• Nenhum resultado encontrado

Vista do Distinguindo conceitos de educação para mídia. Alfabetização midiática como objetivo

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Vista do Distinguindo conceitos de educação para mídia. Alfabetização midiática como objetivo"

Copied!
12
0
0

Texto

(1)

201

Distinguindo conceitos de educação para mídia:

Alfabetização midiática como objetivo

Cristine Rahmeier Marquetto Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos, São Leopoldo/RS. É mestra em Processos e Manifestações Culturais pela Universidade FEEVALE, Novo Hamburgo/RS (2015). Possui graduação em Comunicação Social - Habilitação em Relações Públicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Porto Alegre/RS (2010). Email: cristinemarquetto@gmail.com.

Resumo

Este artigo coloca em discussão o entendimento acerca de três termos que fazem parte das preocupações dos processos de educação para mídia: alfabetização midiática, educomunicação e mídia-educação. A intenção é de identificar seus posicionamentos no cenário de pesquisas do campo, entendendo que não é possível avançar nas intenções de crítica da atuação das mídias jornalísticas sem ter esclarecidas essas diferenças. Identifico a alfabetização midiática como um objetivo a ser alcançado, a mídia-educação como meio, um procedimento, e a educomunicação como um método. Como consequência desse posicionamento, a alfabetização midiática representa o espaço de maior atuação no o combate às fake news e a desinformação.

Palavras Chave

Alfabetização Midiática; Educomunicação; Mídia-Educação; Crítica; Desinformação. Abstract

The present article brings forward discussion on understanding three terms that are part of concerns of media education processes: media literacy, “educomunication” and media education. The goal is to identify both their positions in the research field scenario, knowing that it is not possible to progress in the intentions of critics of journalistic media performance without clarifying those differences. I recognize media literacy as an aim to be reached, media-education as a means, procedure, and “educomunication” as a method. As a result of this positioning, media literacy represents the greatest space of action in fighting fake news and misinformation.

Keywords

Media literacy; “educomunication”, media-education; misinformation; critics.

Introdução

A influência das notícias falsas nos cenários políticos e sociais vem crescendo cada vez mais. O alerta das fake news nas eleições norte-americanas de 2016 e nas brasileiras de 2018 levantam discussões sobre como combater essa prática, como ajudar as pessoas a melhor se informarem e como devem proceder os governos. A eleição francesa em 2017, que levou o presidente Emmanuel Macron a criar uma lei de combate a fake news em disputas eleitorais, também atentou para a distorção de notícias, bem como o referendo da Catalunha pela independência, no mesmo ano. Esses casos levaram a Comissão Europeia a criar o High

Level Group, em janeiro de 2018, com 39 membros entre jornalistas, pesquisadores de

comunicação, escritores e membros de organizações civis, com o objetivo de elaborar um documento para combater as notícias falsas, por entenderem o risco que representam para as democracias. Além de estabelecer três frentes de atuação e apresentar dez princípios fundamentais para as plataformas de jornalismo seguirem, o documento, então elaborado, se baseia em cinco pontos principais: melhorar a transparência das notícias online; promover a

(2)

202

alfabetização de mídia1 e de informação; capacitar usuários e jornalistas; salvaguardar a diversidade e a sustentabilidade dos meios de comunicação; e promover pesquisas contínuas sobre o impacto da desinformação.

As fake news podem ser relacionadas, no entanto, à ponta do iceberg do que caracteriza a falta ou a não informação sobre a realidade. Não são apenas as informações falsas que alteram a percepção do que se passa a nossa volta; o volume de informações sobre determinado conteúdo, a insistência de sua veiculação e a forma como ele é exposto auxiliam na compreensão de mundo dos sujeitos sociais. Por vezes, o cenário resultante é de falta de noção do que se passa com a comunidade, com o país, uma “desinformação” no sentido de incoerência entre o que se construiu como realidade individualmente e o que acontece no mundo concreto.

O instituto de pesquisa social britânico Ipsos Mori investigou os níveis de desinformação de habitantes em que vivem em 38 países sobre a realidade que vivem. Neste estudo, divulgado final de 2017 e mais amplamente em 2018 em diversos jornais e sites jornalísticos do Brasil (tais como Folha de São Paulo, Zero Hora, Exame, Terra), o entrevistador questionava a percepção da pessoa sobre alguma situação específica, como por exemplo: qual a cidade mais violenta do país? Qual o percentual de mulheres entre 15 e 19 anos que dão à luz a cada ano? Você acha que a taxa de homicídios em seu país é maior ou menor que no ano 2000? E assim, os pesquisadores comparavam as respostas com as estatísticas. No resultado final, o Brasil teve desempenho espantoso: ocupamos o segundo lugar em pior percepção da realidade, ficando atrás apenas da África do Sul.

Figura 1: Percepção dos brasileiros sobre algumas questões

Fonte: Folha de São Paulo (2018)2

Mas, afinal, por que lemos tão mal o que está a nossa volta? Isso está relacionado com

1 Em inglês, Media Literacy, mas que nos documentos da UNESCO foi traduzido como “alfabetização

mediática”. Em Portugal, o mesmo termo é traduzido como “literacia mediática”. Em vistas de manter a tradução feita pela UNESCO para o Brasil, mantenho “alfabetização midiática” neste trabalho.

(3)

203

o impacto que certas informações têm. Na pesquisa, por exemplo, os brasileiros selecionaram o Rio de Janeiro como a cidade mais violenta do país (apesar de ela não estar nem entre as dez capitais com maiores índices de violência), o que pode estar relacionado à cobertura midiática que enfatiza as ocorrências policiais, a qual nos faz assimilar a cidade como muito violenta. Segundo a doutora em psicologia Keitiline Viacava, “o quão repetidamente estou exposto a determinada informação tende a influenciar a minha percepção sobre aquele fenômeno” (ZERO HORA, 2018, p. 9).

Tomamos nossas decisões políticas com base nas nossas percepções da realidade e escolhemos o que consideramos o melhor caminho para a solução de problemas sociais. Quando essa percepção é equivocada, o debate público fica comprometido: que tipo de discussão teremos quando a sociedade brasileira acredita que quase a metade das jovens dá à luz no Brasil a cada ano (quando na verdade não chega a 7%)? Discussões sobre aborto, educação sexual, até saúde pública, por exemplo, podem ficar comprometidas por desviarem das questões centrais que condicionam esses temas. Quando a percepção que temos sobre a realidade não condiz com o mundo concreto, ficamos mais suscetíveis ou vulneráveis a acreditar em alguém que saiba explorar essa falta de clareza. A cientista política Céli Pinto afirma que

[...] é importante dizer que as pessoas não têm uma perspectiva equivocada por serem equivocadas por natureza, é por haver todo um discurso político e midiático que produziu isso. Então o brasileiro acha que todas as adolescentes ficam grávidas, que a maior parte dos crimes é cometida por menores de idade, que há uma degradação moral, que vamos levar um tiro se atravessarmos a rua. Se formos olhar, não é verdade. Mas gera discursos como o da redução da maioridade penal e de que temos todos que nos armar, por exemplo. (ZERO HORA, 2018, p. 11).

No intuito de tentar apontar caminhos para a solução desse impasse, o líder do grupo de pesquisa do instituto britânico, Bobby Duffy, afirma que a mídia tem um papel muito importante na distorção das percepções. “O que precisamos é ensinar as pessoas a selecionar a informação certa – o que torna uma espécie de alfabetização em mídia e em notícias mais importante do que uma educação geral” (ZERO HORA, 2018, p. 12).

A pesquisadora em jornalismo Nuria Fernández3 afirma que é preciso empoderar os cidadãos para que tenham as competências necessárias para se relacionar com a mídia, e, assim, “a democracia sairá reforçada de todo esse processo, ao contribuir para uma cidadania informada, que possa tomar decisões livremente” (NEXO, 2018, online). A pesquisa que Fernández realiza estabelece relações entre as fake news e as maneiras de ser crítico para diferenciar notícias falsas de verdadeiras, mas, para ela, trata-se de um movimento que pode resultar em um aprimoramento da alfabetização midiática.

Fazendo uma relação com pesquisas sobre a temática, a pesquisadora aponta que alunos que realizam cursos de alfabetização midiática aumentaram as suas capacidades de entender, avaliar e analisar notícias. Projetos como Digital Polarization Iniciative, Look Sharp e News Literacy Projects, todos nos Estados Unidos, auxiliam os estudantes a identificar notícias falsas, estabelecendo uma crítica ao conteúdo jornalístico. Outras iniciativas, como a do jornal francês France24, e da emissora inglesa BBC, com o projeto BBC Academy, apresentam um pouco dos bastidores do jornalismo, com o intuito de incentivar a leitura crítica, mostrando como é possível verificar as informações. “Pode ser que a rede amplifique o alcance das notícias falsas, mas ela também oferece a oportunidade de lutar contra essas notícias falsas e de conseguir um jornalismo de qualidade, ou – o que é o mesmo – simplesmente jornalismo” (NEXO, 2018, online).

(4)

204

Mais do que combater as fake news, há um movimento que se preocupa com a interação dos sujeitos com a mídia a longo prazo, de forma abrangente, e não apenas para identificar se a notícia é verdadeira ou não. A pesquisa do instituto britânico Ipsos Mori revela que o caso do Brasil é particularmente preocupante no quesito “desinformação”, ou falta de coerência entre o que se imagina e o que se passa na realidade, mais do que em outros países. Nos estudos, documentos e reportagens analisadas, o Brasil (e a América Latina de forma geral) não é citado como atuante na área ou fazendo parte dos avanços das pesquisas ou de políticas voltadas para alfabetização midiática, dados que podem estar relacionados. Ao debruçar-me sobre a questão, alguns termos emergiram e seus usos e juízos não eram sempre lineares, sobrepondo-se muitas vezes. A seguir, dedico-me a diferenciar os conceitos de alfabetização midiática, educomunicação e de mídia-educação no intuito de melhor compreendê-los e avançar na temática.

Alfabetização midiática como objetivo

A educação para mídia no Brasil é alvo da atenção de pesquisadores desde os anos de 1960 e muitos trabalhos e pesquisas voltados para o tema já foram realizados. Entretanto, as mudanças desejadas quanto às políticas públicas, currículos pedagógicos e práticas midiáticas não ocorreram de forma tão categórica quanto a esperada (BÉVORT e BELLONI, 2009; ZANCHETTA, 2009). Ainda há dificuldades em delimitar termos e processos de trabalho que se voltam para essas práticas.

Na conferência “Towards a Good Life in the 2020’s: Enhancing citizenship and social cohesion through media literacy”4, o inglês David Buckingham desenhou o panorama geral das ações de alfabetização midiática na Europa buscando entender porque o avanço se dá de forma lenta. Um dos fatores que ele ressaltou foi a importância de conceituar corretamente os termos, pois existe a tendência de usar diferentes conceitos como se fosse a mesma coisa. Uma das principais diferenciações que devem ser feitas é entre ensinar através da mídia e ensinar sobre a mídia. A educação voltada para a alfabetização midiática não é uma “educação-midiática”, em suas palavras: “não é usar a mídia como uma ajuda audiovisual na sala de aula, não é usar a mídia como um sistema de entrega educacional; também não é usar a mídia como uma maneira de motivar as crianças ou destravar o aprendizado” (BUCKINGHAM, 2019, caderno de anotações de campo). Para Buckingham, a alfabetização midiática é mais complexa e demanda questionamentos constantes e mais críticos sobre a mídia. Também não significa instrumentalizar as crianças e jovens, desenvolver competências funcionais e operacionais (como tem sido vistas as ações de alfabetização digital). A alfabetização midiática, assim definida por ele, se refere a promover pensamento crítico, e não ensinar a manusear tecnicamente a mídia. Alfabetização midiática seria, assim complemento, um objetivo a ser alcançado, uma espécie de disciplina, ações, atividades, movimentos, políticas voltadas para o relacionamento qualificado e crítico do público com a mídia.

Nesse ponto considero importante distinguir a alfabetização midiática de ações que são comuns no Brasil, como as de educomunicação. Ao pesquisar sobre as suas fundamentações teóricas, identifiquei que a preocupação gira em torno das melhorias e aperfeiçoamentos dos processos pedagógicos, no sentido de integrar as mídias dentro da sala de aula, auxiliando a educação. Para Soares (2011), a comunicação é vista como um

4 Participei como ouvinte da conferência internacional promovida pelo instituto nacional do audiovisual da

Finlândia (KAVI) e que faz parte da agenda oficial da União Europeia para 2019. O evento ocorreu na biblioteca pública de Helsinki, em 10 de setembro de 2019, e contou com palestrantes de diferentes países da Europa para debater ações de alfabetização mediática na Europa e analisar as condições de desenvolvimento na área. Mais informações no site oficial do evento: http://www.medialiteracy.fi/. Da minha participação resultou um caderno de anotações sobre as palestras, discussões e conversas informais que pude presenciar.

(5)

205

componente do processo educativo, onde a comunicação se torne um eixo central na educação para educar através dela. A ideia é capacitar os estudantes da educação básica, fazê-los compreender como a mídia opera em sua funcionalidade para atuarem com mais propriedade nas mídias. Mas fica claro em alguns textos de pesquisadores da área (BACCEGA 2011; FIGARO 2011; TODA y TERRERO 2011) que o foco está em uma metodologia da educação, voltada aos meios, na ideia de repensar práticas de sala de aula que contemplem a mídia e sua utilização por professores e alunos.

Em outra oportunidade, Soares (2014) evidencia que os objetivos da educomunicação, em sua visão, direcionam o olhar para os educadores e para a forma como lidam com os impactos da mídia, relacionando diretamente esses estudos com os de recepção. A meta da educomunicação seria de “transformar a comunidade educativa em um ecossistema comunicativo aberto” (SOARES, 2014, p. 22), e identificar novas formas de ensinar e aprender. Para deixar mais claro esse posicionamento, de entender a mídia como um componente ou uma ferramenta de trabalho, o pesquisador do campo Aparici (2014, p.38) afirma que “interessa-nos a comunicação no trabalho do educador, no trabalho do estudante e nos meios materiais utilizados”. Kaplún (2014), também um estudioso da educomunicação, costuma refletir sobre a educação formal e direciona suas pesquisas para as maneiras de ensinar através da comunicação, considerando a importância da expressão e da produção nos meios de comunicação para a construção dos sujeitos e da cidadania.

Entendo que os objetivos da educomunicação, bem delimitados e importantes, são voltados para a melhor construção da educação básica através da utilização da mídia em sala de aula. No entanto, os processos de “desinformação” já citados, alinhados com a ideia de uma alfabetização midiática, envolvem o objetivo de desenvolver maneiras de aprimorar o relacionamento dos sujeitos com a mídia devido a sua relevância e constância na vida dos sujeitos sociais, pensando em disciplinas, projetos, políticas, voltadas para o objeto/objetivo mídia, e não usar a mídia como ferramenta para o aprimoramento educacional. A educomunicação é um desafio importante, que encontra muitas barreiras na educação brasileira e que deve ser levado em consideração ao se planejar políticas públicas de educação. Mas ela usa a mídia para melhor compreender as disciplinas formais da educação, complementando o aprendizado, enquanto vislumbra-se uma outra necessidade latente, a de uma política educacional voltada para a crítica da mídia.

Figura 2: Educomunicação e Alfabetização Midiática

Fonte: Autora

A educomunicação estaria inserida nos processos necessários para alcançar uma alfabetização midiática. Seria uma técnica, um método, uma ação de mídia-educação. Aqui é importante diferenciar alfabetização midiática de mídia-educação. A preocupação dos aspectos teórico-metodológicos de mídia-educação, segundo Fantin (2011), é com as

(6)

206

mediações escolares. A ideia é trazer a temática das mídias para ser problematizada na escola, potencializando as práticas escolares. Essas mediações pedagógicas

[...] visam capacitar crianças e professores para uma recepção ativa e uma produção responsável que auxilie na construção de uma atitude mais crítica em relação ao que assistem, acessam, interagem, produzem e compartilham, visto que a precariedade da reflexão sobre linguagens, conteúdos, meios e interesses econômicos impede uma compreensão mais rica (FANTIN, 2011, p. 28).

A autora afirma que ainda não há um consenso acerca do termo mídia-educação, mas que os objetivos da educação para as mídias se aproximam da ideia de formar usuários ativos, críticos e criativos de todas as tecnologias de comunicação e informação. Apesar de referir-se às tecnologias, não se reduz a esses aspectos instrumentais, configurando-se como a adoção de uma postura crítica e criadora, e de avaliar eticamente e esteticamente o que está sendo oferecido pelas mídias. Também não se trata, conforme foi abordado no início das pesquisas sobre mídia-educação na década de 1960, de proteger as crianças dos meios, mas capacitá-las a analisar e refletir sobre suas interações com a mídia e participar de forma ativa e consciente. A busca é a formação de espectadores críticos através de um fazer educativo.

Esta pesquisadora situa a mídia-educação no âmbito das ciências da educação e do trabalho educativo, considerando as mídias como um recurso para a formação. Também afirma que a mídia-educação “constitui um espaço de reflexão teórica sobre as práticas culturais e se configura como um fazer educativo numa perspectiva transformadora [...]” (FANTIN, 2011, p. 30). As mídias seriam, então, um recurso para a educação formar melhor seus alunos, formar cidadãos. A ideia de transformar a escola está muito presente, reconduzindo-a para a centralidade da problemática.

A importância da mídia-educação pode ser conferida nas razões apontadas por Silveira (2011, p. 798):

É uma área chave no que toca à formação de cidadãos melhor informados e mais esclarecidos, trata-se de um dos terrenos centrais dos direitos dos cidadãos, não se esgota na investigação, já que pretende atuar na promoção de uma cidadania interveniente; e a proliferação das novas redes, plataformas e ferramentas digitais coloca em evidência necessidades básicas ao nível da alfabetização e formação de todos os cidadãos [...].

Muito significativas, as ações de mídia-educação refletem um cuidado primordial com os currículos educativos e com um aprimoramento pedagógico na intenção de formar alunos-cidadãos. A mídia-educação tem suas ações voltadas para o campo da educação e estão inseridas em seus processos e métodos. A educomunicação é uma das diferentes metodologias de uma mídia-educação contundente e agregadora, ao meu entender. Onde se encaixaria a noção de alfabetização midiática nesse cenário? Qual a relação que estabelece com a mídia-educação e com a educomunicação? Veremos aspectos conceituais da alfabetização midiática.

A pesquisadora suíça Feilitzen (2014, p. 15) descreve:

Alfabetização midiática, ou o termo mais em voga, alfabetização midiática e informacional, refere-se a conhecimentos, habilidades ou competências que nós devemos adquirir em relação à mídia. Já a mídia-education – ou educação para mídia, educação para comunicação, etc. – refere-se a um dos processos para obter alfabetização midiática. Assim, enquanto alfabetização midiática é o objetivo, educação midiática é um meio para atingir esse objetivo.

(7)

207

A pesquisadora enfatiza que os significados entre estes termos são comuns em âmbito internacional, pois tanto um quanto outro sugerem que

[...] todas as pessoas devem ter acesso à mídia, entender como a mídia atua e opera na sociedade, devem ter condições de analisar e refletir criticamente sobre os conteúdos presentes na mídia, e participar da produção midiática ou comunicar-se numa série de contextos. (FEILITZEN, 2014, p. 15).

O entendimento de alfabetização midiática5 é sintetizado, em documento divulgado pela UNESCO, como “entender como a mídia trabalha, como ela constrói a realidade e produz significado, como a mídia é organizada e saber como usá-la sabiamente6” (JACQUINOT-DELAUNAY et al., 2008, p. 21). Os autores deste documento afirmam que a alfabetização midiática pretende empoderar as pessoas criticamente e criativamente, pois “ajuda a fortalecer as habilidades críticas e as capacidades comunicativas que dão significado humano e permitem o indivíduo usar a comunicação para a mudança7 (JACQUINOT-DELAUNAY et al., 2008, p. 22). Alfabetização midiática é a união do que chamam de digital

literacy, audiovisual literacy, image literacy, entre outros, em um único termo, mais amplo e

mais geral.

Figura 3: A ecologia da AMI: noções de AMI

Fonte: Alfabetização midiática e informacional: currículo para formação de professores (UNESCO, 2013)

5 Neste documento, o termo utilizado é “alfabetização midiática e informacional”, que não desvirtua em nada o

conceito originalmente trabalhado e utilizado pelos outros países europeus. Optei por utilizar o termo empregado em outros documentos e mais comumente citado, apenas “alfabetização midiática”.

6 “ Understanding how mass media work, how they construct reality and produce meaning, how the media are

organized, and knowing how to use them wisely” tradução livre da autora.

7 “Media Literacy helps to strengthen the critical abilities and communicative skills that give human meaning

(8)

208

No que se refere a sua diferenciação da mídia-educação, o documento é preciso: “a mídia-educação é um processo educacional necessário para melhorar a alfabetização midiática, como resultado8” (JACQUINOT-DELAUNAY et al., 2008, p. 23). A alfabetização midiática é mais um resultado, um objetivo a ser alcançado, enquanto a mídia-educação é um meio, um processo educativo para alcançar esse objetivo, um elemento fundamental.

Figura 4: Esquema de José Manuel Pérez Tornero

Fonte: Empowerment Through Media Education: An Intercultural Dialogue (JACQUINOT-DELAUNAY et al., 2008)

8 “Media Education, as an educational process, is needed to improve media literacy, as a result”, tradução livre

(9)

209

O empoderamento que defende este documento da UNESCO pode contribuir para a boa governança, possibilitando que os cidadãos identifiquem erros, distorções e corrupções. Possibilita que as pessoas assumam o controle de suas realidades, identificando suas próprias necessidades e problemas, tendo condições de construir conhecimento sobre as práticas da mídia que são as ferramentas para as tomadas de decisão.

Os termos apresentados têm em comum a relação entre educação e comunicação e a intenção de promover ações de educação para mídia. As mídias são os meios não só para a informação, mas também para a cultura, para cidadania e, mais do que nunca, é preciso aprender a questionar suas mensagens. O mundo globalizado e tecnológico implica mudanças, e entre elas estão as múltiplas alfabetizações, principalmente a voltada para mídia. A mídia-educação apresenta-se como um componente pedagógico de um objetivo amplo de melhoria do relacionamento dos sujeitos com a mídia, a alfabetização midiática, e a educomunicação, nos termos já descritos, se aproxima de uma técnica, uma metodologia, um procedimento de mídia-educação marcante e notável, principalmente no contexto brasileiro.

Mas muito importante é salientar, assim como o fez David Buckingham, a importância do pensamento crítico para o conceito de alfabetização midiática. Ao apresentarem diferentes abordagens do campo da pedagogia midiática, Kellner e Share (2008) evidenciam o aspecto crítico. Os autores utilizam a metáfora do iceberg para explicar a alfabetização midiática, que, segundo eles, costuma analisar apenas a ponta óbvia dos processos midiáticos. O que é intelectual, histórico e analítico não é contemplado, e a análise da mídia, sem abordar a parte “submersa”, seria superficial e mecânica.

O componente crítico da alfabetização midiática deve transformar a alfabetização em uma exploração do papel da linguagem e da comunicação para definir relações de poder e dominação, pois abaixo da superfície da água, naquele iceberg, vivem noções ideológicas profundamente embutidas, de supremacia branca, patriarcalismo capitalista, classicismo, homofobia e outros mitos opressivos (KELLNER; SHARE, 2008, p. 701).

Sem a parte crítica, as iniciativas de educação para mídia correm o risco, segundo os autores, de se tornar um manual de ideias convencionais. Por isso é importante não desvincular nunca o aspecto crítico do âmbito da alfabetização midiática, dando ênfase para a análise política das representações de dimensões essenciais, como gênero, raça, classe, sexualidade, economia, entre outros. Interessa a crítica aos modelos hegemônicos e tendências atuais de abordagem da alfabetização, constituindo então um projeto político para a mudança social democrática.

Considerações finais

O alto nível de desinformação constatado no Brasil através da pesquisa do instituto britânico Ipsos Mori é preocupante. Mas, de certa forma, não seria preciso dados científicos para constatar que o brasileiro tem problemas para se relacionar com a mídia. Há uma dificuldade latente de distinguir o que é fato e o que não é, onde se encaixa a opinião do jornalista, onde fica o jornalismo entre a objetividade e a subjetividade. Mas vamos além: hoje não se quer acreditar nem nos fatos em si. Quando uma autoridade importante no país propaga, ela mesma, informações falsas ou sem comprovação, conforme tem feito parte das rotinas norte-americana e brasileira9, fica mais fácil alguns segmentos da população desacreditarem todo e qualquer dado científico ou comprovado, sob o pretexto de uma

(10)

210

informação falsa. Se não gosto, é mentira. A situação é mais grave do que podemos discutir neste artigo.

Apresentei neste espaço uma diferenciação entre conceitos em voga no campo da educação para mídia. Assim como foi ressaltado na conferência da União Europeia, a compreensão dos termos possibilita avançar nos resultados e construir politicas estáveis de ações para o objetivo em questão. A mídia-educação é um meio, um caminho fundamental para alcançar o objetivo da alfabetização midiática dos sujeitos. Bastante exercida no Brasil, a educomunicação é uma ação de mídia-educação, um método de ensinar que contempla as mídias, mas que não pode ser confundido com o propósito em si. Pode ser trabalhada em diversos níveis, com diferentes propósitos e objetivos, seja buscando melhorar a performance dos alunos em disciplinas específicas, seja melhorando o projeto pedagógico e o currículo das escolas ou perseguindo uma alfabetização. A alfabetização midiática tem relação direta com o fomento do pensamento crítico, mais do que com o desenvolvimento de capacidades e habilidades de uso da mídia. Saber usar, ter acesso, entender como funciona é indispensável, mas não é só isso que vai ajudar as pessoas a saírem de seu atual estado de desinformação. Uma atitude crítica, desenvolvida através de uma formação qualificada a longo prazo, é peça-chave.

Este termo novo (cunhado neste século), alfabetização midiática, é o que mais se volta para os problemas atuais enfrentados pela mídia jornalística, no sentido que abrange uma perspectiva crítica importante. De forma mais ampla, a alfabetização midiática é um objetivo a ser alcançado através de políticas e ações que envolvem a educação. Faz parte há décadas das preocupações de países da União Europeia, que se voltam recorridas vezes para essa questão no intuito de elaborar políticas de alcance nacional. Para os brasileiros, que ainda não se voltaram suficientemente para essas políticas, é uma oportunidade de enfrentar a desinformação, as fake news, e a falta de empatia e de diálogo que assolam o nosso país.

A solução é de longo prazo, sim, pois envolve ações voltadas para escolas, no sentido de uma formação completa e diversificada. Por mais usual que seja o argumento, é preciso começar em algum momento. Alguns países da Europa têm se mostrado mais preocupados com essa questão, inserindo oficinas, workshops e disciplinas de alfabetização midiática nos currículos escolares e desenvolvendo políticas públicas. A França, segundo reportagem do Estadão10 de dezembro de 2018, possui uma das maiores iniciativas mundiais em alfabetização midiática e, desde 2015, tem aumentado verbas para ações voltados para o tema. Todo ano, cerca de 30 mil professores e educadores fazem cursos para se especializar. O Ministério da Cultura do país dobrou o orçamento anual para essas iniciativas, chegando a seis milhões de euros. Em outros países, ainda segundo o Estadão, as iniciativas não são governamentais, dependem de ONGs ou universidades, o que levou a União Europeia a lançar, no início deste ano de 2019, um pedido para que os governos dos países se envolvam mais na questão, através de políticas públicas. Um dos países mais mobilizados para alfabetização midiática é a Finlândia e, não é à toa, é o país mais preparado na luta contra informações falsas11. Se começarmos a multiplicar ações com esse viés, seja em escolas, seja com o público adulto, seja em qualquer outra plataforma, e reunirmos esforços no sentido de elaborarmos políticas públicas para uma completa alfabetização midiática, talvez o Brasil possa avançar nas trincheiras dessa batalha contra as fake news e a desinformação.

10 “Projeto ensina estudantes a identificar notícias falsas”, 2018. Ver nas referências. 11 “Finland is winning the war on fake news”. Notícia da CNN, nas referências.

(11)

211

Referências

APARICI, Roberto. Introdução: a educomunicação para além do 2.0. In: APARICI, Roberto (org.). Educomunicação: para além do 2.0. São Paulo: Paulinas, 2014.

BACCEGA, Maria Aparecida. Comunicação/educação e a construção de nova variável histórica. In: CITELLI, Adílson Odair; COSTA, Maria Cristina Castilho (Org).

Educomunicação: construindo uma nova área de conhecimento. São Paulo: Paulinas, 2011.

BÉVORT, Evelyne; BELLONI, Maria Luiza. Mídia-Educação: conceitos, história e perspectivas. Educ. Soc., Campinas, v. 30, n. 109, p.1081-1102, set./dez. 2009.

CNN. Special Report. Finland is winning the war on fake news: what it’s learned may be crucial to Western democracy. Não datado. Disponível em:

<https://edition.cnn.com/interactive/2019/05/europe/finland-fake-news-intl/>. Acesso em: jul 2019.

ESTADÃO. Projeto ensina estudantes a identificar notícias falsas. SATARIANO, Adam. PELTIER, Elian. 23 de dezembro de 2018. Disponível em:

<https://internacional.estadao.com.br/noticias/nytiw,projeto-ensina-estudantes-a-identificar-noticias-falsas,70002654780>. Acessado em: fev 2019.

FANTIN, Mônica. Mídia-Educação: aspectos históricos e teóricos metodológicos. Olhar de

Professor. Ponta Grossa: ed. 14 (1), 2011.

FEILITZEN, Cecília von. Educação para mídia na perspectiva das crianças e adolescentes. In: MACEDO, Alessandra Xavier Nunes; PIRES, David Ulisses Brasil Simões; ANJOS,

Fernanda Alves dos. Educação para a mídia. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Justiça, 2014.

FIGARO, Roseli. Estudos de recepção para a crítica da comunicação. In: CITELLI, Adílson Odair; COSTA, Maria Cristina Castilho (Org). Educomunicação: construindo uma nova área de conhecimento. São Paulo: Paulinas, 2011.

FOLHA DE SÃO PAULO. Brasil é 2º país com menos noção da própria realidade, aponta

pesquisa. BUARQUE, Daniel. 06 de dezembro de 2017. Disponível em:

<https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/12/1941021-brasil-e-2-pais-com-menos-nocao-da-propria-realidade-aponta-pesquisa.shtml>. Acesso em: maio de 2018.

JACQUINOT-DELAUNAY, Geneviève; CARLSSON, Ulla; TAYIE, Samy; TORNERO, José Manuel Pérez. Introduction: Empowerment Through Media Education: An Intercultural Aprouch. In: CARLSSON, Ulla; TAYIE, Samy; JACQUINOT-DELAUNAY, Geneviève; TORNERO, José Manuel Pérez (Eds.). Empowerment Through Media Education: An Intercultural Dialogue. UNESCO, 2008.

KAPLÚN, Mario. Uma pedagogia da comunicação. In: APARICI, Roberto (org.).

Educomunicação: para além do 2.0. São Paulo: Paulinas, 2014.

KELLNER, Douglas. SHARE, Jeff. Educação para a leitura crítica da mídia, democracia radical e a reconstrução da educação. Educ. Soc., Campinas, vol. 29, n. 104 – Especial, p. 687-715, out 2008. Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: set 2017. NEXO. Como as ‘fake news’ podem ser um incentivo à ‘alfabetização midiática’. CHARLEAUX, João Paulo. 22 janeiro de 2018. Disponível em:

<https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2018/01/22/Como-as-%E2%80%98fake-

news%E2%80%99-podem-ser-um-incentivo-%C3%A0-%E2%80%98alfabetiza%C3%A7%C3%A3omidi%C3%A1tica%E2%80%99?utm_campaign =Echobox&utm_medium=Social&utm_source=Facebook>. Acesso em: março 2018.

(12)

212

NEXO. Como lidar com um presidente que mente, segundo este professor. CHARLEAUX, João Paulo. 03 de agosto de 2019. Disponível em:

<https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2019/08/03/Como-lidar-com-um-presidente-que-mente-segundo-este-professor>. Acesso em: julho 2019.

SILVEIRA, Ana Patrícia Soares da. A Educação para mídia: uma abordagem teórica acerca do conceito e da sua aplicação no contexto educativo. In: PEREIRA, Sara (org.). Congresso

Nacional “Literacia, Media e Cidadania”, Universidade do Minho, março de 2011.

SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicação: um campo de mediações. In: CITELLI, Adílson Odair; COSTA, Maria Cristina Castilho (Org.). Educomunicação: construindo uma nova área de conhecimento. São Paulo: Paulinas, 2011.

______. Introdução à edição brasileira. In: APARICI, Roberto (Org.). Educomunicação: para além do 2.0. São Paulo: Paulinas, 2014.

TODA Y TERRERO, José Martinez de. Avaliação de metodologias na educação para os meios. In: CITELLI, Adílson Odair; COSTA, Maria Cristina Castilho (Org.).

Educomunicação: construindo uma nova área de conhecimento. São Paulo: Paulinas, 2011.

UNESCO. Alfabetização midiática e informacional: currículo para formação de professores. WILSON, Carolyn. GRISSLE, Alton (editores). Brasília: UNESCO, UFTM, 2013. Disponível em: < https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000220418>. Acesso em: maio 2018.

ZANCHETTA, Juvenal. Educação para mídia: propostas europeias e realidade brasileira. Educ. Soc., Campinas, v. 30, n. 109, p. 1103-1122, set./dez. 2009.

ZERO HORA. Caderno doc. Brasileiro, um perito do erro. 31 de março e 1º de abril de 2018.

Referências

Documentos relacionados

&#34;(...) Nos casos em que não seja possível aos interessados apresentar a declaração médica ou esta não seja inequívoca quanto à indispensabilidade da frequência

As pontas de contato retas e retificadas em paralelo ajustam o micrômetro mais rápida e precisamente do que as pontas de contato esféricas encontradas em micrômetros disponíveis

Código Descrição Atributo Saldo Anterior D/C Débito Crédito Saldo Final D/C. Este demonstrativo apresenta os dados consolidados da(s)

Psicologia Social Moderna: Perspectivas para uma Ecologia. Psicologia Social Moderna: Perspectivas para

No decorrer deste estágio reuni conhecimentos e prática para a abordagem à patologia ginecológica, ao correcto acompanhamento da gravidez e realizei técnicas com as

Disto pode-se observar que a autogestão se fragiliza ainda mais na dimensão do departamento e da oferta das atividades fins da universidade, uma vez que estas encontram-se

O processo de transformação bacteriana utilizada na Biologia Molecular ocorre in vitro, e pode ser afetado pelo tamanho e conformação da molécula de DNA a ser introduzida na

As abraçadeiras tipo TUCHO SIMPLES INOX , foram desenvolvidas para aplicações que necessitam alto torque de aperto e condições severas de temperatura, permitin- do assim,