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12º Encontro da ABCP Evento Online

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Academic year: 2021

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12º Encontro da ABCP Evento Online

Área Temática: 11. Política Externa

A ELEIÇÃO DE JAIR BOLSONARO E OS DESAFIOS PARA AS ANÁLISES DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA.

Déborah Silva do Monte

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Resumo

Em 2018, as eleições presidenciais brasileiras se destacaram por introduzir novos desafios e dinâmicas à política brasileira e foram marcadas por intensa polarização política entre candidatos e eleitores. Considerando este contexto, este trabalho analisa, primeiramente, como a temática da política externa foi abordada pelos principais candidatos a presidente do primeiro turno (Geraldo Alckmin, Fernando Haddad, Jair Bolsonaro, Ciro Gomes e Marina Silva). Os principais achados apontam para os efeitos do fim da dinâmica eleitoral centrípeta, capitaneada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) na política externa brasileira. Assim, após a caracterização da dinâmica eleitoral, busca-se analisar o posicionamento político e a inserção internacional do Brasil durante o início do governo de Jair Bolsonaro (2019) à luz das discussões sobre os Radical Right Parties.

Palavras-chave: Eleições; Política Externa; Radical Right Parties; governo Bolsonaro; pauta moral.

Abstract

In 2018, Brazilian presidential elections stood out for introducing new challenges and dynamics to Brazilian politics, being marked by intense political polarization among candidates and voters. Considering this context, this work first analyzes how the foreign policy was approached by main candidates for the first round (Geraldo Alckmin, Fernando Haddad, Jair Bolsonaro, Ciro Gomes and Marina Silva). The main findings point to the effects of the end of the centripetal electoral dynamics, led by the Workers' Party (PT) and the Brazilian Social Democracy Party (PSDB) in Brazilian foreign policy. Thus, after characterizing the electoral dynamics, we seek to analyze the political position and the international insertion of Brazil during the beginning of the Jair Bolsonaro government (2019) in the light of the discussions on the Radical Right Parties.

Key words: Elections; Foreign Policy; Radical Right Parties; Bolsonaro’s government; moral agenda.

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Introdução

Como a política externa foi abordada pelos principais candidatos à presidência nas eleições de 2018 no Brasil? Esta pergunta orienta o primeiro movimento analítico realizado neste trabalho. Para respondê-la, são analisadas e caracterizadas as propostas dos planos de governo de Geraldo Alckmin (PSDD), Fernando Haddad (PT), Jair Bolsonaro (PSL), Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (REDE) considerando os seguintes eixos: I) relevância atribuída à política externa no plano de Governo em comparação às demais políticas públicas; II) postura favorável à politização ou ao insulamento do Ministério das Relações Exteriores; III) propostas em relação aos processos de integração regional que o Brasil participa; IV) opção pelo multilateralismo ou pelo bilateralismo como estratégia de inserção internacional brasileira.

Após a caracterização da política externa na dinâmica eleitoral de 2018, o paper analisa a política externa do governo de Jair Bolsonaro em seu primeiro ano de mandato (2019) tendo como marco as discussões sobre os Radical Right Parties (MUDDE, 2007; BAKKER et al, 2015; POLK et al, 2017; BURNI, 2019). Em linhas gerais, estes partidos apresentam como características principais os seguintes aspectos: políticas identitárias, valores autoritários e estilo populista de governo (BURNI, 2019).

Em relação ao primeiro movimento analítico, realiza-se a caracterização de como a política externa foi abordada durante a campanha eleitoral das eleições presidenciais de 2018. Neste primeiro momento, faz-se uma análise dos planos de governo e dos pronunciamentos dos principais candidatos à Presidência da República em 2018 a partir de categorias fundamentadas na literatura sobre a relação entre eleições, opinião pública e política externa no Brasil e sobre as principais diretrizes da política externa brasileira na nova república, com destaque para os governos do PSDB e do PT .

A análise da política externa do governo Bolsonaro baseada na literatura sobre os Radical Right Parties é exploratória. Busca-se, nesse sentido, verificar os limites e as potencialidades do uso de categorias predominantemente mobilizadas no contexto europeu na investigação sobre a inserção internacional do Brasil durante o governo de Bolsonaro. Para isso, realiza-se, primeiramente, uma discussão sobre o conceito de Radical Right Parties, e, posteriormente, a análise das ações internacionais do governo à luz dos aspectos identitários desta categoria, quer sejam: i) cosmopolitismo versus nacionalismo; ii) multiculturalismo (tratamento aos migrantes e refugiados) e o iii) direito de minorias étnicas (BURNI, 2019, p.117).

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1. Política externa, eleições e opinião pública no Brasil.

A política externa foi, por muitos anos, considerada como tema secundário nas disputas eleitorais brasileiras, capitaneada pelo argumento de que “política externa não dá voto”. No entanto, estudos apontam para a crescente relevância deste tema nas discussões entre os candidatos à presidência (OLIVEIRA e ONUKI, 2010; BELÉM LOPES e FARIA, 2014; CASARÕES, 2019).

As eleições, além de serem condições necessárias à democracia contemporânea (DAHL, 2012), são entendidas como experimentos em grande escala de propaganda política e opinião pública (LAZARSFELD, BERELSON e GUAUDET, 1968). Ademais, a campanha presidencial e a decisão de quem controlará o Executivo é tema de maior importância no sistema político de um país (CAMPBELL, CONVERSE, MILLER e STROKES, 1960).

Compreender o lugar da política externa na dinâmica eleitoral do Brasil na Nova República implica, primeiramente, em caracterizar a política externa como uma política pública, isto é: ação no plano internacional do Estado e dos governos a partir de interações com atores dos ambientes doméstico e internacional (MILANI e PINHEIRO, 2013), que produz efeitos distributivos no nível doméstico (SOARES DE LIMA, 2000). Ademais, a política externa é essencialmente multisetorial por abarcar uma variedade de temas. Isto posto, os atores internacionais e domésticos interessados e envolvidos em determinada decisão em política externa variam de acordo com o issue, o que atribui maior complexidade para sua decisão, formulação, implementação e avaliação.

A política externa brasileira foi, por muitos anos, considerada insulada no Ministério das Relações Exteriores (MRE ou Itamaraty). O insulamento burocrático do Itamaraty, isto é, "a proteção do núcleo técnico do Estado contra a interferência [...] do público ou de outras organizações" (NUNES, 2003, p. 34), foi justificado pela ideia de que a expertise do corpo diplomático brasileiro o faria capaz de atuar em prol do interesse nacional. Nesta perspectiva, concebia-se a política externa como desprendida das demais políticas públicas e, por isso, seu processo decisório deveria ser distanciado da dinâmica política doméstica, seus vícios, interesses e corrupções.

Tal explicação cimentou, dentre outros aspectos, o argumento do distanciamento dos eleitores em relação à política externa e o pouco espaço nas estratégias de campanha dos candidatos presidenciais que buscam o sucesso eleitoral. Segundo Campbell, Converse, Miller, Strokes (1960, p.5):

As decisões do processo eleitoral possuem importantes efeitos nas decisões tomadas em todos os espaços do sistema político. O que o eleitorado decide pode determinar quais atores terão o poder da decisão e os resultados das eleições passadas e futuras geram importantes influências ao que tais atores

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respondem. Os detentores cargos eletivos ou por indicação em governos democráticos são guiados em muitas de suas ações pelo cálculo do efeito eleitoral (CAMPBELL, CONVERSE, MILLER, STROKES, 1960, p.5, tradução nossa)1 .

Apesar da relevância nos estudos sobre a política externa brasileira, o insulamento burocrático do MRE é uma tese datada, e seu processo decisório "é mais permeável às articulações, interesses e demandas de uma diversidade de outros atores, tanto estatais como societários" (FARIA, 2008, p. 81). Apesar da crescente politização da política externa, os efeitos de tal política pública ainda são relativamente distantes dos cidadãos, uma vez que seu destino é o ambiente internacional. Nesse sentido, a política externa brasileira, em comparação às demais políticas setoriais, ainda mobiliza de forma menos intensa a opinião pública e outros atores estatais, como o Poder Legislativo, além de ser bastante concentrada no Executivo.

Primeiramente, considera-se que a opinião pública e a política externa podem se influenciar mutuamente. Tal interação compõe as discussões da sub-disciplina de Análise de Política Externa (APE)2, ainda que explorada de forma periférica na academia brasileira. (FARIA, 2008

).

Para os fins desse trabalho, destacam-se as contribuições de Risse-Kappen (1991, p. 510-512), ao analisar comparativamente a influência da opinião pública sobre decisões em política exterior dos Estados Unidos, do Japão, da Alemanha e da França, conclui que: a opinião pública das massas importa em todos os quatro países analisados. Nesse sentido, os decisores nas democracias ocidentais não decidem contrariamente a um consenso público majoritário. No entanto, há limitações em tal influência, sendo que raramente a opinião pública geral afeta diretamente as decisões ou a implementação de políticas específicas. Ainda assim, a opinião pública influencia na formação de coalizões entre as elites, inclusive na temática da política externa. Por fim, o consenso da opinião pública sobre a política externa relacionou-se ao grau de fragmentação social e ideológica entre esquerda (liberais) e direita (conservadores).

Apesar da influência da opinião pública sobre as relações internacionais dos países democráticos, destaca-se dificuldade de percepção, pelo cidadão comum, da relação entre os resultados práticos e cotidianos das ações exteriores de Estado e governos, implicando em 1 Decisions of the Electoral process have important effects on decisions taken elsewhere in the system. What the electorate decides may determine which actors will have the power of decision, and the outcomes of past and future elections generate power of decision, and the outcome of past and future elections generate important influences to which these actors respond. The holders of elective or appointive office in democratic government are guided in many of their actions by a calculus of electoral effect.

2 Para maiores informações sobre o estado da arte da literatura estadunidense e brasileira acerca das interações entre opinião pública e política exterior, ver Faria (2008).

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uma baixa accountability da política exterior (FIORIA, 1981, apud BELÉM LOPES E FARIA, 2014, p. 140).

Jacobs e Page (2005, p.121) apontam que a opinião pública (isto é, as preferências dos cidadãos comuns) possui pouca influência nas decisões em política externa, sendo que “[...] a atração gravitacional dos decisores em política externa pelo ‘establishment em política externa’ (especialmente líderes de negócios e especialistas) tende ser mais forte do que a atração da opinião pública” (JACOBS e PAGE, 2005, p. 121, tradução nossa)3.

Belém Lopes e Faria (2014, p. 139), por sua vez, argumentam que a relevância da política externa nas eleições brasileiras esta associada à conexão feita pelo eleitor médio entre a ação internacional dos governos e a sua sensação de bem-estar.

Vale destacar que os argumentos de Fiora (1981) e Belém Lopes e Faria (2014) fundamentam-se em uma abordagem econômica do comportamento político. Nesse sentido, associa-se o comportamento do homo politicus ao do homo economicus, concebendo a ideia do eleitor médio como aquele que “[...] aborda cada situação com um olho nos ganhos a ser obtidos, o outro nos custos, uma capacidade delicada de equilibrá-los e um forte desejo de ir onde quer que a racionalidade o leve” (DOWNS, 1999, p. 29).

Esta seção reconstruiu argumentos que fundamentam teoricamente a discussão sobre política externa, eleições e opinião pública que orientam as análises em tela. A seguir, apresenta-se uma breve reconstituição de como a política externa foi abordada nas eleições presidenciais da Nova República e, posteriormente, a caracterização da discussão no pleito de 2018.

2. “Barrar a Alca e o FMI, contra burguês é que eu vou votar”.

Como argumentado anteriormente, embora a política externa mobilize os eleitores e a opinião pública de forma menos intensa que outras políticas públicas destinadas ao ambiente doméstico, percebe-se a incorporação de temas específicos e/ou slogans nas disputas eleitorais da Nova República. Nesse sentido, não foram distantes ao eleitor o gingle “Barrar a Alca e o FMI, contra burguês é que eu vou votar” do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU) na campanha de 2002. Mais recentemente, os brados de “vai pra Cuba!” ocuparam as disputas de 2014 no contexto em que o então candidato Aécio Neves (PSDB) criticava a construção do porto de Mariel, em Cuba, com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

3 Our findings indicate that the gravitational pull on foreign policy decision makers by the “foreign policy establishment” (especially business leaders and experts) tends to be stronger than the attraction of public opinion.

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A inserção da política exterior na pauta das disputas eleitorais presidenciais acompanha a redemocratização brasileira e sua trajetória remota a meados da década de 1980. À medida que a abertura política se consolidou, a temática foi progressivamente incorporada, consolidando os projetos internacionais dos principais partidos que balizaram as disputas eleitorais. Nesse sentido, em 1985, no contexto das eleições indiretas, “não houve traço de discussão sociais sobre questões internacionais. A preocupação com o mundo exterior só se evidenciou [...] em 1989, na eleição que contrapôs, no segundo turno, Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva” (BELÉM LOPES e FARIA, 2014, p. 142).

O Quadro 1 sumariza a forma como a política exterior foi abordada nas eleições presidenciais de 1989 a 2014, destacando os principais temas e a dinâmica das disputas, considerando o contexto sócio-político doméstico:

Quadro 1. Política externa nas eleições presidenciais de 1989 a 2014. Principais

candidatos Contexto doméstico Como a política externa foi abordada? Ações, temas e tendências

1989 Fernando Collor de Mello (PMN) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Primeira eleição presidencial

direta após a redemocratização Viagens a países parceiros da visão de mundo dos candidatos. Distanciamento da postura isolacionista (ação tomada pela maioria dos candidatos do primeiro turno).

Dívida externa e devastação da Amazônia (principais temas).

1994 Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Primeira eleição após o impeachment de Fernando Collor.

FHC eleito como um grande diplomata erudito. Porém, devido ao domínio da temática macroeconômica, a política externa foi abordada de forma periférica.

Preocupações

macroeconômicas: estabilização da moeda e reformas do Estado brasileiro. 1998 Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Manutenção das reformas que levaram à estabilização macroeconômica Consolidação da diplomacia presidencial de FHC. 2002 Jose Serra (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

Preocupações e debates sobre a necessidade de manter o compromisso com a

estabilidade macroeconômica.

Uso da política externa por Serra como forma de continuar a “diplomacia de prestígio” de FHC e enfraquecer a figura de Lula como liderança internacional.

Oposição discursiva de Lula às formas de fazer política externa de FHC: erudito x popular & nacionalista x internacionalista (crítica eleitoral às viagens internacionais de FHC).

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2006 Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB).

Consolidação das ações de combate à pobreza e à desigualdade.

Uso do potencial eleitoral da política externa de forma mais intensa, em programas de televisão (Lula) e em debates televisionados (questão da nacionalização de uma sede da Petrobrás na Bolívia). A estratégia discursiva do PSDB começou a ganhar contornos de caracterizar a política externa do PT de ideológica. 2010 Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB).

Manutenção das ações de combate à pobreza e à desigualdade.

Defesa, por Dilma Rousseff, da continuidade da política externa “altiva e ativa” de Lula.

Críticas, por Serra, às parcerias estabelecidas nos mandatos de Lula a países violadores dos direitos humanos, sob acusação de ideologização da política externa.

2014 Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB).

Redução nos indicadores

socioeconômicos PSDB propõe a “diplomacia da prosperidade”: relações comerciais com os EUA, Europa e países asiáticos, valorização do Itamaraty e abandono da ideologia na condução da política externa.

Jornadas de Junho de 2013. Intensa polarização do debate público.

Diante das acusações, críticas e a polarização deste pleito, a política externa foi periférica na campanha de Dilma Rousseff.

Fonte: a autora com informações de Belém Lopes e Faria (2014), Danese (1999) e Tribunal

Superior Eleitoral (TSE, 2020).

Além do progressivo espaço que a política exterior passou a ocupar nas disputas presidenciais da Nova República, percebe-se a consolidação de diferentes características nas diretrizes internacionais de PT e PSDB. Como apontado por Oliveira e Onuki (2010, p.175-176), os principais aspectos de divergência entre ambos diz respeito às parcerias estratégicas com países do Norte ou do Sul Global e às opções de integração regional. Spektor (2018) por sua vez, argumenta que apesar das diferentes estratégias internacionais adotadas por PT e PSDB, ambas se assemelham por respeitarem a ordem multilateral e por tratarem a América do Sul como região autônoma e palco privilegiado para a atuação protagonística do Brasil. O contraste entre os dois projetos se fundamenta, essencialmente, pelas diferentes compreensões sobre a globalização e seus efeitos:

[...] Enquanto tucanos concebiam a política externa como instrumento de adaptação do Brasil pós-autoritário à globalização, petistas imaginam a diplomacia como instrumento de resistência àquilo que viam como efeitos perversos da globalização. Essas diferenças levaram tucanos e petistas a elaborar políticas externas alternativas. Os primeiros montaram uma diplomacia dedicada a buscar “credenciais de boa conduta internacional” em áreas como direitos humanos, não proliferação nuclear, meio ambiente e comércio internacional [...]. a partir de 2003, com o início do mandato do governo Lula, os petistas montaram uma política externa para explorar as rachaduras do projeto político da globalização [...]. FHC rodou o mundo para amarrar o Brasil a novas regras internacionais que permitissem ao país

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embarcar num novo ciclo de desenvolvimento capitalista. Lula manteve essa política, mas adicionou a ela uma ambição reformista (SPEKTOR, 2018, p. 264-266, grifos nossos).

A eleição de 2018 deu fim à dinâmica centrípeta entre PT e PSDB (SARTORI, 1982; AMORIM NETO, 2018), desorganizando o jogo político partidário característico do presidencialismo de coalizão. Na esteira do forte sentimento antipetista, das críticas à política tradicional e às instituições da democracia representativa, a campanha que deu a vitória a Bolsonaro foi marcada por desinformação (com uma explosão de Fake News) e enfraquecimento do debate público com a ausência de Bolsonaro nos debates televisivos. Outro aspecto de ruptura concerne à imbricação ideológica de Bolsonaro, isto é: “[...]um político nítida e assumidamente de direita, com uma proposta econômica ortodoxa de adoção recente, uma pauta de valores ultraconservadora, apoiado em um partido que só existe por força e efeito de arraste da sua candidatura” (ABRANCHES, 2018, p. 11-12).

O Quadro 2 apresenta a caracterização das propostas sobre política externa dos planos de governo de Geraldo Alckmin (PSDB), Fernando Haddad (PT), Jair Bolsonaro (PSL), Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (REDE) considerando os eixos: I) relevância atribuída à política externa no plano de governo em comparação às demais políticas públicas; II) postura favorável à politização ou ao insulamento do Ministério das Relações Exteriores; III) propostas em relação aos processos de integração regional que o Brasil participa; IV) opção pelo multilateralismo ou pelo bilateralismo como estratégia de inserção internacional brasileira.

Quadro 2. Política externa na eleição de 2018.

Relevância atribuída à PE no plano de governo4 Politização x Insulamento

Integração Regional Multilateralismo x Bilateralismo Fernando Haddad (PT) Alta - Fortalecimento do Mercosul, da Unasul e da CELAC. Multilateralismo. Proposta de reforma dos organismos internacionais (OMC; ONU/ Conselho de Segurança); fortalecimento do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Geraldo Alckmin (PSDB)

Alta Insulamento Retorno do Mercosul aos objetivos originais; reavaliação da participação na Unasul; finalização do acordo Mercosul – União Europeia. Multilateralismo. Manutenção da entrada do país na OCDE. Manutenção de iniciativas como BRICS, IBAS e CPLP

4 Análise indicada pelo tratamento dado à política externa nos planos de governo dos candidatos. Consideram-se

os seguintes indicadores: a) número de páginas destinadas à temática no plano; b) a qualificação das propostas sobre o tema.

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Jair Bolsonaro (PSL)

Baixa - Menção ao fortalecimento da integração, sem especificar o processo. Bilateralismo. Valorização de acordos bilaterais na política externa comercial. Parcerias com potências ocidentais (EUA, Itália e Israel).

Ciro Gomes (PDT)

Alta Politização Mercosul: flexibilização da união aduaneira quando for do interesse estratégico do Brasil Multilateralismo. Reforma das organizações comerciais, financeiras e de segurança. Marina Silva (REDE)

Alta - Finalização do acordo

Mercosul – União Europeia.

Acordo com a Aliança do Pacífico Multilateralismo. Fortalecimento dos organismos multilaterais. Menção à necessidade da presença brasileira no Conselho de Segurança da ONU. Valorização dos regimes ambientais com o protagonismo brasileiro.

Fonte: a autora com informações dos planos de governo cadastrados no Tribunal

Superior Eleitoral (2018).

A análise das propostas mostra que, embora presente em todos os planos de governo, a relevância atribuída variou entre os candidatos, sendo que no plano de governo de Jair Bolsonaro (o candidato eleito) ela recebeu a menor relevância em consideração às demais políticas e em comparação aos outros planos de governo. A expressão “política externa” sequer é utilizada e a opção pelo bilateralismo aparece na seção Um Novo Itamaraty. Há, nesse sentido, menções expressas sobre a reformulação do MRE à luz dos valores da sociedade brasileira, traço marcante da política externa de Bolsonaro, como se verá a seguir.

Relativamente ao processo decisório em política exterior (eixo insulamento/politização), apenas o projeto de Ciro Gomes (PDT) faz menção explícita à política externa como política pública e chama atenção à necessidade de um debate popular e plural sobre a temática, ao afirmar que a “ação diplomática não se confunde com formulação de política exterior, que é tarefa de todo o país e de seu governo. Política exterior é ramo da política”. A proposta de Alckmin (PSDB) tendeu ao insulamento por atribuir ao Itamaraty “papel central na formulação e execução de nossa política externa que atuará com autonomia na coordenação das políticas nacionais em todas as áreas de negociação internacional e regional”.

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A integração regional foi mencionada por todos os projetos políticos. Bolsonaro advogou pela valorização da integração regional sem, contudo, nomear quais os processos e as estratégias. A Unasul surgiu como um ponto de diferenciação entre as candidaturas de PT e PSDB: Haddad explicitamente defendeu a importância de seu fortalecimento, ao passo que Alckmin afirmou a necessidade de reavaliar a participação brasileira no projeto. A Unasul é um expoente do regionalismo pós-neoliberal na América do Sul e resultou do consenso ideológico à esquerda na região. O Mercosul, por sua vez, é majoritariamente citado pelos planos analisados, mesmo que as ações específicas variem substantivamente, a exemplo das propostas de Ciro e Alckmin.

Ademais, a questão política da Venezuela e as relações do PT com o governo Maduro foi explorada como aspecto de polarização ideológica, usada como proxy de distanciamento ou proximidade ao PT (CASARÕES, 2019).

Outro achado diz respeito ao eixo multilateralismo/bilateralismo, em que as propostas de Bolsonaro não mencionam a participação do Brasil em organizações internacionais de qualquer tipo. Alternativamente, expressa-se a preferência de aprofundar relações bilaterais com países específicos (como Estados Unidos, Itália e Israel), fato que diverge das propostas de todos os demais candidatos e contradiz diretrizes históricas da inserção internacional brasileira, como o posicionamento em relação a Israel. Fernando Haddad e Ciro Gomes se destacaram por defender a reforma das organizações multilaterais, numa perspectiva semelhante à atuação internacional do governo Lula de projeção do Brasil como uma potência emergente revisionista.

Marina Silva, em consonância com a agenda doméstica da candidata, propôs a valorização dos regimes internacionais ambientais, apontando para a necessidade de consolidar o protagonismo brasileiro nesta agenda. Alckmin, por sua vez, comprometeu-se com a entrada do país na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Vale destacar que tal ação foi iniciada no governo de Michel Temer (MDB), cujos Ministros das Relações Exteriores pertenciam ao PSDB (José Serra e Aloísio Nunes), responsáveis por encampar político e ideologicamente a decisão.

3. A política externa de Bolsonaro: internacionalização da pauta moral.

A eleição de Jair Bolsonaro representa, no Brasil, a ascensão política da extrema-direita, fenômeno de recorrência e destaque no contexto internacional contemporâneo. Na Europa, os chamados Radical Right Parties emergiram nas décadas de 1970 e 1980 e ganharam maior apoio eleitoral a partir dos anos 1990 (BURNI, 2019, p.15). Tais partidos e governos, quando eleitos, desenvolvem agendas autoritárias, iliberais (em termos de direitos

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e garantias institucionais) e com tendências nacionalistas. Tal fenômeno é exemplificada pelas políticas do Primeiro Ministro da Hungria, Viktor Orbán, do Partido Fidelsz (Hungarian Civic Alliance) e do governo do Pis (Law and Justice) na Polônia. Em ambos os casos, houve ataques às instituições democráticas, como a imprensa livre e a independência dos Poderes (MEIJERS; VAN DER VEER, 2019, p.838). Além destes casos em que a extrema-direita alcançou o governo, “[...] partidos e movimentos de extrema direita ganham força em diferentes países da Europa, com destaque para as eleições da Alemanha (2017), em que o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) obteve 12,3% dos votos e quase 90 assentos na câmara baixa” (ANASTASIA; MONTE, 2018, p. 65).

No continente americano, tal tendência é, principalmente, exemplificada pela eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. A campanha vitoriosa nas urnas do presidente republicano se fundamentou em discursos extremistas contra grupos minoritários (especialmente imigrantes), ataques à liberdade de imprensa e questionamentos sobre a legitimidade das instituições democráticas e das regras do jogo político (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018).

Como mencionado anteriormente, a eleição de Jair Bolsonaro levanta questionamentos sobre como caracterizar o seu governo e as políticas por ele produzidas. O fenômeno Bolsonaro é geralmente associado ao aumento da competitividade eleitoral dos partidos que compõem a denominada nova direita. Em linhas gerais, tal categoria se refere a partidos e movimentos políticos que, no contexto latino-americano:

[...] conserva[m] elementos da velha direita [como] o capitalismo como modelo econômico e [os] preceitos morais tradicionais; entretanto, essa direita ideologicamente renovada reconhece e aceita as vantagens políticas das políticas sociais implementadas pela esquerda na região, ao mesmo tempo que procura se desvincular da memória dos regimes ditatoriais militares apoiados pelos partidos da velha direita (CODATO, BOLOGNESI e ROEDER, 2015, p. 121, grifos no original).

A partir dos indicadores utilizados por Codato, Bolognesi e Roeder (2015), entende-se que a classificação do governo Bolsonaro como fenômeno da nova direita não se sustenta devido à sua vinculação política à ditadura militar brasileira e aos ataques e críticas ao funcionamento das instituições democráticas. Contudo, ao se considerar as estratégias bolsonaristas de disputa do poder político, este governo pode ser enquadrado em tal categoria. Kaltwasser (2014, p. 43-45) elenca três características da nova direita na América Latina, quer sejam: 1) a adoção de mecanismos não eleitorais, com destaque para as ações de lobby desenvolvidas por organizações empresariais, para a construção de comunidades epistêmicas e para a difusão de suas ideias por think tanks; 2) a popularização de mecanismos eleitorais apartidários, como a ascensão de lideranças eleitorais que se distanciam dos

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partidos tradicionais e de seus símbolos; 3) iniciativa de criação de novos partidos políticos, como a Aliança pelo Brasil. Ademais, a construção da pauta moral da nova direita se deve à adesão de grupos religiosos, com concepções tradicionais de família, a seu projeto político (VILLAZÓN, 2015).

Considerando a política externa, o governo Bolsonaro tem sido caracterizado por levar a cabo uma diplomacia de ruptura. Nesse sentido, percebe-se uma importante inflexão em relação aos compromissos feitos durante os governos do PSDB – como o de garantir ao Brasil as “credenciais de boa conduta internacional” – e do PT – como reformar o sistema internacional tendo em vista as novas dinâmicas de poder. Entende-se que há um processo de ideologização à direita da política externa em ruptura a um suposto alinhamento ideológico, em detrimento do pragmatismo, das relações exteriores do Brasil durante os governos de imbricação centrista (SPEKTOR, 2018). Apesar das críticas bolsonaristas, entende-se que há uma importante combinação entre ideologia e pragmatismo na condução da política exterior nos governos de FHC e Lula. Nesse sentido, a ideologia orientou os comportamentos internacionais em um contexto de flexibilidade pragmática em relação ao peso atribuído aos aspectos ideológicos nas decisões. Assim, “apesar da variação experimentada e em diferentes medidas, pode-se dizer que, tanto no mandato de Cardoso quanto no governo Lula, o pragmatismo prevaleceu sobre a ideologia” (SARAIVA, 2011, p. 65, tradução nossa)5.

Lima e Albuquerque (2019, p. 5) propõem que "por ser um tema altamente centrado no Poder Executivo, em que a necessidade de composição de forças com o Congresso é matizada, propomos que Bolsonaro utiliza a PEB como um espaço de políticas declaratórias que buscam a fidelização de uma parcela mais radical do eleitorado". Nesse sentido, a política externa do governo Bolsonaro é orientada pela estratégia do caos: por ser menos politizada que as demais políticas públicas, é utilizada como instrumento para agradar e fidelizar a parcela mais extremada do seu eleitorado. A partir deste argumento, a política externa bolsonarista tende a se cristalizar como uma das mais radicais do governo, aproximando-o da posição política dos Radical Right Parties e das suas preferências em relação às questões identitárias e às opções internacionais.

Os Radical Right Parties são uma família partidária6 que se estabeleceu no contexto europeu após a Segunda Guerra Mundial e, desde as décadas de 1970 e 1980, têm ganhado espaço político e/ou eleitoral em toda a região (MUDDE, 2007). A emergência do fenômeno, seus condicionantes econômicos e sociais, e os seus efeitos nas democracias europeias têm 5Despite the variation experienced and in different measures, one can say that, both in the Cardoso term and in the Lula government, pragmatism prevailed over ideology.

6 Mudde (2007, p.15) utiliza o termo família partidária (party family, no original) para se referir a um conjunto identificável de partidos políticos que compartilham aspectos ideológicos. Como exemplos de famílias partidárias tradicionais, o autor faz referência aos Democratas Cristãos, Socialistas, Sociais Democratas e Liberais.

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crescente relevância acadêmica. Nesse sentido, diversos termos são usados para denominar tais partidos – como Extreme Right, New National Populism, Far Right, Right Wing Populist, entre outros (BURNI, 2019, p.97-99). No entanto, a miríade de denominações não necessariamente resulta do debate sobre a definição do conceito e, de acordo com Mudde (2007, p. 12), deriva da ausência de uma definição clara e mainstream. A discussão profunda acerca das definições de tal classificação partidária excede o escopo deste paper7 e, por ora,

a adoção da definição Radical Right Parties se justifica por suas três características básicas e pela forma como o aspecto identitário é mobilizado (BURNI, 2019).

Em linhas gerais, os Radical Right Parties8 são caracterizados pelos seguintes

aspectos: a) políticas de valorização identitárias, excludentes em relação às minorias étnicas, aos migrantes e à população LGBTIQI+, por exemplo; b) valores autoritários; e c) estilo populista de governo, com a mobilização direta das massas e a desvalorização das instituições formais (BURNI, 2019).

Vale destacar, no entanto, que entre as características supracitadas, a política identitária é a mais relevante para classificar um Radical Right Party. Políticas identitárias, nesse sentido, são baseadas em aspectos como etnia, nacionalidade, cultura, religião e língua. Na agenda de tais partidos e/ou governos, tais questões são centrais na política e no debate eleitoral. Desta forma, o enfoque identitário é geralmente traduzido na defesa de sociedades homogêneas que se fundamentam por semelhanças culturais, étnicas ou religiosas (BURNI, 2019, p. 107-109).

A partir do exposto, a análise das ações internacionais de um Radical Right Party, ou de fenômenos que a ele se assemelham, mobiliza as seguintes categorias: i) cosmopolitismo versus nacionalismo; ii) multiculturalismo, indicado pelo tratamento aos migrantes e refugiados e; iii) direitos de minorias étnicas (BURNI, 2019, p.117).

O eixo cosmopolitismo versus nacionalismo se destaca na análise da política externa bolsonarista. Uma importante inflexão deste governo diz respeito à retórica nacionalista, fundamentada por preceitos religiosos e pela defesa da pauta moral, que ataca políticas globalistas (BELÉM LOPES, 2020). Nesse sentido, a inserção internacional se guia por críticas ao multilateralismo, às organizações internacionais, em especial aquelas cujo conteúdo contrasta com a pauta moral de sua base eleitoral, e ao direito internacional. Este traço é simbolizado pelo slogan de campanha “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.

A reorientação antiglobalista da política externa de Bolsonaro é retoricamente fundamentada pela necessidade de alinhar a inserção internacional aos valores religiosos e tradicionais dos cidadãos brasileiros. Há, em tal argumento, a falaciosa ideia de que a

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internacionalização da pauta moral corresponde ao processo de democratização da política externa: se o presidente Bolsonaro é cristão, com valores morais tradicionais, e ganhou as eleições, logo uma política externa democrática passa por uma reorientação antiglobalista. No entanto,

Se é bem verdade que a sociedade brasileira preza a dimensão religiosa, não se extrai daí que os cidadãos sejamos refratários ao secularismo como princípio organizador da vida política. [...]. Ao substituir as máximas mundanas do realismo político por princípios idealistas e metafísicos, Araújo e colaboradores recriam o ciclo de produção da política externa brasileira. Tira-se o povo da conversa, reduzindo-o a mero estereótipo de uma expressão religiosa. Habilmente, o chanceler e seu grupo promovem jogos filosóficos e de linguagem cujo saldo é a elitização decisória em política externa (BELÉM LOPES, 2019, Deus e o diabo...).

O resultado, contrariamente

do esperado em um processo de democratização da política externa, é a adoção indiscutida de valores de um setor específico, que distancia os cidadãos da dimensão prática e dos efeitos distributivos da política exterior. Ademais, ainda que a retórica seja da popularização, o governo Bolsonaro utiliza o relativo distanciamento do demos e da opinião pública dos assuntos internacionais para agir de forma mais ideológica e menos pragmática.

Como exemplo, o Ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo afirmou que “[...] devemos evitar a palavra multilateralismo para falar sobre instituições internacionais e multilaterais [...]. Não nos deixemos cair no erro de atacar aqueles que defendem a soberania nem desprezar aqueles que defendem o sentimento nacional” 9. Ademais, os dois discursos de Bolsonaro na Abertura da Assembleia Geral da ONU (em 2019 e 2020), apesar das suas particularidades contextuais, denunciam a suposta violação de soberania feita pelas organizações internacionais que criticam as políticas ambientais e de gestão da pandemia da COVID-19 do governo brasileiro. Há, nesse sentido, um aceno à parcela mais fiel e radical do eleitorado de Bolsonaro, como previsto por Lima e Albuquerque (2019).

Merece destaque, ainda, a mudança da postura brasileira no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Em discussão sobre uma resolução destinada a eliminar a discriminação contra mulheres e meninas, o Brasil se alinhou as posições de Estados ultraconservadores e/ou teocráticos (como o Egito, o Paquistão e a Arábia Saudita) e se absteve na votação da matéria10. Entre as alterações sugeridas pelo Brasil ao texto da resolução, destaca-se a

9 Em fala sobre 2ª Guerra ao Conselho de Segurança da ONU, Ernesto ataca multilateralismo https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/05/em-fala-sobre-2a-guerra-ao-conselho-de-seguranca-da-onu-ernesto-ataca-multilateralismo.shtml?origin=folha

10 Brasil se abstém em votação na ONU contra discriminação de mulheres e meninas

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supressão de referências aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, medida apoiada pela Arábia Saudita (CHADE, 2020).

Considera-se que as críticas ao cosmopolitismo e ao multilateralismo feitas pelo atual governo são influenciadas pela centralidade de alguns novos atores com poder de agenda. Nesse sentido, destacam-se o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro que foi cotado para assumir a embaixada do Brasil em Washington e presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados (CREDN), e Felipe Martins, Assessor de Assuntos Internacionais da Presidência. Segundo Spektor (2018, p. 268) "juntos, eles pautam boa parte dos sinais do novo governo na agenda externa por meio de postagens regulares nas redes sociais, nas quais defendem uma ruptura maximalista em assuntos internacionais e promovem a mobilização do eleitorado contra lideranças de oposição, o establishment de política externa e a imprensa tradicional".

Em relação ao multiculturalismo, verificado pelo tratamento aos migrantes e refugiados, destaca-se a atitude de revogar a adesão brasileira ao Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular. Tal decisão se deu em janeiro de 2019, primeiro mês de governo, sob argumentos de que a soberania brasileira deveria ser respeitada na questão. Nas palavras do presidente Bolsonaro, “Quem porventura vier para cá deverá estar sujeito às nossas leis, regras e costumes, bem como deverá cantar nosso hino e respeitar nossa cultura. Não é qualquer um que entra em nossa casa, nem será qualquer um que entrará no Brasil via pacto adotado por terceiros”11.

Destaca-se, alternativamente, a Operação Acolhida que se destina à recepção, ao abrigo e à interiorização de migrantes e refugiados venezuelanos no Brasil. A operação foi iniciada pelo governo Temer e reforçada pelo governo Bolsonaro, sendo que em 2020, mais de 38 mil venezuelanos foram aceitos como refugiados pelo Comitê Nacional de Refugiados (Conare)12. A concessão do status de refugiado pelo Brasil passa pelo reconhecimento de violações generalizadas de direitos humanos, de acordo com a Lei 9.474 de 1997 (BRASIL, 1997). Entende-se que o instituto do refúgio é também uma decisão política que possui impactos nas relações entre os países envolvidos. A animosidade entre Brasil e Venezuela e a postura brasileira em relação à gestão da crise política e humanitária venezuelana podem ser fatores que explicam tal postura.

Relativamente aos direitos de minorias étnicas, destaca-se que Jair Bolsonaro se estabeleceu como liderança política com discursos críticos aos povos e populações 11 Agência Brasil. Bolsonaro confirma revogação da adesão ao Pacto Global para Migração.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2019-01/bolsonaro-confirma-revogacao-da-adesao-ao-pacto-global-para-migracao

12 Brasil reconhece condição de refugiado de quase oito mil venezuelanos. https://www.gov.br/pt- br/noticias/assistencia-social/2020/08/brasil-reconhece-condicao-de-refugiado-de-quase-oito-mil-venezuelanos

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tradicionais, como indígenas e quilombolas, chegando a afirmar que "no que depender de mim, não tem mais demarcação de terra indígena"13.

No âmbito internacional, ambos os discursos do Presidente na Abertura da Assembleia Geral da ONU fazem referências negativas aos povos indígenas brasileiros ou às suas lideranças. Em 2019, Jair Bolsonaro afirmou, reforçando as visões nacionalistas e antiglobalistas, que “líderes, como o Cacique Raoni, são usados como peça de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia”14. Em 2020, em meio às queimadas no Pantanal e na Amazônia, a afirmação foi

de que “Os incêndios acontecem praticamente nos mesmos lugares, no entorno leste da floresta, onde o caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já desmatadas”15. Tal afirmação pode ser compreendida como uma tentativa de

transferir, internacionalmente, a responsabilidade aos povos tradicionais.

Considerações finais

Este paper analisou, em um primeiro movimento analítico, como a política externa foi abordada no particular contexto da eleição presidencial de 2018. A análise dos planos de governo demonstrou que, entre Fernando Haddad, Geraldo Alckmin, Ciro Gomes e Marina Silva, Bolsonaro foi quem atribuiu a menor relevância em seu plano de governo em consideração às demais políticas.

A política externa foi explorada na campanha de Bolsonaro de forma negativa: as principais ações se orientaram por romper com as opções internacionais de PT e PSDB e por usar as parcerias petistas como ponto de divergência e demarcação ideológica. Contudo, as estratégias eleitorais de Bolsonaro, que privilegiaram meios alternativos de interlocução com o eleitorado, e a demora na definição do candidato à presidência pelo PT, contribuíram para o esvaziamento do debate sobre a política externa.

Ademais, a escassa menção ao processo decisório em política externa na maioria dos planos de governo analisados indica a pouca percepção, de candidatos e eleitores, do caráter público da política exterior e de seus efeitos distributivos. Vale destacar, também, que a alcunha de política externa ideológica, tão enfaticamente usada por Bolsonaro na campanha e no primeiro ano de governo, foi introduzida no debate público pelo PSDB quando era 13 Ver https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/11/no-que-depender-de-mim-nao-tem-mais-demarcacao-de-terra-indigena-diz-bolsonaro-a-tv.shtml

14 Veja a íntegra do discurso de Bolsonaro na ONU com checagens e contextualizações -

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/09/veja-a-integra-do-discurso-de-bolsonaro-na-onu-com-checagens-e-contextualizacoes.shtml

15 Leia a íntegra do discurso de Bolsonaro na ONU com checagens e contextualização.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/09/veja-a-integra-do-discurso-de-bolsonaro-na-onu-com-checagens-e-contextualizacao.shtml

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oposição aos governos petistas. O argumento de Bolsonaro, no entanto, considera ambas as políticas exteriores peessedebistas e petistas como ideológicas de esquerda, apesar de suas particularidades.

Como visto, a eleição de Jair Bolsonaro tem colocado em teste as dinâmicas políticas que caracterizaram a Nova República. No âmbito da política externa, os principais modelos analíticos traçam similaridades e diferenças sobre as opções internacionais de dois partidos que ocupam posições mais centrais no espectro político-ideológico: PT e PSDB. A eleição e o governo de Jair Bolsonaro, com um forte discurso antisistêmico e crítico às instituições da democracia representativa, apresentam novos desafios às análises da política brasileira. Sendo assim, a literatura acerca dos Radical Right Parties, majoritariamente fundamentada em partidos de países europeus, é mobilizada para caracterizar a posição política do governo Bolsonaro e da sua política externa.

Assim como os Radical Right Parties, a pauta moral (isto é, identitária) é central na agenda eleitoral e política de Jair Bolsonaro. Devido ao relativo distanciamento dos eleitores médios em relação à política exterior e aos seus efeitos distributivos, tal tema é privilegiado para a radicalização das ações e fidelização do seu eleitorado. Nesse sentido, os discursos e ações internacionais buscam satisfazer e conformar a visão de mundo do eleitorado mais fiel de Bolsonaro, como apontado por Soares de Lima e Albuquerque (2019).

A exploratória análise realizada demonstra que, no caso brasileiro, o aspecto identitáiro mais destacado é a vinculação entre religião e política externa, na defesa de uma sociedade com valores judaico-cristãos. Nesse sentido, o antiglobalismo, o nacionalismo e a defesa da hegemonia estadunidense, tão marcantes nas relações internacionais do Brasil contemporâneo, se vinculam à internacionalização da pauta moral e religiosa. Entende-se, assim, que questões relativas aos direitos humanos, como os direitos das mulheres e da população LGBTQI+, possuem o maior potencial de ruptura em relação às ações internacionais dos governos anteriores. A partir do exposto, outras análises são necessárias para entender as interações entre o doméstico e o internacional neste aspecto.

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