Introdução às Redes e Serviços de
Telecomunicações
1.1
Introdução
Neste capítulo apresenta-se a resolução de alguns problemas e propõem-se alguns exercícios adi-cionais referentes à matéria do capítulo 1 de Sistemas e Redes de Telecomunicações.
Decibel relativo e decibel psofométrico
É conveniente que as ligações analógicas em redes telefónicas comutadas tenham um desempenho tão uniforme quanto possível ao longo de toda a rede. Para atingir este objectivo, os níveis de potência em cada central de comutação são ajustados para valores especificados de modo a que os níveis de sinal em cada tronca sejam adequados à transmissão. Como as perdas de transmissão dependem da frequência do sinal, consegue-se ajustar os níveis de potência ao longo da rede usando sinais de teste de frequência na banda da voz (habitualmente sinusóides com a frequência de 800 Hz ou 1000 Hz), medindo o nível desses sinais de teste e comparando com o nível num ponto de referência arbitrário. Este ponto é designado por ponto de nível zero de transmissão e o nível de transmissão em cada ponto da rede onde os sinais são medidos é a diferença, em unidades logarítmicas, entre a potência de sinal de teste nesse ponto e a potência do mesmo sinal no ponto de nível zero. O nível de transmissão exprime-se em decibel relativo, dBr, o que leva a que no ponto de nível zero, o nível de transmissão seja 0 dBr. Nas redes telefónicas analógicas, o ponto de nível zero é habitualmente definido como um ponto na entrada de determinados centros de trânsito primários. A potência de sinal medida no ponto de nível zero exprime-se em dBm0. Se a potência do sinal de teste for 0 dBm0 no ponto de nível zero, então o valor do nível de transmissão é igual à potência real do sinal de teste, em dBm, em cada ponto (na rede) de medida do sinal de teste.
Em redes telefónicas, o ruído térmico da banda do canal de voz afecta de modo diferente a qualidade subjectiva da mensagem ouvida pela pessoa consoante a parte do espectro do ruído, porque o ouvido humano e o auscultador do telefone têm respostas diferentes para frequências diferentes. Para modelar esta capacidade de filtragem do ouvido humano e do auscultador na medida da potência de ruído e traduzir de modo mais rigoroso a qualidade do circuito de voz, foi criado e normalizado pela ITU-T (de acordo com a Recomendação G.223) um filtro, designado por filtro psofométrico, que modela aquela resposta em frequência. Este filtro é utilizado para ponderar de modo diferente as várias componentes espectrais do ruído térmico.
A Fig. 1.1 apresenta a resposta de amplitude do filtro psofométrico. Esta resposta é tal que reduz a potência de ruído térmico (branco e gaussiano) em 3.6 dB relativamente a um filtro de resposta uniforme na banda de 0 a 4 kHz. A potência de ruído medida por um filtro psofométrico exprime-se em dBmp, em que a letra “p” significa que o ruído foi ponderado por um filtro pso-fométrico. Estes conceitos estão ilustrados na Fig. 1.2.
Figura 1.1 –Resposta de amplitude do filtro psofométrico. A curva da mensagem C, correspondente à resposta equivalente ao filtro psofométrico nos E.U.A., está também representada. O filtro de resposta uniforme na banda de 0 a 4 kHz terá uma resposta de valor constante de 0 dB ao longo de toda essa banda.
Para se ter a noção de que níveis de potência de ruído são perceptíveis ao ouvido humano, merece referência o facto de que o sinal mais fraco que consegue ser perceptível pelo ser humano tem uma potência de −90 dBm em 800 ou 1000 Hz.
No Problema 2-IRST são abordados estes conceitos.
o o o
Problema 2-IRST
Considere a Fig. 1.3, em que os pontos A, B e C são pontos na rede telefónica pública comutada a que correspondem os níveis de transmissão indicados na mesma figura.
Determine:
a) A potência do sinal medido no ponto B admitindo que no ponto de nível zero de transmissão se injecta uma potência de 1 mW.
b) O valor do ganho (perdas) de potência que o sinal sofre quando se propaga de A a C.
Ruído branco Filtro com resposta uniforme (banda 0 - 4 kHz) Filtro psofométrico (banda 0 - 4 kHz) No[ dBm] No− 3.6 [ dBmp]
Figura 1.2 –Relação, em decibel, entre a potência de ruído filtrada por um filtro com resposta uniforme e por um filtro psofométrico.
A −2 dBr B −10 dBr C −4 dBr
Figura 1.3 – Níveis de transmissão dos pontos da rede telefónica A, B e C.
do filtro psofométrico, admitindo que o nível absoluto da potência de ruído em B é de−60dBmp. Resolução
a) Como o nível de transmissão de um ponto B na rede, RB, indica a diferença, em unidades
logarítmicas, entre a potência de sinal de teste nesse ponto, PB, e a potência do mesmo sinal no
ponto de nível zero, P0, pode escrever-se
RB = PB− P0 (1.1)
com RB = −10 dBr e P0 = 10 log10 1 mWp0 = 10 log101 = 0 dBm0. Assim, em unidades logarítmicas,
a potência de sinal no ponto B relaciona-se com a potência de sinal no ponto de nível 0 através da expressão
PB = P0− 10 dBr = 0 dBm0 − 10 dBr = −10 dBm (1.2)
pelo que, em unidades lineares, se obtém
pB = 10
PB 10 = 10
−10
b) Pela definição de ganho, o ganho de potência que o sinal sofre quando se propaga de A a C é dado por
GA→C = PC− PA (1.4)
Exprimindo as potências nos pontos C e A em termos dos níveis de transmissão desses pontos pode escrever-se, respectivamente,
PC = RC + P0 (1.5)
e
PA= RA+ P0 (1.6)
Substituindo as expressões 1.5 e 1.6 na expressão 1.4 obtém-se
GA→C = RC− RA (1.7)
A partir da Fig. 1.3, tem-seRC = −4dBr eRA= −2dBr e substituindo na expressão 1.7 obtém-se
GA→C = −2 dB (1.8)
que, em unidades lineares, dá
gA→C = 10GA→C10 = 10−0.2= 0.63 (1.9)
c) Calcula-se a potência de ruído no ponto de nível zero usando a expressão 1.1, com as potências envolvidas nessa expressão a referirem-se a potências de ruído. Essas potências, em unidades logarítmicas, vão designar-se por NB eN0, em queNB é a potência de ruído em B e N0
é a potência de ruído no ponto de nível zero. Assim sendo, a expressão 1.1 passa a escrever-se
RB= NB− N0 (1.10)
em que NB = −60 dBmp, que é um dado do problema. Substituindo RB = −10 dBr na
ex-pressão 1.10, obtém-se
N0 = NB− RB = −50 dBmp (1.11)
Sem o peso do filtro psofométrico, a potência de ruído é 3.6 dB mais elevada do que com o filtro psofométrico pelo que à potência de ruído de −50 dBmp corresponderá a potência de ruído
Do mesmo modo, calcula-se a potência de ruído no ponto C usando a expressão 1.5, com as potências envolvidas nessa expressão a referirem-se a potências de ruído. Obtém-se, assim,
NC = RC + N0 = −4 − 50 = −54 dBmp (1.12)
à qual corresponde a potência de ruído sem o peso do filtro psofométrico de NC = −54 + 3.6 =
−50.4 dBm.
Temperatura equivalente de ruído e factor de ruído
Na análise de desempenho de sistemas de telecomunicações compostos por vários sub-sistemas em cadeia, é importante saber caracterizar como a potência de sinal e a potência de ruído evoluem ao longo da cadeia, para projectar o sistema de modo a cumprir as exigências de qualidade pre-tendidas. Por exemplo, é importante saber quais as potências de sinal e de ruído aos terminais de um televisor de uma rede de TV por cabo a partir do conhecimento da estrutura da rede, nomeada-mente número e características dos amplificadores eléctricos, características do cabo coaxial usado na rede e do nível de sinal à entrada da rede de cabo coaxial.
Neste âmbito, desempenham papel importante o ganho equivalente da cadeia e o ruído adi-cionado pela cadeia que é habitualmente caracterizado pelo factor de ruído da cadeia. A seguir apresentam-se estas grandezas e a forma como se calculam a partir dos ganhos e factores de ruído de cada sub-sistema da cadeia. Os ganhos e factores de ruído de cada sub-sistema da cadeia são habitualmente conhecidos ou conseguem obter-se experimentalmente.
Considere-se o quadripólo com ganho de potência g1 e que gera a potência de ruído interno
medida à sua saída,nint. As potências de sinal e ruído à entrada e saída do quadripólo designam-se,
respectivamente, porsi, ni eso, no, tal como se representa na Fig. 1.4. No que se segue, admite-se
sempre que os quadripólos estão adaptados e que as suas impedâncias de entrada e saída são iguais. Ao longo da análise, considera-se que as potências de sinal e ruído são as potências disponíveis que se obtêm quando a impedância de carga é a complexa conjugada da impedância de saída.
si ; ni g1 ; nint so ; no
Figura 1.4 –Caracterização de um quadripólo através do seu ganho de potênciag1 e potência de ruído
interno medida à saída, nint.
A potência de sinal à saída relaciona-se com a potência de sinal à entrada através da relação
so= g1si (1.13)
Admitindo que o ruído à entrada do quadripólo e o ruído interno do quadripólo são incorrela-cionados, a potência de ruído à saída relaciona-se com a potência de ruído à entrada através da
relação
no= g1ni+ nint (1.14)
Supondo que o ruído à entrada do quadripólo é de origem térmica, com a temperatura em Kelvin Ti e que a largura de banda equivalente de ruído do quadripólo é Bn, a potência de ruído
à entrada do quadripólo nessa largura de banda é
ni= kBTiBn (1.15)
em que kB é a constante de Boltzmann (kB = 1.381 × 10−23 J/K).
Pode, então, escrever-se para a relação sinal-ruído à saída do quadripólo
so no = g1si g1ni+ nint = g1si g1kBTiBn+ nint = si kBTiBn 1 + nint g1kBTiBn (1.16)
Como a relação sinal-ruído à entrada do quadripólo é dada por
si
ni
= si kBTiBn
(1.17)
então a relação sinal-ruído à saída do quadripólo pode escrever-se, em termos da relação sinal-ruído à entrada, do seguinte modo
so no = si ni· 1 1 + nint g1kBTiBn (1.18) O termo nint
g1kBBn só depende dos parâmetros do quadripólo e tem as dimensões de uma
tem-peratura. Define-se, então, a temperatura equivalente de ruído do quadripólo como Te=
nint
g1kBBn
(1.19)
Esta temperatura equivalente de ruído refere-se aos terminais de entrada pois, na sua definição, aparece dividida por g1. A potência de ruído interno medida à saída do quadripólo pode, então,
escrever-se como
nint = g1kBTeBn (1.20)
Entrando com a definição de temperatura equivalente de ruído na expressão 1.18, a relação entre as relações sinal-ruído à entrada e saída pode escrever-se:
so no = si ni · 1 1 + Te Ti (1.21)
Esta expressão mostra que so
no ≤
si
ni porque
Te ≥ 0. Além disso, mostra que a razão entre as
relações sinal-ruído depende, além das características do quadripólo, das características do ruído à entrada do quadripólo. Para evitar esta dependência, define-se o factor de ruído do quadripólo
como F = si ni so no com Ti = T0 (1.22)
em que T0 é a temperatura padrão, habitualmente tomada como 17◦C a que correspondeT0=290 K,
isto é, na obtenção do factor de ruído impõe-se que a temperatura equivalente do ruído à entrada do quadripólo seja a temperatura padrão. Deste modo, o factor de ruído é independente da temperatura equivalente do ruído à entrada, sendo só directamente aplicável à determinação da relação sinal-ruído à saída quando o ruído à entrada do quadripólo apresentar uma temperatura equivalente de ruído igual à temperatura padrão.
Da expressão 1.22, conclui-se que o factor de ruído exprime a degradação (isto é, a diminuição) da relação sinal-ruído quando se passa da entrada para a saída do quadripólo. Por esta razão, interessa que o quadripólo tenha o factor de ruído mais baixo possível de modo que a degradação da relação sinal-ruído seja a menor possível. O valor mais baixo do factor de ruído é 1 (0 dB) e acontece quando o quadripólo não adiciona ruído ao sinal. Nesta situação, a relação sinal-ruído à saída é igual à relação sinal-ruído à entrada, qualquer que seja o ganho do quadripólo. Realce-se que, sendo o factor de ruído uma razão entre relações sinal-ruído (sendo cada uma delas uma razão entre potências), o factor de ruído em dB,FdB, obtém-se a partir do factor de ruído em unidades
lineares (definido anteriormente) comoFdB= 10 log10F.
Tendo em conta a expressão 1.21, o factor de ruído exprime-se em termos da temperatura equivalente de ruído do quadripólo como:
F = 1 + Te T0
(1.23)
e, equivalentemente, a temperatura equivalente de ruído exprime-se no factor de ruído como
Te= (F − 1) · T0 (1.24)
Realce-se que nas expressões do factor de ruído e temperatura equivalente de ruído, os ganhos de potência e factores de ruído estão expressos em unidades lineares.
Merece referência a temperatura equivalente de ruído e factor de ruído de quadripólos pas-sivos. Quadripólos passivos são quadripólos que não possuem elementos activos (amplificadores)
devendo-se o seu ruído interno ao ruído térmico dos componentes que constituem o quadripólo por estes estarem à temperatura ambiente, Tamb. São exemplos de quadripólos passivos as linhas
de transmissão, os cabos de ligação e de transmissão. Para quadripólos passivos, demonstra-se que a temperatura equivalente de ruído só depende das perdas do quadripólo e da temperatura ambiente em que o quadripólo está a funcionar e é dada por
Te,p= (ap− 1) · Tamb (1.25)
em que ap é a atenuação de potência do quadripólo passivo em unidades lineares. O factor de
ruído obtém-se substituindo a expressão 1.25 na expressão 1.23 e é dado por
Fp = 1 + (ap− 1) ·
Tamb
T0
(1.26)
Note-se que, se e só se a temperatura ambiente em que está a funcionar o quadripólo passivo for igual à temperatura padrão, o factor de ruído do quadripólo passivo é igual à atenuação do quadripólo passivo, Fp= ap.
o o o
Exercício proposto 1
Considere um amplificador de sinal de televisão que apresenta um factor de ruído de 6 dB, ganho de potência de 20 dB e a largura de banda equivalente de ruído de 6 MHz.
a) Determine a temperatura equivalente de ruído do amplificador.
b) Determine a relação sinal-ruído à saída do amplificador admitindo que a relação sinal-ruído à entrada é 60 dB e que a temperatura equivalente do ruído de entrada é a temperatura padrão. c) Determine a relação sinal-ruído à saída do amplificador admitindo que a relação sinal-ruído à entrada é 60 dB e que a temperatura equivalente do ruído de entrada é 580 K.
d) Determine as potências de ruído e de sinal à saída do amplificador em dBm, nas condições da alínea c). Solução a)Te=864.51 K b) S N o =54 dB
c) S N o =56.04 dB d)No = −79.22 dBm, So = −23.18 dBm. o o o
Para se calcular o ganho de potência e o factor de ruído da cadeia começa-se por considerar um sistema com dois quadripólos generalizando depois paranquadripólos. Considere-se que o ganho
de potência e a potência de ruído interno (referida à saída do quadripólo) do primeiro quadripólo são, respectivamente, g1 e nint,1, e o ganho e a potência de ruído interno (referida à saída do
quadripólo) do segundo quadripólo são, respectivamente, g2 e nint,2. Considere-se também que a
banda de passagem do último quadripólo está incluída na banda de passagem do primeiro, pelo que a largura de banda equivalente de ruído da associação em cadeia é igual à largura de banda equivalente de ruído do último quadripólo, Bn= Bn,2.
A potência de sinal à saída do segundo quadripólo é dada por:
so= g1g2si (1.27)
em que si é a potência de sinal à entrada da associação de quadripólos. A potência de ruído à
saída do segundo quadripólo é dada por:
no= g2(nig1+ nint,1) + nint,2 (1.28)
ou seja
no= g2g1ni+ g2nint,1+ nint,2 (1.29)
A expressão 1.29 mostra que a potência de ruído à saída do segundo quadripólo tem três termos: 1. um termo que resulta da amplificação do ruído à entrada do primeiro quadripólo pelos dois
quadripólos (primeiro termo de 1.29);
2. um termo que resulta da amplificação do ruído gerado internamente no primeiro quadripólo pelo segundo quadripólo (segundo termo de 1.29);
3. um termo que resulta do ruído gerado internamente no segundo quadripólo (terceiro termo de 1.29).
Fazendo a razão entre as expressões 1.27 e 1.28 pode escrever-se so no = si ni· 1 1 +nint,1 g1ni + nint,2 g2g1ni (1.30)
Exprimindo as potências de ruído interno dos dois quadripólos em termos das respectivas temperaturas equivalentes, nint,1 = g1kBTe,1Bn e nint,2 = g2kBTe,2Bn com Te,1 e Te,2 as
tempera-turas equivalentes de ruído do primeiro e segundo quadripólos, respectivamente, e substituindo na expressão 1.30 obtém-se si ni so no = 1 +Te,1 Ti + Te,2 g1Ti (1.31)
Usando a definição de factor de ruído, expressão 1.22, pode escrever-se para o factor de ruído da cadeia F = 1 + Te,1 T0 + Te,2 g1T0 (1.32)
Atendendo à relação entre o factor de ruído e a temperatura equivalente de ruído,Te,k = (Fk− 1) · T0
(k = 1, 2), o factor de ruído da cadeia de dois quadripólos pode escrever-se como F = F1+
F2− 1
g1
(1.33)
O desenvolvimento anterior pode generalizar-se para uma cadeia de n quadripólos. Sendo gk
e Fk o ganho e o factor de ruído do quadripólo k, respectivamente, o factor de ruído da associação
em cadeia é dado por
F = F1+ F2− 1 g1 +F3− 1 g1g2 + · · · + Fn− 1 g1g2· · · gn−1 (1.34)
que é conhecida porfórmula de Friis para o factor de ruído da associação em cadeia de quadripólos. A temperatura equivalente de ruído da cadeia é dada por
Te= Te,1+ Te,2 g1 + Te,3 g1g2 + · · · + Te,n g1g2· · · gn−1 (1.35)
O procedimento a utilizar para obter a relação sinal-ruído à saída sabendo a relação sinal-ruído à entrada da cadeia, em condições gerais, é o seguinte: obter a temperatura equivalente de ruído da cadeia e, em seguida, calcular a relação sinal-ruído usando a expressão 1.21. Nas expressões do factor de ruído e temperatura equivalente de ruído da cadeia de quadripólos, os ganhos de potência e factores de ruído estão expressos em unidades lineares.
As expressões 1.34 e 1.35 mostram que interessa que o primeiro quadripólo da cadeia deve ter baixo ruído (factor de ruído reduzido ou, equivalentemente, temperatura equivalente de ruído reduzida) e ganho elevado de modo que a contribuição dos quadripólos que se seguem ao primeiro, para o factor de ruído da cadeia, seja reduzida. Por isso, os receptores de telecomunicações apresentam habitualmente como primeiro andar de amplificação um pré-amplificador com ganho suficientemente elevado e de baixo ruído.
o o o
Problema 5-IRST
Considere que na componente coaxial de uma rede híbrida fibra-coaxial se têm dois amplifi-cadores ligados por um troço de cabo coaxial com o comprimento de 80 metros. Considere que a atenuação do cabo coaxial à frequência de 750 MHz é de 8 dB/100 m. Admita também que, para a frequência de 750 MHz, os amplificadores têm as seguintes especificações: factor de ruído e ganho de potência do primeiro amplificador de F1=5 dB e G1=15 dB, respectivamente; factor de ruído e
ganho de potência do segundo amplificador deF2=7 dB e G2=35 dB, respectivamente. Considere
que a largura de banda equivalente de ruído para um canal de televisão é de 4.75 MHz. Se a temperatura equivalente de ruído na entrada do primeiro amplificador for a temperatura padrão de 290 K, determine a potência de sinal na entrada para garantir uma relação sinal-ruído de 30 dB à saída, admitindo que o canal em análise é transmitido na frequência de 750 MHz. Exprima essa potência em pW, dBW e dBm.
Resolução
a) Nas redes de cabo coaxial, o projecto da ligação efectua-se habitualmente para o canal com a frequência mais elevada porque é para esse canal que as perdas e o nível de ruído são mais elevados. Note-se que o coeficiente de atenuação do cabo coaxial, em Neper, aumenta com a raiz quadrada da frequência pelo que as perdas introduzidas por cada troço de cabo coaxial tomam o valor mais elevado para a frequência mais elevada de interesse, isto é, em que existe um canal do sinal FDM de distribuição de televisão. É por esta razão que neste problema se efectua a análise para a frequência de 750 MHz. Por outro lado, a definição de qualidade exigida para o sinal distribuído na rede é feita a nível de cada canal de televisão pelo que a banda de ruído em consideração refere-se à banda equivalente de ruído de um canal digital de televisão.
A potência de ruído térmico à entrada do sistema obtém-se a partir da expressão 1.15 tendo em conta que a temperatura equivalente de ruído na entrada do sistema é Ti = T0= 290 K:
ni = kBTiBn= kBT0Bn (1.36)
que, em unidades logarítmicas, se pode escrever como
Ni= 10 log10ni= 10 log10(kBT0) + 10 log10Bn≈ −204 + 10 log10Bn [dBW] (1.37)
ondeBn deve ser expresso em Hertz. Substituindo Bn= 4.75 × 106 Hz na expressão 1.37, obtém-se
Ni= −137.23 dBW.
O factor de ruído da cadeia é dado por
F = F1+ Fcabo− 1 g1 + F2− 1 g1gcabo (1.38)
em que F1, F2 e Fcabo são os factores de ruído do primeiro e segundo amplificadores e do troço
de cabo coaxial, respectivamente, eg1 e gcabo são os ganhos de potência do primeiro amplificador
e do troço de cabo coaxial, respectivamente. Tendo em conta os dados do problema, obtém-se directamente g1 = 10 G1 10 = 10 15 10=31.62,F1 = 10 F1,[dB] 10 = 10 5 10=3.162,F2 = 10 F2,[dB] 10 = 10 7 10=5.
Resta calcular o ganho e o factor de ruído do troço de cabo. O troço de cabo é um quadripólo passivo em que se admite que a temperatura ambiente é a temperatura padrão, por nada ser referido em contrário. Assim sendo, Fcabo = acabo ou, equivalentemente, Fcabo = gcabo1 , em que
acabo e gcabo são a atenuação e o ganho de potência do troço de cabo em unidades lineares,
respectivamente. Dos dados do problema, obtém-se o coeficiente de atenuação do cabo, em dB/m, dado por αcabo,[dB/m]=8 dB / 100 m=0.08 dB/m. A partir do coeficiente de atenuação do cabo,
em dB/m, determina-se a atenuação do cabo, em dB, multiplicando o coeficiente de atenuação pelo comprimento do cabo em metros, isto é:
Acabo,[dB] = αcabo,[dB/m]· lcabo,[m] (1.39)
Substituindo lcabo,[m]=80 m obtém-se Acabo,[dB]=6.4 dB pelo que acabo = 10
Acabo,[dB] 10 = 10
6.4
10=4.365
pelo que o ganho de potência do troço de cabo é gcabo =acabo1 =0.229 e o factor de ruído do cabo é
Fcabo= 10
6.4
10=4.365.
Substituindo os valores das várias grandezas na expressão 1.38 obtém-se
F = 10105 +10 6.4 10 − 1 101510 + 10 7 10 − 1 101510· 10 −6.4 10 = 3.82 (1.40)
e, em decibel,F[dB]=5.82 dB.
Tendo em conta que a temperatura do ruído à entrada é a temperatura padrão, pode utilizar-se directamente o factor de ruído para calcular a relação sinal-ruído à entrada. Exprime-se, então, a relação de definição de factor de ruído, dada pela expressão 1.22, em decibel, obtendo-se1:
F[dB] = S N i − SN o (1.41)
Se se atender que a relação sinal-ruído à entrada se exprime em decibel em termos da potência de sinal e ruído à entrada em dBW ou dBm da seguinte forma
S N
i
= Si− Ni (1.42)
então pode escrever-se para o factor de ruído
F[dB]= Si− Ni− S
N
o
(1.43)
de onde se pode tirar a potência de sinal à entrada em dBW ou dBm, vindo dada por
Si = F[dB]+ Ni+ S
N
o
(1.44)
Substituindo os valores calculados anteriormente, obtém-se Si,[dBW] = 5.82 + (−137.23) + 30 = −101.41 dBW ou, em dBm, Si = −101.41 dBW + 30 dB=−71.41 dBm e, consequentemente, em Watt,si = 10 Si,[dBW] 10 = 10 −101.43 10 = 7.228 × 10−11 W=72.28 pW. Exercício proposto 2
Para a rede híbrida fibra-coaxial do Problema 5-IRST, determine a potência de sinal na entrada, em dBm, considerando que a potência de ruído à entrada na largura de banda equivalente de ruído para um canal de televisão é de −100 dBm.
Solução Si= −68.13 dBm
o o o
1
Na expressão que se segue S N i e S N o
devem ser entendidas como as relações sinal-ruído expressas em decibel em vez das razões entre a potência de sinal em dBW ou dBm e a potência de ruído em dBW ou dBm.