T A I Z A M A R A RAUEN MORAES
E S T A D I SSERTAÇÃO FOI J U LGADA A D E Q U A D A PARA A O B T ENÇÃO DO GRAU DE
M E S T R E . E M LETRAS
-E A P R O V A D A -EM SUA F O R M A FINAL P-ELO PROGRAMA D-E P Ó S - GRADUAÇÃO -EM L E T R A S .
PROF3 ZAHIDÉ LUPINACCI MUZART Doutora em L i t e r a t u r a B rasileira -
Orient a d o r a
Q(/\Â
P R O F ? ZAHIDÉ LUPINACCI MUZART
Doutora e m Literatura B r a s i l e i r a - Co o rdenadora de Literatura Brasileira
B A N C A EXAMINADORA:
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA C A T ARINA P R O G R A M A DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
CLARICE LISPECTOR:
ASPECTOS IDEOLÓGICOS DE SUA CLASSE SOCIAL
Dissertação submetida ã Universidade Federal de Santa Catarina para a o b tenção do grau de Mestre em L e t r a s , Ãrea de Literatura Brasileira.
T A I Z A M A R A RAUEN MORAES
A GRADECIMENTOS
Aos Professores do Curso de Pós-Graduação e m L iteratura Brasi leira da Universidade Federal de Santa Catarina.
à ACAFE, à Faculdade de Ciências e Letras de M a f r a - F UNORTE,pe lo estímulo recebido.
Sinceros agradecimentos ã Prof$ Zahidé L. Muzart pela constante atenção durante a elaboração de£ ■ te trabalho.
I
À Janete, pela constante disponibili dade, o meu muito obrigada.
OFERECIMENTO
Para Antenor e Noily, meus pais. Para Ademar e Rafael que conferjL ram a razão para este estudo.
"A tudo o que um homem deixa t o r nar-se visível podemos perguntar:
Que quer ele esconder? De que quer ele que se desvie a atenção?
Que preconceito pretende evocar? E ainda: até onde vai a subtileza de sua dissimulação ou até que ponto incorre num equívoco?"
RESUMO
O p r o p ó s i t o d esta d i ssertação foi o de executar a n á l i ses de contos selecionados de C l arice Lispector, nas quais f o ssem ressaltadas além dos "temas", o valor do significado s ubjacente aos textos, p r o posto através do "não dito" (silên cios textuais, ou os significados provenientes d a forma e de técnicas e s t r u t u r a i s ) .
D e n t r o deste objetivo, a abordagem c r í t i c a p r o c u r o u se deter em aspectos realistas e ideológicos dos c o n t o s .
Em uma p r i m e i r a parte, os conceitos de ideologia e rea lismo são colocados d entro das perspectivas de enfoque de Adorno, Macherey, Balibar e L u k ã c s . De modo a d e m a r c a r um p a r alelo de visões estéticas, na m e d i d a que 03 primeiros teõri cos e n t endem o r e a lismo como um concei t o ^ m u t á v e l conforme a e v o l u ç ã o do p r o c e s s o h i s t ó r i c o em contra p o s i ç ã o ao último,que apregoa u m reali s m o f u ndamentado na verossimilhança, e em d ecorr ê n c i a nega as renovações formais da literatura contempo r â n e a .
D e l i m i t a d a esta contradição teórica, proced e - s e a se gunda parte do trabalho, onde os contos são analisados d e n tro de uma p e r s p e c t i v a de leitura endere ç a d a para a explora ção dos recursos de linguagem, v i s a n d o através dela, r e c u perar o conteúdo.
AB S T R A C T
The p u rpose of this d i s s e r t a t i o n is the analysis of selected short storius by Clarice Lispector in w h i c h w i l l be stressed besides the "themes", the underl y i n g values of the me a n i n g of these texts suggested through the "not said",
(textual silence or the meanings as outsprings from form and structural t e c h n i q u e s ) .
A i m i n g this, the critical a p p roach sought to stop re a l istic and ideological aspects of the tales. •
In the first part, the conceipts of ideology and r e a l i s m are m a t c h e d t o the forms of Adorno, Macherey, Balibar versus Lukács, in a w a y to trace the parallels of the esthetic views, of A d o r n o , M a c h e r e y and Balibar w h o u nderstand r e a l i s m as b e i n g a c hangeable conceipt according to the e v o l u t i o n in the
histor i c a l process against that of Lukács p r e a ching a r e alism fundamented on " v e r o s s i m i l a r i t y ", and conseq u e n t l y negating the formal renewals of c o n temporany literature.
Thus, once boarded this teorical contradiction, the second part of the w r i t i n g follows up to the analysis in a pe r s p e c t i v e of reading addressed to the explor a t i o n of language sources, aming, by this reading to recons t r u c t the content.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ... 1
Notas ... 6
1.. FUNDAMENTAÇÃO TEÓR I CA / Amostr ag e m da problemática conceituai no âmbito da c r í tica literária quanto ã ideologia e o enquadramento da obra literária no realismo ... 7
1.1. Visão de Adorno ... 8 1.2. Visão de Macherey ... 12 1.3. Visão de Balibar ... ... 16 1.4. Visão de Lukács ... 19 Conclusão ... 23 Notas ... . 28
2. ANÁLISE DOS CONTOS 2.1. Feliz Aniversário ... 30
2.2. A imitação da rosa ... ... 42
2.3. Um dia a menos ... ... 49
2.4. Legião E s trangeira ... 57
2.5. Os desastres de Sofia ... ... 64
2.6. A Bela e a Fera ou A ferida grande demais ... 71
Notas ... CONCLUSÃO . ... 86
A motivação p a r a ' a n a l i s a r , mais uma vez a obra de C l a rice Lispector p r o v é m da p r o posta inovadora de Alfredo Bosi p a r a o d e s vendamento de novos ângulos do ficcional. Suas cate gorias c l a s s i f i c a t ó r i a s , presentes na História Concisa da L i t e r atura B r a s i l e i r a ^ , renovam a crítica literária ao c o l o car e m e v i d ê n c i a o estado de decrepitude da dicot o m i a ficção r e gionalista versus ficção p s icológica que, a partir da d é c a da de 30, dá lugar a uma crescente tensão entre "herói e mun do", d e t e ctada nas transformações e s t i l í s t i b a s .
A obra de Clarice estrutura-se, justamente, através da exploração deste aspecto: tensão entre herói e rrundo, m a n i f e £ tada pela linguagem — que confere, ã obra, u m posicionamento inovador. E m decorr ê n c i a disso, nada mais justo do que r e c o nhecer a contribuição de Alfredo Bosi, que, como crítico, pro pôs novas perspectivas de leitura. Assim, aproveitando suas sugestões procu r a r - s e - á o apoio de teorias que m e l h o r objeti v e m as referidas s u g e s t õ e s , tornando-as adequadas ao d e s e m
penho de uma leitura explicitadora destes valores da ficção clariceana.
Sabe-se que o real social, trabalhado sob condições formais inovadas, é tema de críticas que i n v a lidam a e v o l u ção e s tilística como redutora da visão de mundo. Carlos N e l son Coutinho, apoiado em L u k ã c s , é um dos críticos que duvi. d a m do m érito da mudança. Afirma que a n a r r ativa portadora de caracteres formais alterados é passageira, alcançando as vias do s u b j e t i v i s m o , posto que contém:
"... p r o b l e m á t i c a falhada porque d e forma a realidade e não sè presta ã criação de a u tênticas obras de a r t e . " (2)
Não se pretende dar a este trabalho apoios teóricos que p a r t i l h e m as mesmas opiniões de Lukács e de Carlos Nelson Coutinho. Isto porque não é difícil constatar que a l i t eratu ra c o n t emporânea encontra h a r monia na fusão de forma e con teúdo inovados. Inovação esta, justamente, passível de ser considerada imposição das condições históricas vigentes nesta época.
As idéias de Antônio Cândido, (crítióo de renome tão o u mais eficiente no seu trabalho que Lukács) servem de e s teio ao que se disse acima:
"...Clarice mostr a v a que a realidade s o cial ou pessoal (que fornece o tema) e o instrumento verbal (que institui a lingua gem) se justificam antes de mais nada pelo fato de p r o d u z i r e m uma realidade própria, com a sua inteligibilidade específica. Não se t rata mais de ver o texto como algo que conduz a este ou aquele aspecto do mundo e do ser; mas de lhe pedir que crie para nós o m u n d o , ou u m m u n d o ."(3)
obra clariceana no sentido de ressaltar a somatória entre for m a renovada e um conteúdo compromissado com o real, apoiando- se e m teóricos como: Macherey, Adorno e Balibar que, ao estu d a r e m a arte como ideologia, b u scam analisar as maneiras p e
las quais a o rganização econômica em geral d e t e rmina as for mas de o rganização artística, visto que a forma é e s t a b e l e c i da como conteúdo cristalizado. Contrariamente, a abordagem es têtica efetuada por L u k á c s , defensor de um m o delo denominado ideológico, demonstra o realismo artístico pelo grau de visão de mundo transmitido pelo escritor, ao colocar e m relevância o aspecto c o n t e u d í s t i c o . E assim, a análise visa detectar, pe 1° não d i t o , pelos silêncios possuidores de valor semântico, as denúncias das relações reifiçadas. A leitura deve d e c o d i ficar tais silêncios capazes de denunciar o massac r a n t e ritmo do cotidiano como algoz da integridade do ser.
0 trabalho será executado tendo como corpus os c o n t o s : "Feliz Aniversário" e "Imitação da Rosa" (1976) ; "Os D e s a s tres de Sofia" e "Legião Estrangeira" (1977); "Um dia a me nos" e "A Bela e a Fera" ou "A Ferida Grande Demais" (1979) publicado post-mortem.
A o r d e m de estudo dos contos não segue a o r d e m do ano de publicação, como seria de esperar, talvez. Essa o r d e m foi pe nsada de acordo com os temas dos próprios contos e é uma ordem arbitrária.
É um Corpus que pode oferecer a possibilidade de se confirmar, mais uma vez,' o talento de Clarice L i s p ector que recriando a realidade e abarcando-a de maneira profunda, d e monstra, artisticamente, a veracidade da assertiva de Adorno:
"...o que choca não é tanto a m o n s t r u o s i dade desse mundo, mas a sua o b v i e d a d e .11 (4)
Clarice Lispector, na elaboração de seu mundo ficcio n a l , parece imbricar texto e contexto, tornando o social e l e mento constitutivo da estrutura da obra. Fator que contribui para a adoção da proposta de abordagem textual, efetuada por Adorno na qual o crítico deve buscar nas obras analisadas o "conteúdo de verdade", o conteúdo indireto, sem configuração concreta para não incorrer na reificação dos fatos, ao apre sentá-los de modo unilateral.
Desta forma, considerando a direção e m que o socialvei cuia a produção artística, tenta-se estudar os contos v i s a n do a atingir a amplitude do significado, a relação texto/vida.
Isso, na m edida em que vemos as personagens de Clarice como resultantes de uma e x t rema pressão do indivíduo, pelo siste ma: a m ulher relegada a uma condição de submissão no r e l a
cionamento homem/mulher; a criança e o v elho marginalizados por se s i t u a r e m nos extremos do caminho da vida, o primeiro por possuir um potencial a ser d e s envolvido e o segundo por ter esgotado seu potencial; o professor como preservador das normas e regras do sistema.
A s s i m sendo, a a b o r dagem crítica se d eterá em aspectos realistas e sociais e m contraposição ã maior parte de sua fortuna crítica que, incessantemente, enaltere o a b s t r a c i o n i £ mo, a ponto de induzir a escritora a desculpar-se por não e x plicitar nitidamente o social em sua produção literária:
"Por exemplo, m i n h a tolerância em relação a mim, como pessoa que escreve, é perdoar eu não saber me aproximar de um modo
"li-t e r á r i o " (is"li-to é, "li-transformado na v e e m ência da arte) da "coisa s o c i a l ". Desde que me co nheço o fato social teve e m m i m importância maior do que qualquer outro: e m Recife os mocambos foram a p r i meira verdade para mim."
(5) (grifos nossos)
Em suma, busca-se dar relevo aos q u e s t ionamentos aber tos pela ficionista, que considera tarefa do escritor mobili^ zar os leitores "a uma identificação, q u e s t i o n a m e n t o o u
pos-(6)
sível resposta" , seguindo o esquema proposto abaixo:
- amostr a g e m da proble m á t i c a conceituai no âmbito da crítica literária quanto ã ideologia e ao enquadramento da obra no r e a l i s m o ;
- execução da análise do corpus selecionado no qual não serão levantados os "temas" e as "preocupações" contidas nos t e x tos ficcionais, mas t a m b é m o valor do "não dito" — dos si
lêncios do texto, do significado que e mana da formas e t é c nicas estruturais de um texto literário;
- i m bricamento das partes constitutivas da d i ssertação de m o do sintético, na tentativa de ressaltar a força do real con tido na ficção c lariceana estudada no presente trabalho.
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS EXPLICATIVAS
(1) BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura B r a s i l e i r a . 2? ed. São Paulo. Cultrix, 1980, pp. 475-478.
(2) COUTINHO, Carlos Nelson. Literatura e H u m a n i s m o . Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1967, p. 4.
(3) CÂNDIDO, Antônio. "Os brasileiros e a literatura latino-americana." In: - Novos E s t u d o s , n? 1. D e z e m b r o / 1981, p. 63.
(4) C A N C L I N I , Néstor Garcia. A produção simbólica: teoria e metodo l o g i a e m sociologia da a r t e . Trad. Glória Rodriguez, Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1979, p. 56.
(5) LISPECTOR, Clarice. Para não e s q u e c e r . São Paulo, Ática , 1978, p. 25.
(6) B O R E L L I , Olga. Clarice Lispector: Esboço para um possível r e t r a t o . Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1981, p. 73.
A m o s t r a g e m da problemática conceituai no âmbito da crítica li t e r ária quanto à ideologia e o e n q uadramento da o b r a literária no r e a l i s m o .
O enquadramento de uma obra, ou de várias parcelas do conjunto da produção literária de um autor, no âmbito do r e a lismo, vai de encontro com problemas complexos referentes ã concepção de realismo literário, proble m á t i c a que, por sua vez, conduz ao, não menos polêmico, problema da ideologia.
Portanto, se faz necessária a apresentação de idéias que e n v o l v e m correntes que se a n tagonizam entre si, para uma m e
lhor d e terminação dos elementos escolhidos desta o u d a quela concepção para a análise de alguns contos de Clarice Lispec- t o r .
Entretanto, após a aceitação do ideário de concepções que e n c a r a m o realismo de modo amplo, onde são classificadas co mo ficções realistas as que e x p r e s s a m uma reação â sociedade,
adveio a questão: quais as razões que conduzem teóricos como Lukács e seguidores a repudiar o b r a s , que por intermédio de vias introspectivas, guiam o leitor a um questi o n a m e n t o do real? Visto que a categoria do reflexo literário, como a f i r m a m M a c h e r e y e B a libar rastreando G r a m s c i , não é advinda do realismo calcado na verossimilhança, mas do materialismo, a£ sim literatura passa a ser encarada como produ t o r a de uma rea lidade segunda que, efetuando uma escolha em relação â p o t e n cialidade de sons, letras é produto (resultado) de um certo efeito de realidade e efeito de f i c ç ã o .
Impasse para o qual buscar-se-á, solução, trabalhando a teoria a partir de caminhos propostos pela ficção, com o intuito de operar uma auto-reflexão que explique o objeto, buscando captar sua real complexidade.
1.1. Visão de Adorno
Por intermédio de duas concepções opostas de arte: a r -; te engaj a d a e arte pela a r t e , Adorno aborda o realismo lite rário que, no seu entender, é resultante de imagens impostas pela época e pela sociedade e m que o artista v i v e . ^
A arte engajada ou "engagement" no parecer do teórico é falha, pois a concebe como:
"...fetiche, como jogo ocioso daquelas que silenc i a r i a m de b o m grado a avalanche a m e a çadora, como u m apolítico sabiamente politi zado." (2)
distinta da realidade, aproximando-se do seu pólo o posto a "arte pela arte" — cuja natureza, voltada para si mesma, n e ga o relacionamento com o real. Esses aspectos que d e t e r m i n a m a fragilidade, ou a inexistência da ligação entre arte e r e al, constituem-se motivos favoráveis a polêmicas em torno da aceitação ou da não aceitação da arte engajada e da "arte p e la arte" , a arte centrada em si mesma como formas alienadas de abordar a realidade.
A crítica a o " e n g a g e m e n t " , por sua vez, está assentada na colocação de um novo paralelo: "engagement" e "tendencLorús m o ."
0 "engagement" resulta de atitudes que t o r n a m o conteú do em favor do qual o artista se engaja p l u r i s s i g n i f i c a t i v o e, conseqüentemente, ambíguo. Não visa, pois, instituir medidas que t r a n s f o r m e m as obras e m " t e n d e n c i o s a s " , v isto que os con ceitos sociais d e v e m ser auferidos a p a r t i r das obras.
0 realismo literário, para Adorno, está presente na tentativa de captar o "ser-em-si" do capitalismo e é c o n s i d e rada a estrutura s ó c i o - p o l í t i c a , pós-feudal, como fundamenta dora das obras, o que v e m determinar que a imaginação do a r tista não é uma "creatio ex nihilo" pois afirma:
"...o distan c i a m e n t o das obras para com a realidade empírica é antes ao m e s m o tempo intermediada por e s t a . .. Ao oporem-se à em- piria as obras de arte estão a obede c e r as forças dessa empiria que ao mesmo tempo r e negam o espiritual da obra e d e i x a m - n a ao dispor de si m e s m a . "(3)
Na m edida que o d i s t anciamento entre a obra e a r e a l i dade e m p írica é intermediada pela realidade da obra, as pala
vras contidas num texto literário d e s v i nculam-se das s i g n i f i cações que p o s s u e m no discurso comunicativo. A s s i m sendo, p a ra Adorno, a realidade empírica é a realidade e x p e r i e n c i a d a que procede a distinção entre o físico e o psíquico, não p o dendo ser interpretada nem m a t e r i a l i s t i c a m e n t e , nem idealis t i c a m e n t e .
A p a r t i r d esta concepção o v í nculo arte/realidade, ac_i ma apontado, enaltece a prosa dos experi m e n t a l i s t a s da forma, como K a f k a e Bekett que fazem explodir a arte i nternamente,a- ção não alcançada pelos adeptos do " e n g a g e m e n t " : o p e r a m ape nas uma alteração aparente, não atingindo problemas h i s t ó r i cos concretos ao falsearem, na J.inguagem, a apresentação da realidade menos atroz do que realmente é. A crítica â realida de social é eficaz quando o conteúdo é camuflado integrado na forma.
"...o v alor das obras não está no que lhe foi incutido de espiritual, a ênfase ao tra balho autônomo é por si mesmo de e s s ência s ó c i o - p o l í t i c a . " (4)
Segundo o teórico, o êxito da obra de arte está em "desvelar" o que a ideologia "encobre", porque ideologia ê e n t e ndida como não v e r d a d e , como "falsa consciência" ao 'ex pressar os conceitos da classe dominante.
«
A o b r a o pera ligações com o real ao recusar a criação de u m mundo autônomo, separado do exterior. Extrai dele seu conteúdo, além de se p osicionar indiretamente p a r a adquirir, d e s t a forma, a possibilidade de transcender, pela expressão, o antagonismo que o real versus social não solucionou. A obra, portanto, cria uma impressão ampliada, s i n g u larizando os obje
tos e aumentando a d ificuldade e a duração da percepção: a aparição do todo no particular. Com isso a linguagem, de mero sistema de signos, passa a manifestar-se por imagens. 0 a r g u mento permite reafirmar a crítica ã teoria da "arte pela a r te", por p r o j e t á - l a de modo estritamente estét i c o ao negar o relacionamento com a realidade, preju d i c a n d o a percepção correta do estético.
A renovação técnica é u m aspecto decis i v o para a elabo ração de novas formas estéticas. 0 uso de recursos i n o v a d o res faz com que o mundo burguês estabe l e c i d o tenha seus valo res questionados através dessa forma de racionalidade artísti^ ca constr u í d a a partir de técnicas literárias aparentemente ir racionais, porém aptas ã apreensão dos conteúdos abordados. A o b r a literária, renovada por técnicas ficcionais eficientes , desmas c a r a a falsa realidade e s tabelecida no tempo presente, d esempenhando-se criticamente junto ao leitor.
Ao enfatizar que a o b jetivação da arte é autônoma, Adorno acentua a representação realista do conteúdo como i n a d e quada na tradução das contradições sociais que, no seu en tender, se m a n i f e s t a m de modo semi "subterrâneo."
Portanto, por intermédio de uma observ a ç ã o efetuada por Nietzche (que aponta como essência da arte a p o ssibilida
(5)
de de ser diferente em todos os seus momentos da r e a l i d a de imanente e expor u m estado diversos do e x i s t e n t e ) , a arte propõe uma a l t e r n a t i v a em prol de uma sociedade livre. A e s truturação da obra de arte está vincu l a d a aos antagonismos so ciais refletidos na forma e faz do artista representante do sujeito e da tendência social geral: ao artista cabe a tarefa
de denunciar as ideologias classistas, impositoras de crité rios que e s t i m u l a m a d e sigualdade social, q uando e x p r e s s a m "o
(6) sonho de um mundo em que a situação seria outra."
E m suma, nesta proposta de Adorno, a arte existe por exercer crítica, função plenamente alcançada na arte m o d e r n a que d e n u n c i a o t o t a litarismo e expõe o que falta no mundo,pos. to que surge livre do "caráter de a p a r ê n c i a " , mas interessada em p r o v er-se da capacidade de denúncia, a qual e s trutura-se a partir d e s t a fusão entre renovação técnica e compromisso so ciai da arte.
1.2. Visão de Macherey
Através do ângulo da crítica, o p r o b l e m a do realismo é analisado por Macherey: p o stula a obra como dependsite de um juízo crítico, na m e dida em que esta é remetida para um m o d e lo independente, o qual p o deria ter sido conhecido d i r e t a m e n te sem se utilizar da obra como mediadora.
A t r a nsparência de um livro é retrospectiva, ou seja, o conhecimento da o b r a só evolui quando se o r ienta no caminho que leva ao modelo inicial, proposta pela leitura da narração que faz o caminho de "regresso ao modelo". Não b a s t a m os p r o blemas extrínsecos para caracterizá-lo por constituir um mo mento da própria narração. Assim, a obra, para ser medida,não deve confrontar-se com uma verdade exterior, pois a obra e sua verdade estão depositadas na tendência de e s p e r a da obra, que é o espaço que distingue o fim do começo, somado ao desen
rolar da narração. A verdade textual é m a rcada por uma a m p l i tude conseguida através de não referir-se especularmente ã realidade, expressando uma ideologia m a ntida pelas condições s o c i a i s .
Para Macherey, a ideologia pode ser c onsiderada como conjunto de significações. A obra propõe uma leitura dessas s ignificações e não cabe ã crítica esgotá-la pela força do "não dito", dos silêncios nela contidos.
Na obra artística, a ideologia é a m a t é r i a para a cons trução do imaginário, bem como m a n t e n e d o r a de relação s i m i lar à existente entre o consciente e o i n s c o n s c i e n t e . N esta re lação o primeiro só pode ser explicado pelo segundo, enquanto que é apenas viável uma explicação da obra extraída a p a rtir dela.
Partindo das preliminares acima, M a c herey passa a se guir o caminho adotado por Balibar. E n f atiza que linguagem e m ação produz uma ilusão, instituindo uma nova relação entre a palavra e seu sentido, entre a l i n g uagem e seu objeto., Lin guagem que não d e s igna o objeto, apenas suscita-o através de uma forma inédita do enunciado. Torna-se autônoma por fazer surgir uma nova realidade. A linguagem primeira, pois desloca o princípio de sua veracidade e institui a impossibilidade de alterar as palavras textuais.
Para Macherey, a obra pode ser i n v e r o s s í m e l , fraca ou gratuita, pois sempre perman e c e r á v e r í d i c a no interior de seus próprios limites (seu m u n d o ) . As condições de v e r a c i d a de literária advém do exterior, de uma tradição, de uma mo ral, de uma ideologia.
Ao abordar, especificamente, a escrita "realista", Ma cherey salienta que, a tentativa desta escrita de equivaler ao real, acarreta-lhe a dificuldade de não sair de si p r ópria devido ao ideal de conformidade. Esse aspecto induz o escri^ tor r e a lista a instalar-se num limite e m que tudo torna-se arriscado, ao aceitar como verdade aleatória o objeto encon trado na leitura que não é o objeto real. Concepção que m e lhor se e v i d e n c i a por intermédio da espec i f i c a ç ã o da obra co m o :
"...realidade segunda d e f i n i d a pela estru tura que a limita e gera o p r o duto mítico duma elaboração sobre a qual m a n t é m s i l ê n cio absoluto." (7)
Fica a ssim estabe l e c i d o que, para conhecer as c o n d i ções de u m a produção literária, é n ecessário evidenciar o processo real de sua constituição: a a m o s t r a g e m da c o m p o s i ção da obra através da m u l t iplicidade de elementos que lhe dão consistência.
Os textos literários u t i lizam a linguagem e a ideolo gia, pondo-os a serviço de uma r ealização perten c e n t e ao dom_í nio da literatura. A obra estabelece, d e s t a forma, u m afasta mento dos modos: de ver, de falar, de escrever e de todas as outras formas de expressões i d e o l ó g i c a s , apesar de não cons tituir-se de uma totalidade autosuficiente d evido à relação m a n t i d a com a linguagem como tal, criando vínculos com as o u tras utilizações da linguagem: teórica e ideológica, de que depende diretamente.
Macherey considera que a obra literária só existe pela relação com parte da produção literária devido a sua função parõdica, logo é p o r t adora de uma l i n g uagem segunda criadora
de uma imagem que i n s e r e e gera uma ilusão do real através da necessidade, nunca satisfeita, da m u l t i p l i c a ç ã o em si m e s m a ou em novas imagens. Porém, deve-se considerar a linguagem da obra não apenas como ilusão, mas como fonte e veículo da ideologia cotidiana.
"0 livro traz implícito a crítica de seu c onteúdo ideológico e assim substitui a f u ga da ilusão provocada pela p a lavra i n d e terminada, pelos contornos nítidos duma ficção que é a, equivalente de um conheci^ m e n t o ."(8)
Conseqüentemente, fica determ i n a d a a distinção entre vida e obra. São encaradas como "contrastantes e i n s e p a r á veis" devido a necessidade de renovação da oposição. Desta maneira, a obra literária é vista como "produção", pois não é apenas a expressão de uma situação histórica objetiva, uma vez que não e n uncia uma verdade que possa ser apreciada pela
sua conformidade com a verdade exterior.
"A realidade indicada pelo livro não é a r bitrária, é convencional e, portanto, regi da por lei. A idéia confusa de pacto pode ríamos substituir ã de contrato, ver-se- ia então que a atividade do escritor é ver dadeiramente c o n s t i t u i n t e ."(9)
Enfocando a obra em suas condições de produção, tor na-se possível alcançar (o que para os leitores era inconsci_ ente), uma relação não linear de causalidade, onde a causal_i dade estrutural perde-se nos seus efeitos, ressaltando "o não dito" da obra: a presença que transparece e que deve ser r e c u p e r a d a .
Macherey enfat i z a ainda que, o livro é acompanhado por uma certa ausência captada na leitura das imagens. A impor tância da obra está no não dizer e x p l i c i t a m e n t e , está no
seu conteúdo l a t e n t e .
"0 d o mínio da natureza pelo homem, que é tema de todos os romances de V e r n e , mesmo quando disfarçado, apresenta-se como uma conquista, como um m o v i m e n t o . "(10)
Pelo não dito se opera a elaboração de uma palavra, com sentido textual específico, daí a necessidade de e v i d e n ciar o processo de "constituição" da obra: mostrar a multipLi cidade de elementos que lhe dão consistência.
1.3. Visão de Balibar
Balibar concebe o realismo literário como representação da realidade, mesmo que esta não seja captada imediatamente por todos os leitores, em c o n seqüência da relação l i t e r a t u r a / h i s tória ser enfocada como uma relação interna de intricamento e articulação, por abordar a literatura como um p r oduto da escrita para ser lido e transformado na e p e l a ideologia.
A p r á t i c a literária liga-se a práti c a s lingüísticas determinadas devido a d e limitação de literaturas específicas de cada país, de práticas lingüísticas e m âmbito nacional e práticas escolares que d e m a r c a m o consumo d a literatura e seus limites internos de produção, visto que é e n d e r e ç a d a a leitores de nível escolar específico.
L iteratura reproduz a ideologia burguesa como i d e o l o gia dominante, devido ao fato de ser a o b jetividade literária
(que a d e t e rmina historicamente) proveniente da reprod u ç ã o de práticas lingüísticas contraditórias de uma língua comum. E£
se é o ponto onde se realiza a eficácia ideológica burguesa, que faz do "aparelho escolar", o aparelho dominante, p r o p a g a dor de "divisão de classe" pela d i visão lingüística, que e £ tabelece "práticas diferentes" de uma língua suposta como co mum: diferenças entre linguagem falada e escrita. Práticas não existentes em formações pré-capitalistas que e s t a b e l e c i a m divisões de línguas diferentes — "língua do povo" — dialeto, gíria e uma língua da burguesia.
A partir disso Balibar estabelece realismo como idéia de u m modelo exterior de reprodução, pelo menos durante o in£ tante de uma avaliação e da sua norma, mesmo que se mostre, por vezes, inominável. Desta maneira literatura pode ser e n tendida como reprodutora de uma certa realidade material e de u m certo efeito social: o texto literário é p r o d u t o r s i m u l t â neo de u m efeito de realidade material e de um efeito de ficção, interpretando um pelo outro. Assim, as noções produzi^ das pela literatura e seu modelo, ou seja, a referê n c i a real, exterior ao discurso suposto pela ficção e pelo realismo, fun c ionam como efeito do discurso.
As conclusões expostas condu z e m o teórico ã afirmação de que, o discurso literário induz e p r o j e t a interiormente a presença do "real" pelo modo alucinatório, criando uma lingua gem fictícia. Dito de outro modo: enunciados que se afastam, por um ou por vários traços p e r t i n e n t e s , dos utilizados na prática, fora do discurso literário, mesmo que sintat i c a m e n te corretos, constituem formações de compromissos l i n g ü í s t i cos entre riscos socialmente contraditórios, ou s e j a ,posições de classe contraditórias na ideologia que, na prática, são
mutuamente exclusivos.
*
Balibar entende que o processo de c o nstituição dos tex tos é o "trabalho literário" onde o escritor não é o criador absoluto, autor das próprias condições ãs quais está s u b m e t i do, nem é o suporte transparente e i n e s s e n c i a l , através do qual se manifestaria, na realidade, a força a n ónima de uma inspiração ou de uma história de d e t e r m i n a d a é poca ou classe. O texto, em decorrência, é c l assificado não como a "expres são" (o pôr e m palavras) de uma ideologia, mas como a sua " e n c e n a ç ã o " , na qual a- ideologia é e x p o s t a sem fazer aparecer seus limites ao m ostrar-se incapaz de assimilar a ideologia ad versa. Por sua vez, Balibar chama de "estilo", ã l i n g uagem e £ pecial, diferente da língua comum, que é transm i t i d a pela l i te r a t u r a e o texto literário passa a imbricar o reconhecimen to estético.
Dentro desta concepção o efeito literário é, s i m u l t a neamente, resultado m a t erial e um efeito ideológico particu lar, de uma realidade autônoma, visto que em nossa sociedade, segundo as investigações efetuadas pelo teórico, o texto lite rário vale como texto em si, como revelador da p r ó p r i a forma. A crescenta-se que sua função primeira é p r o v o c a r outros d i s cursos ideológicos reconhecíveis como literários mas que são, na m a i o r i a das vezes, simples d i s c ursos estéticos, morais , religiosos e políticos, onde se realiza a ideologia d o minan t e .
Partindo deste enfoque, Balibar, afirma que o texto literário assegura a reprodução da ideologia na sociedade b urguesa através de u m conteúdo investido do e feito estético
que, na forma de obra de arte, não aparece imposto, mas pro posto ã interpretação, ã variação seletiva e ã reprodução sub
jetiva, pessoal dos indivíduos.
1.4. Visão de Lukács
Segundo a t eoria estética d e s e n v o l v i d a por L u k á c s , a categoria realismo é abordada a partir do materialismo.
A obra realista é aquela que fundamenta a c o nsciência das personagens a partir da c o t i d i a n i d a d e . Assim, o mundo c a racterístico (próprio) da obra é maior q u a n t o maior for a força do autor e m c a r acterizar suas p e rsonagens e a unidade d e s t a é efetuada pela ação absorvente do leitor p a r a com o mundo da obra que é "reflexo da realidade". À arte cabe m a n ter a aparência do real, sendo que no m o m ento em que cessa o efeito do real, o leitor se depara com a aparente unidade da obra, que "é o reflexo do processo da vida e m movimento, em sua concreta conexão a n i m a d a . "
Por intermédio deste enfoque da arte, Lukács salienta a necessidade de dar forma à infinitude do objeto, que de modo particular procura abarcar a sociedade ou parte desta, criando uma aparência do real, tornando p r e sente (presentif_i cando) o real imaginário para expressar a busca da essência.
No entanto, só a obra que altera um fenômeno ao ligar- se ã função social, é considerada como v e r d a d e i r a obra de arte. Esta induz o leitor a se e n t regar à arte como a uma realidade particular, ao c o m p reendê-la pela sua função objeti_
va de aparência que parte do real.
0 realismo não deve tomar nada como acabado ao tentar solucionar questões entre arte e verdade, mas conduzir a arte
para uma práxis que torna os homens dignos de serem tomados como objetps de r e p resentação literária.
E m decor r ê n c i a do exposto, o m é t o d o da narração é valo rizado por d istinguir e o r d e n a r as coisas contrariamente ã descrição que propõe um nivelamento dos fatos e m prejuízo dos motivos sociais, que se confundem.
A descrição é u t i l izada para situações estáticas no parecer do teórico, enquanto que os a c o n t ecimentos transcorri, dos, que r e f l e t e m estados de alma dos homens o u as coisas, e£ tados de espírito ou naturezas mortas, são narrados.
Os fatos só a d q u i r e m verdadeiras significações p o é t i cas quando assumem concretas ligações c o m os acontecimentos humanos e unem-se a uma idéia abstrata que é a visão de mundo do autor. Caso contrário, quando não se d á o processo de liga ção entre o real e visão de mundo do autor, os fatos p assam imaginariamente a possuir significação poética e se transfor m a m e m símbolos.
Na composição épica é fundamental que o e s c ritor cons tr u a suas personagens a partir de uma visão de mundo que apre enda a contraditoriedade d i a l ética deste mundo: somente as personagens, em cuja caracterização cruzam-se os contrários es tarão aptas para conduzirem, eficientemente, a ação n a r r a t i va. Requisitos não alcançados, no parecer de L u k á c s , em obras descritivas, p reocupadas e m transformar homens e m seres e s t á ticos , devido a a p resentação das qualidades humanas uma ao
lado da outra, tornando o h o m e m um "produto acabado" de compo nentes sociais e naturais de várias espécies. Distinção g e r a dora do combate aos esquemas de composições baseadas na d e s i lusão, nos quais se descrevem, psicologicamente, esperanças s u b j e t i v a s .
A temática da desilusão na m o d e r n a literatura burgue sa, segundo afirmações l u c k a c i a n a s , indicia a p r e sença de uma revolta frustrada pela v a l o ração do m é t o d o descri t i v o , o que faz aparecer, de modo superficial, o caráter histórico, fixan do seus efeitos ao invés de sua posição conflitiva. Em contra partida, se o conflito necessidade / l i b e r d a d e é narrado s e g u n do as verdadeiras normas épicas, o esforço humano é enalteci^ do. Mesmo quando a p e r s o n a g e m fracassa, a sua condição humana não deixa de ser valorizada, criando-se desta forma verdadejl ros t i p o s .
No caso, tipo é o resultado de um reflexo daquilo que é central, ou periférico, n u m caráter humano que tenha sua i m agem confirmada no próprio curso da história. Conceito e s te, primordial no enten d i m e n t o do princípio d o m i nador da cria ção artística postulado por L u k á c s , pelo fato de tal p r i n c í pio estar contido na articulação:
"...viva entre a p e rspectiva e o tipo: se tem talento o escritor realista é sempre capaz, analisando a evolução social e h i s tórica, de nela apreender a representar, de acordo com a realidade efetiva, tendências e direções efetivamente reais, se ele a t i n gir a v e r d a d e , nunca é no d o mínio dos a c o n tecimentos sociais e políticos, mas sim on de o essencial é a fixação e a alteração dos modos humanos de c o m p o r t a m e n t o , a sua apreciação, a mutação dos tipos já e x i s t e n tes, a aparição de tipos novos, etc." (12)
A tipificação propor c i o n a uma a b o r dagem analítica da obra de arte, a partir de formas que e x p r i m e m a relação que ela m a n t é m com uma situação histórica determinada, pois o típico contém os traços característicos de cada classe - há b i t o s , gostos, crenças, gestos, maneiras de falar atingindo, por vezes, a independência da vontade de seu criador. Os ti p o s , assim, consti t u e m indivíduos com características bem definidas, capazes de captar os diversos aspectos da realida de h i s t órica de sua época. T o r n a m o grau de realismo da obra de arte o resultado da m e d i a ç ã o entre o herói e a sua p a r t i cipação no processo histórico. Mediação esta, feita i n d e p e n d entemente dos valores ideológicos do autor, que s u b m e r g e m a n te a força da realidade.
Apoiado, na tipicidade, Lukács combate a literatura de va n g u a r d a que, no seu entender, possui c a r ência de tipos d u radouros devido a u tilização de reflexos subjetivos na cons trução do real, com o intuito de torná-los objetivos, crian do uma imagem d e f o rmada da realidade. E m c o n trapartida é considerado como verdad e i r o escritor realista, o o p e rador de críticas ao meio em que vive, o que combate e m prol da paz s o c i a l .
A obra realista, nesta linha teórica é a que, e x p l í cita ou i m p l i c i t a m e n t e , enfoca um período linear e m sua a m plitude, gerando a incompreensão para a arte que elimina as referências a tempo e espaço concretos.
Lukács, contrariamente a Adorno, Macherey e Balibar a valia o realismo artístico pelo conteúdo h istórico/social con tidos nas obras, rejeitando a arte que reflete o real social
por intermédio de experimentalismos formais, e n f i m que, pela linguagem "nova", m a t e r i a l i z a os conflitos da sociedade.
CONCLUSÃO
Nesta conclusão p a r c i a l , acerca da p e s quisa sobre os vários enfoques de realismo, buscar - s e - á um p o s i c i o n a m e n t o te órico capaz de avaliar a parcela escolhida da o b r a claricea- na — os contos de sua produção da fase madura. Na verdade, a m e t a é detectar as reais buscas e afirmações comunidades pe la autora, considerando a relação real versus real f i c c i o n a l , conforme teorizam: Balibar, Macherey e A dorno que a presentam como "ponto teórico e m comum" a a b o r d a g e m do realismo literá r i o .
Pode-se apontar os teóricos citados como integrantes de uma corrente m a r xista de modelo denom i n a d o sócio-econômico (a qual não deixa de considerar o estudo da arte como ideolo g i a ) , colocando que a organi z a ç ã o da e c o nomia em geral é v i s ta como determ i n a d o r a das formas de o r g a n i z a ç ã o material da produção artística. Onde a forma é estabelecida, primordial^ mente, como conteúdo cristalizado, enquanto que o realismo li_ terário de hoje está contido em obras resultantes de renova ções formais, como é o caso da o b r a de Clarice Lispector que, apesar de ser h e r m ética e escolher cuidadosamente fórmulas e técnicas narrativas que v a l o r i z a m a linguagem e m si mesma, consegue colocar-se criticamente diante do real.
Assim, o posicionamento analítico se direci o n a r á c o n trário ã corrente de modelo ideológico, seguida por Lukács e discípulos, a qual, ao apregoar as relações de produção como determinantes das representações artísticas encaradas como for ma particular de representação ideológica, avalia o realismo das obras pelo grau de visão de mundo do autor, revelando o aspecto c o n t e u d í s t i c o . Segundo este critério a v e r o s s i m i l h a n ça do conteúdo da obra de arte é e v i d e n c i a d a como critério pri meiro para classificar o realismo.
Em síntese, o rol de críticas lukacsianas ao realismo contemporâneo fundamenta-se e m dois pontos chaves:
1 - falta de p e rspectiva desta literatura; 2 - carência de personagens típicos.
Lukács considera a visão de mundo que serve de esteio a toda literatura de vanguarda, despro v i d a de p e rspectivas uma vez que, utilizando vias do s u b j e t i v i s m o , d e m o nstra o caos, a dissol u ç ã o do mundo e dos homens. A p e r s p e c t i v a indica, às personagens criadas pela arte, o sentido de sua evolução, fa tor que p ossibilita ao escritor, tornar-se e quilibrado na e s colha dos pormenores.
Quanto ao valor da tipicidade como aspecto integrativo da obra, pode-se, inicialmente, colocar que, a verdade da criação artística está na fixação e na alteração "de modos hu manos de comportamento e uma mutação de tipos." A criação de tipos duradouros é estabe l e c i d a como condição fundamental p a ra a obra literária exercer influências ao longo de períodos.
E m contrapartida, os defensores do m odelo sõcio-econô- mico fundam e n t a m suas estéticas, na valori z a ç ã o de aspectos
negados por Lukács e na aceitação do patológico e do p e r v e r so (constantemente presentes na arte moderna como fatores existentes s o c i a l m e n t e ) , b e m como a renovação formal e n t e n d i da como critério responsável para tornar a obra crítica, v i £ to que a forma impõe â arte um caráter de "artefato", de p r o duto humano, sendo resultado do trabalho do homem. Adorno, en
fatiza, que arte é uma reação ã sociedade e, d esta forma, as obras a b a r c a m o real com mais exatidão q uanto mais se p erdem para o mundo.
Ao se t ransportar tais critérios teóricos para a produ ção literária de Clarice Lispector, percebe-se que o valor do conteúdo de verdade de uma obra literária não é determina do pela fiel imitação da realidade, mas pela m a n e i r a que as situações h i s t ó r i c as/sociais são captadas e transmitidas. l£ to porque a realidade inscrita nas obras c o n s t i t u e m a amos t r a g e m de indivíduos pressionados pelo sistema social, instau rando relações diferenciais entre o signo e as coisas signifi^ c a d a s , na qual as situações oníricas p assam a ser analisadas como situações realistas. Da aparência de identidade se r e v e la a não identidade o p e r adora de uma crítica ideológica. Daí a necessidade de ler o texto e o inconsciente do texto ( o "não dito" proposto por M a c h e r e y - o significado que emanadas formas e técnicas e struturais de uma o b r a literária) indicado no texto e através dele. Assim, a análise crítica deve inst.i tuir um conhecimento novo, que acrescente algo à realidade do qual se origina.
E m decorrência, a p r o p o s t a para uma leitura analítica fundamenta-se na concepção de obra de Macherey, na qual esta p rovém de outras obras que p o d e m pertencer a outros setores
da produção, vindo deste modo, estabelecer o grau de v e r a c i d a de de sua leitura pela capacidade de captar a m u l t i p l i c i d a d e de elementos que a constituem. Enfim, Macherey propõe deter minar:
"...essa ausência sobre a qual se forma uma complexidade." (13) (grifo nosso)
De forma, que os conteúdos teóricos serão trabalhados no sentido de e s t a b e l e c e r e m condições de revelar os silêncios de Clarice como uma escritora com idéias e e x p eriências do seu tempo, conforme os passos apontados abaixo:
- q u anto a linguagem, o b s ervar-se-á o uso de recursos como: repetição, metáfora, composição de focos narrativos de 13 e 33 pessoas, adjetivação, paródia, ironia, que a c e n t u a m a visão de mundo do autor;
- nas análises buscar - s e - á ver como a p a recem ficcionalmente os valores ideológicos das classes dominantes;
- e m termos de totalidade e complexidade (da obra e do refe rencial) verifi c a r - s e - á a razão das ambiguidades semânticas e sintáticas como decorrentes de um p r o cesso de t r a n s f o r m a
ção das p e r s o n a g e n s , após u m episódio que interrompe a roti na. Essa interrupção, que outros críticos como Affonso Roma no de Sant'Ana e Benedito Nunes c hamam "epiifania" , faz com que a ficção seja v ista como uma realidade segunda, c r i a d o ra de um mundo questionado.
E m suma, procu r a r - s e - á verificar que a obra, dispondo destes recursos num nível elaborado (reno v a d o ) , torna-se a t u ante, de modo crítico, sobre a realidade que aborda. Pode-se
então, mostrar que Clarice, sobretudo trabalhando a forma,não se distancia de um compromisso com a contestação da r e a l i d a de .
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS EXPLICATIVAS
(1) ADORNO-, Theodor W. F i l o sofia da Nova M ú s i c a . C o l . Estu dos, São Paulo, Perspectiva, 1974, p. 38.
(2) . Notas de Litera t u r a I . Col. Biblioteca Tempo Universitário, n9 36, Rio de Janeiro, Tempo B r a s i l e i ro, 1973, p. 51.
(3) Idem, Ibidem., p. 66. (4) Idem, Ibidem., p. 70.
(5) Idem, F i l o sofia da Nova M ú s i c a . Col. Estudos, São Paulo, Perspectiva, 1974, p. 41.
(6) GUIMARÃES, Fernando. L i n g u a g e m e I d e o l o g i a . Col. C i v i l i zação Portuguesa, n? 14, Lisboa, Editorial Inova, 1972, p. 27.
(7) MACHEREY, Pierre. Para uma teoria da p r o dução l i t e r á r i a . Col. Teoria, n9 4, Lisboa, Editorial Estampa, 1971 , p. 52.
(8) Idem, Ibidem, p. 52. (9) Idem, Ibidem, p. 73.
(10) Idem, Ibidem, p. 163.
(11) LUKÁCS, Georg. "El Reflejo artistico de la realidad". In: Problemas del r e a l i s m o . Mãxico, Fondo de C u ltura Economica, 1966, p. 22.
(12) . Realismo Crítico H o j e . Trad. E r mínio R o d r i gues, Brasília, Coordenada - Editora de B r a s í l i a Ltda. 1969, p. 92.
(13) MACHEREY, P i e r r e . Para uma teoria da produção l i t e r á r i a . Col. Teoria, n9 4, Lisboa, Editorial Estampa, 1971, p. 97.
2.1. Feliz Aniversário
Feliz A n i v e r s á r i o , conto escrito sob o ponto de vista da terceira pessoa e com a onisci ê n c i a do narrador, se e s t r u t u r a no sentido de o perar u m questi o n a m e n t o de classe média, e m seus valores e perspectivas.
As relações sociais são encaradas como inter-individu- ais e centradas numa família cujas bases educacionais são, francamente, p a t r i arcalistas e autoritárias.
Constitui, em linhas gerais, um q uadro das variações ideológicas burguesas nos estratos sociais, que vão da p e q u e na ã alta burguesia.
0 aniversário da mãe de uma família n u m erosa e d e s i n tegrada, afetivamente, tematiza o conto, e a p artir de tal fato, Clarice, expõe o desajuste familiar p roveniente de fato res sociais e econômicos que afastam e r ompem com os "laços de família."
negrito, artifício mecânico que o pera com a função de i n d i cador do assunto a ser desenvolvido: o enfoque da célula bás:L ca da estrutura social, num momento e m que d e v e r i a haver e m p a tia entre seus membros: "o aniversário da mãe".
A aniversariante é homenageada no 899 aniver s á r i o por constituir o núcleo da célula familiar mas, c o n t r a d i t o r i a m e n te, é o b j e t u a l i z a d a por sua família, no d e c orrer das f e s t i v i dades .
A contradição é marcada, t e m p o r a l m e n t e , na narrativa: a aniversariante foi colocada na mesa por sua filha (Ziida - dona da casa onde t r a n s c o r r e r i a a c o m e m o r a ç ã o ) , duas horas an tes do horário marcado para a chegada dos convidados e lã fi cou até a hora d erradeira da festa. Fator que d e s m a s c a r a a produção ideológica burgu e s a q u e , ao b uscar valores ascenden tes p a s s a considerar o ancião como um objeto, e s t a b e l e c e n d o , para com ele, relações reifiçadas (res = coisa) por se s i t u ar no p e ríodo descendente da vida.
"Os m ú s culos do rosto da anive r s a r i a n te não a i n t erpretavam m a i s , de m o d o que n i n g u é m p o d i a saber se ela estava alegre.Es tava era posta â c a b e c e i r a . Tratav a - s e de uma v e l h a grande, magra, impotente e morena. Parecia o c a."(l) (grifos nossos)
A d ecrepitude física da velhice é transp o r t a d a para o interior d a personagem, a velha "parecia oca", b e m como, a utilização dos verbos estar e ser e da p a lavra p o s t a , que con cr e t i z a m uma individualidade imposta.
Ao velho resta a solidão, já que as bases p a t r i a r c a i s burguesas são fundamentadas nos valores de posse, d e t e r m i n a dos pela produção. 0 indivíduo não p r o d utivo é marginalizado,
a ponto de se constituir numa "anti-propriedade", como é o ca so da anciã de Feliz A n i v e r s á r i o , que é rejeitada pela fam_í lia:
"Zilda ainda ia dar trabalho e e m p urrar a ve lha para as noras." (2)
Assim, os significados textuais r e m e t e m p a r a o sistema capitalista, embrutecedor dos indivíduos de forma a fazê-los rejeitar produzir, e m função de a l guém que não p roporciona possibilidade de retribuir o oferecido.
Em cada sub-núcleo, constitutivo da família da aniver sariante, é p erceptível a reação negativa ante o velho, de acordo com as nuances que a ideologia sofre e m cada e s t r a t o , visto que o texto recria o real de modo a subdividir a burgue sia e m níveis s ó c i o - e c o n ô m i c o s .
A linguagem ficcional é carregada de humor "negro", e po r si só induz o leitor a o p erar uma crítica ao social, reve lando o "não dito" formulado por Mache r e y que constitui, em síntese, os significados provenientes de recursos formais c a racterísticos do texto em questão.
0 recurso da ironia c aracteriza a lingu a g e m dos t r e chos onde se pode confirmar a m u d a n ç a do significado do "en contro e m d i a de aniversário."
"As crianças foram saindo alegre s , c o m o apetite estragado. A nora de O l a r i a deu u m cascudo de vinga n ç a no filho alegre d e mais e já sem gravata." (3)
"Todos sentindo o b s curamente que na d e s p edida se p o d e r i a talvez, agora sem per_i , go de compromisso, ser bom e dizer aquela p a lavra a mais que palavra. Eles não sabiam p r o p r i a m e n t e , e olharam-se sorrindo , m u dos . " (4)
já mais no escuro d a rua, p e n savam se a v e l h a resistiria mais um ano ao ne rvoso e à impaciência de Zilda, mas eles si nceramente nada p o d i a m fazer a respeito: "Pelo menos noventa anos," pensa m e l a n c ó l i c a a nora de Ipanema. "Para completar uma data bonita," p e n s o u sonhadora." (5)
0 s ignificado d o "aniversário" para a família c o n t r a diz e d e s m i s t i f i c a o v a l o r apreg a d o no ideário burguês pelo mo do c o m que C l arice a l tera os valores do "ato de presentear": - os presentes oferecidos à aniversariante são ambicionados pe
la "dona da casa" que, com eles, visa abater os gatos f i n a n ceiros empreendidos na festa;
- os p r e s enteadores não a d e q u a r a m os presentes às necessidades da aniversariante, d e n o tando uma não p r e o c u p a ç ã o em doar a l go que lhe pudesse p r o p o r c i o n a r prazer, rompe n d o a tradição de homen a g e a r materialmente, conforme os preceitos a c e n t u a dos pelo consumismo capitalista;
- o ato de presentear ê d e s m a s c a r a d o como uma obrigatoriedade p r o v e n i e n t e de c o n d i c ionamentos b u r g u e s e s .
0 r e l a c i o n a m e n t o dos filhos, noras e netos para c o m a v elha i displicente.
Zilda, única filha m ulher da aniversariante parecer ser da classe média, os índices são: o local de m o radia (Copacaba na e a "empregada doméstica."
à Zilda, cabe abrigar a mãe. P o n t o e m q u e ressurge a idéia d a e s truturação de uma família patriarcal, onde a mulher exerce o papel de p r opriedade do pai e dos irmãos e, posterior mente, do marido. Como propri e d a d e dos irmãos lhe ê destinado o "fardo" d e conviver c o m a mãe. Fardo, porque a mãe, como uma anciã, é improdutiva.