• Nenhum resultado encontrado

PRESENÇA. REVISTA DE EDUCAÇÃO, CULTURA E MEIO AMBIENTE- Nov.-N 29, Vol. VIII, UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA UNIR

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "PRESENÇA. REVISTA DE EDUCAÇÃO, CULTURA E MEIO AMBIENTE- Nov.-N 29, Vol. VIII, UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA UNIR"

Copied!
74
0
0

Texto

(1)

PRESENÇA

REVISTA DE EDUCAÇÃO, CULTURA E MEIO AMBIENTE- Nov.-N°29, Vol. VIII, 2004.

(2)

UNIVE

UNIVE

UNIVE

UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

RSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

RSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA —

RSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

— UNIR

UNIR

UNIR

UNIR

GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS MODOS DE VIDAS E CULTURAS AMAZÔNICAS-GEPCULTURA LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA HUMANA E PLANEJAMENTO AMBIENTAL

PRESENÇA

PRESENÇA

PRESENÇA

PRESENÇA ----

ISSN 1413

ISSN 1413----6902

ISSN 1413

ISSN 1413

6902

6902

6902

Revista de Educação, Cultura e Meio Ambiente Vol. VIII - n° 29 - Novembro — 2004 — Porto Velho/RO PROVADO PELO CONSEPE/UFRO RESOLUÇÃO N°0122/1994

E d i t o r : JOSUÉ COSTA Foto: Josué da Costa Leiaute e Diagramação: Eliaquim T. da Cunha Sheila Castro dos Santos

CONSELHO EDITORIAL

Arneide Bandeira Cemin – antropóloga/UNIR Carlos Santos – geógrafo/UNIR Clodomir Santos De Moraes - sociólogo/UNIR

Liana Sálvia Trindade – antropóloga/USP

Maria Das Graças Silva Nascimento Silva – geógrafa/UNIR Mariluce Paes De Souza –administradora/UNIR

Miguel Nenevé – letras/UNIR Nídia Nacib Pontuschka – geógrafa/USP

Theóphilo Alves De Souza Filho – administrador/UNIR

www.revistapresença.unir.br

PRESENÇA PRESENÇA PRESENÇA

PRESENÇA.... Revista de Educação, Cultura e Meio Ambiente. Porto Velho, fundação Universidade Federal de Rondônia.

Trimestral

1. Educação-Periódica 2. Meio Ambiente — Periódico

(3)

SUMÁRIO

SUMÁRIO

SUMÁRIO

SUMÁRIO

EDITORIAL...04

ESPACIALIDADE DAS FESTAS RELIGIOSAS EM COMUNIDADES RIBEIRINHAS...05 ADRIANO LOPES SARAIVA

JOSUÉ DA COSTA SILVA

TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS POST MORTEM: ENTRE A BIOÉTICA E O BIODIREITO...15 LUÍS TIAGO FERNANDES KLIEMANN

CLAUDIMIR CATIARI

O CORPO E SUA DIMENSÃO SIMBÓLICA...23 JOÃO GUILHERME RODRIGUES MENDONÇA

OS RECURSOS PESQUEIROS DA AMAZONIA...34 AMARAL, J.J.; BADOCHA, T.E.

CRÔNICAS: DOUTORES DA VIDA...40 VANISA DURAND GONÇALVES

A COLONIZAÇÃO EM RONDÔNIA E AS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO... 42 SÉRGIO L. V. DE MIRANDA

O REFLEXO DA LENTIDÃO DAS DECISÕES DO PODER PÚBLICO NA AUTO-SUSTENTABILIDADE DO SETOR FLORESTAL EM RONDÔNIA...52 EDMUNDO MACHADO NETTO

UM OLHAR SOBRE A QUEIXA DOCENTE NA ESCOLA ATUAL...62 JURACY MACHADO PACÍFICO

(4)

EDITORIAL

EDITORIAL

EDITORIAL

EDITORIAL

A revista Presença vem marcar mais uma publicação colocando como centro da discussão teóric a aspec tos v oltados a c omunic aç ão, imagin ário e significação para o homem em suas relações sociais. Neste sentido, as matérias aqui apresentadas vislumbram contribuir de forma significativa para a discussão sobre a pesquisa que utiliza a oralidade como referência em formar interpretações da realidade que têm, no entrevistado uma visão prioritária para essa aproximação, bem como a construção mítica e cultural que os rituais que trazem símbolos e códigos textuais que dizem muito mais do que o ato de realização cultural em si. E m u ma d i n â mi c a q u e é p e c u l i a r a o c a r á t e r e e x i s t ê n c i a dessa revista, propomos uma expansão da leitura do meio ambiente, sob o ponto de vista ético. Pensamos todas as discussões articuladas com o conhec imento da realidade amazônica (compromisso irrefutável, imbricado com o próprio existir da revista), publicando fatos acerca da construção histórica deste lugar, enquanto entidade federativa assim como espaço urbano. Ambos sob a égide da dependência política. Por certo não poderíamos deixar de contribuir com a discussão sobre o ensino superior refletindo sobre a seleção do conhecimento que lhe vem sendo inquirida através das reformas curriculares. Essas reflexões, neste número, enriquecerão e certamente contribuirão para o debate por todos aqueles que são interessados pelo tema. Isto nos estimula a confiar que no próximo número a disputa por um espaço nesta revista continuará acirrado.

(5)

ESPACIALIDADE DAS FE

ESPACIALIDADE DAS FE

ESPACIALIDADE DAS FE

ESPACIALIDADE DAS FESTAS

STAS

STAS

STAS

RELIGIOSAS EM COMUNI

RELIGIOSAS EM COMUNI

RELIGIOSAS EM COMUNI

RELIGIOSAS EM COMUNIDADES

DADES

DADES

DADES

RIBEIRINHAS

RIBEIRINHAS

RIBEIRINHAS

RIBEIRINHAS

Adriano Lopes Saraiva

Adriano Lopes Saraiva

Adriano Lopes Saraiva

Adriano Lopes Saraiva

1111

Josué da Costa Silva

Josué da Costa Silva

Josué da Costa Silva

Josué da Costa Silva

2222

RESUMO: Esse artigo analisa o espaço utilizado para a realização das

festas religiosas em comunidades ribeirinhas, suas características e como esse acontecimento interfere na organização espacial do grupo, chegando a orientar aa criação de novos espaços dentro das comunidades.

PALAVRAS-CHAVE: Festas religiosas; Populações tradicionais; Espaço

ribeirinho; Cultura e religiosidade; Geografia cultural.

ABSTRACT: This article analysis the space to the accomplishment of

religious parties in riversides communities, their characteristic and as that happening interferes in the space organization of the grouup, ending up guiding the new spaces cration inside the communities..

KEYWOR: Religious festivities; Traditional populations; Riverside space;

Culture and Religiosity; Cultural geography.

“A vida religiosa constitui, portanto, um dos temas centrais para o estudo da vida das coletividades humanas, pois permite compreender aquilo que as estrutura e a partir de que elementos se constroem as identidades coletivas”. (Paul Claval, 1999, p. 55)

Introdução

A partir da realização do projeto de pesquisa “Estudo do Processo de Recriação do Espaço

Ribeirinho através das Festas Religiosas” (PIBIC/CNPq/UNIR, 2002), alguns aspectos foram

levantados e discutidos. Como por exemplo, a festa religiosa como fator modificador do espaço

1 Graduando do Curso de Geografia da Universidade Federal de Rondônia - UNIR. Membro do Centro de Estudos Interdisciplinar em Desenvolvimento Sustentável e Populações Tradicionais da Amazônia - CEDSA. Endereço eletrônico: adriano.saraiva@gmail.com

2Prof. Adjunto do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Rondônia/UNIR. Coordenador do Centro de Estudos Interdisciplinar em Desenvolvimento Sustentável e Populações Tradicionais da Amazônia - CEDSA. Endereço Eletrônico: jcosta@unir.br

(6)

(criação e recriação) e responsável pela construção da paisagem cultural de comunidades ribeirinhas (SARAIVA & SILVA, 2002). As análises aqui apresentadas são frutos de estudos desenvolvidos nas comunidades de São Carlos, Prosperidade e Nazaré, localizadas na região do rio Madeira, à jusante da cidade de Porto Velho, Estado de Rondônia. Onde participamos de algumas festas religiosas, como Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Nossa Senhora da Saúde, Nossa Senhora de Nazaré e São Sebastião.

O universo da pesquisa rico em singularidades, nos trouxe diversas situações e elementos que vieram a enriquecer o trabalho. As festas em comunidades ribeirinhas constituem um acontecimento ligado ao universo mental do grupo, capaz de promover mudanças na estrutura espacial das comunidades. Esses eventos representam momentos de identidade do grupo ribeirinho, tal acontecimento possui seu modo próprio de ser realizado, refletindo a maneira pela qual o grupo estabelece sua vida. Além de servir como ritual de renovação do modo de produção, de um período que se inicia e que é voltado para o plantio ou colheita dos principais produtos da comunidade.

As festas religiosas merecem destaque por representarem mudança, por modificarem o espaço, por mudarem o tempo das comunidades. Em algumas festas temos essas características mais visíveis, com a construção de novas igrejas e a criação de espaço próprio para o santo padroeiro. Assim, são as festas; acontecimentos fruto do sincretismo religioso; que trazem consigo características próprias que moldam o espaço, transformando-o num lugar único. O que nos lembra os escritos de Luis Boada (1991, p. 88), onde podemos observar que o espaço pode ser humanizado, ou seja, transformado num lugar diferenciado do restante, basta que para tanto ali sejam realizados ritos que dêem conta de tal tarefa, o que aliás pode muito bem ser realizado através das festas religiosas.

Este artigo busca dar subsídios para o entendimento desse grupo social, que mantém sua estrutura social com ligações com sua origem étnica. Ao falarmos do espaço de comunidades ribeirinhas, estamos a todo momento buscando elementos ligados ao universo mental do grupo, da cultura e da religiosidade.

As festas religiosas e o espaço das comunidades ribeirinhas:

As festas religiosas configuram-se como eventos ligados ao sacramentalismo cristão ligado ao universo mental do grupo. O ribeirinho cumpre suas promessas e graças recebidas por meio de rituais, traduzidos na forma de festas religiosas, almoços comunitários, missas, procissões, novenas, bailes, etc. Cada festejo possui sua própria história e razão de existência. Representa agradecimento, devoção e também saúda um novo período produtivo que se inicia nessas comunidades, o início do período de plantio, pode representar também a solução de um grave

(7)

problema, a saúde recuperada, tudo isso é traduzido em agradecimentos. Portanto, a organização espacial estará ligada ao universo das crenças, o que refletirá de forma concreta na maneira pela qual o homem irá estabelecer-se no espaço.

As atribuições dadas ao espaço e a forma de organizar-se nele estão ligados a cultura e modo de vida das populações. Entre as populações ribeirinhas as crenças, os mitos e a religiosidade destacam-se dentro da cultura do grupo, tornando-se fatores responsáveis pela organização sócio-espacial das comunidades.

Nos baseamos em SILVA (2000) ao que se refere a definição de população tradicional ribeirinha, sendo uma população que possui seu modo de vida peculiar que as distingue das demais populações do meio rural ou urbano, possuindo sua cosmovisão marcada pela presença das águas. Para estas populações o rio, o igarapé e o lago não são apenas elementos do cenário ou paisagem, mas algo constitutivo do modo de ser e viver do homem.

As festas religiosas são fatores de destaque entre essas populações. O geógrafo Carlos Eduardo Maia as define como: “ manifestações culturais que se caracterizam, entre outros

aspectos, por serem eventos efêmeros e transitórios, perdurando algumas horas, dias ou semanas”

(1999, p.204). Estando ligadas à religiosidade e ao costume de “pagar” e de “fazer” promessas, esse ato é destacado por ROSENDAHL, pois ”a prática religiosa de "fazer" e "pagar" promessas

constitui uma devoção tradicional e bastante comum no espaço sagrado dos santuários católicos”

(1999b, p.61). Assim, cada festa é resultado de um acontecimento particular ligado a algum fato referente a um sujeito de destaque no âmbito da comunidade

No estudo do antropólogo Charles Wagley “Uma Comunidade Amazônica” (1988), o papel das festas religiosas é por ele destacado, posto que são de fundamental importância para acentuar o cotidiano dos ribeirinhos amazônicos, com os quais realizou seu trabalho. WAGLEY destaca que “... todos os anos, em maio e junho, quando, no Vale Amazônico, os rios voltam aos seus leitos e

as chuvas diminuem, começa a estação seca; realizam-se então inúmeras festas ...” (1988, p.194).

Nesse sentido, estudos de SARAIVA & SILVA (2002, p.204) nos dizem que “as atividades

realizadas durante as festas constituem momentos onde o espaço ganha contornos diferentes do que possui durante o cotidiano (...), cada morador vive o espaço de uma maneira particular”. O que

nos faz perceber que o espaço das comunidades ribeirinhas recebe designações ligadas às crenças criadas pelo grupo, ligadas a elementos constituintes da realidade do homem ribeirinho, como os rios, os igarapés, os lagos, a mata, as lendas, os mitos, etc. NASCIMENTO SILVA (2000, p.94-95) exemplifica a organização espacial de comunidades ribeirinhas:

o espaço, nas comunidades ribeirinhas, ainda está muito próximo, ou melhor, está intimamente ligado às pessoas, e elas mesmas ainda não perderam completamente o controle desse espaço, onde reconhecem os signos e significados que estão presentes em seu ambiente sem se separem deles inteiramente, sem transformá-lo essencialmente em mercadorias.

(8)

O que é atestado por RIVIÈRE quando nos fala :

... o espaço, não se trata somente de uma relação concreta, física, com ele, feita de práticas e de descolamentos, ou de uma fenomenologia do espaço vivido, mas de uma imaginário no qual entram os estereótipos da civilização e os valores ligados à identidade e à diferenciação social. (1999, p. 59)

Outro aspecto a ser destacado é que a festa religiosa necessita de vários espaços para sua realização. Cada momento da festa é pensado e realizado em um determinado espaço, por exemplo: a procissão é realizada nas ruas da comunidade, o baile no centro comunitário ou outro lugar que comporte tal atividade. Assim:

A rua, os pátios, as praças, tudo serve para o encontro de pessoas fora das suas condições e do papel que desempenham em uma coletividade organizada. Então, a empatia ou a proximidade constituem os suportes de uma experiência que acentua intensamente as relações emocionais e dos contatos afetivos, que multiplica ao infinito as comunicações, e efetua, repentinamente, uma abertura recíproca entre as consciências na medida que a festa não mais necessita de símbolos e inventa as suas figurações que desaparecem, muitas vezes, em seguida perecível. (DUVIGNAUD, 1983, p.68)

Esta organização social nos remete ao espaço utilizado para a realização da festa e suas funcionalidades, o que é destacado por MAIA:

... grande parte das festas, no seu momento de ocorrência, simplesmente fornecem nova função às formas espaciais prévias que dispõem para a sua realização (ponto central): ruas, praças, etc. Mas, tão logo cesse o período ou momento extraordinário, tais formas retomas a sua função habitual. (1999, p. 204)

Com efeito, as festas religiosas constituem momentos onde a população ribeirinha modifica o espaço que habita, dando-lhe significados os mais diversos, transformando-o num lugar único fruto das crenças dessas populações, diferenciando e qualificando locais com características que só existem durante o período da festa.

Modificações e percepções: o espaço recriado

A realização de festas religiosas pode deixar marcas no espaço, funcionando como fator de organização e de mudanças na espacialidade das comunidades, além de trazerem à tona as relações que implicam a realização de um festejo como, as disputas e os conflitos existentes entre o grupo.

O ribeirinho vive o espaço de maneira peculiar, levando em consideração a maneira pela qual relaciona-se com o ambiente a sua volta. É uma relação de respeito pautado nas crenças e nos mitos, como destaca SILVA (1994, p. 13): "A natureza passa a ser humanizada, desmistificada , ou

(9)

momentos, a sacralização da paisagem. A "mata" e o "rio" passa a ter um significado especial para esse grupo...".

A religiosidade tem papel de destaque entre essas populações, tornando-se elemento capaz de promover mudanças na organização do espaço desses locais. Assim, temos dentro da realidade do ribeirinho elementos constituintes da cultura que compõem o espaço, como as crenças, o sincretismo religioso e os mitos. Cada elemento torna a festa fator de destaque nas modificações espaciais presentes nas comunidades. No que se refere ao espaço recriado, o conceito que melhor o define está ligado ao ambiente construído como espaço natural modificado pela ação humana (BOADA, 1991, p.88).

Na comunidade de Nazaré temos um exemplo do espaço modificado pela ação humana ligado à cultura do grupo social. Foi criado um novo bairro na comunidade chamado “Bairro de São Sebastião”, fruto de uma promessa feita pelo líder religioso da comunidade, o que acarretou a construção da nova igreja católica, que fica mais distante do parte central da comunidade. O espaço de São Sebastião representa para o exercício da fé católica do grupo um aumento, pois a partir de então duas igrejas passaram a existir na comunidade. Cada igreja possui um grupo organizado de membros da comunidade que ficam responsáveis pelas tarefas de limpeza, manutenção e organização do lugar para as celebrações, sendo que o grupo da igreja de São Sebastião tem como coordenador o chefe religioso da vila de Nazaré. Sua autoridade é reiterada pelo viés educacional, além de conduzir e manter o grupo dentro da mesma religião e crença. Contribuindo para o fortalecimento da doutrina cristã que faz frente ao vertiginoso crescimento das igrejas neo-pentacostais dentro das comunidades ribeirinhas.

A criação de um espaço como o Bairro de São Sebastião vem para enfatizar o papel do líder religioso entre o grupo. Sua função está ligada à organização do festejo de São Sebastião, sendo também responsável por manter o grupo congregando os mesmos cultos e rituais católicos. As atividades desenvolvidas para a realização da festa são coordenadas por este líder, que funciona como o ordenador dos rituais dentro do espaço sagrado. Assim, a atuação do líder pode lhe dar legitimidade junto ao grupo e com os participantes do evento (MAIA, 1999, p.209).

Modificações e percepções: o espaço sagrado e o espaço profano

O espaço utilizado para os festejos adquire designações ligadas à forte religiosidade do grupo. Dentro dos acontecimentos que ocorrem durante a festa podemos observar vários momentos que possuem características chamadas de sagradas e profanas. No Festejo de Nossa Senhora de Nazaré e no de São Sebastião observamos as mesmas características - como a procissão, a novena, a missa, os batizados, o leilão, a venda de comidas e bebidas, o baile e o torneio esportivo. Já na Festa de Nossa Senhora da Saúde não há o baile dançante e o grande

(10)

momento está na realização de um almoço comunitário oferecido aos participantes pela família organizadora do festejo. Portanto, cada festa tem suas próprias características, que podem ser tanto sagrada como profana.

Segundo Mircea Eliade (1992, 1998) o sagrado não está ligado aos elementos não-racionais e racionais da religião, este conceito vai além. Num primeiro momento sabe-se que o sagrado opõem-se ao profano. E que sua manifestação se apresenta de diversas maneiras, ou seja, ele se revela de várias maneiras estando ligado ao valor atribuído a coisas concretas, tais como um espaço ou um lugar. O sagrado e o profano também podem manifestar-se em momentos não concretos, por exemplo: o tempo pode adquirir características sagradas devido a algum ritual ligado à temporalidade.

O sagrado manifesta-se por intermédio da hierofania (ELIADE, 1992, 1998), significa dizer que algo de sagrado se revela na realidade vivida pelo homem. Além disso, ELIADE (1998, p.297) nos explica que a manifestação do sagrado é imposta também ao homem, o que implica dizer que o homem que vive nessa realidade não a percebe, ele apenas a vive de uma maneira calma e serena. Portanto, caracterizar essas hierofanias no ambiente ribeirinho é uma tarefa complexa, visto que essas manifestações são “diferentes” dentro do aspecto observável das populações ribeirinhas. Ademais, o mundo do ribeirinho é orientado pela construção de uma rede de significados manifestos nos símbolos e mitos da paisagem habitada.

Os festejos religiosos apresentam para os moradores das comunidades ribeirinhas rituais e objetos que remetem ao divino, à ligação do homem com Deus. Podemos citar a procissão e a celebração como dois momentos principais ligados ao sagrado. A procissão para DaMatta (1997, p.65) é definida como um desfile especial; podemos observar características de ambos(o sagrado e o profano), dentro de um mesmo momento, pois a imagem do santo está com o povo e dele recebe na rua (e não na igreja) suas orações, cânticos e piedade. Nesse momento as pessoas rezam, pagam promessas e penitências, o fazem para mediar seu contato com a divindade.

Com efeito ROSENDAHL(1999b, p.61) nos diz que “ a prática religiosa de “fazer” e “pagar”

promessas constitui uma devoção tradicional e bastante comum no espaço sagrado dos santuários católicos”. Assim, ao elegerem uma imagem e em torno dela organizarem um acontecimento capaz

de modificar o tempo e o espaço, essa devoção é a mais clara representação da hierofania. A realidade vivida pelo homem ribeirinho está ligada ao seu comportamento eminentemente religioso, e tal comportamento está arraigado ao seu modo de vida, o que é sustentado por DURKHEIM (1989, p.68), pois:

... todas as crenças religiosas conhecidas, sejam elas simples ou complexas, apresentam um mesmo caráter comum: supõem uma classificação das coisas, reais ou ideais, que os homens representam, em duas classes ou em dois gêneros opostos, designados geralmente bem, pelas palavras profano e sagrado.

(11)

O profano dentro da realidade ribeirinha é ainda mais difícil de ser percebido, seja pelo seu caráter inconstante, pois o ribeirinho não divide seu modo de vida entre o sagrado e o profano, os acontecimentos que envolvem a fé e devoção é que vão determinar a existência de um ou de outro, ou mesmo de ambos.

Alguns estudiosos se referem ao profano como o comércio e as danças. Todavia essa proposição não deve ser levada ao pé da letra no estudo com populações ribeirinhas, pois esses dois momentos fazem parte da festa e são esperados com uma certa ansiedade pelos moradores. O “baile” ou “forró” está presente em quase todos os festejos e é uma das tradições da festa.

No que se refere ao comércio há uma prática muito comum que é a realização de leilões para angariar fundos para a igreja do santo homenageado. Nesse sentido, então não podemos considerar o leilão como uma atividade caracteristicamente profana, as pessoas que compram os objetos que são doados pelos moradores da comunidade, o fazem para ofertar ao santo uma parte do que lhe é dado durante o restante do ano, o fruto de seu trabalho e uma parte dele é ofertado ao santo.

Modificações e percepções: a paisagem cultural ribeirinha

No que concerne ao estudo da paisagem temos em Carl Sauer e Denis Cosgrove conceitos e discussões que são perfeitamente aplicáveis à discussão central deste artigo.

O termo paisagem ganha destaque dentro da geografia do séc. XIX a partir da competição entre duas escolas que despontavam no avanço da ciência da época, o racionalismo e o positivismo. Até essa época o complexo de fatores (clima, relevo e drenagem) estavam sendo estudados de forma separada. Foi com o empate entre teóricos e pensadores, dentre eles La Blache, Hettner e Ratzel que os elementos da natureza passaram a ser vistos como resultado, ou seja, passam a ser examinados como causa e efeito (SAUER, 1998, p.20). Este estudo integrando os elementos colaboraram para o surgimento do estudo da paisagem. Na década de 70 houve uma retomada do conceito de paisagem que trouxe novas formas de apreensão frutos de estudos e de novas abordagens teóricas e metodológicas.

A paisagem passa, assim a ser chamada de paisagem geográfica, apresentando diversos conceitos a seu respeito. Com isso para CORRÊA & ROSENDAHL(1998, p.08) tornou-se possível ao geógrafo falar de paisagem sagrada, paisagem profana, paisagem cultural, paisagem do medo e paisagem do desespero, entre outras. A religião e as crenças passam a serem estudadas como formadoras e como componentes da paisagem. O que é destacado por ROSENDAHL, posto que:

o impacto da religião na paisagem não está limitada somente às características visíveis, tais como locais de culto, apesar destes mostrarem mais claramente formas e funções religiosas, mas também na experiência da fé que nos fornecem símbolos e mensagens, algumas inteligíveis somente aos que comungam a mesma fé. (2001, p. 27).

(12)

Um dos grandes estudiosos foi SAUER que com o seu estudo A Morfologia da Paisagem propôs diferenciações, definições e abordagens sobre a paisagem, ele a classificou como paisagem natural e paisagem cultural. O que as diferencia é o conteúdo das mesmas, ou seja, os fatos físicos e culturais do homem. Para SAUER (1998, p. 49-50) a paisagem natural “ ... se torna

conhecida através da totalidade de suas formas. Essas formas são conhecidas não por elas mesmas (...), mas nas suas relações uma com as outras e nas suas posições na paisagem, cada paisagem sendo uma combinação definida de formas.”. Ainda em SAUER encontramos a definição

de paisagem cultural, sendo que “a paisagem cultural é modelada a partir de uma paisagem natural

por um grupo cultural. A cultura é o agente, a área natural é o meio, a paisagem cultural é o resultado.” (1998, p.59)

Já COSGROVE com o estudo A Geografia está em toda parte: cultura e simbolismo nas

paisagens humanas analisa a paisagem como sendo resultado das atividades do homem contendo

suas crenças, modos de ver o mundo, mitos e simbologias, segundo ele a paisagem

... está intimamente ligada a uma nova maneira de ver o mundo como uma criação racionalmente ordenada, designada e harmoniosa, cuja estrutura e mecanismo são acessíveis à mente humana, assim como ao olho, e agem como guias para os seres humanos em suas ações de alterar a aperfeiçoar o meio ambiente. (COSGROVE, 1998, p.99)

A paisagem é imagem socialmente construída pelo homem. Na região ribeirinha essa paisagem é fruto de sua vivência de sua cultura. O francês Claude Rivièri (1999, p.59) ao estudar as peregrinações na África Tradicional percebeu que a paisagem pode ser sacralizada pelo suposto investimento de uma divindade. Segundo ele “ na realidade, não vemos a paisagem, nós a

construímos mentalmente através de séries e de alguns pontos de vista. Entre o aqui e o outro lugar, entre a habitação principal e a residência secundária, o homem tende a desenvolver seu espaço”. Podemos observar que as festas religiosas têm a capacidade de deixar marcas no espaço

das comunidades, ou seja, é a cultura do grupo promovendo mudanças no espaço.

Para não concluir ...

As mudanças espaciais ocorridas nas comunidades ribeirinhas são resultados de diversos elementos. A cultura do homem ribeirinho é o fator de destaque, o espaço é reflexo desta cultura. Temos na fé do ribeirinho elementos norteadores da construção de seu espaço e as festas funcionam como fator de mudança dentro do tempo e do espaço. São momentos de grande vivência para os moradores das comunidades ribeirinhas e representam a manifestação de uma das facetas que o grupo possui, sua forte religiosidade.

(13)

As atividades realizadas durante a festa constituem momentos onde o espaço ganha contornos diferentes do que possui durante o cotidiano das comunidades, cada morador vive o espaço de uma maneira particular. Esse momento está ligado à fé e devoção que está presente no festejo, sendo resultado da cultura e do modo de vida dessas populações.

As atividades realizadas durante as festas constituem momentos onde o espaço ganha contornos diferentes do que possui durante o cotidiano das comunidades. Cada morador vive o espaço de maneira particular. E este momento está ligado à fé e devoção que está presente no festejo.

E nesse sentido que o espaço representa estas relações. A organização para a festa reflete o trabalho e suas relações, sejam elas conflitantes ou não, de acordo com o que já foi previamente definido cada atividade será desenvolvida em dado local que já foi pensado para aquele momento. A dinâmica espacial passa necessariamente pela funcionalidade, tanto para um Festejo como para outro, todavia esta mudança ou movimento no espaço da comunidade só pode ser observado no período da festa, quando passa este período os locais que serviram para alojar algum momento do Festejo voltam a fazer parte do universo cotidiano.

O artigo pode contrariar a tese comum que não define a cultura de certos grupos. O estudo dos festejos demonstra a riqueza cultural dos ribeirinhos manifesta em suas vidas, manifestações, construção de mundo e que por isso são inegáveis merecedores do exercício de Cidadania, pois estão inseridos no âmbito da sociedade brasileira.

Bibliografia utilizada

BOADA, Luis. O espaço recriado. São Paulo: Nóbel, 1991.

CLAVAL, Paul. O Tema da Religião nos Estudos Geográficos. In: Espaço e Cultura. UERJ - Rio de Janeiro, nº 7. Jan/Jun de 1999, p. 37-58.

CORRÊA, Roberto Lobato. Espaço: um conceito-chave da Geografia. In: Geografia: Conceitos e

Temas, organizado por CASTRO, I.E., GOMES, P.C.C e CORRÊA, R.L. Rio de Janeiro: Bertrand

Brasil, 1995. p.15-47.

CORRÊA, Roberto Lobato, ROSENDAHL, Zeny (org.). Paisagem, Tempo e Cultura. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998.

COSGROVE, Denis. A geografia está em toda parte: cultura e simbolismo nas paisagens humanas. In: Paisagem, Tempo e Cultura. Organizado por ROSENDAHL, Zeny e CORRÊA, Roberto Lobato. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998. p. 92-123.

DaMatta, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis - Para uma Sociologia do Dilema Brasileiro. 6o

Edição, Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

DURKHEIM, Émile. As Formas Elementares de Vida Religiosa: o sistema totêmico na Austrália. São Paulo: Ed. Paulinas, 1989.

DUVIGNAUD, Jean. Festas e Civilizações. Ed. Universidade Federal do Ceará. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.

(14)

ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

___. Tratado de História das Religiões. 2a edição, São Paulo: Martins Fontes, 1998.

FIGUEIREDO, Silvio Lima. Ecoturismo, Festas e Rituais na Amazônia. Belém: NAEA/UFPA, 1999. MAIA, Carlos Eduardo Santos. Ensaio Interpretativo da Dimensão Espacial das Festas Populares: proposições sobre festas brasileiras. IN: Manifestação da Cultura no Espaço. Organizado por ROSENDAHL, Zeny e CORRÊA, Roberto Lobato. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999. p. 191-218. NASCIMENTO SILVA, Maria das Graças Silva. O Espaço Ribeirinho. São Paulo: Terceira Margem, 2000.

RIVIÈRE, Claude. Representação do espaço na peregrinação africana tradicional. In: Espaço e

Cultura, UERJ - RJ, nº 07, p.59-67. Jan-Jun de 1999.

ROSENDAHL, Zeny. O Espaço, O Sagrado e o Profano. In: Manifestação da Cultura no Espaço. Organizado por ROSENDAHL, Zeny e CORRÊA, Roberto Lobato. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999a. p. 231-247.

___. Hierópolis: O Sagrado e o Urbano. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999b.

___. O Sagrado e o Espaço. In: Explorações Geográficas: percursos no fim de Século. Organizado por CASTRO, Iná Elias de Castro, GOMES, Paulo da Costa Gomes e CORRÊA, Roberto Lobato. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. p. 119-153.

___. Diversidade, Religião e Política. IN: Espaço e Cultura. UERJ, Rio de Janeiro, Nº. 11/12, Jan/Dez de 2001. p. 27-32.

SARAIVA, Adriano Lopes. O olhar, o ouvir e o escrever como etapas da pesquisa com populações tradicionais ribeirinhas. IN: Nos Banzeiros do Rio - Ação Interdisciplinar em Busca da

Sustentabilidade em Comunidades Ribeirinhas da Amazônia. SILVA, J. C. et. al. Porto Velho - RO:

EDUFRO, 2002. p. 41-52.

SARAIVA, Adriano Lopes & SILVA, Josué da Costa. "Estudo do Processo de Recriação do Espaço através das Festas Religiosas". IN: Pesquisa & Criação nº 1, 2002 - IX Seminário de Iniciação Científica, 08 a 11 de Julho de 2002, Resumos. Porto Velho, PROPEX/EDUFRO, 2002, p. 197-205. SAUER, Carl. A Morfologia da Paisagem. IN: Paisagem, Tempo e Cultura. Organizado por ROSENDAHL, Zeny e CORRÊA, Roberto Lobato. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998, p. 12-74.

SILVA, Josué da Costa. Mito e Lugar. Dissertação de Mestrado. Dep. de Geografia - Universidade de São Paulo: USP, 1994.

____. O Rio, A Comunidade e o Viver. Tese de Doutorado. Departamento de Geografia - Universidade de São Paulo. São Paulo: USP, 2000.

SILVA, Josué da Costa et. al. Nos Banzeiros do Rio - Ação Interdisciplinar em Busca da

Sustentabilidade em Comunidades Ribeirinhas da Amazônia. Porto Velho - RO: EDUFRO, 2002.

WAGLEY, Charles. Uma comunidade amazônica: estudo do homem nos trópicos. 3a ed.

(15)

TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS POST

TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS POST

TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS POST

TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS POST

MORTEM: ENTRE A BIOÉTICA E O

MORTEM: ENTRE A BIOÉTICA E O

MORTEM: ENTRE A BIOÉTICA E O

MORTEM: ENTRE A BIOÉTICA E O

BIODIREITO

BIODIREITO

BIODIREITO

BIODIREITO

3333

Luís Tiago Fernandes Kliemann

Luís Tiago Fernandes Kliemann

Luís Tiago Fernandes Kliemann

Luís Tiago Fernandes Kliemann

4444

Claudimir Catiari

Claudimir Catiari

Claudimir Catiari

Claudimir Catiari

5555

RESUMO: O presente artigo estudará, primeiramente, o conceito de

Bioética, para, depois, relacioná-la com a questão do transplante de órgãos

post mortem. Após, definir-se-á o Biodireito, e explicar-se-á como é

regulado o tema proposto no atual ordenamento jurídico brasileiro de forma geral. Por fim, mostrar-se-á os crimes da legislação em vigor brasileira que possuem relação com o tema.

PALAVRAS-CHAVE: Bioética – Biodireito – Transplante.

ABSTRACT: The present article will study, firstly, the concept of Bioética,

for, then, to relate her/it with the subject of the transplant of organs post mortem. After, Biodireito will be defined, and it will be explained as the theme is regulated proposed in the current ordenamento juridical Brazilian in a general way. Finally, it will be shown the crimes of the legislation in Brazilian vigor that you/they possess relationship with the theme.

KEYWORD: Bioética - Biodireito - Transplant.

Introdução

O presente artigo tem como finalidade estudar a problemática do transplantes de órgãos

post mortem no ordenamento jurídico brasileiro e relacionar a Bioética com a legislação em vigor.

Desde já é bom frisar que este artigo não analisará o transplante de sangue, esperma e óvulo, nem o transplante inter vivos, tampouco o autotransplante e a clonagem de órgãos com fim terapêutico. Buscar-se-á explicar o fenômeno do transplante de um cadáver para um ser humano vivo, buscando-se entender se atende os princípios Bioéticos e como a legislação brasileira em vigor regula tal operação.

3 Artigo produzido como requisito para a elaboração de relatório final de pesquisa do PIBIC – UNIR.

4 Discente do IV período do curso de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e bolsista do

Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – UNIR.

5 Prof. MSc. Discente da Disciplina de Direito Constitucional e Chefe de Departamento do Curso de Ciências Jurídicas

(16)

Bioética

Etimologicamente, a palavra bioética tem origem grega: bios (vida) + ética (conjunto de valores supremos que têm por objetivo a felicidade do homem). Segundo Oliveira6, o uso da

palavra bioética surgiu nos Estados Unidos por volta da década de 70, com o objetivo de designar a ética da vida num plano de pleno desenvolvimento das ciências médicas.

Ferreira faz uma definição que precisa ser considerada:

“[Bioética é a] ética das biociências e biotecnologias que visa preservar a dignidade, os princípios e os valores morais das condutas humanas, meios e fins defensivos e protetivos de vida, em suas várias formas, notadamente, a vida humana e a do planeta”7.

A função da ética é fornecer o necessário discernimento ao homem para que ele possa distinguir o justo do injusto, o certo do errado. Nesta definição, portanto, bioética seria a própria ética aplicada às mais variadas questões, principalmente as que envolvam a discussão acerca do valor da vida humana. Desta forma, constantemente é a bioética convocada para a discussão de assuntos polêmicos, como a eutanásia, o aborto e o transplante de órgãos post mortem e a sua mais nova tendência, que é tratar da clonagem de órgãos com fins terapêuticos.

A questão do transplante post mortem de órgãos e tecidos

Após estas breves iniciação sobre a Bioética, passar-se-á a discussão central do tema proposto. Transplante pode ser entendido como a remoção de órgãos e tecidos de um corpo humano para a implantação em outro, com a finalidade de sanar uma deficiência ou patologia. O transplante post mortem é aquele feito de um cadáver para um ser humano vivo. Este ato de transplante é regulamentado por leis, mas sua discussão supera o aspecto legal, atingindo também a Bioética, pois se busca saber em que condição pode-se fazê-lo sem que vilipendia o valor da dignidade da pessoa humana.

O ser humano possui um valor intrínseco, que deve ser respeitado sob pena de se cometer atrocidades. A dignidade da pessoa humana não se restringe à pessoa humana com vida, mas também ao respeito por seu corpo após a morte. Nos transplantes post mortem, o respeito à aparência digna do corpo humano não é suficiente para o transplante ser considerado “ético” ou “justo”: o tratamento correto e especial a um corpo humano não basta em si mesmo. Deve-se também respeitar a vontade que o indivíduo possuía enquanto pessoa viva. Esse respeito pode ser classificado como o respeito à autonomia individual do homem.

6 OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania. p. 47. 7 FERREIRA, Jussara S. A. B. N. Bioética e Biodireito. p. 5.

(17)

O homem como ser racional tem desejos e emoções decorrentes da sua autonomia de vontade e de pensamento. Por isso deve-se buscar e respeitar o desejo que possuía para o tratamento do seu corpo após a morte: se queria cremá-lo, deve-se fazê-lo; se queria doar seus órgãos a certa instituição, também, e assim por diante. Mas para esta vontade ser válida, deve ser, sobretudo, livre e esclarecida. Isto significa que não se pode forçar ou pressionar alguém para que assine um documento dispondo seu corpo após a morte para determinada instituição, pois a vontade deve ser livre e espontânea.

Como ato voluntário, a disposição do próprio corpo para após a morte pode, sob o prisma da Bioética, ser realizada a qualquer tempo, sob pena de se ferir os princípios da dignidade da pessoa humana e da autonomia da vontade. Da mesma forma que se pode produzir uma declaração deste tipo a qualquer tempo, pode-se revogá-la a qualquer tempo. Mas o princípio da autonomia da vontade também se aplica às pessoas que nunca fizeram uma declaração sobre a disposição de seu próprio corpo para após a morte não podem ter seus órgãos transplantados, pois não se sabe qual era a vontade da pessoa em vida, não se pode realizar qualquer tipo de remoção de seus órgãos.

Desta forma, é impensável realizar-se um transplante “ético” de um corpo não identificado, por não se saber qual era a vontade do indivíduo em vida. Deve-se salientar que este respeito à vontade individual é um dos pontos cardeais da bioética, e é um corolário do princípio da dignidade da pessoa humana, princípio este que, quer a pessoa esteja viva, quer esteja morta, deve ser respeitado. Corpos não-identificados não podem ser jogados ao relento ou ter seus órgãos transplantados, pois a vida humana possui um valor intrínseco, e o simples fato de pertencer à espécie humana garante-lhes, eticamente, um tratamento igual ao dos demais.

Biodireito

Biodireito pode ser definido como o “conjunto de normas esparsas que têm por objeto regular as atividades e relações desenvolvidas pelas biociências e pelas biotecnologias”8. O Biodireito não é uma ciência independente, buscando inspiração principalmente na Bioética e no desenvolvimento da medicina, sendo a sua função de defender a integridade e o valor da vida humana frente aos rápidos avanços das ciências Biotecnológicas. Deve-se salientar que o Biodireito não está codificado, reunido, como o Código Civil e a Constituição Federal, isto é, não está reunido em uma única lei, mas divido em várias leis. Outra característica importante do Biodireito é a de que está sempre atrasado em relação aos avanços da Biociência e da Bioética, pois é evidente que o poder legislativo não consegue acompanhar a acelerada marcha da sociedade.

(18)

Transplantes post mortem no atual ordenamento jurídico brasileiro

A característica do Biodireito de se encontrar esparso é muito marcante no atual ordenamento jurídico brasileiro. Os transplantes no Brasil são regulamentados pela Lei n. 9.434 de 1997 (Lei dos Transplantes), com alteração da Lei n. 10.211/2001, e ainda encontram respaldo jurídico no Código Civil e no Código Penal. Começar-se-á o estudo do ordenamento jurídico através do texto original da Lei dos Transplantes que dizia, em seu art. 4º:

“Art. 4° Salvo manifestação de vontade em contrário, nos termos desta Lei, presume-se autorizada a doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, para finalidade de transplantes ou terapêutica post mortem”.

O que tal disposição trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro foi a presunção de que todos os cidadãos brasileiros autorizam ser doadores, a qual é considerado algo como grave, tanto do ponto de vista jurídico, quanto do ponto de vista ético. Do ponto de vista jurídico, a doação presumida corresponde a uma “violação do regime democrático, dentro do qual a regra é de o cidadão dizer o que quer”9, e não o que não quer. Essa presunção poderia ser usada para abusos,

como, por exemplo, assassinatos calculados com o fim de que o órgão da vítima seja transplantado depois de morta. Além disso, deve-se considerar que, no Brasil, o desconhecimento da lei é algo muito comum, acontecendo casos em que, por exemplo, um cidadão que deseja não se tornar doador seus órgãos após a morte mas, por desconhecimento da lei, não efetua uma declaração de vontade em contrário.

Foi esta Lei 9.434/97 que criou no Brasil as declarações de vontade de “doador de órgãos e tecidos” e de “não doador de órgãos e tecidos” nas carteiras de identidade e de motorista. Mas deve-se salientar que aqueles que não possuíam tal “carimbo” eram automaticamente classificados como doadores presumidos, decorrente do art. 4° da Lei dos Transplantes. Do ponto de vista ético, a doação presumido vilipendiava o princípio da autonomia da vontade e da dignidade da pessoa humana, pois, ao presumi-lo um indivíduo doador, retirava dele a autonomia de decidir sobre a disposição de seu corpo a qualquer tempo, sendo pressionado pelo Estado a fazê-lo.

Além disso, caso revogasse sua disposição, seria automaticamente classificado como doador, criando absurdos jurídicos como o de alguém que, manifestando juridicamente sua vontade de ser doador, revoga-a pouco tempo depois, com o desejo de não o ser mais. Porém, para o Estado, não valeria mais essa intenção contida no ato da revogação, mas apenas o fato de que não há manifestação de vontade, classificando tal indivíduo que não quis mais ser doador como doador presumido, simplesmente pela ausência de declaração de vontade. A doutrina

(19)

brasileira foi unânime ao classificar o texto como um absurdo jurídico à época, munindo-se destes argumentos éticos e jurídicos.

Avançando na discussão da Lei dos Transplantes, é importante ressaltar que a remoção

post mortem, nos casos em que o doador “presumido” seja absolutamente incapaz ou menor de

idade, só poderá ser feita mediante autorização, por escrito, dos responsáveis, o que não nem sequer ameniza o absurdo jurídico da presunção de doação presumida. Importante destaque merece o art. 6º da referida Lei, pois preceitua que “é vedada a remoção post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoas não identificadas”, sendo um dispositivo que atende perfeitamente aos princípios Bioéticos, conforme discutido anteriormente.

A pressão doutrinária sobre o monstruosidade jurídica da doação presumida fora constante, até que em 2 de março de 2001 foi promulgada a Lei. n. 10.211, modificadora da anterior Lei dos Transplantes, a Lei n. 9.434. A principal modificação que fez foi alterar o caput do art. 4º, retirando a presunção de doação de órgãos, como se pode notar através da análise do referido dispositivo:

“Art. 4º A retirada de tecidos, órgãos e parte do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte”10.

Como se pode notar, a Lei 10.211 extinguiu a presunção de doação de órgãos no ordenamento jurídico brasileiro. Mas, se por um lado, a substituição pela decisão da família acalmou os ânimos da doutrina e dos juristas brasileiros, por outro não solucionou o problema ético. O absurdo jurídico, que antes era expresso, agora apenas se tornou mais sublime, camuflado, pois o que acontece ainda é a permissão de se remover, post mortem, tecidos ou órgãos sem a necessária autorização expressa do indivíduo em vida, vilipendiando, da mesma forma, os princípios da dignidade da pessoa humana e da autonomia da vontade.

Avulta de importância a contribuição que o Novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002) deu sobre o tema em questão. Inspirado pelo humanismo do novel diploma, transmutado no paradigma da eticidade, preceitua o art. 14 e seu parágrafo único:

“Art. 14. É válida, com objetivo altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.

Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo”.

Pela leitura de comentadores, pode-se afirmar que o Código Civil, claramente, deixa exclusivamente ao indivíduo a decisão de dispor sobre possíveis transplantes post mortem, notadamente através da expressão “próprio corpo”. Note-se que este dispositivo se adapta perfeitamente aos princípios da Bioética da dignidade da pessoa humana e da autonomia da

10 Vale salientar que as declarações de vontade (“doador de órgãos e tecidos” e “não doador de órgãos e tecidos”) na carteira de identidade e na carteira nacional de habilitação perderam a validade em 22 de dezembro de 2000, segundo a mesma Lei 10.211.

(20)

vontade, principalmente porque autoriza não só a declaração de disposição de corpo para após a morte, como também a revogação de tal manifestação da vontade a qualquer tempo. Ademais, a autonomia da vontade do indivíduo ainda é mais resguardada porque o código limita o uso do corpo post mortem com objetivo científico ou altruístico, impedindo qualquer tipo de comercialização de atos declaratórios de vontade, ofertas econômicas ou “chantagens” de possíveis receptores.

Porém, pode-se questionar se os textos do Código Civil e da Lei dos Transplantes são compatíveis entre si ou se um revogaria o outro11. A resposta é que os textos são compatíveis,

porque deve se ter a interpretação de que o Código Civil regula apenas os atos declaratórios de vontade, que devem ser respeitado, e a Lei dos Transplantes se aplica em casos em que não há tal ato, decidindo, neste caso, a família do morto. Deve-se ressaltar que somente o Código Civil possui um texto compatível com a ética, pois a conclusão Bioética sobre o tema é a de que sempre se deve respeitar a autonomia da vontade através do ato declaratório e, nos casos onde não houver, não se deve realizar o transplante.

Reflexos no Direito Penal brasileiro

Mudando da perspectiva geral para a penal, percebe-se que o Código Penal pode ser aplicado para punir possíveis ilegalidades, através da análise de seu art. 211:

Art. 211. Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa”.

Deve-se salientar que tal crime é um crime contra o respeito aos mortos, segundo o próprio Código Penal. Tal tipificação criminal se encaixa perfeitamente ao ato de transplantes ilegais, pois a remoção de órgãos de um cadáver é uma subtração de uma parte do próprio cadáver. Desta maneira, alguém que o faz comete um crime descrito na lei, devendo ser punido da maneira descrita no Código. Mas a questão torna-se mais complexa com o advento da Lei dos Transplantes, posterior ao Código Penal, quando preceitua, na Seção I (Dos Crimes) do Capítulo V (Das Sanções Penais e Administrativas):

“Art. 14. Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em desacordo com as disposições desta Lei:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa, de 100 (cem) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa”.

Note-se como a pena prevista na Lei dos Transplantes pode ser duas vezes mais severa do que o Código Penal, apesar de, aparentemente, tipificar o mesmo crime – o de remover órgãos ou

11 Segundo o princípio do direito de que lei posterior revoga lei anterior, se os dispositivos do Código Civil e da Lei dos

Transplantes fossem realmente incompatíveis entre si, teria validade o Código Civil (2002), por ser posterior à Lei dos Transplantes (1997).

(21)

tecidos para transplante de um cadáver de forma ilegal. Mas essa aparência é falsa. Uma análise mais profunda da Lei dos Transplantes revela que ela vai dispor “sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante”12 (grifo acrescentado). Desta maneira, o art. 14 só poder ser aplicado quando o ato for praticado com fins de transplante, pois o próprio

caput do artigo preceitua que ele deve ser aplicado somente quando o ato ocorrer “em desacordo

com as disposições desta Lei” (grifo acrescentado).

Portanto, percebe-se que não há conflito de normas, pois o art. 14 reduz sua aplicação à Lei dos Transplantes, enquanto o Código Penal apresenta uma aplicação geral. Por exemplo: supõe-se que Fulano tenha invadido um hospital e removido o coração de um paciente; somente a enunciação deste fato não é suficiente para se determinar qual norma aplicar. Deve-se ir mais além na descrição dos fatos: se Fulano praticou o crime por motivo de vingança, sofrerá a sanção do Código Penal, mas, se o praticou tendo em vista transplantar ilegalmente o coração da vítima, sofrerá a sanção da Lei dos Transplantes.

Todavia, a Lei dos Transplantes não tipifica apenas a conduta de que remove os órgãos e tecidos com fim de transplante. Também tipifica o crime praticado pela implantação13 deste com o conhecimento de sua origem ilegal:

“Art. 16. Realizar transplante ou enxerto utilizando tecidos, órgãos ou partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 6 (seis) anos, e multa, de 150 (cento e cinqüenta) a 300 (trezentos) dias-multa”.

Note-se que este crime é direcionado especialmente a médicos, por serem os únicos profissionais presumidamente capazes de realizar a implantação de órgão ou tecido em um corpo de maneira eficaz. Desta maneira, o art. 14 visa punir a remoção, enquanto o art. 16, a implantação; portanto, em conjunto, visam punir o transplante ilegal de órgãos ou tecidos de um cadáver a outra pessoa. Mas surge uma pergunta que supera a Lei e aspira aos preceitos da Bioética: o que fazer com um órgão “ilegal” que o médico não pode transplantar se este saber a procedência?

Se a retirada vilipendiosa de órgãos ou tecidos de um cadáver com o fim de transplante já é algo em sim mesmo antiético, o é mais fazê-lo e desperdiçar tal órgão. Além de se estar desprezando a possível melhora da pessoa receptora, estaria se ofendendo ao próprio valor intrínseco da vida humana com tal desperdício, pois, para o receptor, não há a mínima diferença se um órgão fora retirado ilegalmente ou não, pois o que importa é que a sua eficácia. Deve-se ter bastante cautela em tal situação para não se cometer absurdos como o desperdício de órgãos

12 BRASIL. Lei n. 9.434 – 04 fev. 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e parte do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências.

13 Tal tipificação é coerente pois o ato de transplante comporta não só se consuma com a implantação do órgão ou tecido removido de outro corpo, conforme o conceito explicado no início deste trabalho.

(22)

humanos apenas porque são “ilegais”, pois certamente uma família respeitaria a implantação de órgão “ilegal” desde que o receptor estivesse agindo de boa-fé, isto é, se não tivesse participado do planejamento ou da consumação do crime.

Conclusão

A Bioética tornou-se indispensável ao ser humano nos dias atuais, devido aos constantes e acelerados avanços da Biociência. O Biodireito, por sua vez, sempre está atrasado em relação a esses avanços, mesmo os da Bioética. Os transplantes de órgãos e tecidos só são justos e dignos quando respeitada a vontade do indivíduo enquanto pessoa viva. De qualquer outra maneira, são injustos: a decisão não deve ser do Estado, como preceituava o texto original da Lei dos Transplantes, nem tampouco da família como se encontra o texto atual da referida Lei, mas apenas do próprio indivíduo.

Por isso, precisa ser reformulado o art. 4º da Lei dos Transplantes para que possa se compatibilizar com os princípios Bioéticos da dignidade da pessoa humana e da autonomia da vontade, seguindo o exemplo do art. 14 do atual Código Civil. Por fim, na esfera penal, é necessário se refletir mais sobre a proibição da finalização de transplantes cujos órgãos tenham origem “ilegal”, através da reformulação do art. 16 da Lei dos Transplantes, para que não se chegue ao absurdo de se desperdiçar órgãos enquanto a fila de espera de transplantes não pára de crescer.

Referências bibliográficas

BRASIL. Decreto-lei n. 2.848 – 07 dez. 1940. Código Penal.

BRASIL. Lei n. 9.434 – 04 fev. 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências.

BRASIL. Lei n. 10.406 – 10 jan. 2002. Institui o Código Civil.

COSTA, Tiago de Sampaio Viegas. A transgressão dos preceitos elencados na Lei nº 9.434/97 pode dar origem à configuração do delito previsto no art. 211 do Código Penal? Jus Navigandi,

Teresina, ano 9, n. 483, 2 nov. 2004. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5887>. Acesso em: 28 ago. 2006. FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Bioética e Biodireito.

NEVES, Serrano. Lei dos Transplantes: duas abordagens diferentes. Jus Navigandi, Teresina, ano 1, n. 20, out. 1997. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1845>. Acesso em: 28. ago. 2006.

OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1997.

ROQUETTE, Marcelo. Da vulnerabilidade do corpo humano “post mortem” sob o prisma do Biodireito e da Bioética. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1089, 25 jun. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8559>. Acesso em: 28. ago 2006.

(23)

O CORPO E SUA DIMENSÃO SIMBÓLICA

O CORPO E SUA DIMENSÃO SIMBÓLICA

O CORPO E SUA DIMENSÃO SIMBÓLICA

O CORPO E SUA DIMENSÃO SIMBÓLICA

João Guilherme Rodrigues Mendonça

João Guilherme Rodrigues Mendonça

João Guilherme Rodrigues Mendonça

João Guilherme Rodrigues Mendonça

14

RESUMO: Corpo e psique revelam-se em uma unidade indissolúvel,

reafirmando a dimensão humana em corpo que somos. Através da Cabala e da filosofia judaico-cristã, a geografia do corpo é mapeada no esquema corporal e compreendida em sua representação que transcende nossa consciência. O corpo é concebido como uma via simbólica, que se comunica em uma dimensão sagrada. A construção desse olhar foi a partir da pesquisa bibliográfica cujos aportes permeiam o papel do corpo na psicologia de orientação analítica.

PALAVRAS_CHAVE: Corpo-símbolo; esquema-corporal; soma e

psique.

ABSTRACT: Body and psyche are revealed in an indissoluble unit,

reaffirming the human dimension in body that we are. Through the Cabal and of the Jewish-Christian philosophy, the geography of the body is mapped in the corporal outline and understood in your representation that transcends our conscience. The body is conceived as a symbolic road, that communicates in a sacred dimension. The construction of that glance was starting from the bibliographical research whose contributions permeate the paper of the body in the psychology of analytic orientation.

KEYWORD: Body-symbol; outline-corporal; he/she/you adds and

psyche.

“Cada parte ferida de um corpo é a pista para uma causa maior e profunda, um sinal a ser lido e decodificado. Diz-se que as catedrais são livros de pedra. Nós somos livros de carne. Vivemos o que somos”.

Evaristo Eduardo de Miranda O corpo é a referencia nominal que diz da presença material, física, de cada ser humano. Sua presença física revela enquanto espécie a identificação comum das características de nossa forma (cabeça, tronco, membros), de nossa verticalização e nossa comunicação vocal.

14 Professor Mestre em Pedagogia do Movimento Humano, da Fundação Universidade Federal de Rondônia, Psicólogo com formação em Psicologia Transpessoal e Educador Físico.

(24)

Todavia, a experimentação vivida por cada indivíduo de nossa espécie em relação ao seu corpo determinará a especificidade identitária que o fará ser percebido como único. Esse processo discriminatório revela então que, o humano tem uma realidade de essência, de natureza mais íntima e profunda daquilo que faz que o humano seja, o que é, indo além da própria matéria.

Ver o corpo como matéria, é poder concebê-lo como engrenagens justapostas (ossos, músculos, órgãos) com diferentes funções. Essa perspectiva reducionista lembra muito bem a ciência do século XVIII, XIX e também de boa parte do século XX. O dualismo soma e psique fruto do pensamento cartesiano contribuiu para que o Ser que é em cada corpo, não pudesse manifestar-se na plenitude de sua essência. Jung (1981), considera que, matéria e psique fazem parte de uma mesma e única realidade.

As conseqüências de uma concepção não integradora, de unidade do humano entre seu corpo físico e suas outras realidades interiores potencializou diferentes síndromes que a medicina psicossomática apressou-se a desvendar. VARGAS (2002: p.33) considera que o tema

“psicossomático”, “uma tentativa de reunir o indevidamente separado”, ou seja “psique” e “soma”.

Nossa “psique” é também somática, tanto quanto nosso “soma” é também psíquico. Desapossados um do outro, soma e psique lança a dimensão humana em rupturas, que poderá repercutir em diferentes disfunções. Podemos concluir que o corpo tem uma relação de igualdade com a psique em sua totalidade.

É relevante considerar as intervenções da psicologia e também das diferentes religiões que agem também no sentido de reverter ou minimizar as incongruências entre o corpo que age, o pensamento, e o ser desejante que pede. PÉREZ (2002: p. 27) reafirma esta idéia ao confirmar que “la nuevas formulaciones de la física contemporânea se enruban a una concepción acentuada

de la transformación y el cambio de psique em cuerpo en psique y por lo mismo la imaginación y la energia parecem jugar un papel clave”.

O confinamento do humano em corpo matéria não permite sua hominização. Ao contrário, o escraviza a um bem que está mas não é. Poderíamos mesmo compreender o corpo como um envelope vivente e sem vida. É preciso pois, a reapropriação do corpo no humano que é, porque não temos um corpo, somos um corpo. Ser e conhecer o próprio corpo é saboreá-lo, vivenciá-lo. SIVADON (1988: p.13) propõe a conveniência de “aprender a se ocupar do corpo sadio afim de

que este seja menos doente e saiba deixar mais agilmente as fronteiras da morbidade”. Ocupar do

corpo sadio é promovê-lo a encontros em suas mais recônditas geografia. É torná-lo uma eterna novidade, um desbravador de mundo, e que o proteja. É apropriar-se e reapropriar-se no vivenciar as reações e padrões de nosso corpo. É permitir toda mobilização de resoluções favoráveis ao nosso organismo.

Quando sentimos que não temos nada mais a aprender em relação ao nosso corpo, dado a obviedade e objetividade de sua presença física tal qual é e está; o corpo é visto e vivido como

(25)

um velho conhecido. Esta forma de viver e conceber o corpo pode denunciar o enrijecimento da forma, do modelo tal qual se apresenta, para não se submeter à fragilidade do desconforto e, sobretudo a insegurança do que representa a mudança da forma.

O engessar-se cronifica e mantém a ilusão da segurança e estabilidade de um modelo que pode estar significando a presentificação de uma doença (quadro patológico) e, portanto de sofrimento. Levar o paciente à re-descobrir; tirar a coberta que modela; o gesso que paralisa; a muleta que sustenta a estagnação do corpo em padrões; para a novidade do desnudar da forma; a insegurança de um gesto novo; as sensações de novas contraturas; a leveza e força dos membros; a flexibilidade do gesto; a incerteza de um novo ponto de equilíbrio, podemos renascer para um novo mundo do meu corpo. Um corpo integrado e potencializado em sua dimensão humana.

DIMENSÃO SIMBÓLICA

O corpo humano tem através de sua materialização uma imagem e conteúdo que comunica consciente e inconsciente como símbolo. E “é por meio dos símbolos que os diferentes

arquétipos estruturam nossa consciência, nosso ego, ao longo de nossa existência” (VARGAS: p.

30). O corpo, portanto, como uma via simbólica, é uma dimensão estruturante da consciência. REIS (2002: p. 44) ao analisar o corpo como expressão dos arquétipos afirma que “a linguagem

corporal é como a onírica: anuncia e denuncia, fornecendo, assim, símbolos à consciência”.

O corpo como símbolo, atua na direção de um sentido. Sentido que se desvela, ou seja, a consciência de ser esse corpo que fala, que pensa, que sente, que age. O sentido da consciência é o da harmonia e identificação. O sentido do simbólico

está expresso nas atitudes, posturas, mímicas, no funcionamento de nossos aparelhos, bem como nas alterações bioquímicas e neuro hormonais. Está expresso no modo como nos relacionamos com o outro, na maneira como nos sentimos e pensamos, como vemos o mundo onde estamos vivendo, ... (VARGAS, 2000: p. 31)

MAGALHÃES (1984: p. 146) apud JUNG, revela que a natureza e a origem dos símbolos não são individuais, mas coletivos, principalmente “os símbolos religiosos, cuja função é dar

sentido à vida do homem”. O corpo então se revela em um símbolo como uma dimensão

estruturante e arquetípica. Sua estrutura e suas partes expressam de acordo com suas intenções a realidade essencial da pessoa. Nesse sentido o simbolismo do corpo, desvela que a dimensão do corpo matéria é somente uma variável a ser compreendida, é preciso que se ouça o corpo que fala por meio do desejo e que anuncia e denuncia o universo consciente e inconsciente.

(26)

Diferentes culturas e tradições do oriente e do ocidente dizem sobre a dimensão corporal, a descrição do homem. A dimensão sagrada e simbólica do corpo traz a representação do que transcende nosso entendimento e consciência. Focalizarei esta dimensão na geografia do corpo; procurando ouví-lo em uma unidade representativa de um microcosmo unida ao macrocosmo extraído na tradição da Cabala através da Árvore das vidas ou Árvore de sefirot e na filosofia judaico-cristã. Para SOUZENELLE (1995: p. 10) a Árvore das vidas “permanece, o arquétipo do

corpo do homem, aquele de quem ela é a imagem e a semelhança do qual ele é chamado”.

A Árvore das vidas (figura 1 e 2, Apud SOUZENELLE, 1995: p. 14 e 51) possue as qualidades e atributos da divindade, indica no judaísmo que uma pessoa são muitas vidas. A representação dessa figuras revela o caminho do conhecimento e da experiência interior. Simbolicamente na tradição judaica nosso corpo e a pessoa que somos desenvolvem como Árvore das vidas, isto significa o local por onde jorra a experiência vivida e a unidade na vivência com o mundo exterior.

As dez sefirot podem se grupadas em três unidades ternárias, no esquema da Árvore das vidas: Coroa (ketér), Sabedoria (chochmá), Inteligência (Biná), na parte superior. Esse primeiro triângulo revela a essência de divindade, com seu vértice apontado para cima, para o Ain. Ele está associado à cabeça (rósh) e à matriz craniana no esquema corporal e a sede do ser divino. Segue-se a tríade Graça ou Misericórdia (Chessed), Justiça ou Rigor (Din ou Guevurá) e Beleza (Tiféret), o coração, o sol, o amor divino fecundo e criador. Voltado para baixo, esse triangulo exprime o plano de Deus e está associado á matriz peitoral, ao sistema cardiorrespiratório no corpo humano. É visto como a sede do ser espiritual e a matriz do ser divino. Na Cabala, os vértices desses triângulos são associados a Abraão (Chesséd), Isaac (Guvurá) e Jacó (Tiferét). Mais abaixo está o segundo triangulo, Vitória ou Potencia (Nétsach), Glória ou Magestade (Hod) e Fundamento (Iessód), o sexo, o amor humano, o útero, a lua. Ele corresponde ao complexo urogenital, sede do ser psíquico e matriz do ser espiritual, a matriz abdominal. O vértice desse triângulo aponta para baixo e abre-se ao Reino (Malchút), ao domínio, à terra, ao sentir físico, aos pés no sistema corporal, à sraízes da Árvore humana. (MIRANDA, 2000: p. 41).

(27)

FIGURA 2

A Árvore das vidas vem analogamente à Árvore humana, (Figura 3 e 4, Apud DOUGLAS & SLINGER, s/d: p.114 e 115) representar a dimensão sagrada do corpo em seu aspecto físico, psicológico e divino. Cada parte do esquema corporal é tornado sagrado e de significado simbólico específico; dando uma dimensão transcendente ao humano. Essas figuras são representativas de uma simbologia que une no humano o plano ontológico e o existencial; ela exprime a união orgânica de dez sefirot. MIRANDA (2000: p.45) esclarece que “na tradição da cabalá, em cada pessoa, a essa Árvore humana (Árvore das vidas) corresponde à presença de uma árvore divina (Árvore do conhecer bem e mal), em posição invertida”.

(28)

Referências

Documentos relacionados

Este sistema, resultante da colaboração entre a Glintt e o sector farmacêutico, permite não só realizar todos os processos inerentes ao normal funcionamento da farmácia,

Para a coleta dos dados de mercado para a determinação do valor unitário básico de área útil que reflita a realidade mercadológica imobiliária da região

Afastamento da sala de audiências: reflete a sensibilidade dos juízes quanto ao impacto das condições físicas, sobretudo das características austeras da sala da audiência de

A estratégia pedagógica utilizada na disciplina Fundamentos da Arte na Educação é a do trabalho colaborativo de pequenos grupos online. O trabalho colaborativo

Para amostras altamente contaminadas, como esta, diluições maiores são recomendadas para obter uma contagem mais precisa e maior crescimento de colônias típicas (como na figura

Essa pesquisa buscou identificar os indi- cadores financeiros e operacionais mais rele- vantes, calculados com base nas demonstrações contábeis, para a avaliação do desempenho de

Enquanto nas cidades encontram-se dinâmicas complexas, nas sociedades rurais temos estruturas sociais de tipo simples; enquanto nos centros urbanizados temos densos processos