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A VELHICE NA OBRA DE CLARICE LISPECTOR

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS

CARLA CASARIN LEONARDI

A VELHICE NA OBRA DE CLARICE LISPECTOR

Uma análise da senilidade em quatro contos

Projeto de pesquisa a ser desenvolvido junto ao Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade de São Paulo, apresentado à Fapesp para solicitação de bolsa de Iniciação Científica.

Orientadora responsável: Professora Doutora Yudith Rosembaum

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo apresentar um projeto a ser desenvolvido como Iniciação Científica em Literatura Brasileira. Nele, busca-se elencar as principais ideias e esboçar alguns aspectos analíticos a serem desenvolvidos na pesquisa proposta: analisar como a velhice da mulher é trabalhada em quatro contos de Clarice Lispector, sendo eles “Feliz Aniversário” (1960), “Os Laços de Família” (1960), “O Grande Passeio” (1971) e “A Partida do Trem” (1974). Para isso, a ideia é observar conto a conto como a autora constrói as personagens idosas que os protagonizam, entendendo o lugar que ocupam em cada contexto e, num momento posterior, destacar reiterações, recorrências e singularidades mobilizadas em cada narrativa. A partir desse ponto, será possível observar em que medida o tema da velhice e a forma com que Clarice Lispector o trabalha se relacionam com a sua obra como um todo – bem como depreender uma visão da própria condição humana no processo de envelhecimento – acrescentando novas visadas à fortuna crítica da autora.

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SUMÁRIO

1. Introdução e justificiativa...4

2. Objetivos...7

3. Plano de trabalho e cronograma de execução...8

4. Material e métodos...9

5. Forma de análise dos resultados...21

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1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA

Clarice Lispector é uma autora cujo universo remete a questões metafísicas, sócio-históricas, psicológicas e a textos considerados de alta complexidade. Desde a sua estreia na cena literária dos anos 1940 com a publicação de Perto do Coração Selvagem (1943), que abalou público e crítica, a autora é alvo de pesquisas e trabalhos que tentam entender e classificar sua obra – classificações das quais a autora sempre fugiu.

Com personagens do cotidiano e um talento de narrativa que impulsiona o leitor a ultrapassar as primeiras camadas do texto, deixando sua confortável posição de receptor para mergulhar nas inquietações provocadas pelas entrelinhas, Clarice Lispector passeou por diversos temas ao longo de sua carreira, dando grande destaque ao universo feminino. Privilegiando personagens marginais, ela deu vida a mulheres como Joana, Macabéa, G.H., Ângela Pralini, entre tantas outras personagens marcantes e, ao abordar a velhice da mulher, mais uma vez não abriu mão de descrever e narrar aquilo que é escondido pela sociedade por não ser considerado belo – e é esse o tema que dá origem a este projeto.

Envelhecer no mundo ocidental é, muitas vezes, tornar-se inútil aos olhos dos outros, num contexto em que a velhice permanece escondida na sociedade e nos cantos da vida, assim como Mocinha, a protagonista de “O Grande Passeio”, do livro Felicidade Clandestina (1971).

Publicado pela primeira vez em A Legião Estrangeira (1964) sob o título “Viagem a Petrópolis”, o conto retrata de maneira quase terna a condição de uma velhinha que vive num quarto dos fundos e que tem uma existência tão pequena que é quase despercebida pela família que lhe dá abrigo. Esse conto, assim como “Feliz Aniversário” e “Os Laços de Família”, ambos publicados no livro Laços de Família (1960), e “A Partida do Trem”, publicado em Onde Estivestes de Noite (1974), compõem o corpus da pesquisa aqui proposta.

Com o objetivo de analisar os textos escolhidos não com a intenção de classificá-los, mas de observar a maneira com que Clarice retratou a velhice em cada um deles, propõe-se uma pesquisa que tem

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5 por fim situar a senilidade da mulher na obra de uma autora que deu tanto destaque a figuras que vivem à margem da sociedade. “Gosto de um modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno voo e cai sem graça no chão”, escreveu certa vez1.

Com um olhar muito especial a essas existências que vivem à sombra, a autora criou personagens que, a despeito de sua pouca importância aparente, acabaram de certa forma iluminando os seres ao seu redor2. Assim, partindo das dificuldades que uma mulher idosa enfrenta, outras personagens foram

minadas pelo olhar de Clarice, trazendo ao nível do discurso questões como a vaidade e a falta de empatia. Cabe ressaltar ainda a relação entre o tema da velhice e o próprio fazer literário. Clarice, que não se considerava escritora profissional3 por escrever apenas quando se sentia inspirada (BORELLI, 1982), sempre esteve muito ligada ao tempo da espera, principalmente a espera pela história que escreveria. “Meu trabalho vem às vezes em nebulosa sem que eu possa concretizá-lo de algum modo. Passo dias ou até anos, meu Deus, esperando. E, quando chega, já vem em forma de inspiração. Eu só trabalho em forma de inspiração” (BORELLI, 1982, p. 81). Essa ideia de tempo, certamente relacionada à passagem da vida, será estudada durante o desenvolvimento da pesquisa. Por ora, vale destacar em tradução livre o que apontou Margara Russotto sobre o assunto em Música de Pobres:

Em Clarice (...), percebemos que o propósito de narrar está separado da transmissão, em razão da situação precária da narradora em relação às condições de sua própria produção. Quais são os sinais dessas condições? Vejamos. Em primeiro lugar, o isolamento e a espera; espera do regresso dos filhos, de que surja uma boa história para contar, do instante que passa. Em segundo lugar, um espaço de incomunicação e de solidão: em uma mesa improvisada, talvez na cozinha, levantando-se de vez em quando para cumprir as ações mais fúteis (RUSSOTO, 1989, p.82).

1 Clarice Lispector escreveu essa frase na introdução do conjunto de textos “No fundo da gaveta”, que integrava a edição

original do livro A Legião Estrangeira (1964).

2 Desde tenra idade, Clarice já lidava com vicissitudes particulares. Vinda da Ucrânia com a família, que fugia da guerra, e

enfrentando situações como a doença da mãe, é possível perceber, a partir da biografia da autora e de sua produção escrita, que a sua empatia com a situação de exclusão e com o sofrimento alheio tiveram significativas ressonâncias literárias. “Sempre tentou de alguma maneira solidarizar-se e compreender o sofrimento do outro, coisa que acontecia na medida da necessidade de quem a recebia. O problema social a angustiava” (BORELLI, 1982, p. 14-15).

3 Na crônica “Por detrás da devoção”, Clarice lembra o dia em que sua empregada Aninha pede um livro dela para ler e,

contrariada, a autora conta: “(...) pois não desejava atmosfera de literatura em casa, fingi que me esqueci” (LISPECTOR, 1999, p.36).

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6 Além da questão da espera, é importante lembrar também o sentimento de pertencimento como algo vital, tão presente na obra da autora4. Ao escrever sobre a velhice, Clarice falou sobre a exclusão de um grupo que, anulado na sua condição de detentor de um saber, não faz mais parte da sociedade produtiva, não pertence mais a ela.

Diante da perda de juventude e dos laços de pertença, o indivíduo se volta para sua interioridade na busca da algum sentido da vida. Assim, pelo esvaziamento da troca afetiva, é levado a permanecer num mundo interior, ideia a partir da qual é possível estabelecer um problema: o estudo de como as narrativas nos apresentam esse universo interno. Se vivemos a partir da alteridade, como as personagens idosas de Clarice se situam no mundo, uma vez que não vivenciam mais a relação com o outro?

Aqui, cabe citar um trecho de Passo e Compasso: nos ritmos do envelhecer (2003), que tão bem aborda esse assunto:

Certamente são os sentimentos de pertencer e de continuidade que as suas protagonistas idosas procuram em contos como “Feliz Aniversário”, “Viagem a Petrópolis”, “Ruído de Passos”, “Mas Vai Chover”, “A Partida do Trem”, “À Procura da Dignidade” e “Os Laços de Família”. Em todas estas narrativas, as senhoras idosas se sentem desconexas e descompassadas (...). Estas histórias se manifestam como emblemas da experiência dos idosos e dos seus sentimentos de alienação e de diferença. Aqui a ausência de rituais significativos, da compaixão humana, e do pertencer grupal conota concomitantemente a ausência de continuidade e de identidade nos idosos e em geral significa a não aceitação da diferença social (BARBOSA, 2003, p. 256).

A partir desses primeiros pontos, portanto, será iniciado um trabalho que se justifica pela importância de percorrer um território ainda não esgotado pela crítica de um assunto de relevância social – a senilidade – que projeta luz sobre o conjunto da obra de Clarice Lispector, ao articular estilo, temática e alcance sociopsicológico na realidade brasileira dos anos 1950 e 1960 aos dias atuais.

4 Na crônica “Pertencer”, publicada originalmente no Jornal do Brasil, em 1968, Clarice fala sobre o tema que o próprio título

sugere. No texto, ela conta que foi gerada como tentativa de salvar a mãe, então doente, mas que o plano não deu certo. “Nasci de graça. Se no berço experimentei esta fome humana, ela continua a me acompanhar pela vida afora, como se fosse um destino” (LISPECTOR, 1999, p.110), diz ela sobre a vontade de pertencer.

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2. OBJETIVOS

Os objetivos gerais da pesquisa proposta neste projeto são, inicialmente, contribuir para a fortuna crítica de Clarice Lispector, trazendo novos olhares para as áreas de estudo que abordam como as personagens marginais foram retratadas na produção literária da autora.

Já os objetivos específicos e principais da pesquisa são analisar os quatro contos escolhidos, depreendendo como se dá a construção das protagonistas idosas, do ambiente que ocupam, como se relacionam com os outros personagens, bem como quais são os procedimentos linguísticos e estéticos que dão forma à expressão da velhice.

Partindo dessa análise, será possível entender como se estabelece a relação entre a exterioridade e a interioridade dessas personagens, observando como se dá o acesso ao mundo interior de cada uma delas. Objetiva-se, ainda, analisar a estrutura narrativa de cada conto, tomando como base noções como espaço, perspectiva, foco narrativo e temporalidade – este, fundamental quando se trabalha a questão da velhice.

A partir desses objetivos iniciais, pretende-se observar em que medida se dá o diálogo entre os contos analisados e, avançando um pouco mais na pesquisa, entre eles e outras produções literárias de Clarice, confrontando ainda essa análise com outras que trabalham o mesmo tema. Por fim, pretende-se situar essa pesquisa num contexto mais amplo, relacionando-a ao seu processo de escrita – assunto tão problematizado em sua obra – acrescentando novas visadas à fortuna crítica da autora.

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3. PLANO DE TRABALHO E CRONOGRAMA DE SUA EXECUÇÃO

Ao estabelecer um plano de trabalho, é importante lembrar que a pesquisa começa pela releitura da bibliografia básica, ou seja, dos quatro contos de Clarice Lispector definidos para análise: “Feliz Aniversário” (1960), “Os Laços de Família” (1960), “O Grande Passeio” (1971) e “A Partida do Trem” (1974) e os demais contos incluídos nos respectivos volumes. Para cada um, será essencial buscar outras obras de referência para que a reflexão sobre eles seja mais profunda e completa (algumas dessas obras serão especificadas no capítulo seguinte). Ao longo das leituras, será então possível estabelecer um norte mais definido para o desenvolvimento do trabalho, pensando como ele será estruturado e, enfim, escrito.

Por ora, é possível estabelecer um cronograma de execução da pesquisa, considerando início da bolsa FAPESP em setembro de 2018 e término em setembro de 2019, lembrando que ele estará aberto a eventuais mudanças, respeitando sempre os prazos estabelecidos pela Fundação:

Atividades/Meses (2018/2019) Set Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set

Levantamento bibliográfico x x Leitura da obra crítica x x x Leitura dos ensaios teóricos x x x Análise dos contos x x x x x x Desenvolvimento dos primeiros capítulos x x x x x x Elaboração Relatório Científico de Progresso x Elaboração do texto escrito x x x x x x x x x x x Revisão e finalização para entrega x x Apresentação do Relatório Científico Final x

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4. MATERIAL E MÉTODOS

Definidos os objetivos da pesquisa, destacam-se agora os principais métodos para o seu desenvolvimento. A proposta é analisar os contos separadamente, observando o enredo, as principais características de cada personagem idosa, o ambiente que ocupam, o grau de consciência de sua condição, a representação das vozes discursivas, a interpenetração da focalização externa e interna, além de jogos de imagem, metáforas e outros aspectos que se mostrarão importantes dentro do repertório da estilística típica de Clarice Lispector.

Num momento posterior, após a leitura analítica de cada conto, será observado se há aspectos que se repetem e se destacam, e quais são as principais diferenças entre as personagens e as narrativas estudadas. Para exemplificar como o trabalho será desenvolvido, vale fazer uma breve síntese dos contos escolhidos apenas como um ponto de partida da pesquisa proposta.

“Feliz Aniversário” e a voz interior

O primeiro conto a ser trabalhado é “Feliz Aniversário”, do livro Laços de Família (1960). Como o próprio título sugere, trata-se de um aniversário: a comemoração dos 89 anos de D. Anita, uma senhora que observa calada e impassível a reunião da família. A idosa mora em Copacabana, no Rio de Janeiro, com a filha Zilda.

A narrativa começa com a chegada de alguns parentes, como as noras de Olaria e de Ipanema (interessante perceber como elas são classificadas pelo bairro onde moram, como se não apresentassem traços mais interessantes que esse para uma classificação). Outro ponto que chama a atenção é a descrição do espaço e da decoração da festa. Enquanto as cadeiras da sala estão dispostas de forma circular, como se ali fosse haver dança, o espaço é composto por balões e papeis coloridos, tal qual numa festa de criança. Pode-se entender que a infantilização do ambiente corresponde à infantilização de D. Anita, cuidada,

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10 banhada e vestida pela filha, que “(...) borrifara-lhe um pouco de água-de-colônia para disfarçar aquele seu cheiro de guardado” (LISPECTOR, 2016, p.180).

Nos primeiros parágrafos do conto, a idosa é caracterizada como uma figura que não reage a nada do que está acontecendo, como se estivesse alheia ao momento presente. “Parecia oca” (LISPECTOR, 2016, p. 181), calada à cabeceira da mesa. Entretanto, se é essa a percepção que os convidados têm de D. Anita, pouco a pouco vamos tendo acesso ao seu mundo interior.

Ao mesmo tempo em que a narrativa dá sinais de que os parentes estão ali por uma obrigação familiar – destacando-se o falso entusiasmo de José, um dos filhos, que canta os parabéns de maneira eufórica e repete a idade da mãe, num esforço de encontrar palavras mais adequadas – de maneira progressiva os pensamentos da protagonista vão sendo revelados.

Descrita como forte na juventude, questiona-se como dera à luz seres tão fracos e a cólera assume um movimento ascendente que finalmente atinge o seu ápice. A idosa cospe no chão, constrangendo sobretudo Zilda, que se sente culpada e cobrada pelo “mau” comportamento da mãe, retomando a infantilização da idosa e a inversão de papeis entre mãe e filha, entre quem cuida e quem é cuidada.

Dessa forma, é possível perceber que da posição impassível que a protagonista ocupava até então, ela passa de forma abrupta para uma posição ativa, causando espanto nos convidados acostumados a sua pouca existência. Ao pedir um copo de vinho, explode: “Que o diabo vos carregue” (LISPECTOR, 2016, p. 186), passando para o nível do discurso a posição que ocupa na mesa, à cabeceira, e também na família, enquanto matriarca. Entretanto, a despeito dessa tomada do discurso, D. Anita mergulha novamente no seu mundo individual e alheio. “Será que ela pensa que o bolo substitui o jantar, indagava-se a velha nas suas profundezas” (LISPECTOR, 2016, p. 186), de volta a si mesma.

Ainda sobre os convidados da festa, vale destacar a presença de Cordélia. Única nora retratada pelo nome, ela se diferencia das outras personagens. Mãe do único neto que a idosa considera “carne de seu coração” (LISPECTOR, 2016, p. 185) é, ao longo do conto, retratada como alguém que presta atenção em D. Anita. Com um olhar que permeia pena e medo, Cordélia parece assumir um movimento de

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11 entendimento na narrativa, como se compreendesse o que é envelhecer. E viver. “Cordélia olhou-a espantada. O punho mudo e severo sobre a mesa dizia para a infeliz nora que sem remédio amava talvez pela última vez: É preciso que se saiba. É preciso que se saiba. Que a vida é curta. Que a vida é curta” (LISPECTOR, 2016, p.189).

Por fim, é interessante ressaltar o tom fúnebre que está no pano de fundo dessa história, como uma reunião à espera da morte que, pela impaciência e má vontade dos familiares, já se faz demorada para eles. Essa questão será retomada na comparação entre os contos.

“Os Laços de Família”: contato revelador

“Os Laços da Família” foi publicado em um livro quase homônimo ao conto, Laços de Família (1960). A história começa com Catarina e sua mãe, Severina, dentro de um táxi que parte em direção à estação de trem, dando fim a estadia da idosa na casa da filha.

Já no banco de trás do táxi, Catarina se lembra da cena de despedida entre seu marido, Antônio, e sua mãe. Talvez pela implicância socialmente esperada entre genro e sogra, fica claro no conto que o tempo de Severina na casa da filha foi vivido de forma custosa a Antônio. Catarina, retratada como uma personagem cuja expressividade se faz pelos olhos estrábicos, controla-se para segurar o riso, que acaba escapando, “(...) e o riso saía pelos olhos” (LISPECTOR, 2016, p. 219). Essa personagem é retratada ainda como uma filha paciente com os costumes e manias da mãe, que a todo momento se pergunta se não está deixando nenhuma bagagem para trás.

Sobre esse assunto, é interessante observar como falar sobre as malas e um possível esquecimento preenche um vazio entre mãe e filha, que aparentemente já têm pouco o que conversar e cuja relação revela certo estranhamento. Durante o caminho, o carro sofre uma freada abrupta, levando as duas personagens uma contra a outra. Nesse momento, todas as tentativas de tornar aquela situação mais palatável se esvaem e, a partir daquele clímax, uma se vê obrigada a notar a existência da outra, sobretudo a filha, que passa a reparar em Severina. “Catarina viu então que sua mãe estava envelhecida” (LISPECTOR, 2016, p. 220).

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12 O toque entre os corpos e o contato visual parecem iluminar laços estirados pelo distanciamento, pelos anos e pela falta de convivência, o que acaba gerando, num primeiro momento, certo mal-estar entre as personagens. “Catarina olhava a mãe, e a mãe olhava a filha, e também a Catarina acontecera um desastre? Seus olhos piscaram surpreendidos, ela ajeitava depressa as malas, a bolsa, procurando o mais rapidamente remediar a catástrofe” (LISPECTOR, 2016, p. 220).

Mas que catástrofe era essa, afinal? Talvez, as sensações advindas daquele contato de poucos segundos? “Catarina foi lançada contra Severina, numa intimidade de corpo há muito esquecida, vinda de um tempo em que se tem pai e mãe” (LISPECTOR, 2016, p.220). Pode-se entender que não se trata de ter, de fato, pai e mãe, mas de tê-los enquanto protagonistas de suas funções na paternidade e na maternidade, o que o passar dos anos acaba por esvaziar.

Imediatamente após o choque, Catarina e Severina procuram conversar sobre coisas amenas, voltando a atenção mais uma vez às bagagens. Só voltam a se olhar quando as malas são colocadas no trem e Catarina chama “mamãe”, de forma infantilizada, como se aquele contato com Severina tivesse despertado nela laços há muito tempo adormecidos. Como se ela tivesse se lembrado, ali, que aquela era uma figura materna, a sua figura materna.

Quando o trem parte, mais uma vez elas se chamam e têm a sensação de que algo ficou esquecido, mas então já era tarde demais. Sob a desculpa de se questionar sobre o possível esquecimento de um objeto ou de uma mala, as personagens parecem remeter a um outro tipo de ausência – a do afeto, talvez? Ou dos laços que parecem, por alguns segundos, possíveis de serem religados, mas que acabam por continuar como estavam?

Ao voltar para casa impactada pelo que acabara de acontecer, Catarina observa o filho e leva-o para passear, apenas os dois, como se ainda sob os sentimentos gerados por aquele encontro físico com sua mãe ela sentisse a necessidade de formar laços com a sua criança, não deixando espaço para nenhum estranhamento. Por fim, vale apontar que não conseguimos acessar os pensamentos de Severina, cujo

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13 mundo interior permanece desconhecido. Embora já com uma idade avançada, ela aparenta ter certa autonomia, preserva uma vaidade e ainda demonstra ter um tato social.

“O Grande Passeio” ou a voz silenciosa

Publicado pela primeira vez no livro A Legião Estrangeira (1964) sob o título “Viagem a Petrópolis”, o conto de Clarice Lispector que narra a história de Margarida, uma “velha sequinha que, doce e obstinada, não parecia compreender que estava só no mundo” (LISPECTOR, 1998, p.15), foi republicado sete anos depois em Felicidade Clandestina (1971), então intitulado “O Grande Passeio”.

Margarida, cujo apelido era Mocinha – estabelecendo um evidente contraste com a idade da protagonista – é uma idosa que foi levada do Maranhão para o Rio de Janeiro, onde seria internada num asilo, mas acabou permanecendo numa casa em Botafogo. Lá, era constantemente ignorada pela família que vez ou outra se surpreendia por ela ainda estar ali, onde ocupava um quarto dos fundos.

Narrado por uma voz que desde o início se compadece com a vida de Mocinha, o conto trata das dores que vêm com a idade e que machucam o corpo e o coração. Se por um lado destacam-se os problemas físicos da personagem, por outro, é o desprezo com que ela é tratada pelos que a dão abrigo que mais comove durante a leitura. O fato de Mocinha viver num quarto dos fundos, por exemplo, pode ser entendido como um símbolo dessa negligência: o cômodo que tem o tamanho exato de sua existência.

“Sobretudo uma das moças da casa sentia um mal-estar irritado, a velha enervava-a sem motivo. Sobretudo o sorriso permanente, embora a moça compreendesse tratar-se de um ricto inofensivo” (LISPECTOR, 2016, p.16). É por essa irritação e pela sensação de “dever cumprido” para com a idosa que a família decide mandá-la para Petrópolis, aonde chegaria de surpresa para evitar o risco de ser rejeitada e ter que voltar para a casa de Botafogo.

Com a notícia da viagem, Mocinha sentiu. Aparentemente, a protagonista do conto há muito nada sentia. A excitação era tamanha que era “como se ela tivesse engolido uma pílula grande sem água” (LISPECTOR, 2016, p. 17). Aqui, é interessante pensar se esse momento pode ser entendido como uma

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14 epifania5. Embora não haja uma ruptura súbita, é a notícia do grande passeio que está por vir que a

sensibiliza.

Durante a viagem, a incapacidade da personagem para reagir ao que acontece dentro do carro já começa a indicar o caminho que a história tomará. Não consegue responder, não tem forças para sorrir e acaba dormindo. Ao acordar, não entende o que está fazendo ali e suas antigas memórias começam a se confundir com o presente. Então, recebe instruções de como ir até a casa um homem chamado Arnaldo e do que falar a ele. Assim, a família parece “livrar-se” de um problema, de um estorvo.

Já dentro da casa, a espera por ele é descrita com certo distanciamento pelo narrador, que relata as impressões de Mocinha ao sentir um cheiro do café que até lhe causava vertigem. Ao chegar, Arnaldo diz à idosa que sua casa não é asilo e lhe dá dinheiro para que volte ao Rio de Janeiro. Dessa forma, outra família se livra do estorvo.

Aqui, é interessante pensar como as falas de Arnaldo parecem refletir a opinião de toda uma parcela da sociedade que discrimina a velhice. Ao ser dotado de voz num conto cuja predominância é do discurso indireto livre, ele assume um poder que não é dado à Mocinha, já que ela quase não tem falas. Assim, ao não ter voz no discurso ela também não tem vez na vida.

Mocinha agradece e sai, andando cada vez mais para longe da estação que a levaria ao Rio de Janeiro. “Sorriu como se pregasse uma peça a alguém: em vez de voltar logo, ia passear um pouco” (LISPECTOR, 2016, p. 20) e, ao encontrar um chafariz, sacia-se com a água antes de voltar a andar e encontrar uma pedra onde se senta e morre. A despeito do abandono e da dupla rejeição, Mocinha morre passeando, talvez a única coisa que ela ainda gostasse de fazer. Seria esse, então, “o grande passeio” que dá título ao conto? Ou se pode, de forma mais subjetiva, atribuir a ideia de passeio à morte, à ida para um lugar desconhecido?

5 O conceito de epifania será desdobrado a partir de referências como A Travessa do Oposto, de Olga de Sá,

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15 Como é característico da obra de Clarice Lispector, o conto “O Grande Passeio” é dotado de grande sensibilidade. Por vezes, diz mais por sugestão do que pelas palavras, nos levando a pensar sobre a fragilidade humana a partir de personagens desprezadas e diminuídas pela sociedade.

Nesse sentido, é possível entender que Clarice constrói uma personagem que parece inacabada para a vida. Ao mesmo tempo em que é quase apagada das relações sociais e desaparece num mundo em que não tem voz, também aparenta ser quase destituída de vida interior. Assim, mundo exterior e interior anulam quase completamente a existência de Mocinha, terminando com a morte solitária da personagem.

“A Partida do Trem”: a consciência da senilidade

O último conto escolhido para análise é intitulado “A Partida do Trem” e foi publicado no livro Onde Estivestes de Noite (1974). A história narra a viagem que Dona Maria Rita Alvarenga Chagas Souza Melo faz acompanhada por Ângela Pralini, uma mulher mais jovem e até então desconhecida por ela. Incialmente, vale pensar no sobrenome da protagonista – muitas vezes oculto nas narrativas, ele não só se faz presente como remete a uma posição social de prestígio. Caracterizada como uma senhora bem vestida e repleta de joias, ela dá sinais de ser uma pessoa com uma confortável vida financeira.

A narrativa tem início na estação Central, antes da partida do trem. Quando a viagem começa, Dona Maria Rita, de 77 anos, revela a idade a sua companheira de viagem – embora não tenha sido questionada – e descobre que ela tinha 37 anos.

Ao longo de todo o conto, o leitor vai sendo levado ao mundo interior de Dona Maria Rita, que demonstra claramente o seu desgosto pela senilidade e a absoluta consciência do lugar que passou a ocupar na sociedade ao envelhecer. “Uma velha não pode comunicar-se” (LISPECTOR, 2016, p.451), pensa ela.

Em dado momento da narrativa, as duas personagens contam para onde estão indo. Enquanto Ângela segue para a fazenda dos tios, Dona Maria Rita, que “permite” a Ângela chamá-la por “Maria Ritinha”, possivelmente tentando se fazer agradável, tem como destino a fazenda de seu filho. “Sou como

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16 um embrulho que se entrega de mão em mão” (LISPECTOR, 2016, p.454), diz, ao contar que está deixando de viver com a filha para passar o resto da vida com o filho.

Aqui, vale retomar a questão da posição social da protagonista. Se por um lado ela tem posses e dá indícios de ser oriunda de uma família “importante”, podendo ocupar, assim, determinada posição social, por outro ela é uma senhora idosa, sofrendo as consequências daí geradas. A partir dessa relação, D. Maria Rita procura encontrar uma compensação. “Sou velha mas sou rica” (LISPECTOR, 2016, p.454), pensava, embora no fundo soubesse que não passava de uma “velhinha qualquer”.

Alta, marga, com um rosto repleto de rugas e com uma boca sem vida. É assim que a idosa é caracterizada, em contraponto à aparência física de Ângela, ainda com o viço da juventude. Entretanto, é importante destacar que, apesar disso, o universo interior de D. Maria Rita dá mostras de estar a pleno vigor. Esse fato, apesar de permitir uma vida mais independente no que concerne às tarefas básicas, parece gerar um estado de sofrimento, na medida em que ela não se reconhece senil, mas se vê tratada como tal. Assim, preocupa-se com a percepção que os outros têm dela e sente vergonha por estar velha. “(...) sou boa de cabeça, não falo sozinha e eu mesma é que tomo banho todos os dias” (LISPECTOR, 2016, p.457), reflete.

Essa capacidade de observação e entendimento ainda faz com que a idosa perceba o lugar que ela passou a ocupar dentro da própria família. A filha com quem morava é retratada como alguém que trata a mãe já idosa de forma mecânica, como parte das obrigações da casa, onde “(...) estavam habituados a ela como um móvel velho” (LISPECTOR, 2016, p. 458). Assim, D. Maria Rita percebe que já não tem nada a fazer no mundo, uma vez que a relação com o outro fica cada vez mais escassa. “Não sei porque, mas ninguém conversa mais comigo. E mesmo quando estou junto das pessoas, elas parecem não se lembrar de mim. Afinal não tenho culpa de ser velha” (LISPECTOR, 2016, p.462), pensa.

Dessa forma, é possível notar que a personagem passa por um esvaziamento contínuo. Ao não se sentir parte de nada, não entende a sua existência, mas também ainda não entende a morte. Para ela, morrer

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17 é um ato de surpresa, que chega de repente – talvez, acreditar nisso seja a forma que a personagem encontra de afastar a ideia de deixar a vida.

Diálogo intratextual e levantamento bibliográfico

Feitas as breves sínteses na perspectiva analítica, cabe agora demonstrar de forma sucinta uma relação entre os contos. Por exemplo, se em “O Grande Passeio” Mocinha parece destituída de vida interior, sem ter consciência de sua situação atual, em “A Partida do Trem”, Dona Maria Rita tem tamanha consciência de sua velhice que parece ter vergonha de ser velha. Orgulha-se por “não babar nem fazer pipi na cama” (LISPECTOR, 2016, p. 461), mas se vê como um peso para a família, que a trata como embrulho entregue de mão em mão.

Já a personagem do conto “Feliz Aniversário” chama atenção por ganhar voz num ambiente em que parecia não ter vez. Assim como Mocinha, fica absorta no mundo que a cerca, mas se diferencia totalmente (nesse aspecto) da personagem de “O Grande Passeio”, ao tomar o discurso – de forma enérgica e aparentemente nova, mas temporária – causando surpresa em seus parentes.

Em “Os Laços de Família”, assim como em “Feliz Aniversário”, destaca-se a questão familiar. Nos dois casos, pode-se observar o efeito do tempo nos laços entre mãe e filhos, estirados pelo distanciamento – distanciamento, tal, que gera até desconforto. O desconforto de lidar com alguém com quem não se convive mais ou, mais do que isso, o estranhamento por não reconhecer mais aquela como uma figura maternal e provedora, mas que agora demanda cuidados e que está fragilizada.

Além disso, é possível observar que há nos quatro contos certa melancolia como pano de fundo das histórias, com a figura da idosa sempre fadada à exclusão. A questão familiar se faz muito importante em todos eles e o prenúncio da morte por vezes parece rondar essas personagens – em “Feliz Aniversário”, por exemplo, tem-se a impressão de uma reunião que precede a morte, na qual a intenção de celebrar a vida se perde. Qual o sentido, afinal, de celebrar aquela vida? Esse aspecto mórbido é construído pouco a pouco pelas imagens que Clarice coloca na voz do narrador: “Dada a primeira talhada, como se a

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18 primeira pá de terra tivesse sido lançada (...)” (LISPECTOR, 2016, p.184), possivelmente fazendo uma referência ao enterro da idosa. “A morte era seu mistério” (LIPECTOR, 2016, p.192), conclui.

Em três contos, podemos observar ainda a percepção da velhice a partir do ponto de vista de outras personagens. Em “Feliz Aniversário”, talvez essa questão apareça de forma mais evidente. Ao encarar a idosa e reparar nela como nenhum outro parente que está por perto, Cordélia parece estabelecer um olhar de cumplicidade, como se entendesse o que estava acontecendo. A nora – a única a ter o nome revelado, indicando a sua importância na narrativa e a sua relação com D. Anita – parece entender o que é a velhice e onde ela coloca as pessoas. Amedrontada por saber que irá passar por esse mesmo processo, ela se dá conta de que a vida é curta. Não necessariamente pela chegada da morte, mas pela perda da juventude.

Essa mesma percepção da velhice pode ser notada em “Os Laços de Família” e “A Partida do Trem”. Enquanto no primeiro conto Catarina, de repente, repara que a mãe está envelhecida, no segundo, Ângela Pralini, ao se sentar próxima à D. Maria Rita, sente medo de envelhecer e morrer. Isso posto, é possível compreender que nos contos trabalhados a figura da idosa ora causa desprezo, permanecendo quase invisível, ora causa repulsa pelo medo que vem de um futuro inescapável para aqueles que seguem vivos.

Com base nessas observações, nota-se certa homogeneidade na forma como Clarice trabalhou o tema da senilidade feminina nesses textos, no sentido de retratar a idosa vista como um ser inerte, sem vontades ou anseios. Vale destacar ainda a questão da velhice como ponto de chegada de uma travessia, remetendo à transitoriedade da vida. Em três dos quatro contos (“Os Laços de Família”, “O Grande Passeio” e “A Partida do Trem”) está presente uma ideia de deslocamento em um ambiente essencialmente urbano – seja por meio de táxi, trem ou carro de família. Apenas em “O Feliz Aniversário”, a idosa permanece centralizada no apartamento da filha, e o deslocamento fica por conta dos parentes. Com base nessa observação, nota-se que a autora flagra nessas narrativas momentos em que o cotidiano se abre para algo inusitado, em que se toma a verdade como um relance.

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19 É tomando como ponto de partida esse estranhamento, gerado pela idade avançada da mulher, e sobre o esfacelamento dos laços familiares que vem com o tempo, que se objetiva iniciar o trabalho de pesquisa e análise.

Para isso, além da releitura dos contos escolhidos, será de grande importância tomar como base uma bibliografia que abranja, por exemplo, a abordagem da mulher na obra de Clarice Lispector, o trabalho da autora relacionado à terceira idade, textos de outros autores importantes da Literatura que escreveram sobre a velhice, biografias da autora, estudos sobre a velhice na nossa sociedade, entre outros que serão especificados na realização da pesquisa.

Inicialmente, vale citar o capítulo “Elementos de compreensão” do livro Formação da Literatura Brasileira (1975), de Antonio Candido, que elucida os modos de aproximação da obra, como ponto de partida para a reflexão que se pretende fazer na pesquisa.

Pensando na biografia da autora, alguns títulos se destacam, entre eles Clarice Lispector: esboço para um possível retrato (1982), de Olga Borelli, Eu sou uma pergunta: uma biografia de Clarice Lispector (1999), de Teresa Monteiro, Clarice, uma vida que se conta (2009), de Nadia Gotlib e Clarice, (2011), de Benjamin Moser.

Embora não se trate de uma biografia, Clarice Lispector com a ponta dos dedos (2005), de Vima Areas, traz uma série de ensaios teóricos também fundamentais para o trabalho. Os Elos da Tradição, de Cleusa Passos, é outra bibliografia fundamental para a pesquisa e, sobre esse texto, cabe apontar que se trata de uma análise comparativa entre o conto “Feliz Aniversário”, de Clarice Lispector, e Rei Lear, de Sheakspeare, importante inspiração para as análises planejadas neste projeto de pesquisa.

Já em relação à estrutura das narrativas, destacam-se O Drama da Linguagem (1995), de Benedito Nunes, sobre o qual vale ressaltar o capítulo “A forma do conto”, o texto O Narrador (1987), de Walter Benjamin e o ensaio “Música de Pobres” (1989), de Margara Russoto.

Além dessas obras, outras se mostram importantes para refletir não apenas sobre a questão da velhice e da exclusão social, mas também sobre a possível relação entre os contos escolhidos e outras

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20 produções literárias. Nesse sentido, vale lembrar o livro Memória e Sociedade (2012), de Ecléa Bosi, Estátuas Invisíveis, de Gilberto Martins, Passo e Compasso: nos ritmos do envelhecer (2003), de Maria José Somerlate Barbosa e A Velhice (1970), de Simone de Beauvoir.

Para pensar na questão da alteridade na obra clariciana, é interessante ressaltar o livro de Daniela Mercedes Kahn, intitulado A Via Crucis do Outro (2005), que trará um olhar interessante para a relação entre o eu e o outro. Da mesma forma, destaca-se o texto Os tantos outros que sou: Clarice Lispector e a experiência da alteridade (1994), de Regina Pontieri, bem como a concepção da alteridade do filósofo francês Emmanuel Levinas6, que se mostra de extrema importância para esta pesquisa.

Por fim, vale citar alguns trabalhos acadêmicos já produzidos sobre a senilidade da mulher na obra de Clarice Lispector, como os artigos “A problemática da mulher de terceira idade em contos de Clarice Lispector: uma leitura de ‘A Partida do Trem’” (2011), de Adriana Figueiredo, “A velhice em ‘Feliz Aniversário’ de Clarice Lispector: abandono, silêncio e epifania”, de Maria Alissandra Araújo de Lima, “Velhice e exclusão social em contos de Clarice Lispector e Mia Couto” de Vima Lia de Rossi Martin, “Será que hoje não vai ter jantar?: o idoso e a experiência do não conhecimento nos contos de Clarice Lispector”, de Luciana Namorato, e a dissertação “Linguagem e melancolia em Laços de Família: histórias feitas de muitas histórias”, de Moacyr Godoy Moreira.

É interessante observar que grande parte dos trabalhos se debruçam sobre contos específicos, não estendendo a análise para um olhar comparativo entre outros contos de Clarice que também trabalham a senilidade da mulher, indicando uma área ainda não esgotada pela crítica literária.

A partir dessa breve seleção bibliográfica, o trabalho de Iniciação Científica será iniciado e, ao longo do percurso, outras referências poderão ser mobilizadas a partir do caminho da análise.

6 Vale destacar títulos como O tempo e o outro (1947), Humanismo do outro homem (1972) e Entre nós: ensaios

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5. FORMA DE ANÁLISE DOS RESULTADOS

Ao pensar em um projeto de pesquisa na área de literatura, pode-se entender que a análise de resultados trata-se de um estudo do texto, tomando as obras literárias como grandes condutoras das observações críticas. Nesse processo, a questão contextual poderá ser requisitada para ampliar a visão do texto, levando em consideração aspectos como dados demográficos e sociológicos do lugar da velhice ao longo das transformações da sociedade.

Entende-se, portanto, que na pesquisa proposta, o texto será a matéria-prima, suscitando uma abordagem temática-estilística que irá privilegiar os seus procedimentos formais e conteudísticos. Assim, após o levantamento dos elementos constitutivos de cada obra, o olhar analítico se servirá de instrumentos teóricos como a estilística e o seu estudo textual.

Cabe lembrar ainda que os detalhes estruturais serão privilegiados, bem como o olhar comparativo entre os contos selecionados. Partindo desse princípio, propõe-se uma análise sensível às diferentes camadas do texto – aquelas manifestas e as latentes (uma vez que só se chega ao latente através do manifesto, ultrapassando a superfície).

O olhar, portanto, será para as nuances da narrativa que conferem complexidade ao texto, estudando as imagens, as metáforas, as ambiguidades, entre outros. Isso posto, vale destacar que será essencial para a forma de análise a articulação entre texto e contexto entre literatura e sociedade, a partir de teóricos sensíveis ao objeto estudado, entre eles Benedito Nunes, Emmanuel Levinas e Ecléa Bosi, quando solicitados.

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RFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARÊAS, V. S. Clarice Lispector com a ponta dos dedos. Companhia das Letras: São Paulo, 2005.

BARBOSA, M.J.S. Passo e Compasso: nos ritmos do envelhecer. EDIPICRS: Porto Alegre, 2003.

BENJAMIN. W. “O narrador”. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia e técnica, arte e política. Obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 3.ed., 1987.

BORELLI, O. Clarice Lispector: esboço para um possível retrato. Editora Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1982.

BOSI, E. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. Companhia das Letras: São Paulo, 2012.

CANDIDO, A. Formação da Literatura Brasileira. Editora Itatiaia: Belo Horizonte, 1975.

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FERREIRA, T.C.M. Eu sou uma pergunta: uma biografia de Clarice Lispector. Editora Rocco: Rio de Janeiro, 1999.

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KADOTA, N.P. A Tessitura Dissimulada: o social em Clarice Lispector. Estação Liberdade: São Paulo, 1997.

KAHN, D.M. A Via Crucis do Outro. Identidade e alteridade em Clarice Lispector. Editora Humanitas: São Paulo, 2005.

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23 ___________, A Legião Estrangeira. Editora Rocco: Rio de Janeiro, 1999.

___________, C.A Via Crucis do Corpo. Editora Rocco: Rio de Janeiro, 1998. ___________, C. Felicidade Clandestina. Editora Rocco: Rio de Janeiro, 1998. ___________, C. Laços de Família. Editora Rocco: Rio de Janeiro, 1998.

___________, C. Onde Estivestes de Noite. Editora Rocco: Rio de Janeiro, 1999. ___________, C. Um sopro de vida. Editora Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1978.

___________, C. Todos os Contos. Organização de Benjamin Moser. Editora Rocco: Rio de Janeiro, 2016.

MARTIN, V.L.R. “Velhice e exclusão social em contos de Clarice Lispector e Mia Couto”, Todas as letras Z, São Paulo, v. 17, n. 2, p. 127-135, maio/ago. 2015

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NUNES, B. O drama da linguagem: uma leitura de Clarice Lispector. Editora Ática: São Paulo, 1995.

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RUSSOTO, M. Musica de Pobres y outros estúdios de literatura brasileña. Universidade Central de Venezuela: Caracas, 1989.

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24 SANTANA, A. R. Análise Estrutural de Romances Brasileiros. Vozes: Petrópolis, 1973.

TEXTO DE INTERNET

ALLEGRO, A.L.V. Viagem a Petrópolis: uma voz que fala em silêncio. Disponível em http://publicacoes.fatea.br/index.php/angulo/article/view/151/129. Acesso em 18 de janeiro de 2015.

FIGUEIREDO, A.G.F. A problemática da mulher da terceira idade em contos de Clarice Lispector: uma leitura de “A Partida do Trem”. Disponível em http://www.ileel.ufu.br/anaisdosilel/wp-content/uploads/2014/04/silel2011_987.pdf. Acessado em 18 de janeiro de 2016.

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