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As Normas Internacionais de Contabilidade (NIC) e a Fiscalidade

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As Normas Internacionais de Contabilidade (NIC) e a Fiscalidade

Por: Joaquim Fernando da Cunha Guimarães

Julho de 2005

Boletim APECA

INTRODUÇÃO

De acordo com o Regulamento (CE) n.º 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho de 2002, publicado no Jornal Oficial da Comunidade Europeia (JOCE) de 11 de Setembro de 2002, os Estados Membros (EM) da União Europeia (UE) deverão adoptar, a partir de 1 de Janeiro de 2005, as Normas Internacionais de Contabilidade (NIC) e as actuais Normas Internacionais de Relato/Informação1 Financeira (NIRF), bem como as respectivas Interpretações (SIC/IFRIC)2, relativamente às sociedades cujos valores mobiliários estejam admitidos à negociação num mercado regulamentado de qualquer EM e no que tange, exclusivamente, às contas consolidadas (em Portugal são apenas cerca de uma centena e na UE cerca de 7.000).

O Regulamento supra surgiu na sequência da estratégia da UE definida em Novembro de 1995 através da apresentação de um documento intitulado “Harmonização Contabilística – uma nova estratégia relativamente à harmonização internacional”, na sequência do qual, em 13 de Junho de 2000, a Comissão da UE definiu “Uma estratégia da UE para o futuro em matéria de relato financeiro para as empresas”.

Em Janeiro de 2003, a Comissão de Normalização Contabilística (CNC) apresentou ao Governo um documento intitulado “Projecto de Linhas de Orientação para um Novo Modelo de Normalização Contabilística”3 que visa dar cumprimento àquele Regulamento e, especialmente, no que se refere ao art.º 5.º, prevendo que as NIC/NIRF possam (é facultativo, i.e., uma opção de cada EM) também ser adoptadas relativamente às contas individuais/anuais das empresas, com títulos cotados, atrás referidas, bem como às restantes empresas.

Neste contexto, o Projecto da CNC contempla dois níveis de adaptação das NIC/NIRF. Um primeiro nível, relativo às referidas sociedades com valores mobiliários admitidos num mercado regulamentado da UE (art.º 4.º do Regulamento), prevendo a

1 Traduzido da expressão “International Financial Reporting Standards” (IFRS). A CNC traduziu a

palavra “Reporting” por “Relato” e a UE por “Informação”.

2 Traduzido de “Standing Interpretations Committee” do “International Financial Reporting

Interpretations Committee”.

3 Sobre este tema elaborámos um estudo intitulado “Um Novo Modelo de Normalização Contabilística

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aplicabilidade das NIC/NIRF (NIC “Puras”), quer às contas consolidadas, quer às contas individuais/anuais das empresas associadas. Um segundo nível, aplicável às restantes empresas, i.e., a grande maioria das micro e PME’s que constituem o tecido empresarial português, em que se prevê uma adaptação das NIC/NIRF com um âmbito reduzido e adaptado à realidade contabilística e de relato financeiro dessas empresas (NIC “Adaptadas”).

Já depois da apresentação dessa Proposta, foi publicado o Regulamento (CE) n.º 1725/2003 da Comissão, de 21 de Setembro, publicado no JOCE de 13 de Outubro de 2003, em vigor três dias após a sua publicação (art.º 2.º), i.e., a partir de 16 de Outubro de 2003, que confirma4 a adopção das NIC nos termos do primeiro Regulamento atrás referido e sublinha que o mesmo teve por base um parecer do Comité de Regulamentação Contabilística5 que concluiu o seguinte:

- As NIC vigentes em 14 de Setembro de 2002 respeitam os critérios definidos no art.º 3.º do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, com excepção das NIC 32 e 39 e das respectivas Interpretações, relativas aos instrumentos financeiros, pelo que devem ser adoptadas;

- Os actuais projectos de alteração das NIC não têm qualquer impacto na decisão da Comissão destinada a adoptar as NIC, com excepção das NIC 32 e 39.

Mais recentemente, foi publicado o Decreto-Lei n.º 35/2005, de 17 de Fevereiro, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2003/51/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Junho, também designada por “Directiva da Modernização Contabilística”, que altera as Directivas n.os 78/660/CEE, 83/349/CEE, 86/635/CEE e 91/674/CEE, do Conselho, relativas às contas anuais e às contas consolidadas de certas formas de sociedades, bancos e outras instituições financeiras e empresas de seguros, e visa assegurar a coerência entre a legislação comunitária e as NIC, em vigor desde 1 de Maio de 20026.

Face a este enquadramento contabilístico e considerando que o nosso modelo contabilístico, inserido na designada corrente europeia-continental, é caracterizado por

4 O art.º 1.º prevê: “São adoptadas as normas internacionais de contabilidade constantes do Anexo.”. 5 O art.º 6.º do Regulamento n.º 1606/2002 estabelece: “A Comissão é assistida por um Comité de

Regulamentação Contabilística, a seguir designado “Comité”.

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uma significativa dependência/influência da fiscalidade na contabilidade, questiona-se o impacto das NIC/NIRF na fiscalidade.

Este assunto foi abordado em Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu (COM/2003-726, de 24 de Novembro de 2003), sob o título “Um Mercado Interno sem Obstáculos em Matéria de Fiscalidade das Empresas - Realizações, Iniciativas em Curso e Desafios a Ultrapassar”.

Por outro lado, aquele Decreto-Lei aborda alguns aspectos fiscais resultantes da aplicação das NIC.

Ao referirmos os reflexos das NIC/NIRF na fiscalidade, não podemos deixar de enquadrar o tema essencialmente em sede do IRC7, i.e., teremos de abordar quais os articulados do CIRC que poderão (deverão) ser susceptíveis de alteração para atender a essa adaptação.

1. AS “NIC” NO NORMATIVO CONTABILÍSTICO PORTUGUÊS 1.1 – No POC

O POC actualmente em vigor, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 410/89, de 21 de Novembro, baseia-se na 4.ª Directiva (78/660/CEE) e na 7.ª Directiva (83/349/CEE), que regulam, respectivamente, as contas individuais/anuais e as contas consolidadas8.

Considerando os dois Organismos Internacionais de Contabilidade que lideram o processo de normalização contabilística – o Financial Accounting Standards Board (FASB) dos EUA e o International Accounting Standards Board (IASB)9 - a CNC optou pelo segundo, como resulta do item 1.4 do POC que transcrevemos:

“1.4 .../...

Por outro lado, deve-se dizê-lo, estão a ser desenvolvidos, no âmbito das organizações europeias dos profissionais de contabilidade e em ligação com as estruturas da CEE, vários trabalhos com vista a conseguir a harmonização

7 E na categoria B do IRS, para os rendimentos não abrangidos pelo regime simplificado, por força das

regras de apuramento do lucro tributável, face ao preceituado no art.º 32.º do CIRS.

8 A transposição da 7.ª Directiva foi efectuada pelo Decreto-Lei n.º 238/91, de 9 de Julho, tendo sido

alterado o POC através da inclusão do Capítulo 14 sob o título “Demonstrações Financeiras Consolidadas”.

9 Esta designação resulta da reestruturação do organismo que antes era designado por IASC (International

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contabilística mundial, objectivo máximo da International Federation of Accountants (IFAC). Para a sua consecução estão a fazer-se esforços no sentido de eliminar as divergências, não muito significativas, entre as normas contabilísticas contidas na 4.ª Directiva e as normas internacionais de contabilidade emitidas pelo Internacional Accounting Standards Committee (IASC), órgão dependente da IFAC. Neste sentido, o próprio IASC se propõe limitar as opções de políticas contabilísticas contidas nas suas normas, de forma a facilitar a harmonização.”.

Como podemos verificar, o POC assume claramente que entre a 4.ª Directiva, na qual se baseou o POC, e as NIC não existem divergências significativas, pelo que se compreende que, quer o próprio POC, quer as Directrizes Contabilísticas, tenham sido elaborados com base nesse enquadramento contabilístico internacional.

Na verdade, embora o POC não estabeleça uma relação directa, podemos inferir que a Estrutura Conceptual do IASB está, de uma forma geral, dispersa pelos capítulos do POC e pelas Directrizes Contabilísticas10, especialmente a DC18, como resumimos no QUADRO N.º 1 seguinte:

QUADRO N.º 1 – Estruturas Conceptuais do IASB e do POC

“EC” DO IASB “EC” PORTUGUESA

1. Objectivos das Demonstrações

Financeiras 1. Capítulo 1 “Introdução” do POC e DC18 2. Características qualitativas 2. Capítulo 3 “Características da

informação financeira” do POC 3. Definição, reconhecimento e

valorimetria na elaboração das DF’s 3. - Capítulo 2 “Considerações técnicas” do POC - Capítulo 4 “Princípios contabilísticos”

do POC

- Capítulo 5 “Critérios de Valorimetria” 4. Conceitos de capital e de manutenção

do mesmo 4. Não contemplado

11

Fonte: Elaboração própria

Assim, exceptuando o “conceito de capital e de manutenção do mesmo”, podemos inferir que os aspectos conceptuais atrás referidos estão contemplados no POC,

10 As Interpretações Técnicas (IT) da CNC também integram o normativo contabilístico português. Até à

data foram publicadas apenas duas: A IT n.º 1 sobre “Locações” e a IT n.º 2 sobre “Reserva Fiscal para Investimento”.

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faltando, no entanto, conceitos importantes como os de activo, de passivo, de gastos, etc., constantes da estrutura conceptual do IASB.

1.2 – Nas Directrizes Contabilísticas

Em estudo anterior, sob o título “As Directrizes Contabilísticas - Sua Importância no Contexto da Normalização Contabilística Nacional”12, descrevemos diversos aspectos sobre a relevância das Directrizes Contabilísticas no normativo contabilístico português.

No que concerne à influência das NIC nas Directrizes Contabilísticas, o QUADRO N.º 2 descreve-as:

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QUADRO N.º 2 – Directrizes Contabilísticas vs NIC

N.º Directriz Contabilística Aprov./Publ. IAS(NIC) Influência Ano de

1 Tratamento contabilístico de concentrações de actividades empresariais 91/92 22(93) 2 Contabilização pelo donatário de activos transmitidos a título gratuito 91/92 - 3 Tratamento contabilístico dos contratos de construção 91/92 11(93) 4 Contabilização de obrigações contratuais de empresas concessionárias 91/92 - 5 Tratamento contabilístico das receitas e obrigações inerentes à concessão do jogo do bingo 91/92 - 6 Eliminação dos resultados nas transacções entre empresas do grupo 91/92 27(90) 7 Contabilização das despesas de investigação e de desenvolvimento 92/93 9(93) 8 Clarificação da expressão “regularizações não frequentes e de grande significado”, relativamente à conta 59 – “Resultados

Transitados” 92/93 8(93)

9 Contabilização nas contas individuais de detentora de partes de capital em filiais e associados 92/93 28(91) 10 Regime transitório da contabilização da locação financeira 92/93 -

11 IVA Intracomunitário 93/93 -

12 Conceito contabilístico de trespasse 93/93 22(93)

13 Conceito do justo valor 93/94 22(93)

14 Demonstração dos fluxos de caixa 92/93 7(92)

15 Remição e amortização de acções 94/95 -

16 Reavaliação de activos imobiliários tangíveis 95/95 16(93)

17 Contratos de Futuros 96/97 32(95)

18 Objectivo das demonstrações financeiras e princípios contabilísticos geralmente aceites 96/97 1(97)

19 Benefícios de reforma 97/97 19(98)

20 Demonstrações dos resultados por funções 97/97 1(97) 21 Contabilização dos efeitos da introdução do EURO 97/00 21(93) 22 Transacções sujeitas a Impostos Especiais sobre o Consumo 98/98 - 23 Relações entre entidades contabilísticas de uma mesma entidade Jurídica 98/98 -

24 Empreendimentos conjuntos 98/00 31(98)

25 Locações 98/00 17(97)

26 Rédito 99/00 18(93)

27 Relato financeiro por segmentos 00/01 14(97)

28 Impostos sobre o rendimento 01/03 12(98)

29 Matérias Ambientais 02/05 Comissão de 30/05/01 Recomendação da Fonte: Comissão de Normalização Contabilística – “Projecto de Linhas de Orientação para um Novo

Modelo de Normalização Contabilística Nacional”, Janeiro de 2003, com ligeiras adaptações da nossa autoria.

Assim, podemos concluir que 20 das 29 Directrizes Contabilísticas têm influências directas das NIC.

Note-se, porém, que algumas dessas NIC (v.g. NIC 20 “Subsídios”, NIC 23 “Custo dos Empréstimos Obtidos”) estão, de uma forma ligeira, contidas no POC, nomeadamente no “Capítulo 5 – Critérios de valorimetria” e no “Capítulo 12 – Notas explicativas”.

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Das Directrizes Contabilísticas, destacamos a DC n.º 18, de 18 de Dezembro de 1996, sob o título “Objectivos das Demonstrações Financeiras e Princípios Contabilísticos Geralmente Aceites” que veio clarificar a referida estrutura conceptual da contabilidade portuguesa, da qual destacamos os seguintes aspectos:

a) Enuncia os objectivos das DF’s;

b) Ressalta as expectativas inerentes à apresentação das DF’s em prol da “imagem verdadeira e apropriada”;

c) Clarifica a expressão “geralmente aceites” contida nos Princípios Contabilísticos Geralmente Aceites (PCGA);

d) Acolhe os quatro níveis atrás descritos da Estrutura Conceptual do IASC; e) Esclarece que os segundos e terceiros níveis dessa Estrutura Conceptual do

IASC, i.e., as características qualitativas e a definição, reconhecimento e valorimetria dos elementos já estão parcialmente contemplados no POC; f) Define os objectivos das demonstrações financeiras e os PCGA usados na sua

preparação, correspondentes ao primeiro nível da “Estrutura Conceptual do IASC;

g) Sublinha a ausência de definição do quarto nível do quadro conceptual do IASC relativo aos conceitos de capital e manutenção do mesmo, o que seria abordado posteriormente numa outra directriz, o que até à data não aconteceu; h) Privilegia uma perspectiva conceptual de substância económica13 para o relato

financeiro;

i) Estabelece que o uso dos PCGA deve obedecer à seguinte hierarquia: - Os constantes do POC;

- Os constantes das Directrizes Contabilísticas; - Os divulgados nas NIC emitidas pelo IASC.

j) As respostas interpretativas da CNC não têm carácter genérico e são válidas para a entidade e para a situação concreta.

13 Quanto a nós, constitui uma referência explícita ao princípio contabilístico “Da substância sobre a

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Como podemos verificar pela alínea i) supra, um dos aspectos conceptuais mais importantes contemplados na DC18 é o da hierarquia da aplicação dos PCGA, em que os divulgados nas NIC são subsidiários aos do POC e aos das Directrizes Contabilísticas. Ou seja, o normativo das NIC deve ser utilizado quando não existem ou são insuficientes as normas previstas no POC e ou nas Directrizes Contabilísticas.

Refira-se, no entanto, que, mesmo antes da DC18, já algumas empresas, especialmente as de grande dimensão económica e com relações internacionais (v.g. relações com empresas sediadas no estrangeiro) utilizavam as NIC na elaboração das demonstrações financeiras, utilizando o mecanismo derrogatório em prol da imagem verdadeira e apropriada.

Um dos casos em que se verificava tal situação era na NIC12 “Impostos sobre lucros”, tendo em conta que a Directriz Contabilística n.º 28 “Impostos Sobre o Rendimento” só muito recentemente foi publicada, tendo entrado em vigor em 1 de Janeiro de 2003.

De notar que as NIC estão numeradas até ao n.º 41 “Agricultura”, mas apenas 3214 estão em vigor, o que se justifica pela eliminação e ou integração de algumas NIC noutras, tendo-se mantido a numeração.

Neste contexto, podemos concluir que o impacto das NIC no normativo contabilístico português será minimizado pela adaptação já efectuada, antes até dos Regulamentos (CE) em análise.

Sublinhamos, ainda, que especialmente nas últimas Directrizes Contabilísticas (n.os 25, 26, 27 e 28, excepto, portanto, a 29) já houve uma preocupação de as estruturar de acordo com as NIC.

1.3 – No Projecto da CNC

Como já referimos, a CNC apresentou um “Projecto de Linhas de Orientação para um Novo Modelo de Normalização Contabilística” que prevê dois níveis de normalização em função da dimensão das empresas e da maior (1.º nível) ou menor (2.º nível) exigência de relato financeiro.

14 São as NIC n.os 1, 2, 7, 8, 10, 11, 12, 14, 16, 17, 18, 20, 21, 22, 23, 24, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33,

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Em estudo anterior, sob o título “Um Novo Modelo de Normalização Contabilística Nacional”15, apresentámos os aspectos mais importantes desse documento da CNC16.

No ESQUEMA N.º 1 seguinte sintetizamos o Projecto da CNC. ESQUEMA N.º 1 – Projecto de Normalização da CNC

Fonte: Elaboração própria

Como referimos na introdução deste artigo, foi recentemente publicado o Decreto-Lei n.º 35/2005, de 17 de Fevereiro, que embora dê cumprimento ao citado Regulamento n.º 1606/2002, não dá resposta ao Projecto da CNC no que respeita ao âmbito do 2.º nível, i.e., às empresas de menor dimensão e de menores exigências de relato financeiro, como a seguir comentamos.

15 Publicado na revista TOC da CTOC n.º 38, de Maio de 2003 (pp. 39-41). 16 No estudo apresentámos dois quadros-resumo, cuja consulta sugerimos.

1.º Nível 2.º Nível

NIC/NIRF “PURAS”

Restantes Empresas (99,...%) -Empresas sem títulos cotados -PME’s

- Micro-empresas Empresas com títulos cotados em

bolsa - Obrigatório – Contas consolidadas

- Facultativo - Contas das empresas filiais e associadas

NIC/NIRF “ADAPTADAS” ESTRUTURA CONCEPTUAL DO IASB

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2. ANÁLISE (BREVE) DO DECRETO-LEI N.º 35/2005

O Decreto-Lei n.º 35/2005, de 17 de Fevereiro, transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2003/51/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Junho, também designada por “Directiva de Modernização Contabilística”17.

O diploma produz diversas alterações, das quais destacamos as de índole contabilística18 que resumimos:

– Novo conceito de provisões (art.º 2.º) que não podem ter por objecto corrigir valores dos elementos do activo, i.e., apenas têm por objecto cobrir as responsabilidades cuja natureza esteja claramente definida e que à data do balanço sejam de ocorrência provável ou certa, mas incertas quanto ao seu valor ou data de ocorrência. Assim, passamos a ter apenas provisões no passivo, i.e., as até agora designadas “Provisões para riscos e encargos” que passam a designar-se de “Provisões”;

– Novo conceito de “ajustamentos de valores do activo”, por aditamento do item 2.12 ao POC, que substitui o anterior conceito de “provisões no activo”, mantendo-se os aspectos conceptuais que conduzem à relevação contabilística dos factos patrimoniais, designadamente no que respeita ao reconhecimento das diferenças entre as quantias registadas a custo histórico e as quantias decorrentes de avaliação a preço de mercado, se inferior àquele. Ou seja, as correcções do activo antes designadas de “provisões” passam a designar-se de “ajustamentos”. Estas alterações justificam-se, nomeadamente, pelo facto de a valorimetria ao “justo valor”, de acordo com as NIC/NIRF, exigir o reconhecimento de perdas de imparidade nos activos, face, nomeadamente, à NIC36 “Imparidade de activos”;

– Essas alterações conceptuais assentam, também, num novo enunciado para o princípio “Da prudência”, como prevê o art.º 3.º do diploma, e consequente alteração da alínea e) do capítulo 4 do POC;

17 Sobre este diploma elaborámos um artigo sob o título “O Decreto-Lei n.º 35/2005 – Alterações ao

Plano Oficial de Contabilidade” publicado no Jornal da AIMinho n.º 57, de Abril de 2005 e no Guia do Contribuinte do Semanário Económico n.º 29, de Maio de 2005.

18 As restantes alterações produziram efeitos no Decreto-Lei n.º 36/92, de 28 de Março (art.º 5.º),

Decreto-Lei n.º 147/94, de 25 de Maio (art.º 6.º), Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de Setembro que aprovou o Código das Sociedades Comerciais (art.º 8.º) e no Decreto-Lei n.º 403/86, de 3 de Dezembro que aprovou o Código do Registo Comercial.

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– No que concerne às NIC, prevê-se a obrigatoriedade da sua aplicação, a partir do exercício que se inicie em 2005, às entidades cujos valores mobiliários estejam admitidos à negociação num mercado regulamentado, nos termos do art.º 4.º do Regulamento n.º 1606/2002 (art.º 11.º do Decreto-Lei 35/2005). No entanto, esta obrigatoriedade apenas abrange as contas consolidadas, pois a sua aplicação é facultativa em relação às contas individuais. Acresce, ainda, que para as restantes entidades obrigadas à consolidação de contas de acordo com o POC e o Decreto-Lei n.º 238/91, de 2 de Julho, quer relativamente às contas consolidadas quer em relação às contas individuais, a aplicação das NIC é facultativa, i.e., constitui uma opção (art.º 12.º do diploma).

No entanto, de acordo com o art.º 14.º do Decreto-Lei 35/2005, as entidades que elaborem as contas individuais em conformidade com as NIC, são obrigadas, para efeitos fiscais, nomeadamente a nível de apuramento do lucro tributável, a manter a contabilidade organizada de acordo com a normalização contabilística nacional e demais disposições em vigor para o respectivo sector de actividade. Ou seja, caso a entidade seja obrigada à consolidação de contas e exerça a opção de elaborar as contas individuais de acordo com as NIC, terá de manter também a contabilidade de acordo com o POC, i.e., admite-se a existência de uma dupla contabilidade. É, por assim dizer, uma cláusula de neutralidade contabilístico-fiscal.

No QUADRO N.º 3 seguinte resumimos este enquadramento.

QUADRO N.º 3 – Decreto-Lei n.º 35/2005 – Aplicação das NIC

Contas Consolidadas Contas Individuais

Entidades POC NIC POC NIC

Entidades cujos valores estejam admitidos à negociação num mercado regulamentado da UE (art.º 11.º n.º 1)

FACULTATIVO

(Art.º 11.º, n.º 2) OBRIGATÓRIO (Art.º 11.º, n.º 1) OBRIGATÓRIO Obs.: Para

efeitos fiscais (Art.º 14.º) FACULTATIVO (Art.º 12.º, n.º 2) Obs.: Condicionada à certificação legal das contas Entidades obrigadas a aplicar o POC não

abrangidas pelo art.º 11.º, i.e., as entidades sem títulos cotados em bolsa que sejam obrigadas pelo POC à consolidação de contas (art.º 12.º n.º 1).

OBRIGATÓRIO* FACULTATIVO (Art.º 12.º, n.º 1) Obs.: Condicionada à certificação legal das contas OBRIGATÓRIO Obs.: Para efeitos fiscais (Art.º 14.º) FACULTATIVO (Art.º 12.º, n.º 2) Obs.: Condicionada à certificação legal das contas * As entidades referidas no Art.º 12.º n.º 1 não dispõem de um artigo de dispensa idêntico às entidades do art.º 11.º, pelo que entendemos que se poderá interpretar da mesma forma, i.e., a obrigatoriedade da elaboração das contas consolidadas de acordo com o POC fica dispensada (i.e. facultativa) caso optem por elaborar as contas consolidadas de acordo com as NIC.

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3. O CASO DO JUSTO VALOR (“FAIR VALUE”)

Um dos aspectos conceptuais que tem sido abordado como um dos principais problemas de adaptação das NIC e o seu reflexo na fiscalidade é, sem dúvida, o do “justo valor” (“fair value”).

Em estudos anteriores19 sublinhámos alguns aspectos conceptuais da contabilidade inerentes ao conceito de “justo valor”.

Então escrevemos20:

“Mas não podemos esquecer que, a nível interno, o “justo valor” já está acolhido em algumas Directrizes Contabilísticas (DC), com especial destaque para as “DC 1 – Tratamento Contabilístico de Concentrações de Actividades Empresariais” e “DC 13 – Conceito do Justo Valor”, que definem o “justo valor” como a quantia pela qual um bem (ou serviço) poderia ser trocado, entre um comprador conhecedor e interessado e um vendedor nas mesmas condições, numa transacção ao seu alcance.

Outras DC reflectem já, também, situações/operações de aplicação do “justo valor”, como sejam as políticas contabilísticas relativas aos activos transmitidos a título gratuito (DC 2), ao trespasse (DC 12), à remição e amortização de acções (DC 15), às reavaliações extraordinárias (DC 16), aos benefícios da reforma (DC 19) e às locações (DC 25).”

Referimos também21:

“Ao colocarmos em contraposição o critério do “justo valor” com o do “custo histórico” teremos, obviamente, de concluir que este é objectivo e que aquele é subjectivo. Ou seja, a relevação contabilística ao “justo valor” terá de ser aplicada com preocupação (apelo ao princípio contabilístico “Da prudência”), sob pena de afectarmos a contabilidade e as demonstrações financeiras de valores subjectivos, o que não facilita a decisão dos utilizadores.”.

19 - “A Contabilidade - Utilidade para a Gestão (Decisão)”, publicado na revista Revisores & Empresas da

OROC n.º 25, de Abril/Junho de 2004 e na revista TOC da CTOC n.º 54, Setembro de 2004.

- “A Contabilidade ao «Justo Valor»”, publicado no Semanário Económico n.º 713, Setembro de 2003 e no nosso livro Temas de Contabilidade, Fiscalidade e Auditoria, ed. Vislis, Lisboa, 2001, pp. 225-6.

20 “A Contabilidade ao Justo Valor”, ob. cit. p. 226. 21 “A Contabilidade ao Justo Valor”, ob. cit., p. 226.

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Na verdade, repetimos, o conceito de “justo valor” tem sido um dos aspectos conceptuais que mais polémica tem gerado. Com efeito, existe uma corrente de certa forma considerada conservadora e defensora dos princípios contabilísticos “Do custo histórico” e “Da prudência”, bem como da característica qualitativa da “fiabilidade”, em prol da objectividade da informação, e uma outra corrente mais preocupada com a característica da “relevância” na perspectiva do paradigma da utilidade da contabilidade para a tomada de decisões, especialmente para os accionistas actuais e potenciais, i.e., uma viragem para o mercado22.

A este propósito e das NIC, Pinheiro Pinto23 refere:

“E uma das razões que, em nosso entender, tem conduzido a que não sejam adoptadas por um número crescente de países tem a ver precisamente com a sua fraca qualidade, designadamente no domínio da objectividade.

É que este requisito é fundamental, na medida em que a contabilidade deve manter-se equidistante dos interesses dos seus múltiplos e heterogéneos destinatários, sendo ainda certo que um dos principais utilizadores – o Fisco – tem de ser muito mais exigente que os outros na busca dessa informação objectiva, atenta a sua primordial preocupação de repartir equitativamente a carga fiscal.”.

Esta problemática foi, também, acolhida no nosso normativo contabilístico, através do Decreto-Lei n.º 88/2004, de 20 de Abril, que transpôs para o ordenamento jurídico interno a Directiva n.º 2001/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Setembro, que altera as Directivas n.os 78/660/CEE, do Conselho, de 25 de Julho, relativa às contas individuais de certas formas de sociedades (vulgo 4.ª Directiva), 83/349/CEE, de 13 de Junho, relativa às contas consolidadas (vulgo “7.ª Directiva”), e 86/635/CEE, do Conselho, de 8 de Dezembro, relativa às contas individuais e às contas consolidadas dos bancos e de outras instituições financeiras, relativamente às regras de valorimetria aplicáveis às contas individuais e consolidadas de certas formas de sociedades, bem como dos bancos e de outras instituições financeiras (cf. art.º 1.º “Objecto” do diploma).

22 Sobre esta problemática remetemos para a leitura do nosso estudo “A Contabilidade - Utilidade para a

Gestão (Decisão)” atrás referido.

23 PINHEIRO PINTO, José Alberto: “Implicações das Normas Internacionais de Contabilidade na

Fiscalidade e na Auditoria”, comunicação em Seminário realizado em 30 de Abril de 2004 na Escola Superior de Estudos Industriais e de Gestão de Vila do Conde.

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Face ao disposto no art.º 2.º “Âmbito” do referido diploma as entidades que adoptem o POC relativamente às contas consolidadas de acordo com o Decreto-Lei n.º 238/91, de 2 de Julho, podem valorizar pelo justo valor os instrumentos financeiros que detêm, incluindo os derivados.

Assim, preconiza-se a aplicação, com carácter facultativo, do “sistema de contabilização pelo justo valor” aos instrumentos financeiros (primários e derivados)24 mas apenas relativamente às contas consolidadas, o que abrange um pequeno número de empresas.

Além disso, o art.º 4.º “Justo valor” do diploma ao definir as regras de determinação do “justo valor”, ressalva que no caso dos instrumentos financeiros não poderem ser mensurados de forma fiável (apelo à característica qualitativa da “fiabilidade”), devem ser avaliados de acordo com os critérios valorimétricos do POC, o que constitui um apelo ao princípio contabilístico “Do custo histórico”.

Esta é, efectivamente, uma questão recorrente, actual e futura, e que, de per se, justificaria um maior desenvolvimento que nos abstemos face ao objectivo deste trabalho.

Registamos, porém, que o tema terá de ser objecto de uma apreciação cuidadosa em termos da fiscalidade em sede de IRC e que mais à frente nos referiremos.

4. COMUNICAÇÃO COM(2003)726 DA UE

Na sequência da adopção das NIC/NIRF, a UE está a estudar os seus efeitos na fiscalidade das empresas, o que resultou na elaboração da Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu – COM(2003)726, de 24 de Novembro de 2003 - sob o título “Um Mercado Interno sem Obstáculos em Matéria de Fiscalidade das Empresas – Realizações, Iniciativas em Curso e Desafios a Ultrapassar”, dividido nos seguintes capítulos:

1. Introdução;

2. Necessidade constante de adaptar a fiscalidade das empresas na UE;

3. Progressos efectuados no que respeita às medidas destinadas a lutar contra os obstáculos fiscais no mercado interno;

(15)

4. Progressos registados no que respeita à introdução de uma matéria colectável consolidada para as actividades das empresas a nível da UE;

5. Conclusão e prioridades para os próximos anos.

O objectivo estratégico da Comissão Europeia, aprovado no Conselho Europeu de Lisboa de Março de 2000, reiterado por ulteriores Conselhos, é o de tornar a economia da UE baseada no conhecimento a mais competitiva do mundo, assente num crescimento económico sustentável e na criação de mais e melhores empresas até 2010. Para atingir tal desiderato, assume-se que a fiscalidade das empresas da UE tem um papel fundamental, definindo-se uma estratégia “dupla” destinada a corrigir as deficiências e a eliminar os obstáculos associados à fiscalidade que dificultam a actividade económica transfronteiriça no âmbito do Mercado Interno, como transcrevemos25:

“A estratégia em matéria de fiscalidade das empresas proposta pela Comissão em 2001 baseava-se em dois aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, as disposições fiscais continuam a impedir os operadores económicos de tirarem pleno partido das vantagens proporcionadas pelo Mercado Interno, situação essa que tem, imperativamente, que mudar. Em segundo lugar, ao longo dos últimos anos o quadro económico global registou importantes mudanças tais como o aparecimento do comércio electrónico e a internacionalização cada vez maior das empresas, na sequência de fusões transfronteiras e de outras de reestruturação.”

Considerando a diversidade dos sistemas fiscais dos 15 países da UE, e agora 25, apresentam-se diversos obstáculos ao cumprimento da legislação fiscal, pelo que a Comissão entende que se deve avançar para a introdução de uma matéria colectável comum consolidada para as actividades das empresas a nível da UE, como forma de eliminar tais obstáculos.

Para tal, a Comissão é de parecer que essa decisão deverá ser tomada com base na votação por maioria qualificada, pois o actual requisito de votação por unanimidade vigente nas decisões de âmbito fiscal não favorece tal entendimento e objectivo.

(16)

É, neste contexto, que o grande debate fiscal actual no âmbito da UE aponta para uma reforma profunda, a longo prazo, dos seus sistemas fiscais, tendo a Comissão procedido a vastas consultas sobre os dois aspectos seguintes:

(i) A eventual aplicação, a título experimental, do sistema de tributação no Estado de Origem (Home State Taxation) às pequenas e médias empresas da UE e,

(ii) As consequências da introdução das NIC para a criação de uma matéria colectável consolidada das actividades das empresas à escala da UE.

No que respeita à aplicação das NIC/NIRF, com base nos referidos Regulamentos (CE) n.os 1606/2002 e 1725/2003, o pressuposto é o de que se as empresas da UE declaram os seus lucros de acordo com uma norma comum, por que não utilizar essa medida comum da rentabilidade como ponto de partida da determinação do lucro tributável. Ou seja, as NIC/NIRF devem constituir o ponto de partida para se obter uma matéria colectável comum.

Nesta conformidade, estabeleceu-se um quadro de discussão assente em duas abordagens:

(i) A “abordagem NIRF” que parte de uma posição contabilística comum, para, em seguida, procurar definir quais os ajustamentos que seriam necessários introduzir para chegar a matéria colectável comum;

(ii) A “abordagem alternativa” que consiste em procurar chegar a um acordo separado sobre os princípios fiscais e só em seguida abordar a questão de como assegurar a sua aplicação.

No que respeita à via das NIRF, a Comissão entende:

“Certos aspectos das NIIF26 exigem uma atenção especial. É claro que o

primado do princípio geral da materialidade e a prevalência da substância sobre a forma não estão inteiramente de acordo com os princípios fiscais existentes, pelo que para se chegar ao estabelecimento da matéria colectável seria necessário introduzir certos ajustamentos. Em contabilidade, o princípio da materialidade é essencialmente definido como

26 O documento da Comissão traduz as IFRS por NIIF (Normas Internacionais de Informação Financeira).

e não por NIRF (Normas Internacionais de Relato Financeiro) como foi traduzido pela CNC. Ou seja, a palavra “Reporting” é traduzida por “Informações” ou por “Relato”.

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um limiar ou limite a partir do qual uma omissão ou inexactidão poderia influenciar as decisões económicas dos utilizadores. No entanto, para efeitos fiscais, é geralmente necessário um maior grau de precisão. A atribuição de uma maior importância à substância de uma transacção em relação à sua forma jurídica (por exemplo, os activos que são objecto de locação financeira) é corrente em contabilidade, mas este princípio não é aplicado de uma forma tão uniforme para efeitos fiscais. Os dois princípios poderiam ter de ser objecto de ajustamentos. Do mesmo modo, quando é aplicável o método contabilístico do “justo valor” (por exemplo, quando se procede a uma reavaliação dos activos em função do valor de mercado e essa mais-valia é assimilada a um “lucro”) esses lucros não realizados não deveriam ser objecto de tributação e conviria nesse caso introduzir outros ajustamentos adicionais. De um modo mais geral, os trabalhos relativos às possibilidades oferecidas pelas NIIF no que se refere à matéria colectável salientaram uma questão que respeita a todas as formas possíveis que uma matéria colectável comum pode assumir, ou seja, a relação entre as contas financeiras e a fiscalidade, geralmente conhecida por "dependência".”. 5. O NORMATIVO FISCAL EM IR

Como já referimos, na temática em análise interessa, essencialmente, analisar os efeitos da aplicação das NIC/NIRF na fiscalidade em sede de IRC e em IRS (Categoria B)27, pois é nestes tributos que a questão tem pertinência.

5.1 – O Conceito de “rendimento-acréscimo”, a “teoria do incremento patrimonial” e o “lucro tributável”

Face ao art.º 104.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o rendimento real.

O saudoso Professor Doutor Sousa Franco, referia que aquele preceito constitucional deveria ser interpretado da seguinte forma:28

“Mas quando falamos de rendimento real queremos dizer rendimento real mesmo.”.

27 Por força da remissão do art.º 32.º do CIRS.

28 Numa palestra realizada em 4 de Setembro de 1998 aquando da inauguração da primeira sede da

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Sem pretendermos alargar-nos sobre o conceito de “rendimento real” que tem feito correr muita tinta, destacamos os contributos de um dos maiores fiscalistas portugueses, Fernandes Ferreira, que se vem debruçando há muitos anos sobre a temática como comprova a publicação do livro “A Tributação do Lucro Real”29.

Nesta problemática o livro supra constitui, sem dúvida, um documento histórico de extrema importância e que tem servido de base para Fernandes Ferreira efectuar acrescentos e actualizações em publicações seguintes.

No Capítulo I do livro intitulado “Dificuldades de Determinação de Lucro Real”, Fernandes Ferreira inventariou vinte e quatro problemas, alguns deles ainda mantêm actualidade, divididos em três categorias30:

- Insuficiências do nosso Direito e das estruturas da Administração e das empresas portuguesas;

- Dificuldades relacionadas com a peculiar natureza do fenómeno do lucro; - Dificuldades intrínsecas do cálculo e contabilização dos lucros (ou seja dos

custos e perdas e proveitos e ganhos).

Mais recentemente, Fernandes Ferreira31, em comentário sob o título “Tributação do Lucro Real ou do Lucro Normal?”, escreveu:

“O tema – tributação do “lucro efectivo” ou do “lucro normal” -, cuja acuidade é inegável, implica sempre reflexão séria e envolve problemática vasta.”.

Uma das polémicas mais actuais sobre o conceito de “rendimento real” refere-se ao Pagamento Especial por Conta (PEC), institucionalizado pelo Decreto-Lei n.º 44/98, de 3 de Março, pois colocou-se em causa a sua constitucionalidade.

Em defesa do PEC argumenta-se que o advérbio “fundamentalmente”, previsto naquele articulado constitucional, dá-lhe cobertura, pois não põe em causa a base tributável daí resultante. Ou seja, a regra é a da tributação das empresas com base no rendimento real, mas o advérbio supra permite excepções como é o caso do PEC.

29 FERNANDES FERREIRA, Rogério: A Tributação do Lucro Real – Comentário ao Código da

Contribuição Industrial, Ed. Ática, Lisboa, 1965.

30 FERNANDES FERREIRA, Rogério: A Tributação do Lucro Real..., ob. cit. pp. 11-21.

31 FERNANDES FERREIRA, Rogério: Gestão, Contabilidade e Fiscalidade, Ed. Notícias Editorial, 2.ª

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Refira-se, aliás, que, sob a cobertura de tal advérbio, o legislador tem procedido ao lançamento do que apelidamos de “formas alternativas de tributação” ao lucro tributável, face ao preceituado no art.º 17.º do CIRC.

Foi neste contexto que, em artigo de opinião, sob o título “A Insuficiência do Lucro Tributável como Base de Tributação no CIRC32”, referimos:

“Ao preconizarem-se essas formas alternativas (leia-se: “alternativas ao lucro tributável”) de tributação, como são os casos das que incidem sobre as despesas de representação, as despesas confidenciais ou não devidamente documentadas, os encargos com viaturas ligeiras de passageiros e mistas, o regime simplificado de tributação e os pagamentos especiais por conta (PEC), assume-se, clara e objectivamente, que a tributação baseada no lucro tributável e no resultado contabilístico, por força do art.º 17.º n.º 1 do CIRC, não é suficiente para assegurar o nível de receita fiscal para o tão propalado equilíbrio orçamental.”.

No entanto, podemos inferir que, de uma forma geral e sem prejuízo dessas formas alternativas de tributação, o rendimento real é traduzido em sede IRC e de IRS (Categoria B) pelos conceitos de “lucro” e de “lucro tributável”, previstos, respectivamente, no art.º 3.º, n.º 2 e no art.º 17.º, n.º 1, ambos do CIRC que prescrevem:

QUADRO N.º 4 – Conceitos de “Lucro” e de “Lucro Tributável” no CIRC ART.º 3.º N.º 2 do CIRC

“LUCRO” “LUCRO TRIBUTÁVEL” ART.º 17.º N.º 1 do CIRC Para efeitos do disposto no número

anterior, o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código.

O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

Fonte: Elaboração própria

(20)

No ESQUEMA N.º 2 seguinte articulamos estes dois preceitos:

ESQUEMA N.º 2 – Conceitos de “Lucro” e de “Lucro Tributável”

Art. 3.º, n.º 2 Legenda

Lucro L = PL fim - PL início + C L = Lucro

PL = Património Líquido (=Situação Líquida = Capital Próprio)

C = Correcções fiscais positivas e negativas no âmbito do CIRC

Art. 17.º, n.º 1 LT = Lucro Tributável

RL = Resultado líquido do exercício (conta 88 do POC)

Lucro LT = RL + VP + C VP = Variações patrimoniais positivas (art. 21.º) e Tributável negativas (art. 24.º) não reflectidas no RL que

concorrem para o LT

COM BASE NA CONTABILIDADE

Fonte: Elaboração própria

Na nossa perspectiva podemos interpretar essa relação como uma “visão patrimonialista” da tributação, o que nos faz lembrar a denominada “teoria patrimonialista” da contabilidade, que, ainda hoje, tem muitos seguidores33.

Na senda desta interpretação, o item 5 do preâmbulo do CIRC prevê:

“5 – O conceito de lucro tributável que se acolhe em IRC tem em conta a evolução que se tem registado em grande parte das legislações de outros países no sentido da adopção, para efeitos fiscais, de uma noção extensiva de rendimento, de acordo com a chamada teoria do incremento patrimonial. Esse conceito – que está também em sintonia com os objectivos de alargamento da base tributável visados pela presente reforma – é explicitamente acolhido no Código, ao reportar-se o lucro à diferença entre o património líquido no fim e no início do período de tributação.” (sublinhados nossos).

5.2 – A Contabilidade como “ponto de partida” para o apuramento do lucro tributável

Como resulta claramente do ESQUEMA N.º 2 a contabilidade e o seu “produto final” – o resultado líquido do exercício (conta 88 do POC) – é o ponto de partida para o

33 Entre os patrimonialistas destacamos os cientistas da contabilidade: Vincenzo Mazi, Jaime Lopes

Amorim e António Lopes de Sá. Este último Professor tem desenvolvido uma nova visão do patrimonialismo designada de “Neopatrimonialismo”.

(21)

cálculo do lucro tributável, o que resulta clara e objectivamente do referido art.º 17.º, n.º 1.

A este propósito, o item 10 do preâmbulo do CIRC estabelece:

“10 – Dado que a tributação incide sobre a realidade económica constituída pelo lucro, é natural que a contabilidade, como instrumento de medida e informação dessa realidade, desempenhe um papel essencial como suporte da determinação do lucro tributável.

As relações entre contabilidade e fiscalidade são, no entanto, um domínio que tem sido marcado por uma certa controvérsia e onde, por isso, são possíveis diferentes modos de conceber essas relações. Afastadas uma separação absoluta ou uma identificação total, continua a privilegiar-se uma solução marcada pelo realismo e que, no essencial, consiste em fazer reportar, na origem, o lucro tributável ao resultado contabilístico ao qual se introduzem, extracontabilisticamente, as correcções – positivas ou negativas – enunciadas na lei para tomar em consideração os objectivos e condicionalismos próprios da fiscalidade.

Embora para concretizar a noção ampla de lucro tributável acolhida fosse possível adoptar como ponto de referência o resultado apurado através da diferença entre os capitais próprios no fim e no início do exercício, mantém-se a metodologia tradicional de reportar o lucro tributável ao resultado líquido do exercício constante da demonstração de resultados líquidos, a que acrescem as variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo e não reflectidas naquele resultado.

Nas demais regras enunciadas a propósito dos aspectos que se entendeu dever regular reflectiu-se, sempre que possível, a preocupação de aproximar a fiscalidade da contabilidade.”

De notar que esta relação entre a contabilidade e a fiscalidade em sede de IRC, transitou do anterior Código da Contribuição Industrial (CCI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45.103, de 1 de Julho de 1963, que vigorou até 1998, cujo n.º 2 do preâmbulo previa:

“2. Como os demais impostos directos, também a contribuição industrial se mostra agora dominada pela preocupação de atingir o mais proximamente o

(22)

rendimento real dos contribuintes. Não é nova esta preocupação mesmo entre nós, pois de há muito se reconheceu que o rendimento real, reflectindo as condições económicas dos cidadãos e das empresas, constitui o melhor indicador da sua capacidade e, portanto, a base mais conveniente para uma equitativa repartição do imposto; e sempre se admitiu igualmente que a incidência de um imposto sobre o rendimento real pode ser determinada com relativa facilidade, o que recomenda a sua utilização como instrumento de uma política de estabilização ou crescimento.”.

E o n.º 4 do mesmo preâmbulo referia:

“4 (...) A necessidade de encontrar um conceito operacionalmente relevante, associada a considerações administrativas, é factor limitativo da contribuição susceptível de ser prestada pela ciência económica ou pela contabilidade. Daí que o rendimento líquido para efeitos fiscais nos apareça como uma categoria a se: o substrato económico é aproveitado na medida em que pode ser vazado em moldes contabilísticos e, em qualquer caso, objecto das correcções que a consideração do sistema fiscal no seu conjunto e a consecução dos objectivos da política fiscal tornarem indispensáveis.

Dentro deste condicionalismo, buscou-se a medida do rendimento líquido no saldo da conta de resultados do exercício, sem embargo de ulteriores ajustamentos e de se considerarem como encargos apenas aqueles que, dentro dos limites razoáveis, tenha havido necessidade de suportar em ordem a garantir a obtenção do rendimento e a manutenção da fonte produtora.”.

Esta importância dada à contabilidade para apuramento do resultado fiscal e da matéria colectável insere-se na já mencionada corrente normativa da contabilidade continental-europeia.

Há quem invoque que se a fiscalidade em IRC não tomasse como ponto de partida a contabilidade, esta não teria a importância que, efectivamente, tem. É óbvio que esta é uma visão minimalista ou redutora das relações entre as duas disciplinas.

Tal como o Código do IRC, que contém diversas disposições com referências à contabilidade34 e a termos e expressões puramente contabilísticas (v.g. custos ou perdas,

34 Ver, por exemplo, o art.º 115.º “Obrigações contabilísticas das empresas”, o art.º 116.º “Regime

(23)

proveitos ou ganhos, amortizações, provisões, reavaliações) também o CCI previa tais referências dos quais destacamos o art.º 22.º que determinava:

“O lucro tributável reportar-se-á ao saldo revelado pela conta de resultados do exercício ou de ganhos e perdas, elaborada em obediência a sãos princípios de contabilidade35, e consistirá na diferença entre todos os proveitos ou ganhos realizados no exercício anterior àquele a que o ano fiscal respeitar e os custos ou perdas imputáveis ao mesmo exercício, uns e outros eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”.

Seguindo o formulário idêntico ao do ESQUEMA N.º 2, o lucro tributável em sede do CCI pode resumir-se no ESQUEMA N.º 3:

ESQUEMA N.º 3 - Lucro Tributável no CCI LT = (PG – CP) + C Legenda: LT – Lucro Tributável

PG – Proveitos ou ganhos CP – Custos ou Perdas

C – Correcções Fiscais positivas e negativas nos termos do CCI

Fonte: Elaboração própria

Se comparamos os ESQUEMAS N.os 2 e 3, podemos verificar que a diferença substancial resulta das variações patrimoniais positivas (art.º 21.º do CIRC) e negativas (art.º 24.º do CIRC), não reflectidas no resultado líquido do exercício, e previstas apenas no CIRC, como resumimos no ESQUEMA N.º 4 seguinte:

ESQUEMA N.º 4 - Lucro Tributável (Do CCI para o CIRC) LTCCI = (PG – CP) + C

LTCIRC = RL + VP± + C

Fonte: Elaboração própria

Essa diferença resulta, obviamente, dos conceitos de “rendimento-acréscimo” e “teoria do incremento-patrimonial” atrás enunciados.

35 Referência aos “princípios contabilísticos geralmente aceites” ou “princípios contabilísticos

(24)

De notar que as correcções fiscais positivas (acréscimos ao lucro tributável) e negativas (deduções ao lucro tributável), bem com as variações patrimoniais36 são traduzidas no quadro extracontabilístico37 da declaração de rendimentos modelo 22 do IRC (quadro 07).

ESQUEMA N.º 5 - Lucro Tributável e Quadro 07 da DR22

CIRC LT = RL + VP+ + VP- + C

Q07/DR22 Campo 239 (PEF) Campo 240 (LT) Campo 201 Campo 202 Campo 203 Campo 205 ao Campo 237

Fonte: Elaboração própria

Refira-se, por último, que mesmo que o RL seja coincidente com o resultado fiscal (PEF ou LT), i.e., no Esquema n.º 5, LT=RL38, o próprio RL não é um resultado contabilístico “puro”, pois há uma parte significativa de factos patrimoniais que são relevados de acordo com as regras fiscais e não em sintonia com as normas contabilísticas (nacionais e internacionais), como acontece, por exemplo, com a contabilização das amortizações e das provisões (agora “ajustamentos” e “provisões”).

5.3 – Algumas Possíveis Alterações (ou não) ao Código do IRC

Analisados alguns aspectos contabilísticos e fiscais de enquadramento do tema, importa analisar algumas das possíveis alterações (ou não) ao Código do IRC e demais legislação complementar, por força da aplicação das NIC/NIRF.

É óbvio que esta análise deveria ser mais aprofundada, tendo em conta o impacto de cada uma das NIC/NIRF no Código do IRC. Porém, apenas pretendemos alertar para alguns dos factos que consideramos mais significativos.

36 Sobre este tema elaborámos alguns artigos, dos quais destacamos os dois seguintes:

- As Variações Patrimoniais (POC e CIRC), publicado Jornal de Contabilidade da APOTEC n.º 208, Julho de 1994 e no nosso livro Contabilidade, Fiscalidade, Auditoria: Breves Reflexões, Ed. do Autor, Braga.

- As Variações Patrimoniais (POC e CIRC), publicado na revista TOC da CTOC n.º 48, de Março de 2004.

37 Designa-se de “extracontabilístico” pois não implica qualquer assento/registo contabilístico de partida

dobrada.

38 Acontece, por exemplo, quando os resultados antes de impostos igualam o resultado líquido do

(25)

5.3.1 – A Estrutura Conceptual, os PCGA e o CIRC

Como referimos no item 1.1, a Estrutura Conceptual do IASB contempla os denominados PCGA (ou, de acordo com o POC, “Princípios Contabilísticos Fundamentais”), que, de uma forma geral, estão previstos no Capítulo 4 do POC. No entanto, a nível dos PCGA constatam-se as seguintes diferenças:

- Os princípios contabilísticos “Da continuidade” e “Da especialização” (ou acréscimo)” previstos no POC são considerados na NIC1 como “pressupostos”;

- Os princípios “Da consistência” e “Da materialidade” estão previstos quer no POC quer na NIC1;

- O princípio “Da compensação” está previsto na NIC1, mas não está no POC. Este princípio, também, designado de “Da não compensação de saldos” estabelece que os activos e passivos não devem, por regra, ser compensados; - O princípio contabilístico “Do custo histórico” está previsto no POC e não na

NIC1.

Em artigo sob o título “Os Princípios Contabilísticos Geralmente Aceites e os Princípios Fiscais Geralmente Aceites (Impostos)”39 desenvolvemos alguns aspectos teórico-práticos da aplicação dos PCGA e a sua interpretação pela legislação fiscal, com especial destaque para o Código do IRC.

Então sublinhámos a importância da DC18 na clarificação da Estrutura Conceptual da Contabilidade em Portugal, destacando, entre outros, os seguintes aspectos:

- A clarificação do alcance da expressão “geralmente aceites”, contemplada na DC18 da seguinte forma:

“Significa que um organismo contabilístico normalizador, com autoridade e de larga representatividade, estabeleceu um princípio contabilístico numa dada área ou aceitou como apropriado determinado procedimento ou prática, atendendo à sua aplicação universalmente generalizada e ao seu enquadramento na estrutura conceptual.”;

39 Publicado no Boletim APECA n.º 82, de Maio de 1998, e no nosso livro “Temas de Contabilidade,

(26)

- O estabelecimento de uma hierarquia na aplicação dos PCGA: 1. Os constantes do POC;

2. Os constantes das Directrizes Contabilísticas; 3. Os divulgados nas NIC;

- Nessa hierarquia releva-se, também, a perspectiva conceptual da substância económica para o relato financeiro, o que constitui uma referência explícita ao princípio contabilístico “Da substância sobre a forma”;

- Quer o POC quer a DC18 não estabelecem uma hierarquia dos PCGA. Assim, em caso de conflito dos PCGA na revelação contabilística de um determinado facto patrimonial, qual o princípio contabilístico que deve prevalecer sobre o(s) restante(s)?

Como já referimos, o art.º 17.º do CIRC ao apelar para o normativo contabilístico acolhe, também, os PCGA, i.e., esse articulado constitui uma referência genérica à aplicação dos PCGA.

No entanto, o Código do IRC determina regras próprias de interpretação desses PCGA para efeitos de apuramento do lucro tributável, pelo que, independentemente dessa referência genérica à aplicação dos PCGA, o Código do IRC estabelece os limites fiscais da sua aplicação.

No referido artigo apresentámos alguns casos concretos de interpretação dos PCGA no âmbito do CIRC, dos quais destacamos dois:

- O princípio contabilístico “Da especialização (ou acréscimo)”, designado no art.º 18.º do CIRC por princípio “Da especialização dos exercícios”, tem um tratamento privilegiado no CIRC, quer no próprio art.º 18.º, quer nos art.º 19.º “Obras de carácter plurianual” e 22.º “Subsídios ou subvenções não destinadas à exploração”.

(27)

Além disso, o Fisco clarificou algumas regras de aplicação desse princípio através do Ofício-Circulado n.º 14/93, de 23 de Novembro, que ainda se encontra em vigor40;

- O princípio contabilístico “Da prudência” aplicável às “provisões”, cujas regras fiscais estão previstas nos art.os 34.º a 38.º do CIRC e que deverão ser alteradas (mais em forma do que em substância) face à aplicação do Decreto-Lei n.º 35/2005 já comentado no Capítulo 2 desse artigo.

No que concerne à aplicação das NIC/NIRF não nos parece que os princípios e pressupostos contabilísticos da Estrutura Conceptual do IASB venham a suscitar alterações significativas no Código do IRC, pois não podemos esquecer que o Fisco terá sempre a sua própria interpretação, visando o principal objectivo de arrecadação de receitas fiscais.

5.3.2 – Valorimetria

Associadas aos PCGA estão as alterações a nível da valorimetria das diversas rubricas do Balanço e das Demonstrações dos Resultados, constituindo, sem dúvida, das principais preocupações da adaptação das NIC/NIRF ao Código do IRC.

Refira-se, porém, que tais alterações não condicionam a regra da determinação do lucro tributável prevista no art.º 17.º, n.º 1, pois o que passaremos a ter é, repetimos, um enquadramento contabilístico diferente em cada uma dessas componentes, como demonstramos no seguinte esquema:

40 Sobre este assunto também elaborámos dois artigos complementares:

– “Custos e Proveitos de Exercícios Anteriores”, publicado no Jornal de Contabilidade APOTEC n.º 203, de Fevereiro de 1994 e no Boletim da APECA n.º 61, de Março de 1996, bem como no nosso primeiro livro “Contabilidade, Fiscalidade, Auditoria – Breves Reflexões, Ed. do Autor, Março de 1997 (1.ª edição), Janeiro de 1998 (2.ª edição) e Junho de 1998 (3.ª edição), pp. 23-37. – “As Correcções Relativas a Exercícios Anteriores (POC e CIRC)”, revista TOC da CTOC n.º 32,

(28)

ESQUEMA N.º 6 – Lucro Tributável (Enquadramento actual e futuro – NIC/NIRF)

LT = RL + VP± + C

Actualmente e NIC (cf. DC18) POC, DC + Art.osCIRC 21.º e 24.º + Fiscais c/ base Correcções no CIRC

Futuro - NIC “Puras” - NIC “Adaptadas”

e novo POC + Art.os 21.º e 24.º do CIRC, com adaptações Correcções Fiscais c/ base no CIRC, com adaptações

Fonte: Elaboração própria

Ou seja, as alterações da valorimetria contabilística face às adaptações das NIC/NIRF terão reflexos naquelas três componentes do LT, sem, contudo, provocar qualquer alteração conceptual no lucro tributável.

Sem sermos exaustivos, de seguida apresentamos alguns aspectos inerentes à valorimetria e que resultam da possibilidade de alterações das práticas/políticas contabilísticas, face às “novas” opções permitidas pelas NIC/NIRF.

5.3.3 – O “Justo Valor”

Como sublinhámos no item 3 deste trabalho, o conceito de “justo valor” é um dos aspectos valorimétricas mais abordados relativamente à aplicação das NIC/NIRF.

À parte algumas alterações, a seguir comentadas, à aplicação do “justo valor”, insistimos na ideia de que o nosso normativo contabilístico já o contempla em algumas Directrizes Contabilísticas, com especial destaque para a “DC n.º 13 – Conceito de justo valor”. Refira-se, aliás, que nesses casos houve a preocupação de seguir o estabelecido nas NIC.

Desta forma, não sendo um conceito novo, as alterações ao CIRC por força da aplicação do “justo valor” não deverão ser tão importantes que justifique tal destaque.

Na verdade, temos que admitir que o actual CIRC já responde em grande parte à valorimetria do “justo valor”, caso contrário já deveria ter sido alterado em conformidade com o disposto nas Directrizes Contabilísticas.

(29)

5.3.4 – O art.º 17.º do CIRC

Como já referimos, consideramos o art.º 17.º do CIRC como um “artigo de ponte” entre a contabilidade e a fiscalidade em sede de IRC, na medida em que releva a importância do resultado líquido do exercício como ponto de partida para a determinação do resultado fiscal (lucro tributável ou prejuízo para efeitos fiscais).

A alínea a) do n.º 3 do art.º 17.º do CIRC apela à organização da contabilidade de acordo com a normalização contabilística, pelo que não nos parece que a redacção deste articulado tenha que ser alterado, pois a expressão “normalização contabilística” é suficientemente abrangente e genérica para acolher o modelo contabilístico que vier a ser adoptado no âmbito NIC/NIRF.

Na verdade, o que vai alterar é o modelo de normalização contabilística, passando de um assente essencialmente no POC e nas Directrizes Contabilísticas41 para outro baseado nas NIC/NIRF “PURAS” aplicável às empresas do primeiro nível de normalização, e nas NIC/NIRF “ADAPTADAS”, incluindo um novo POC ajustado às NIC/NIRF, para o segundo nível de normalização.

5.3.5 – Custos e/ou perdas42

A Estrutura Conceptual do IASB não prevê a definição de custos mas sim as definições de gastos (em contraposição à de réditos) e perdas (em contraposição à de ganhos), como se descreve (parágrafos 78 a 80):

“78. A definição de gastos engloba perdas assim como aqueles gastos que resultem do decurso das actividades ordinárias da entidade. Os gastos que resultem do decurso das actividades ordinárias da entidade incluem, por exemplo, o custo das vendas, os salários e as depreciações. Tomam geralmente a forma de um exfluxo ou deperecimento de activos tais como dinheiro e seus equivalentes, existências e activos fixos tangíveis.

79. As perdas representam outros itens que satisfaçam a definição de gastos e podem, ou não, surgir no decurso das actividades correntes da entidade. As perdas representam diminuições em benefícios económicos

41 E subsidiariamente nas NIC, como referimos no item 1.2 deste trabalho, de acordo com a DC18.

Inclui-se também as Interpretações Técnicas referidas no rodapé n.º 10.

(30)

e como tal não são na sua natureza diferentes de outros gastos. Daqui que não sejam vistas como um elemento separado nesta Estrutura Conceptual.

80. As perdas incluem, por exemplo, as que resultam de desastres como os incêndios e as inundações bem como as que provêm da alienação de activos não correntes. A definição de gastos também inclui perdas não realizadas como, por exemplo, as provenientes dos efeitos do aumento da taxa de câmbio de uma moeda estrangeira respeitante a empréstimos obtidos de uma entidade nessa moeda. Quando as perdas forem reconhecidas na demonstração dos resultados, elas são geralmente mostradas separadamente porque o conhecimento das mesmas é útil para finalidades de tomar decisões económicas. As perdas são muitas vezes relatadas líquidas de rendimentos relacionados.”

Braz Machado43 apresenta a seguinte classificação esquemática: Réditos Proveitos Ganhos Lucro (Prejuízo) Gastos (Operacionais) Gastos ou Custos Extintos Perdas

O Código do IRC utiliza a terminologia do POC (Custos e/ou perdas vs proveitos e/ou ganhos).

O art.º 23.º do CIRC refere-se aos custos e perdas aceites para efeitos fiscais, que, de uma forma geral, correspondem à “Classe 6 – Custos e perdas” do POC. No entanto, inclui situações/operações que não provocam registos nessas contas e que são consideradas custos e perdas fiscais (v.g. menos-valias realizadas), bem como algumas situações/operações que não são aceites como custos ou perdas para efeitos fiscais.

Por outro lado, o art.º 42.º do CIRC refere-se aos custos registados na contabilidade que não são aceites para efeitos fiscais.

As eventuais alterações destes dois articulados dependerão da estrutura que vier a ser determinada para as Demonstrações dos Resultados.

43 BRAZ MACHADO, José Rita: Contabilidade Financeira – Da Perspectiva da Determinação dos

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Considerando a tipificação dos custos e perdas prevista no art.º 23.º, opinamos que este articulado poderia referir-se genericamente aos custos e perdas relevados na contabilidade (actual “Classe 6” do POC), i.e., não deveria efectuar o desenvolvimento de tais custos e perdas, mas apenas referir o requisito da sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora (n.º 1 do art.º 23.º) e sublinhando os custos fiscais que não são reflectidos no resultado contabilístico (v.g. menos-valias realizadas).

No entanto, as situações referidas nos actuais n.os 2 a 7 do art.º 23.º deveriam manter-se.

5.3.6 – Proveitos e/ou ganhos44

Tal como os custos e perdas, o POC não define proveitos e ganhos. No entanto, a Directriz Contabilística n.º 26 “Rédito”, inspirada na NIC18 com o mesmo título, prevê (item 2):

“De acordo com a Norma Internacional de Contabilidade nº 18, o rédito é o influxo bruto, durante o período contabilístico, de benefícios económicos obtidos no decurso das actividades ordinárias de uma entidade, quando esses influxos resultem em aumentos de capital próprio45.

O conceito de rédito é menos amplo que o de proveito, na medida em que aquele tem de ser gerado internamente, enquanto o proveito pode não o ser. São, por exemplo, os casos dos subsídios ao investimento e dos donativos...”.

Por outro lado, a Estrutura Conceptual (parágrafo 74) define rendimento:

“A definição de rendimentos engloba quer réditos quer ganhos. Os réditos provêm do decurso de actividades ordinárias de uma entidade sendo referidos por uma variedade de nomes diferentes incluindo vendas, honorários, juros, dividendos, royalties e rendas.”.

Assim, repetimos, as NIC contemplam os conceitos de rendimentos, réditos e ganhos e não o de proveitos.

44 O POC refere “e” e o CIRC “ou”.

45 A NIC18 (item 7) acrescenta: “que sejam aumentos relacionados com contribuições de participantes

Referências

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