão da transformação paradigmática do Direito e, consequentemente, da tutela jurisdicional, em tempos de pós-positivismo, neoconstitucionalismo e da nova heremenêutica, cuja delimitação teórica ainda se encontra em elaboração, o que traz consequências epistemológicas e metodológicas que não podem ser descuradas. A relevância prática reside na necessidade de consolidação da teoria da politização do Judiciário em todas as instâncias políticas e de poder; sobretudo em um país de Democracia recente; a fim de que os atores do cenário político respeitem a função política do Poder Judiciário e não a considerem, lamentavelmente, como interferência indevida em assuntos de governo, concepção equivocada. Este assunto reveste-se de importância social dado o aumento de incidência de decisões judiciais de cunho político e de uma jurisdição cada vez mais criativa. O método empregado, em sentido amplo ou epistemológico, será o proposto pela fenomenologia, que, precário e provisório, entende o tema de conhecimento como fenômeno, a ser apreendido em sua complexidade, porém não em sua totalidade. (OLIVEIRA, 2008). Neste diapasão, para não escapar à complexidade do tema, buscou-se tratar do problema da legitmidade democrática do Judiciário para questões políticas, por diversos enfoques teóricos. Não com o objetivo de colacionar doutrinas diversas ou formular uma síntese. Mas, para possibilitar um enfoque diálogico em que as diversas apreensões do fenômeno se confrontem. Focar em uma destas propostas traria uma análise reducionista, ao passo que investigar várias delas leva à impossibilidade de esgotá-las, mas respeita a complexidade da questão. Optou-se pela segunda alternativa sem a pretensão de esgotar-se o tema. A pesquisa tratou o tema não como uma dado que se coloca à.

(17) 17. consciência, mas, como um construído da intencionalidade de quem se predipõe a conhecer, no desentranhamento de uma de suas possibilidades. (OLIVEIRA, 2008). Quanto ao método em sentido estrito, utilizar-se-á da convicção de Paul Feyerabend, de que, em ciências sociais, não é possível utilizar-se de um método único, pois, em razão da complexidade do tema em estudo, que nem mesmo está pré-orientado como objeto, mas em construção, a recomendação é de um pluralismo metodológico.. (FEYERABEND,. 2007).. De. modo. que. haverão. inferições. predominantemente dedutivas e, por vezes, dialéticas. Quanto à técnica empregada será a pesquisa bibliográfica. (FIGUEIREDO;SOUZA,2008). No primeiro capítulo abordar-se-á a natureza política do Poder Judiciário enquanto poder do Estado. Revisar-se-á a teoria do poder político e a teoria da tripartição dos poderes. Abordar-se-á como a hipertrofia legislativa do Estado de Bem Estar Social levou a ampliação da atuação política do Poder Judiciário. Revisar-se-á a função política do Poder Judiciário em face das Teorias da Democracia. Analisar-se-á como o Estado de Bem Estar Social contribuiu para a Crise da Democracia Representativa e o impacto desta crise na jurisdição. Abordarse-á a natureza política da Jurisdição Constitucional. Constatar-se-á que a criatividade jurisdicional está presente nas Tradições de Civil Law e Common Law. O segundo capítulo introduz o tema da legitimidade da Função Política do Poder Judiciário na Democracia Constitucional. Define legitimidade democrática. Analisa a legitimidade democrática da jurisdição constitucional e situa o ativismo judicial da Suprema Corte norte americana e do Tribunal Constitucional alemão. Distingue as propostas teóricas de legitimação substancialistas e procedimentalistas. Analisa se a função política do Poder Judiciário é compatível com a Democracia para estas teorias. Dentre as teorias procedimentalistas, visita brevemente e a título introdutório, as teorias assecuratórias do regime democrático de John Hart Ely e Cass Sunstein. Colaciona a posição substancialista de Cappelletti quanto à legitimidade da Jurisdição Constitucional. As exposições do terceiro e quarto capítulos deter-se-ão sobre a teoria procedimentalista de Jürgen Habermas e a concepção substancialista de Ronald Dworkin. O objetivo é confrontar a concepção de dois dos maiores expoentes destas vertentes teóricas. O terceiro capítulo trata da legitimidade democrática do Judiciário na teoria procedimentalista de Jürgen Habermas. Expõe sua Teoria da Razão.

(18) 18. Comunicativa e sua concepção de Direito. Demonstra a relação entre direitos humanos e soberania do povo, a relação de complementaridade entre moral racional e direito positivo e a relação interna entre o direito e a política, neste autor. Situa a teoria da separação de poderes no bojo da Teoria da Razão Comunicativa. Expõe a indeterminação do Direito e a racionalidade da jurisprudência. Expõe a legitimidade da jurisdição constitucional em Habermas e colaciona as críticas às teorias procedimentais de legitimação da jurisdição constitucional. O quarto capítulo trata da legitimidade democrática do Judiciário na teoria de Ronald Dworkin e de como a atuação política do judiciário, para os substancialistas, em geral, significa a consolidação da democracia. Ressalta que para Dworkin, esta atuação política é válida quando se trata de princípios políticos, não de diretrizes políticas. Expõe a concepção dworkiniana de Direito como integridade, o seu modelo de regras e princípios. Analisa como a interpretação construtiva leva à única decisão correta e o papel do juiz Hércules. Colaciona a distinção de Dworkin entre questões de princípio e questões de política e a sua concepção comunitária de democracia. Aborda o problema da legitimidade democrática do poder coercitivo Estatal. Demonstra como se dá a legitimidade da jurisdição constitucional em Dworkin. Expõe suas críticas ao procedimentalismo além das críticas que se faz ao próprio Dworkin. O quinto capítulo aborda a relação entre a Função Política do poder judiciário, o Neoconstitucionalismo e a nova teoria dos princípios e como isto resulta da reaproximação entre Direito, política e moral. Realiza uma síntese da colocação da Ética e da Moral no Direito, a partir do Jusnaturalismo, perpassa o Positivismo Jurídico até alcançar o pós-Positivismo. Enfoca a reaproximação entre Direito e Moral no plano dos Princípios e a supremacia axiológica da Constituição operada pelo Neoconstitucionalismo. Afirma que a Teoria dos Princípios operou a fusão dos planos deontológico e axiológico e que isto intensifica a criatividade e a politização jurisprudencial. Destaca que Dworkin fixou o conteúdo moral do Direito e que a pretensão de correção de Alexy estabelece o elo entre o Direito e a moral na Teoria da Argumentação. Esclarece que os Direitos Fundamentais são o conteúdo da Democracia Constitucional em tempos de Neoconstitucionalismo, mas que a realização pragmática deste conteúdo perpassa pelo médium do discurso..

(19) 19. O sexto capítulo aborda a relação entre a Função Política do Poder Judiciário e a nova hermenêutica. Afirma que a atuação política do Poder Judiciário requer o domínio da Hermenêutica para que a concretização do conteúdo político e axiológico do Direito, vago e indeterminado, não resvale para a arbitrariedade ou para o decisionismo. Portanto, revisa os postulados da hermenêutica gadameriana, sua relação com a ética aristotélica e o problema hermenêutico. Ressalta a indeterminabilidade prévia do saber ético e hermenêutico. Define hermenêutica e colaciona o conceito da ‘sociedade aberta de intérpretes’ de Peter Härbele como imprescindível à interpretação jurisprudencial. O mesmo capítulo apresenta a hermenêutica crítica de Jürgen Habermas com destaque para a pseudocomunicação. Defende que o confronto entre a ética aristotélica na hermenêutica gadameriana com o interesse emancipatório da hermenêutica habermasiana constitui um interessante vetor ético e emancipatório para a politização do poder judiciário. Destaca a legitimidade discursiva e a teoria da argumentação jurídica por meio da análise do discurso normativo em Tércio Sampaio Ferraz Júnior e pelo constitucionalismo discursivo de Alexy. Colaciona os conceitos. de. Alexy. de. democracia. deliberativa,. Direitos. Fundamentais. e. representação argumentativa do cidadão, como uma interessante proposta de alinhar a análise procedimental do discurso normativo a pontos de partida substantivos. O sétimo capítulo, sobre a legitimidade democrática do Supremo Tribunal Federal discute as propostas de Walber Agra para a densificação desta legitimidade e analisa, a título de exemplo concreto, o instituto do Amicus Curiae introduzido no ordenamento pátrio por meio da lei 9.868/99, como possibilitador da abertura do processo constitucional à sociedade aberta de intérpretes e conseqüente densificação desta legitimidade. Analisa a jurisprudência política recente desta Corte por meio das novas decisões em Mandado de Injunção, a Demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, as Argüições de Descumprimento de Preceito Fundamental no 54, sobre o abortamento de feto anencéfalo e no 186, sobre políticas de ação afirmativa (ou discriminação reversa) de acesso ao ensino superior, e suas relativas audiências públicas. A conclusão afirma que a função política é inerente ao Poder Judiciário, que a decisão judicial ao escolher o que é conveniente, o que é devido e, em certa.

(20) 20. medida, o que é bom, busca levar o homem à felicidade. Que os argumentos do Direito são também éticos e políticos. E que por isso, uma justificativa meramente procedimental da legitimidade do Poder Judiciário, além de vazia, no aspecto ontológico, compromete a Supremacia Constitucional. Conclui que a legitimidade democrática do Poder Judiciário é predominantemente substantiva. Mas, que, no entanto, o meio de realização deste conteúdo não pode ser um mistério acessível somente aos integrantes da inteligentzia jurídica. Neste sentido, o desenvolvimento de teorias procedimentais que fixem pautas substantivas pode ser útil. Como também são úteis as advertências procedimentalistas acerca da necessidade de desenvolvimento da prática democrática. Embora não reconheçam que esta prática possa acontecer no espaço do Poder Judiciário, esta dissertação defende que sim..

(21) 21. 2 A NATUREZA POLÍTICA DO PODER JUDICIÁRIO. O Judiciário, como Poder do Estado, ente político, possui função política inerente à sua natureza. Não obstante a propalada neutralidade positivista que se queira a ele imprimir, como poder intrinsecamente político, se constitui consoante princípios axiológicos, que emanam do espaço político, do espaço público. O exercício de função política pelo Judiciário é sua função típica e constitui o meio adequado para a garantia dos princípios democráticos, na construção de uma Democracia que adquiriu o elemento teleológico de preservação e respeito aos Direitos Fundamentais. Ao exercer esta função, o Judiciário assegura o funcionamento harmônico dos Poderes do Estado no tocante às suas obrigações constitucionais. Variadas teorias tentam explicar a origem do Estado, poder político organizado. A título de exemplo, observa-se a contradição das concepções de Aristóteles e Hobbes para explicar o fenômeno. Para Aristóteles, o Estado é uma instituição natural, necessária, decorrente da própria natureza humana, que é gregária e política. Para Hobbes, a natureza do homem não é gregária e não favorece a sociabilidade, mas, ao conflito, razão pela qual os homens constituem o Estado para lhes assegurar segurança. O fato é que o poder do governo sempre precisou de crenças ou doutrinas que o justificassem, para legitimar o comando e a obediência. Essa legitimidade que provinha da religião foi substituída pelas teorias racionalistas, que justificam o Estado como sendo de origem convencional, como produto da razão humana. (BITTAR, 2007). Convém esclarecer que o termo política, do grego, politiké, advém da polis grega (cidade, urbe), espaço público, relacionado com polités (cidadão, civil), por isso, em essência, o poder político é aquele que se volta à coletividade, e que, para além do governo, abrange as escolhas do que é conveniente para o homem da polis. Seu significado etimológico revela a sua identidade: “A política tem a ver com a capacidade de coordenação de ação em comum com vistas à projeção de efeitos voltados para a satisfação de necessidades próprias de uma comunidade”. (BITTAR, 2007, p.12). As decisões judiciais, indubitavelmente, relacionam-se com a escolha do que é conveniente para o homem da polis..

(22) 22. Decisões jurisdicionais têm conceitualmente natureza política porque implicam na análise de elementos políticos e resultam em escolhas do que seja conveniente para o homem da polis Estatal, consoante as diretrizes da Carta Política Maior. A esse respeito: “As decisões judiciais fazem parte do exercício da soberania do Estado, que embora disciplinada pelo Direito, é expressão do Poder Político.” (DALLARI, 2002, p. 90).. O juiz sempre terá de fazer escolhas, entre normas, argumentos, interpretações e ate mesmo entre interesses, quando estes estiverem em conflito e parecer ao juiz que ambos são igualmente protegidos pelo Direito. A solução dos conflitos será política nesse caso, mas também terá conotação política sua decisão de aplicar uma norma ou de lhe negar aplicação, pois em qualquer caso sempre haverá efeitos sociais e alguém será beneficiado ou prejudicado (DALLARI, 2005, p. 96).. As decisões do Judiciário são políticas também porque versam sobre normas jurídicas. A norma jurídica, ou o dispositivo que a veicula, tem natureza política porque compõe o regramento da vida em sociedade e porque oriunda de um processo político de formulação. Às normas jurídicas, por sua vez, resultantes da interpretação e aplicação dos dispositivos normativos em determinado contexto, inexoravelmente deve se atribuir natureza política.. Deve recuperar-se o critério de que de que o Direito é uma ordenação imposta pela razão prática, não pela razão pura. A neutralidade jurídica é uma quimera. Todo Direito, por sua própria condição está inspirado numa ideologia política, à qual serve como ferramenta jurídica do sistema. (DROMI apud DALLARI, 2002, p. 96).. Aristóteles, na Ética a Nicômaco, afirma que a política é a ciência dos fins para a felicidade humana. Apesar de todas as ciências possuírem uma finalidade, a política se torna plural a ponto de abranger a finalidade de todas as outras e ainda disciplinar o agir do homem como ser inserido na comunidade política. Para o estagirita, a felicidade constitui-se como maior bem da comunidade política e se traduz no agir segundo as qualidades éticas e no exercício perfeito destas. Destarte, as diversas formas de governo resultam das diferentes.

(23) 23. participações dos homens na felicidade e das diferentes formas de buscá-la. (ARISTOTELES, 1997).. Em todas as artes e ciências o fim é um bem, e o maior dos bens e bem em mais alto grau se acha principalmente na ciência todopoderosa; esta ciência é a política, e o bem em política é a justiça, ou seja, o interesse comum; todos os homens pensam, por isso, que a justiça é uma espécie de igualdade, e até certo ponto eles concordam de um modo geral com as distinções de ordem filosófica estabelecidas por nós a propósito dos princípios éticos. (ARISTÓTELES, 1997).. A política tem relação com os modos de organização do espaço público, objetivando o convívio social. Relaciona-se com as formas de gerenciamento da coisa pública, dos recursos a ela ligados, com as estratégias de definição de critérios para o alcance de fins comuns, com a eleição das molas propulsoras do desenvolvimento social, com a definição de ideologias predominantes na constituição da sociedade. (BITTAR, 2007, p.12). Estas definições deontológicas não se restringem aos espaços políticos clássicos legislativos ou executivos, mas, ocorrem legitimamente no espaço do Poder Judiciário.. A política, na concepção habermasiana, deve ser entendida como lócus onde se desenvolvem as relações vitais do senso ético, uma forma de reflexão sobre os nexos deontológicos da sociedade, impondo aos cidadãos a consciência de sua dependência recíproca. (AGRA, 2005, p. 112). Não obstante a Política vise à felicidade dos homens em comunidade, a titularidade do poder político, entretanto, fora atribuída ao divino, concepção que teve seu apogeu derradeiro na ‘Teoria do Direito divino dos reis’ de Jean Bodin, teórico da monarquia francesa.. "A base de sustentação do poder monárquico absolutista estava alicerçado na idéia do poder dos reis tinha origem divina. O rei seria o 'representante' de Deus na Terra, o que lhe permitia desvincular-se de qualquer vinculo limitativo de sua autoridade. Dizia Bodin, um de seus doutrinadores, que a sabedoria do monarca era perpétua, originária e irresponsável em face de outro poder terreno." (STRECK; MORAIS, 2006 p. 45)..

(24) 24. Para o próprio Montesquieu, que explicitou de forma sistemática1 a teoria da tripartição dos poderes, o povo é de todo incapaz de discernir sobre os reais problemas políticos da nação e, portanto, não deveria e nem poderia ser o titular da soberania política. (MONTESQUIEU, 2000).. "Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade, pois pode- se temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado apenas estabeleçam leis tirânicas para executá-las tiranicamente (...). Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse ligado ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse ligado ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor (...). Se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos. (MONTESQUIEU, 2000, pp.148149).. O abade de Siéyes, com base na doutrina do Contrato Social, atribuiu a titularidade do Poder Constituinte à nação e legitimou ideologicamente a ascensão do Terceiro Estado ao poder político. (SIEYÉS, 2001). Para Siéyes, a organização do poder político, que, se encontrava difuso na nação, forma o Estado. Destarte, o Estado é verdadeira emanação do poder político, único e soberano, não obstante a sua tripartição nas funções executiva, legislativa e judiciária. Portanto, todas essas três funções, ou poderes como classicamente denominados, são intrinsecamente políticas, inclusive a Judiciária. Motivo pelo qual a doutrina2 tem falado em teoria da tripartição de poderes, não mais separação, visto que o poder é uno. A teoria montesquiana da Separação de Poderes, já previa que ‘somente o poder freia o poder’, noção que, quando levada aos Estados Unidos da América, à época da Revolução Americana, evoluiu para a teoria do sistema de. 1. Aristóteles já havia delineado as três funções essenciais do Estado, executiva, legislativa e judiciária, porém, à divisão funcional não fez corresponder a divisão orgânica. Também John Locke, filósofo liberal inglês, cerca de um século antes de Montesquieu já tinha formulado, ainda que implicitamente, a teoria da tripartição de Poderes. (CUNHA JÚNIOR, 2007a).. 2. Por todos, Dirley da Cunha Júnior. (CUNHA JÚNIOR, 2007a)..

(25) 25. ‘pesos e contrapesos’ políticos mútuos, a fim de garantir a autolimitação do Poder Político.. (...) é difícil imaginar que algum sistema eficaz de controles e de contrapesos possa hoje ser criado sem o crescimento e fragmentação do Poder Judiciário, como acima se falou. (...) Como se viu, o ideal da estrita separação dos poderes teve como conseqüência um Judiciário perigosamente débil e confinado, em essência, aos conflitos “privados”. (...) um legislativo totalmente não controlado (...) um executivo também praticamente não controlado (...). A verdade é que apenas um sistema equilibrado de controles recíprocos pode, sem perigo para a liberdade, fazer coexistir um legislativo forte com um executivo forte e um Judiciário forte. (...) ou seja, um sistema de checks and balances. (CAPPELLETTI, 1993, p.53-54).. Se a própria teoria clássica de Montesquieu, que não visava à realização de um regime democrático politicamente pluralista; já não defendia uma separação estanque entre os poderes, imagine falar-se nisso hodiernamente, depois de ter se atribuído ao Estado um rol extenso de obrigações sociais. De modo que o clássico argumento da Separação dos Poderes, contrário ao exercício da função política pelo Poder Judiciário, não subsiste a uma análise apurada.. Na verdade, a expansão do papel do Judiciário representa o necessário contrapeso, segundo entendo, num sistema democrático de “checks and balances”, à paralela expansão dos “ramos políticos” do estado moderno. Deste fenômeno, extremamente complexo e característico da profunda crise do estado e da sociedade contemporânea. (CAPPELLETTI, 1993, p.19).. Não somente o Princípio da Separação dos Poderes precisa ser fortemente questionado. Bittar nos adverte que ocorre um rearranjo de forças e critérios práticos de distribuição de poder na sociedade pós-moderna. Vive-se uma espécie de derrocada vital dos arquétipos modernos que orientaram a formação da maior parte das instituições, dos modelos sociais, dos paradigmas de ação e dos métodos de tratamento de questões de interesse coletivo. O efeito dos abalos trazidos pelos tempos pós-modernos (segundo alguns, a partir dos anos 50 e, segundo outros, a partir dos anos 70) é o de crise, em seu sentido original (krisis, do.

(26) 26. grego, ruptura, quebra). Os tradicionais paradigmas do Estado de Direito, ao longo do processo de sua afirmação durante a Modernidade, fruto da cultura da Ilustração (Aufklärung; Lumières) em muito não se aplicam ao Estado Contemporâneo para a execução de políticas públicas efetivas. (BITTAR, 2007, p.26-27). Por exemplo, a idéia da democracia representativa, como fomento à igualdade de todos e à realização da vontade geral rousseauniana, perde credibilidade diante dos abusos na publicidade, no discurso e na manipulação política. A soberania, como garantia monista da atuação dos poderes estatais em territórios fixos, é relativizada quando se sabe que a internacionalização dos mercados e a interdependência econômica tornam inevitável o processo de integração. (BITTAR, 2007, p.28). Também se abalam proposta de separação dos poderes e de apolitização do Poder Judiciário. É imperiosa a destruição do mito de uma suposta necessidade de apolitização das decisões judiciais a fim de não se violar o princípio da Separação de Poderes. Por óbvio, sendo o Poder Judiciário político, as decisões judiciais não podem ser apolíticas. Bem como não violam a Separação de Poderes, visto que esta não existe, pois é o poder político é uno. O Poder Judiciário, moldado por uma carta constitucional que segue um modelo de opção política de Estado, tem o comprometimento com tal opção política constitucional e seus fins, ou como preconizou Aristóteles, o compromisso com o bem comum e a felicidade dos homens, objetivo maior da política. De modo que, fica evidente a relação necessária entre Direito e Política, nas palavras de Bittar: “A experiência política é vital para a experiência jurídica na medida em que aquela nutre o Direito de legitimidade”. (BITTAR, 2007, p.19). Inspirado no modelo liberal-democrático caberia ao Judiciário, como órgão burocrático do Estado, a estreita subordinação ao princípio da legalidade, impedindo-lhe, a qualquer título, o exercício de função política, em decorrência da falta de legitimação representativa, inerente aos Poderes Legislativo e Executivo. (AGRA, 2005, p. 51). Entretanto, a própria representatividade como única fonte legitimadora das decisões políticas em uma democracia, há que ser questionada, haja vista que a ruptura dos conceitos da modernidade alcançou também ao conceito de democracia..

(27) 27. Hodiernamente, ultrapassado o dogma positivista de neutralidade, têm-se observado a doutrina investigar a politização do Poder Judiciário. O que não significa que esta doutrina queira imprimir natureza política ao Judiciário somente agora. Conceitualmente, este Poder sempre teve esta natureza. Quando fala em politização do Poder Judiciário a doutrina se refere ao incremento desta função observado com a expansão de decisões judiciais concretizadoras de políticas públicas em face das obrigações constitucionais do Estado Social de Direito. Agra esclarece que a derrocada do princípio da neutralidade política do Poder Judiciário começou a ocorrer com a transformação do Estado de Direito em Estado Social de Direito, em que os direitos sociais para serem concretizados necessitam também de decisões judiciais que efetivem sua realização. (AGRA, 2005, p. 51).. 2.7 A Função Política do Poder Judiciário e o Estado Social de Direito. Segundo Bittar, ao longo da história, foram desenvolvidos diferentes conceitos para o Estado. Hugo Grotius o define como uma sociedade perfeita de homens livres que tem por finalidade a regulamentação do Direito e a consecução do bem-estar coletivo. Kant conceitua o Estado como uma autoridade civil de limitação externa aos homens. Locke encara o governo como troca de serviços, os súditos obedecem e são protegidos; a autoridade dirige e promove justiça; o contrato é utilitário e sua moral é o bem comum. Rousseau afirma que o Estado é convencional, resulta da vontade geral. Para Edmundo Burke, o Estado é um fato social e uma realidade histórica, não uma manifestação formal de vontades apuradas num dado momento, ele reflete a alma popular, o espírito da raça. Sua finalidade primeira seria a segurança da vida social, a regulamentação da convivência entre os homens, e em seguida, a promoção do bem estar coletivo. (BITTAR, 2007). Cappelletti esclarece que assim como se desenvolveram para o Estado diversos conceitos, atribuiu-se a ele os mais variados papéis. Nesse sentido surgiram as explanações de Marx, dos social-democratas e dos neoliberais. Para Marx, o Estado burguês da sociedade capitalista tem o papel de garantir as relações.

(28) 28. de produção e, conseqüentemente, a exploração de classe e manutenção das idéias dominantes e do poder. O Estado surge como reflexo dessas idéias para legitimálas. O Conjunto de relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade sobre a qual se ergue a superestrutura jurídica e política. Os princípios de igualdade e liberdade sobre os quais está assentada a sociedade burguesa existiriam somente para garantir aos membros dessa sociedade a conservação de sua pessoa, de seus direitos e de sua propriedade. (CAPPELLETTI, 1993). Assim, ao proclamar que todo o membro do povo participa da soberania popular em pé de igualdade, e que todos são iguais perante a lei, o Estado suprime as desigualdades apenas no plano do discurso, para ocultar a desigualdade real. Não impede que a propriedade privada e a educação funcionem como mecanismos de produzir desigualdade entre os homens. É dada ao homem emancipação política para desviá-lo da emancipação humana. A proposta marxista para solucionar este mal é a revolução do proletariado. (CAPPELLETTI, 1993). Cappelletti informa que a Social Democracia surge quando alguns socialistas, ao constatar que poderia ser mais viável a reformulação do capitalismo do que a revolução, resolvem participar da estrutura do capitalismo, transformando-a para atender aos seus interesses. Ou, quando, alguns capitalistas, temerosos da ameaça da revolução em face da crise do capitalismo e do seu resultado perverso, criam um novo modelo. (CAPPELLETTI, 1993). Segundo Elias Díaz, o Estado de Direito, de matriz originariamente liberal, protegia a segurança, a liberdade e a propriedade. Pelo impulso de sindicatos e partidos social democráticos converteu-se em Estado Social e Democrático de Direito. Que, não obstante as suas distintas vertentes, continuou Estado de Direito, com as quatro características gerais que o identificam como tal: o império da lei sobre governantes e cidadãos, como expressão da vontade geral, garantida a livre participação e a representação; a divisão dos poderes; a fiscalização da administração; e a proteção dos Direitos Fundamentais. (DÍAZ, p.05-06). Social-democratas encaram o capitalismo e a democracia como compatíveis, política que passou a ser chamada de Política do Estado de Bem Estar Social. Para seus adeptos, o Estado tem o papel de interferir nas relações econômicas para amenizar a desigualdade e promover a retomada do crescimento econômico, além de apaziguar as lutas sociais.. A fim de evitar o colapso do.

(29) 29. capitalismo, o Welfare State surgiu como via alternativa para solucionar os problemas pelos quais passava o capitalismo na década de 30, após a Grande Crise de 1929. “O pobre e o desempregado viram-no como uma promessa de segurança, o capitalista como uma válvula de escape para problemas sociais”. (CAPPELLETTI, 1993, p?). Segundo Bobbio, as primeiras formas de welfare visavam a contrastar o avanço do socialismo por meio do estabelecimento da dependência do trabalhador ao Estado. Mas, ao mesmo tempo, deram origem a algumas políticas econômicas que modificaram irreversivelmente a face do Estado. (BOBBIO, 2008, p.403). No campo econômico, vingava o keynesianismo, cuja preocupação era o pleno emprego. Através do emprego se gera renda e se aumenta o consumo, o que impulsiona a economia e supera a crise. O próprio Estado cria os empregos, por meio de investimentos em obras públicas ou estimula o setor privado a fazê-lo. O Estado passa a arcar com as políticas sociais e com a retomada da economia, os recursos empregados em investimentos do Estado voltariam sob forma de tributos. (CAPPELLETTI, 1993). A crítica marxista ao Welfare State é que para quem surgiu para resolver os problemas da classe trabalhadora, causados pela exploração de classe, O Welfare State não representa nenhuma mudança estrutural básica na sociedade capitalista. Não alterou as relações econômicas e políticas de poder, não transformou o modo de produção, nem acabou com a exploração de classes. O Welfare State não passaria de uma acomodação fundada em transformações superficiais. Os marxistas não encaram os serviços dispensados pelo Welfare como benefícios dados à classe trabalhadora, mas sim, apenas como compensações pelos males trazidos pelo crescimento industrial. (CAPPELLETTI, 1993). Logo após a II Guerra Mundial surgiu o neoliberalismo, uma reação teórica e política contra o Estado intervencionista e de bem estar. Surge em 1944 com Friedrich Hayek cuja mensagem é: "Apesar de suas boas intenções, a social democracia conduz ao mesmo desastre que o nazismo alemão - uma servidão moderna." (ANDERSON apud CAPPELLETTI, 1993, p?). Entretanto, os avisos dos neoliberais para a crise da social democracia não encontraram adeptos porque o capitalismo estava na sua idade de ouro, as.

(30) 30. décadas de 50 e 60. Somente com a crise de 1973 os neoliberais prosperaram. Para estes, a crise se devia ao poder excessivo dos sindicatos - que corroia as bases de acumulação capitalista, reduzia as taxas necessárias de lucros e impedia os investimentos e o crescimento econômico - e aos gastos sociais do Estado que geravam déficit público. (CAPPELLETTI, 1993). Para os neoliberais, o Estado não deveria interferir na economia como fazia no Estado de Bem Estar Social, nem assegurar pleno emprego e todas as garantias aos operários. Porque esta seria uma situação artificial, que traria conseqüências graves. Pois, o Estado para garantir o pleno emprego e as garantias do bem estar, gastava muito mais do que arrecadava. Para os neoliberais, o Welfare State tende a gerar mais problemas do que é capaz de resolver e se converte em um processo infindável de auto-adaptação e reformas. Seu grande problema seria a crise fiscal, pois nenhum governo poderia custear a expansão de serviços sociais de assistência além de certo limite, sem ser acarretar em inflação e/ou pelo desemprego. A crise fiscal, as reduções dos níveis necessários de lucro e da competição tornariam o Welfare State insustentável. (CAPPELLETTI, 1993).. O Welfare State parece ser mais uma fase transicional no desenvolvimento das sociedades ocidentais após a II Guerra Mundial do que uma organização sócio política estável. Ou sua promessa de igualdade e proteção para todos deve ser rejeitada abertamente, ou será cumprida ao preço de mudanças verdadeiramente revolucionárias, tanto no sistema econômico como no político. (ANDERSON, Perry apud CAPPELLETTI, 1993 p.?).. Para o neoliberalismo, o papel do Estado é se retirar das relações de trabalho e das prestações de serviços sociais e reprimir as manifestações sociais e sindicais para manter as taxas necessárias de lucro, a fim de assegurar o desenvolvimento econômico. O Estado Neoliberal é parco nos gastos sociais e nas intervenções econômicas para o qual a estabilidade monetária deve ser a meta. É necessária a disciplina orçamentária e se tornam imprescindíveis reformas fiscais para incentivar os agentes econômicos. O Estado deve ainda, restaurar as taxas naturais. de. desemprego,. para. que. haja. competição,. e. desestatizar,. desregulamentar, desuniversalizar, tantos setores quanto puder, para conter gastos. O Neoliberalismo surgiu como via de superar a crise e foi adotada em vários países,.

(31) 31. sobretudo na década de 80, a exemplo da Inglaterra, Alemanha, Dinamarca e Estados Unidos. (CAPPELLETTI, 1993). Mas, todas essas medidas não restauraram as altas taxas de crescimento do capitalismo. A recuperação dos lucros aconteceu, mas não levou à recuperação dos investimentos porque as condições se tomaram mais favoráveis para a o investimento em capital especulativo do que produtivo. E, apesar de todas as medidas tomadas para conter os gastos sociais, eles aumentaram muito, devido ao aumento do desemprego e do número de aposentados. Quando, em 1991, o capitalismo entra em uma nova crise, a dívida pública dos países ocidentais é alarmante, o que demonstra que o Neoliberalismo falhou em sua proposta. “O curioso, é que mesmo depois de sua crise, o modelo do Neoliberalismo não foi abandonado, vários países continuam com ele, como demonstram as privatizações realizadas ainda nesta década”. (CAPPELLETTI, 1993 p.?).. O Neoliberalismo não alcançou os seus objetivos, a via proposta por ele para se chegar ao desenvolvimento econômico não foi eficiente; o Welfare State mostrou-se incapaz de lidar com suas próprias crises e já não se pensa mais numa revolução marxista. O desafio é se chegar a um modelo pós-liberal que retenha do liberalismo os valores da democracia, da liberdade e da disciplina fiscal, porém que realize a tão almejada inclusão e justiça social. (CAPPELLETTI, 1993 p.?).. Segundo Bobbio, estudiosos do Welfare State o consideram uma quebra da separação entre sociedade (no sentido de esfera privada ou mercado) e o Estado (no sentido de esfera pública) tal como constituída na sociedade liberal. Portanto, outro eixo de críticas ao Estado de Bem Estar Social sustenta, a exemplo de Habermas, que o seu assistencialismo traz como resultado a “estatalização da sociedade”. As chances de vida não são mais determinadas pelo mercado, mas, pela política; e a vontade política não se forma mais pelo livre jogo de agregações na sociedade civil, mas pela troca de serviços por apoio político. Ademais, a disponibilidade o Estado em intervir nas relações sociais causaria sua paralisia por sobrecarga de demandas fragmentadas. (BOBBIO, 2008, p. 419). Não obstante as tentativas políticas e econômicas de superação do modelo de bem estar, este trouxe profundas repercussões para o Direito e para a.

(32) 32. natureza da prestação jurisdicional. Cappelletti chama atenção para o fato de que o Welfare State foi principalmente o resultado da atividade legislativa que passou a reclamar uma atuação jurisdicional mais ativa. A legislação do Welfare levou à extensão do setor público, ao exercício de generalizado controle do Estado sobre a economia, à assunção da responsabilidade do Estado em questões de emprego e na elaboração de planos de assistência social. (CAPPELLETTI, 1993, p.39). Vianna constata que a vocação expansiva do princípio democrático tem implicado em uma crescente institucionalização do Direito na vida social, invadindo espaços até há pouco inacessíveis a ele, como certas dimensões da esfera privada. Alude que o welfare, quando atualizou o diagnóstico weberiano sobre a tendência à racionalização e à burocratização no mundo moderno foi “a expressão de um movimento a que não faltou o carisma da utopia, originário da sociedade civil e com uma legítima pretensão universalista, dada a centralidade do tema do trabalho na organização da sociedade industrial”. (VIANNA, 1999, p. 15). Cappelletti esclarece que, inicialmente, as intervenções estatais tinham principalmente natureza de preceitos legislativos, do que decorreu o fenômeno, caracterizado incisivamente por Grant Gilmore, autor americano, como ‘orgia das leis’. Posteriormente, um paralelo administrativo sempre mais complexo foi criado, com o fim de integrar e dar atuação prática a tais intervenções legislativas. O Welfare State, na origem essencialmente um Estado legislativo, transformou-se, assim, e continua permanentemente se transformando, em “Estado administrativo, na verdade em Estado burocrático, não sem o perigo de sua perversão em Estado de polícia”. (CAPPELLETTI, 1993, p.39). O crescimento do papel do Estado levou ao crescimento da função legislativa promocional, das legislações-programa, voltadas para o futuro; que levou ao crescimento do Poder Judiciário. “O Estado social, por definição, não se pode orientar pelo tempo passado, e, sim, pelos tempos presente e futuro, assumindo a sua indefinição e indeterminação”. (VIANNA, 1999, p.20). A legislação social conduz inevitavelmente o Estado a superar os limites das funções tradicionais de proteção e repressão. Tipicamente, os Direitos sociais pedem para sua execução a intervenção ativa do Estado, freqüentemente prolongada no tempo. A indeterminação de que fala Cappelletti requer a constante intervenção do Poder Judiciário. (CAPPELLETTI, 1993, p.41)..

(33) 33. É manifesto o caráter acentuadamente criativo da atividade judiciária de interpretação e de atuação da legislação e dos Direitos sociais. Deve reiterar-se, é certo, que a diferença em relação ao papel mais tradicional dos juízes é apenas de grau e não de conteúdo: mais uma vez impõe-se repetir que, em alguma medida, toda interpretação é criativa, e que sempre se mostra inevitável um mínimo de discricionariedade na atividade jurisdicional. Mas, obviamente, nessas novas áreas abertas à atividade dos juízes haverá, em regra, espaço para mais elevado grau de discricionariedade e, assim, de criatividade, pela simples razão de que quanto mais vaga a lei e mais imprecisos os elementos do Direito, mais amplo se torna também o espaço deixado à discricionariedade nas decisões judiciárias. Esta é, portanto, poderosa causa da acentuação que, em nossa época, teve o ativismo, o dinamismo e, enfim, a criatividade dos juízes. (CAPPELLETTI, 1993, p.42).. Vianna elucida que a infiltração da Justiça no campo do Direito (iniciada com a recepção do Direito do Trabalho pela ordem liberal pela qual a dissociação entre as esferas do público e do privado cedeu lugar à publicização da esfera privada) necessariamente contamina o campo do Direito com o provisório, o temporário, a incerteza, levando-o a identificar o seu tempo e os seus temas com os da política. Nas palavras de Habermas, "considerações de ética social infiltram-se em regiões do Direito que, até então, se limitavam a garantir a autonomia privada". (HABERMAS apud VIANNA, 1999, p. 16). A abertura do Direito ao tempo futuro, segundo Habermas, o teria feito admitir "leis experimentais de caráter temporário e leis de regulação de prognóstico inseguro (...), a inserção de cláusulas gerais, referências em branco e, principalmente, de conceitos jurídicos indeterminados". (HABERMAS apud VIANNA, 1999, p. 16).. A indeterminação do Direito, por sua vez, repercutiria sobre as relações entre os Poderes, dado que a lei, por natureza originária do Poder Legislativo, exigiria o acabamento do Poder Judiciário, quando provocado pelas instituições e pela sociedade civil a estabelecer o sentido ou a completar o significado de uma legislação que nasce com motivações distintas às da "certeza jurídica". Assim, o Poder Judiciário seria investido, pelo próprio caráter da lei no Estado Social, do papel de "legislador implícito". (VIANNA et al, 1999, p. 16).. Vianna afirma expressamente que o constitucionalismo pós II Guerra, ao positivar com status constitucional os Diretos Fundamentais e, especificamente, os.

(34) 34. Direitos sociais, redefine as relações entre os três poderes e inclui o Poder Judiciário no espaço da Política.. Assim, a democratização social, tal como se apresenta no Welfare State, e a nova institucionalidade da democracia política que se afirmou, primeiro, após a derrota do nazi-fascismo e depois, nos anos 70, com o desmonte dos regimes autoritários coorporativos do mundo ibérico (europeu e americano), trazendo à luz Constituições informadas pelo princípio da positivação dos Direitos Fundamentais, estariam no cerne do processo de redefinição das relações entre os três Poderes, ensejando a inclusão do Poder Judiciário no espaço da política. (VIANNA et al, 1999, p.22).. Acerca dos juízes reticentes em dar eficácia aos Direitos sociais por receio de violar-se a separação dos poderes, fundado na história norte-americana a partir do new deal afirma Cappelletti:. (...) os magistrados desses tribunais demonstraram freqüentemente ser péssimos juízes, justamente no domínio escaldante da legislação social e da atividade administrativa atinente às tarefas de welfare (...). A mentalidade desses juízes estava demasiada e profundamente dominada pelas tarefas tradicionais da justiça civil e penal, para que pudesse se adaptar, com suficiente rapidez, à postura diversa, que parece necessária para a interpretação e aplicação de leis promocionais e programáticas, orientadas para o futuro. (CAPPELLETTI, 1993, pp.50 - 51).. O Welfare State facultou ao Judiciário o acesso à administração do futuro, e o constitucionalismo moderno, a partir da experiência negativa de legitimação do nazi-fascismo pela vontade da maioria, lhe confiou a guarda da vontade geral, encerrada de modo permanente nos princípios fundamentais positivados na ordem jurídica. Dessas mutações, institucionais e sociais, têm derivado não apenas um novo padrão de relacionamento entre os Poderes, como também a conformação de um cenário para a ação social substitutiva a dos partidos e a das instituições políticas propriamente ditas no qual o Poder Judiciário surge como uma alternativa para a resolução de conflitos coletivos, para a agregação do tecido social e mesmo para a adjudicação de cidadania, tema dominante na pauta da facilitação do acesso à Justiça. (VIANNA et al, 1999, p.22)..

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