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A persistência da violência sexual na sociedade contemporânea brasileira: o discurso midiático como condução para um estado mais punitivo

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF ICM – INSTITUTO DE CIÊNCIAS DE MACAÉ

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

ALANA OZÓRIO FERNANDES

A PERSISTÊNCIA DA VIOLÊNCIA SEXUAL

NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA: O DISCURSO MIDIÁTICO COMO CONDUÇÃO PARA UM ESTADO MAIS PUNITIVO

Macaé/RJ 2018

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ii ALANA OZÓRIO FERNANDES

A PERSISTÊNCIA DA VIOLÊNCIA SEXUAL

NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA: O DISCURSO MIDIÁTICO COMO CONDUÇÃO PARA UM ESTADO MAIS PUNITIVO

Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para conclusão do curso para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador (a):

Profa. Dra. Andreza Aparecida Franco Câmara

Macaé/RJ 2018

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iv ALANA OZÓRIO FERNANDES

A PERSISTÊNCIA DA VIOLÊNCIA SEXUAL

NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA: O DISCURSO MIDIÁTICO COMO CONDUÇÃO PARA UM ESTADO MAIS PUNITIVO

Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para conclusão do curso para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovada em, 06 de dezembro de 2018.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________ Profª. Drª. Andreza Aparecida Franco Câmara - UFF

_____________________________________________ Prof. Drª Fernanda Andrade de Almeida - UFF

_____________________________________________ Prof. Drª Letícia Virgínia Leidens - UFF

Macaé/RJ 2018

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AGRADECIMENTOS

Á minha família pelo suporte conferido a mim, mesmo de longe, e por sempre ser apoio antes as dificuldades enfrentadas. À minha orientadora, Andreza Franco, por toda atenção e carinho que conferiu a mim nesta jornada acadêmica. À Lucas Fitaroni, por ser grande incentivador das minhas conquistas.

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RESUMO

Partindo para um viés prático e fracionado do Direito Penal, o presente trabalho se propõe, e tem como objeto apresentar dados que dizem respeito as mais diversas formas de violência sofrida pelas mulheres, principalmente os casos notificados no Estado do Rio de Janeiro, além de discutir e expor as inovações e alterações trazidas pela Lei 13.718/2018, perpassando e analisando suas peculiaridades, além de apresentar e elucidar as problemáticas sociais que culminaram para sua produção, expondo, para isto, casos concretos notórios. Objetiva, ainda, apresentar e rebater a principal linha defensiva dos acusados em crimes sexuais, de creditar à vítima parcela de culpa no cometimento do delito. Por fim, objetiva abordar e apontar o grande avanço que esta lei trouxe, no que concerne as vítimas de crimes sexuais, sem deixar, todavia, de apontar suas deficiências.

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vii ABSTRACT

Starting from a practical and fractional bias of the Criminal Law, the presente work is proposed, and aims to present data that refer to the most diverse forms of violence suffered by women, especially the cases reported in the State of Rio de Janeiro, besides discussing and exposing the innovations and changes brought by Law 13.718/2018, by passing and analyzing its peculiarities, in addition to presenting and elucidating the social problems that culminated in its production,exposing, for this, concrete cases. It also aims to present and argue the main line in defense of the acused in sexual crimes, to credit the victim with a share of guilt in the commitment of the crime. Finally, it aims to address and point out the great progress that this law has brought, regarding the victims of sexual crimes, without, however, pointing out their deficiencies.

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viii

LISTA DE ABREVIATURAS

ECA Estatuto da Criança e Adolescentes CP

CPP

Código Penal

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Sumário

INTRODUÇÃO ... 9 1. A PERSISTÊNCIA DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA SOCIEDADE CONTEMPORANÊA ... 11 1.1 casos notificados de violência contra a mulher: a problemática no Estado do Rio de Janeiro ... 11 1.2 As tipificações comumente entendidas como “assédio sexual” ... 13 2. A MÍDIA COMO MEIO DE CONDUÇÃO PARA UM ESTADO PENAL MAIS PUNITIVO E PROTETIVO... 16 2.1 o caso do homem que ejaculou no pescoço de uma mulher em coletivo em São Paulo... 16 2.2 o caso do estupro coletivo sofrido por adolescente no Rio de Janeiro ... 20 3. APONTAMENTOS E REFLEXÕES SOBRE A LEI 13.718/2018 ... 24 3.1 os delitos de importunação ofensiva ao pudor e importunação sexual ... 24 3.2 o advento do parágrafo 5º no crime de estupro de vulnerável e o fim de uma controvérsia ... 27 3.3 do crime de divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia ... 28 3.4 da possibilidade de suspensão condicional do processo ... 30 3.5 da natureza da ação nos crimes contra a liberdade sexual e nos crimes sexuais contra pessoa vulnerável ... 32 3.6 das novas causas de aumento de pena trazidas pela lei ... 34 3.7 o mito das vítimas provocadoras ... Erro! Indicador não definido. CONCLUSÃO ... 40 REFERÊNCIAS ... 42

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INTRODUÇÃO

O direito, como fato social1, deve estar em constante transformação e expansão, sendo estes os mecanismos que lhe permite atender e se integrar as mudanças culturais, paradigmáticas e as reestruturações morais de uma sociedade, capacitando-o a englobar continuamente, no campo normativo, situações fáticas que se apresentam de forma conjunta a estas transformações, permitindo que este possa acompanhar a realidade dinâmica que vivemos, atuando de forma imperativa no campo do dever ser.

Desta forma, é primordialmente por meio da atividade legiferante, que o direito vem suprir esses hiatos que perenemente se apresentam, ou, em sua falta, por meio do que hoje conhecemos como ativismo judicial2, criando-se precedentes legais a serem seguidos.

Volvendo nosso estudo para a ótica do Direito Penal, imperiosamente a ultima ratio3do

Direito, temos que as leis possuem um caráter coercitivo ainda mais amplo que nas demais ramificações, uma vez que, rotineiramente, suas sanções implicam em restringir a liberdade do homem.

Atualmente, há uma tendência a nível global dos discursos midiáticos estarem voltados não somente a simplória notificação de casos ocorridos cotidianamente, eles têm se prestado, a também exercer papel crítico na sociedade, e a exercer uma conduta proativa na busca de soluções para as mais diversas transgressões normativas.

No Brasil, nota-se esse cunho crítico em larga escala, nas exposições dos recentes casos de corrupção, de violência contra a mulher e de intolerância étnica e de gênero. O discurso midiático tem sido um instrumento de condução para um Estado Penal mais punitivo, através do legislativo, culminando, como será mostrado, para a produção legislativa 13.718/18.

Com efeito, a metodologia adotada neste trabalho se pautou primordialmente no estudo bibliográfico, legislativo e midiático, que se constituiu através de abordagem analítica que foi

1 Fato social aqui deverá ser compreendido nas definições de Durkheim: É fato social toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independentemente de suas manifestações individuais. (DURKHEIM, 2017, p. 13)

2 Ativismo Judicial aqui deverá ser compreendido como nos leciona Barroso: O Ativismo é uma atitude, a escolha

de um modo específico e proativo de interpretar a constituição, expandindo o seu sentido e o seu alcance. Normalmente, ele se instala – e este é o caso do Brasil – em situações de retratações do Poder Legislativo, de um certo deslocamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que determinadas demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. (BARROSO, 2014, p. 533)

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10 concretizada, na fase investigativa, por meio do método indutivo, e na fase conclusiva, pelo dedutivo, e que será desenvolvido de forma descritiva e explicativa, conforme delineação apresentada a seguir.

No presente trabalho serão apresentados, inicialmente, dados que nos chamam atenção as formas de violência que a mulher, no Estado do Rio de Janeiro, está mais exposta a sofrer, trazendo apontamentos críticos, com especial enfoque nos crimes sexuais, nos asseverando a necessidade de buscar maior proteção a este grupo.

Apresenta, igualmente, como o discurso midiático tem incorporado um cunho crítico e de exposição das injustiças e desigualdades, adotando condutas proativas na cobrança de soluções e meios de proteção das minorias, com a apresentação de dois casos noticiados e emblemáticos acerca do tema violência sexual em face da mulher.

Posteriormente, será feita uma análise da nova tipificação do crime de importunação sexual, fazendo um breve contraponto com o antigo delito de importunação ofensiva ao pudor, revogado pela lei em comento, e que se encontrava na lei de contravenções penais. Sequencialmente, parte-se para a análise da nova tipificação do crime de divulgação de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia enquanto resposta a que veio.

Ademais, serão analisados os acréscimos realizados nas disposições gerais dos Crimes Contra a Dignidade Sexual, tais quais, o grande avanço em relação a natureza da ação penal, bem como das causas de aumento de pena para tais crimes, sem deixar de apontar, criticamente, a possibilidade de suspensão condicional do processo.

Finalmente, será analisado e rebatido o conceito de “vítimas provocadoras”, à luz do artigo 59 do Código Penal, conceito este, muito utilizado como técnica defensiva dos criminosos sexuais.

De forma a concluir, serão apresentados os reflexos sociais e a importância desta produção legislativa, tomando como base a problemática de qual seria a mudança, tanto processual, como comportamental, em especial ao que tange o combate ao machismo projetado nas vítimas pelos criminosos e pelo poder público, com o advento desta lei, perpassando por suas deficiências e acertos, sem deixar de propor novas formas de buscar inibir tais condutas sociais, aquém da punição.

3 Última ratio é um termo jurídico utilizado como equivalente para a expressão “último recurso”.

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1. A PERSISTÊNCIA DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA SOCIEDADE CONTEMPORANÊA

Resultado de décadas de luta, as mulheres têm alcançado direitos mínimos e inerentes à pessoa humana, ainda que de forma gradativa e pouco expressiva materialmente, têm conquistando espaços que não lhe eram compreendidos, empoderando-se. Apesar disso, permanecem em nossa sociedade as mais diversas formas de violência contra a mulher, seja ela de ordem física, psicológica ou institucional.

Estas violações são tão alarmantes que nos assevera a necessidade latente de mudança no que diz respeito a proteção das mulheres. As violações, principalmente as de cuinho sexual, estão mais notórias, como veremos mais adiante4, resultado da irresignação de expressiva parcela da população, que por meio da mídia e dos mais diversos meios de comunicação e disseminação de informações, não tem se calado frente as brutalidades sofridas.

1.1 Casos notificados de violência contra a mulher: a problemática no Estado do Rio de Janeiro

Em estudo realizado por Pinto & Moraes (2014) e publicado pelo Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, no ano de 2015, as mulheres fluminenses figuraram como vítima, de forma preponderante, nos delitos de: lesão corporal dolosa (violência física) representando 63,7% das vítimas; estupro ou tentativa de estupro (violência sexual) representando 84,5% e 91,1% das vítimas, respectivamente; violação de domicílio (violência patrimonial) representando 68% das vítimas; calúnia/difamação/injúria (violência moral) representando 73,1% das vítimas, e ameaça (violência psicológica) representando 65,2% das vítimas.

Ainda segundo o estudo mencionado, de todas as formas de violência acima elencadas, a que possui maior percentual de vítimas do gênero feminino é a violência sexual, a cada 100 mil mulheres que registraram ocorrências no Estado do Rio de Janeiro em 2015, 54 eram por violência sexual. Índices tão alarmantes culminaram para a seguinte conclusão, as mulheres fluminenses estão mais suscetíveis a violência de ordem sexual.

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12 violência sexual, extraindo somente a faixa etária de 0 a 13 anos, em que chegamos ao percentual de 45,1% de mulheres vítimas, em contraposição as demais faixas etárias, enquanto nos demais crimes, este percentual não ultrapassa 3,0%.

Fator determinante para isto, é a forma como se construiu a ideia da sexualidade do corpo feminino, que podemos compreender, se pautando no senso comum, de forma polarizada, já que de um lado temos a sensualidade e o corpo feminino a serviço do homem, enquanto de outro temos a exaltação da sexualidade como parte integrante do processo de construção da liberdade individual da mulher.

A problemática aqui se constitui, quando uma mesma mulher sofre com a confluência destas extremidades, já que para ela, esta suscetibilidade de exposição a violência sexual se apresenta de forma velada, ante a naturalização da exaltação da sensualidade do corpo feminino na sociedade brasileira, ou ainda, quando esta suscetibilidade se apresenta de forma tão aparente, que acaba por gerar medo.

Em relatório publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em conjunto com a Data Folha, intitulado “A Vitimização de mulheres no Brasil5”, foram apresentados dados de uma pesquisa realizada no ano de 2017, na qual foram entrevistadas 1.051 mulheres brasileiras, sendo que 40% destas, relataram ter sido vítimas de “assédio”6 no ano de 2016.

De acordo com a pesquisa, 36% das mulheres receberam comentários desrespeitosos na rua, o que equivale, em proporção nacional, a 20,4 milhões de mulheres, 10,4% relataram ter sido assediadas fisicamente em transporte público, o que equivale a 5,2 milhões de mulheres brasileiras, e 5% foram agarradas ou beijadas sem o seu consentimento, o que equivale a 2,2 milhões de mulheres no Brasil.

Quando analisamos os dados relativos as medidas tomadas pelas mulheres entrevistadas em relação ao “assédio” sofrido, ´podemos ter dimensão do quanto isto é preocupante e expressivo, merecendo especial destaque, pois, conforme os dados apresentados, cotidianamente

4 Essa questão será tratada no item 1.2 e 1.3.

5FOLHA, Data, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2017. VISÍVEL e invisível: a vitimização de mulheres no

Brasil. São Paulo: FBSP, 2017. Disponível em <

http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2017/03/relatorio-pesquisa-vs4.pdf>. Acessado em 03

novembro de 2018.

6 Sempre que a palavra assédio estiver entre aspas, deve-se entender não como o tipo penal, mas como qualquer forma de violação da liberdade e integridade sexual, diversa do estupro.

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13 incontáveis mulheres são vítimas das mais diversas formas de “abuso sexual”. A pesquisa7 aponta que 58% das mulheres declararam não ter feito nada, e que os casos que envolvem ofensas sexuais são os que possuem maior percentual de não reação. Este percentual faz parte do que chamamos de cifras ocultas, consistentes nos números de pessoas que sofrem abusos e não noticiam os fatos as autoridades, dificultando sua contabilização.

Isto decorre, principalmente, da banalização destes abusos como forma de violência, do medo de figurarem, novamente como vítimas, de possíveis retaliações, da vergonha da situação em que a mulher foi imposta, e até mesmo da falta de credibilidade na ação do poder público. A naturalização de tais condutas, contribuem para que a própria sociedade não dê a devida atenção aos casos de abusos, o que gera uma permanência da insegurança, o que gera, perante a mulher, a sensação de não pertencer aos indivíduos tutelados pelo Estado.

Tais números, segundo Tonelli, Alcadipani (2017): “Sugere uma descrença em nosso sistema de Justiça Criminal que não é percebido como efetivo para lidar com o problema. Sugere, ainda, a visão de que esta violência é tão tomada como natural que não deve ser denunciada.”

Os dados são claros, a violência preponderante sobre a mulher é realidade, as dificuldades enfrentadas para o seu combate são grandes, e as mulheres, em grande maioria, preferem se calar. Tal cenário precisa mudar, e isto requer esforço conjunto do Estado e da sociedade.

1.2 As tipificações comumente entendidas como “assédio sexual”

As tipificações que mais se aproximam do que se entende comumente como “assédio” contra a mulher, são as de assédio sexual8e importunação ofensiva ao pudor.9 Esta última revogada pela Lei 13.718/18, mas que merece destaque, já que contribuiu para a formação dos dados apresentados a seguir.

O delito de assédio sexual está presente em nosso ordenamento jurídico, como tipo penal,

7FOLHA, Data, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2017 VISÍVEL e invisível: a vitimização de mulheres no

Brasil. São Paulo: FBSP, 2017, p. 16-17. Disponível em <

http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2017/03/relatorio-pesquisa-vs4.pdf>. Acessado em 03 nov 2018.

8 Artigo 216-A: constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. [...] (BRASIL, 1940).

9 Artigo 61: Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor. [...] (BRASIL, 1941).

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14 desde de 2001. Apesar do que o nome possa sugerir, no âmbito jurídico este crime está adstrito às relações de trabalho, quando há subordinação hierárquica da vítima em face do autor.

Já o delito de importunação ofensiva ao pudor é mais abrangente, apesar de possuir em seu texto a limitação do fato ocorrer, necessariamente, em local público ou acessível ao público, vez que todo ato ofensivo ao pudor, sem emprego de violência ou grave ameaça, como será exposto a seguir, em tese poderá ser punido com este tipo penal. A grande problemática aqui, é a pena cominada ao delito, que se trata somente de uma multa, o que na prática pouca efetividade possui como resposta ao que veio.

No Estado do Rio de Janeiro, segundo dados publicados pelo Instituto de Segurança Pública, foram notificados, no ano de 2015, 134 casos de assédio sexual, enquanto o crime de importunação ofensiva ao pudor teve 610 notificações.

Quando estes dados são analisados em contraposição ao ano anterior, de 2014, temos um aumento de 11,7% em relação ao primeiro crime, ao passo que perante o segundo, houve uma redução de 12,2%.

Um possível desencadeamento desta redução pode ser amparado, em termos hipotéticos, no fato desse tipo de “assédio", em especial, não ter reconhecimento na sociedade como forma de violência contra a liberdade sexual das mulheres, gerado até mesmo pelo desconhecimento do tipo penal, uma vez que a tendência é de aumento destes casos, como ocorreu com o delito de assédio sexual.

Mas não podemos ignorar, igualmente, as dificuldades enfrentadas desde a formalização da queixa à instrução do processo, algumas já apontadas acima, bem como as que nos leciona Luís Regis Prado:

O delito de assédio sexual reveste-se de especiais dificuldades de prova (o temor, por parte da vítima, de que venha a ser demitida e ou de que não logre encontrar outro emprego: o receio da reprovação social, etc.), pois normalmente não existem documentos, testemunhos ou perícias que possam atestar sua ocorrência, restando tão somente a palavra do assediador contra a da vítima. (2002, p. 04)

Assim, apesar de um esperado, e em até certo ponto observado aumento dos números de notificações de crimes de “abuso sexual” em face da mulher, muitas tendem a se calar, como vem ocorrendo com os casos de importunação ofensiva ao pudor, principalmente face as negativas que sofrem do sistema público de segurança, dos preconceitos que advém da sociedade, e os estraves processuais que em nada contribuem para sua proteção.

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15 De sorte que a mídia vem, cada vez mais, se prezando ao ilustre papel de notificar e expor estes casos, como será visto a seguir.

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2. A MÍDIA COMO MEIO DE CONDUÇÃO PARA UM ESTADO PENAL MAIS PUNITIVO E PROTETIVO

Como já apontado, a irresignação social face os crimes de violência sexual sofridos pelas mulheres estão mais latentes, e a mídia vem desempenhando papel ímpar em sua exposição, inclusive, sendo imprescindível na formação de um estado penal mais punitivo e protetivo.

Isto pode ser percebido em relação a nova tipificação de importunação sexual, de divulgação de cena de estupro, bem como a causa de aumento de pena para o estupro coletivo, já que os casos de importunação ofensiva ao pudor, e divulgação de cenas de estupro e estupro coletivo, ocorridos nos anos de 2016 e 2017 foram alvo de atenção dos mais diversos canais midiáticos, é o que se verá.

Cabe ressaltar, neste ponto, que o trato destes casos se dará somente pela via midiática, ante a dificuldade enfrentada na coleta de dados processuais, já que estes casos possuem a prerrogativa de tramitarem em segredo de justiça.

2.1 O caso do homem que ejaculou no pescoço de uma mulher em coletivo em São Paulo

Caso emblemático foi o ocorrido em 29 de agosto 2017, na cidade de São Paulo, no qual um homem, Diego Ferreira Novais, ejaculou no pescoço de uma passageira de um ônibus, nas imediações da Avenida Paulista. O caso ficou ainda mais aparente quando, dias seguintes, o mesmo homem passou o pênis em uma mulher, também em coletivo na mesma região.

O acontecido foi noticiado por diversos canais, e o que ora se pretende é demonstrar como estes canais buscaram abordar este caso, e como culminaram para a aprovação da Lei 13.718/2018.

Com o título “O que o caso do homem que ejaculou em mulher no ônibus diz sobre a lei brasileira?”, a BBC News Brasil noticiou o caso em 01 de setembro de 2017. O Jornal resumiu a matéria com o seguinte trecho em destaque:

Na terça-feira, um homem foi preso em flagrante após ter ejaculado em uma mulher dentro de um ônibus na Avenida Paulista, uma das mais movimentadas vias de São Paulo. Menos de 24 horas depois foi liberado após juiz concluir que o ato não seria estupro, mas sim uma contravenção penal – “importunar alguém em local público de modo ofensivo ao pudor” – passível de punição com multa.

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17 Em seguida, chamou atenção para a reação que o caso teve nas redes sociais, em defesa ao direito das mulheres, atentando ao fato que homem já tinha passagens pela polícia por suspeita de estupro.

A BBC News Brasil trouxe ainda, dados estáticos que denotam sua preocupação com a crescente ocorrência de casos similares:

“(...) o episódio colocou sob os holofotes um problema cada vez mais recorrente no transporte público de São Paulo – segundo dados oficiais, a cidade registrou 288 casos de abuso sexual em ônibus de janeiro a julho de 2017, trens, metrô (pelo menos um por dia). De acordo com informações divulgadas pelo portal UOL, o número de casos registrados no metrô cresceu mais de 350% em 2016, se comparado ao ano anterior.” A BBC ouviu especialistas na área do direito que observam a problemática consistente, nestes casos, na ausência de tipo penal específico para enquadramento destas condutas. Buscando uma solução para tanto, pontua: "(...) Diante dessa situação, Chakian10 defende a criação de uma nova tipificação criminal para esse tipo de ato, determinando uma punição intermediária.”

Interessante relato que a reportagem traz, é o da professora Silvia Pimentel: “Eu sou pelo Direito Penal mínimo (contra punições excessivas), mas não quando estamos falando de crimes contra a mulher. Sou contra colocar na cadeia gente que furtou comida. Mas não da para abrandar o sistema penal nos casos em que a vítima é a mulher. E, nesse caso, houve um abrandamento lamentável.

De fácil vislumbramento, a reportagem conduziu o leitor a necessidade de um Estado mais punitivo, já que, como visto que no parágrafo anterior, trouxe este mesmo apontamento, vindo, até mesmo, de pessoa que defende o Estado Penal mínimo, além de reforçar a ideia com apontamentos de especialistas do direito, e dados estáticos.

Outro meio de veiculação de informações, o El País11, abordou o caso com o título: “a perversa lógica que liberou o homem que ejaculou em uma passageira”. Após relatar o ocorrido, o Jornal passa a tratar da indignação que a soltura de Diego provocou, e expõe o que pensam os especialistas: “a discussão passa, de acordo com especialistas, tanto por ajustar a tipificação de estupro como por combater o machismo no Judiciário e defender monitoramento e atenção especializada para criminosos sexuais.” Mas adiante, reforça: “os especialistas consultados pelo EL PAÍS também veem no episódio reflexo de características machistas no sistema de Justiça

10 Promotora de Justiça de São Paulo. 11Jornal mundialmente conhecido.

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18 brasileiro e defendem programas de educação e não apenas a solução da prisão como uma reposta efetiva.

Neste ponto, o jornal tratou de uma temática pouco abordada, que consiste na necessidade de implementação de novos meios de monitoramento dos criminosos sexuais. Tal política já encontra respaldo nos EUA e em outros países, e sua necessidade tem se tornado cada dia mais aparente. Traz-nos, igualmente, soluções como educação e combate ao machismo institucionalizado. Observamos, então, que aquém da punição, o jornal buscou trazer meios alternativos de prevenção do problema.

Em entrevista com a professora Luciana Boiteux, o jornal El País destaca sua fala “Não há como acusa-lo de estupro de acordo com a lei penal em vigor. Contudo, houve, sim, constrangimento e essa atitude dele (o suspeito) é inaceitável”. Em seguida, o jornal pontua que, em termos jurídicos, a palavra constrangimento tem conotação de “relação forçada, não consentida”.

Interessante o posicionamento aqui adotado, que apesar de tênue, demonstra a necessidade de reformulação penal, de modo a abranger casos como o notificado, sem deixar de perpassar pelos métodos não convencionais de prevenção de delitos.

Dias após o acontecimento em comento, foi noticiado pelo G112 novo caso de “abuso sexual” envolvendo Diego Novais, com o seguinte título “Homem solto após ejacular em mulher em ônibus é preso de novo ao atacar outra passageira.” Em seguida, relata:

“O homem que havia sido preso nesta semana por ejacular em uma mulher dentro de um ônibus e depois solto pela Justiça de São Paulo foi detido novamente na manhã deste sábado (2) ao atacar outra passageira dentro de um coletivo na região da Avenida Paulista, centro da capital. As informações foram confirmadas ao G1 pelas polícias civil e militar.” (G1, 2016)

Neste novo ocorrido, segundo o G1, Diego foi “indiciado por estupro porque foi acusado de esfregar o pênis no ombro da vítima e ainda tentando impedi-la de fugir dele”.

A reportagem nos traz os seguintes dados: “A secretaria de Segurança Pública (SSP) informou, por meio de nota, que esta é quarta vez que Diego é preso por estupro; o homem também já foi detido 13 vezes por ato obsceno e importunação ofensiva ao pudor, totalizando 17 passagens pela polícia.”

Acrescenta, ainda, que em 2017, além deste delito noticiado pela reportagem, também

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19 teve passagem pelo caso exposto acima, no qual ejaculou em uma mulher, por encostar o pênis no ombro de uma mulher, por esfregar o pênis na mão de uma mulher (duas vezes), por esfregar o pênis no braço de uma mulher, por se masturbar próxima a uma mulher, por esfregar o pênis em adolescente, bem como esfregar o pênis em passageira não identificada. Em seguida, o G1 relata que “algumas entidades de juristas” apoiaram a decisão do Juiz que liberou Diego.

Importante ressaltar aqui, que em entrevista ao delegado responsável pelo caso, o mesmo afirmou que pediu ao Juiz do caso para apreciar o pedido de avaliação psicológica do acusado, já que afirmou que ele “aparenta ter problemas psiquiátricos”.

Diferentemente das demais reportagens, no G1 é mais expressivo o intuito de noticiar, simplesmente, o fato, de modo a deixar de lado a problemática envolvida nesses casos. Percebe-se que o jornal deu enfoque na pessoa do acusado, e não na pessoa da vítima, relatando seus casos anteriores, seu possível incidente de insanidade mental, trazendo à tona, entendimento de juristas que beneficiam somente o lado deste.

A título de informação, o Juiz responsável pelo caso, soltou Diego Novais ao argumento que ele não teria causado constrangimento13 à vítima, menos ainda por meio do emprego de violência ou grave ameaça. Esta argumentação, como podemos ver, abriu espaço para a reinvindicação de tipos penais que abranjam essas condutas, que não tem emprego de violência ou grave ameaça.

Apesar das reportagens abordarem os casos sob diferentes perspectivas, nas duas primeiras, é mais visível o cunho crítico trazido aos leitores, remetendo as problemáticas da falta de meios de prevenção destes delitos, especialmente no sentido de agregar mais proteção às mulheres. Tal condução, por outro lado, não se encontra na última reportagem, que, como exposto, visou abordar o caso sob a ótica do agressor, deixando de prezar ao papel de expor, de forma crítica, a violência sexual, psicológica e institucional sofrida pelas mulheres.

Mesmo que haja esta disparidade entre os meios de veiculação de informações, a tendência atualmente está sendo, como também já dito, destes meios buscaram expor, dentre outros crimes, os crimes de violência contra a mulher, principalmente as de caráter sexual, de forma mais crítica, contribuindo para a implementação de tipificações como a da importunação sexual.

12Canal de notícias do grupo Globo.

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2.2 O caso do estupro coletivo sofrido por adolescente no Rio de Janeiro

Outro caso bastante notório foi o ocorrido na Zona Oeste do Rio de Janeiro, na madrugada do dia 21 para o dia 22 de maio de 2016. O caso começou a circular nas redes sociais na quarta feira, 25 de maio de 2016. Inicialmente, a mídia veiculou a ocorrência de um estupro coletivo sofrido por uma vítima de 16 anos, envolvendo 30 agressores, ao final das investigações, três homens foram acusados pelo crime, e um deles segue foragido da Justiça.

Conforme noticiado pelo G1, dois homens foram condenados, ambos pelos crimes de estupro de vulnerável (artigo 217 do Código de Penal) e de produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente, artigo 240 do Estatuto da Criança e Adolescente.

Este caso, assim como o exposto acima, foi noticiado por diversos canais da mídia, e o que ora se pretende, igualmente, é demonstrar de forma mais imperativa que no caso anterior, como essas exposições culminaram para a aprovação da Lei 13.718/2018, no que tange a causa de aumento de pena para o crime de estupro, quando praticado em concurso de agentes (estupro coletivo – artigo 225, inciso IV, alínea a do Código Penal), bem como para a produção do tipo penal de divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia (Art. 218-C do Código Penal).

O caso virou matéria no O GLOBO, no próprio dia 25 de maio, com o seguinte título “Polícia investiga vídeo que mostraria estupro de menor no Rio”. A reportagem resume o caso da seguinte maneira “No vídeo, a menina, que aparentemente está dopada, tem suas partes íntimas exibidas. O rosto de um dos agressores também aparece”. Acrescenta, “As imagens foram compartilhadas pelo twitter e causaram revolta nos internautas. A hashtag #Estupro chegou a entrar no trending topics do país nesta quarta-feira.”

Poucos dias após o ocorrido, em 30 de maio, o jornal O GLOBO, publica matéria que é pertinente ao caso, intitulada “Comissão do Senado analisará projeto que aumenta pena para estupro coletivo”. A reportagem comenta sobre o projeto, que prevê o aumento da pena em 1/3 se o crime é cometido em concurso de agente, o que aumentaria a pena em até 04 anos, podendo chegar a pena de 25 anos de prisão, além da possibilidade de aumento de pena para a divulgação deste tipo de imagens.

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21 O Jornal mencionado acima nos traz a fala da Senadora Simone Tebet “Não interessa ao delegado ou à sociedade de onde vem essa jovem. Não interessa se ela era mãe aos 13 anos de idade – pelo contrário, aí é que precisa de muito mais proteção. Não interessa se ela é usuário ou não de drogas. Se foram 33, 20, 10, cinco ou dois, estupro, por si só, é crime hediondo, passou de um, é estupro coletivo.”

Este ponto merece especial destaque, pois a fala da Senadora vem se contrapor a condução do caso pelo Delegado de Polícia inicialmente responsável, que posteriormente foi retirado das investigações. Isto porque, a autoridade conduziu interrogatório da vítima de forma a culpa-la pelo ocorrido.

A reportagem traz, ainda, a fala do Senador Lindbergh Farias:

“Eu não sou a favor de aumentar a pena de mais nada. Temos a terceira maior população carcerária do mundo. Temos que ter cuidado de não votar no calor do momento, tem que ter calma. Não é com aumento de pena que vamos resolver este assunto, mas com educação.” (O GLOBO, 2016)

Interessante esta contraposição de ideias trazida pelo Jornal, pois como vimos no caso do item 1.1, a educação como meio de prevenção dos crimes sexuais, por vezes é trazida à tona, mas nunca acompanhada de projetos que elucidam como isto poderia ocorrer na prática. Quando alisamos falas como esta, ainda que convergente com a nossa ideologia, é preciso se atentar, de forma crítica a necessidade de proteção das mulheres em uma sociedade que ainda está engatinhando para a igualdade e respeito mútuo entre homens e mulheres.

Retomando a questão da culpabilização da vítima, cabe ressaltar a reportagem publicada pelo EL PAÍS em 08 de junho de 2016, com o título “Por que mulheres ficaram contra a vítima de estupro coletivo no Rio?”. O canal nos chama atenção ao fato de que, dias após a notícia do caso ser veiculada, “a sociedade se dividiu entre os que condenaram o crime e os que culparam a garota pelo ocorrido”.

O jornal ainda entrevistou a advogada Veronica de Paulo que deu a seguinte declaração: “parte da sociedade julga a vítima por ela não se enquadrar nos padrões idealizados da mulher correta, aquela que é casada e cuida do marido e dos filhos.”

Ainda segundo o Jornal, a vítima foi tida como culpada pelo crime, por grande parcela das pessoas, em decorrência do seu histórico de uso de drogas, da forma de se vestir, e dos lugares que ela frequentava.

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22 diferentes tratamentos dado a vítima e ao agressor nesses casos, já que a vítima sempre é vista como “promiscua” e o agressor como pessoa perturbada mentalmente, conforme pontuado pelo jornal.

Outro meio de disseminação de informação, o Gazeta Digital, também noticiou o ocorrido, em 27 de maio de 2016 o Jornal traz o caso com o seguinte título “Estupro coletivo de adolescente mobiliza a sociedade”.

O Jornal ouviu Rosana Leite, Defensora Pública, que declarou “O caso só retrata o patriarcalismo que ainda existe em nossa sociedade. O homem quer a todo tempo demonstrar que é forte e, para isso, a arma mais utilizada é o sexo à força, o abuso sexual”.

A questão da culpabilização da vítima, não só pela sociedade, mas também pelas instituições Estatais, aqui também é abordada, como podemos perceber na fala se Rosana, exposta mais adiante no texto “Muitas mulheres deixam de denunciar os delitos sexuais até pela forma que serão recebidas pelo Poder Público. Muitas chegam às delegacias narrando estupros e a autoridade policial pergunta o que ela fez para ser estuprada, ou que roupa estaria usando. Como se algo justificasse o crime absurdo.”

Posteriormente, o canal chama atenção para o crescente fenômeno social, que é o de não aceitação por parte das mulheres de tais abusos, e aponta as redes sociais como principal meio de exposição de indignações. Ao final, expõe a necessidade de criação de tipificações penais mais severas para casos como estes, já que o machismo está presente em nossa sociedade por décadas, sem que os homens tenham uma visão crítica de como vem reproduzindo este mal.

Cumpre observar que este caso alcançou repercussão internacional, principalmente devido as proximidades das Olimpíadas Rio 2016, além do fato da notícia inicialmente veiculada se mostrar demasiadamente horripilante, quando as suspeitas iniciais eram de que a vítima tivesse sido agredida por mais de 30 homens.

Como esta temática não poderia deixar de ser abordada sem trazer à tona a famosa Cultura do Estupro, a diante passaremos a analisar a reportagem veiculada pela BBC News Brasil intitulada “‘Cultura do estupro’ no Brasil é destaque na imprensa internacional”, a reportagem utilizou-se de um artifício bastante empregado recentemente para agregar credibilidade ao que está sendo noticiado. Este artifício consiste na exposição de notícias que foram propagadas em diversos canais de informação a nível internacional.

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23 de uma adolescente de 16 anos no Rio de Janeiro que desencadeou um amplo debate sobre a existência de uma cultura do estupro no Brasil ganhou páginas e sites de publicações pelo mundo nesta sexta-feira.”

Bastante interessante foi uma crítica retirada do The Times of India e apontada pela BBC Brasil, qual seja a falta de proatividade por parte dos canais midiáticos brasileiros em noticiar o tema. Segundo o Jornal indiano, houve um “silêncio” destes canais.

Igualmente interessante foi o trecho retirado do Jornal canadense The Globeand Mail, e apresentado pela BBC, o qual diz que o estupro coletivo se deu em “amplo cenário daquilo que ativistas estão chamando de um ambiente propício (ao estupro) no Brasil”.

Ou seja, com base nessas reportagens, podemos concluir que o Brasil, em nível mundial, é tido como um anto propício a reprodução da cultura do estupro, inclusive pelo fato de não ter a conduta internacionalmente esperada de exposição desses ocorridos.

Como era esperado, este caso tomou proporções internacionais, e sem dúvidas, como apontado pelo O GLOBO, teve tanta notoriedade que culminou na produção legislativa 13.718/2018. Casos emblemáticos como os ora expostos possuem uma caracteriza em comum quando veiculados nas grandes mídias, trazem uma reposta legislativa rápida, a fim de conter os anseios sociais.

Este caso trouxe discussões das mais diversas, como a culpabilização da vítima nos crimes sexuais, tanto pela sociedade como pelo Poder Público, a cultura do estupro no Brasil e sua influência no cometimento dos crimes, a latente necessidade de reformas penais (já ocorridas), bem como o raso apontamento de meios alternativos de prevenção dos delitos.

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3. APONTAMENTOS E REFLEXÕES SOBRE A LEI 13.718/2018

Para uma compreensão realística do aspecto material do crime, necessária se fez a análise dos motivos ensejadores à criação desta nova Lei14, quais foram as justificativas e considerações ao entender a necessidade de se eleger como bem juridicamente protegido, a liberdade sexual, no que tange especificamente aos crimes abordados pela ela, e de repreender tais condutas humanas por meio de uma sanção penal.

Com o advento da Lei 12.015/09, os crimes sexuais foram redimensionados, passando a contar com menor número de tipificações, o que levou, consequentemente, a tipos penais com redações mais amplas, de modo a contemplar diversas situações fáticas em um mesmo crime. Há de se dizer, que a lei em questão foi grande avanço no que tange aos crimes sexuais, bem como no processo de empoderamento da mulher, por conquista de direitos.

Contudo, com o passar dos anos foi possível vislumbrar, na realidade prática, que esta lei deixou de compreender, por mais ampla que seja, determinadas situações fáticas recorrentes, especialmente no que concerne aos crimes sexuais sem emprego de violência ou grave ameaça, o levou a necessidade de criação de novos tipos penais.

Neste ponto, a análise da nova Lei não se pautará em doutrinas ou julgados, face a dificuldade de obter materiais que tratem do tema, já que ela foi recentemente promulgada.

3.1 Os delitos de importunação ofensiva ao pudor e importunação sexual

A primeira alteração trazia pela mencionada Lei foi a criação do artigo 215-A do Código Penal, que trata do crime de Importunação Sexual. Este tipo penal foi criado concomitantemente com a revogação do delito de Importunação Ofensiva ao Pudor, anteriormente previsto no artigo 61 da Lei de Contravenções Penais. Passaremos as redações dos delitos, de modo a facilitar a comparação entre ambos.

Artigo 61 da Lei de Contravenções Penais:

Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao

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25 pudor.

Pena – multa. (1941, p. XX) Artigo 215-A do Código Penal:

Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro.

Pena: Reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave. (1940, p. XX)

Ao analisarmos as redações dos tipos penais, podemos perceber que o legislador não mais limitou a ocorrência do delito em locais público ou acessível ao público, como previsto na contravenção, o que torna mais abrangente sua aplicação. Sua preocupação também deixou de girar entorno do pudor, e se concentrou na prática de atos libidinosos sem consentimento da vítima.

Dito isto, surge o questionamento, o crime de estupro também se preocupa com a prática de ato libidinoso sem o consentimento da vítima, então, onde residiria a diferenciação do crime de importunação sexual para o crime de estupro?

A pergunta é facilmente respondida, o artigo 213 do Código Penal possui a seguinte redação: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. (BRASIL, 1940)

O núcleo do tipo penal ”constranger”, é, nas Lições de Greco:

Utilizado no sentido de forçar, obrigar, subjugar a vítima ao ato sexual. Trata-se, portanto, de modalidade especial de constrangimento ilegal, praticado com o fim de fazer com que o agente tenha sucesso no congresso carnal ou na prática de outros atos libidinosos. (Greco, 2017)

No primeiro caso, temos a situação onde não há anuência da vítima, mas o ato decorre de um constrangimento empregado com violência ou grave ameaça. Já no segundo caso, ainda que não haja anuência da vítima, não se faz necessário o emprego destes meios para consumação do delito, que ocorre mesmo sem o constrangimento15 da vítima.

É certo que em casos de importunação sexual, a vítima passa por constrangimento de ordem psicológica e moral inimaginável, mas que por questões pragmáticas não pode ser entendido da mesma forma que o núcleo do tipo penal de estupro, que tem sua teleologia própria, em termos legais. Segundo Eudes Quintino Junior:

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26 A intentio legis foi de acudir algumas condutas consideradas graves, mas que não estavam disciplinadas no Código Penal, como alguns casos quem foram retratados pela imprensa, de homens que se masturbavam e ejaculavam em mulheres no interior de transporte coletivo. (QUINTINO JUNIOR, 2018)

Estas condutas consideradas graves, tinham pena cominada, anteriormente, somente de multa, o que se mostrava irrazoável e desproporcional a ofensa compelida ao bem juridicamente tutelado. Também não se mostrava razoável, punir tais condutas com a tipificação de estupro, principalmente pelo fato, já visto, de faltar elementos necessários a caracterização do tipo penal. Daniel Lima e José Luiz Neto fazem considerações sobre a nova tipificação:

Conferir um tratamento mais rigoroso para situações em que há uma intromissão indevida na esfera de liberdade sexual da vítima é necessário para fins de prevenção geral. No que tange a importunação sexual, a incriminação é importante para tutelar as situações em que o constrangimento praticado em desfavor da vítima não configura estupro que foi o que ocorreu no caso de ejaculação no ônibus em São Paulo. (LIMA & LUIZ NETO, 2018)

A comentada abrangência do delito de estupro, trazida pelos legisladores em 2012, criou um vácuo em relação as condutas de menor ofensividade, que somente 6 anos depois foi suprido por nova Lei.

Podemos nos ousar a classificar o crime, ainda que minimamente, de acordo com sua redação, donde se extrai que o crime de Importunação Sexual possui como objeto jurídico a Liberdade Sexual da vítima. É crime comum, podendo ser praticado ou sofrido por qualquer pessoa, e seu elemento subjetivo é o dolo direito especial de agir, ou seja, quando o autor do crime age de forma livre, consciente e voluntária para alcançar o especial fim de agir do tipo penal, que consiste em satisfazer a lascívia própria ou de terceiro.

Questão interessante ventilada acerca do tipo, foi a trazida por Freitas (2018), que aponta novidade legislativa no que concerne aos crimes sexuais, já que o legislador se utiliza da expressão “praticar contraa” vítima, e nos demais delitos, a expressão utilizada é “com a vítima”.

Para ele, a expressão “com”, não abrange situações nas quais não exista contato físico com a vítima, diversamente da expressão “contra”, que abrande, como exaustivamente mencionado, casos similares ao do homem que ejaculou em mulher no interior de coletivo público em São Paulo.

Neste ponto, o autor chama atenção ao fato de que a utilização do termo “contra” pressupõe que o autor pretendia aquele resultado, ou seja, tenha agido com dolo direito, dando

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27 margem a não aplicação da lei. nos casos em que o autor do crime tenha atingido a vítima por descuido, já que o crime não é previsto na modalidade culposa. Neste caso, cabe as autoridades se socorrerem em outros tipos penais.

3.2 O advento do parágrafo 5º no crime de estupro de vulnerável e o fim de uma controvérsia

Outra inovação trazida pela Lei, foi a adição do § 5º ao crime tipificado no artigo 217-A do Código Penal, que trata do estupro de vulnerável. Considerando que o tipo penal em si não sofreu qualquer alteração, apenas a título de elucidação da conduta, é que a redação do tipo penal será exposta. Vejamos.

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

§1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. (BRASIL, 2018, p. XX)

O estupro de vulnerável é um tipo penal que herdou uma tremenda controvérsia consistente na falta de consenso entre estudiosos e operadores do direito acerca do caráter relativo ou absoluto da vulnerabilidade da vítima.

Sobre o tema, cabe expor o posicionamento de Nucci:

A proteção conferida aos menores de 14 anos, considerados vulneráveis, continuará a despertar debate doutrinário e jurisprudencial. (...) Pode-se considerar o menor, com 13 anos, absolutamente vulnerável, a ponto de seu consentimento para a prática sexual ser completamente inoperante, ainda que tenha experiência sexual comprovada? Ou será possível considerar relativa a vulnerabilidade em alguns casos especiais, avaliando-se o grau de conscientização do menor para a prática sexual? Essa é a posição que nos parece acertada. A lei não poderá, jamais, modificar a realidade e muito menos afastar a aplicação do princípio da intervenção mínima e seu correlato princípio da ofensividade. (...) O legislador brasileiro encontra-se travado na idade de 14 anos, no cenário dos atos sexuais, há décadas. É incapaz de acompanhar a evolução dos comportamentos na sociedade. Enquanto o ECA proclama ser adolescente o maior de 12 anos, a proteção ao menor de 14 anos continua rígida. Cremos já devesse ser tempo de unificar esse entendimento e estender ao maior de 12 anos a capacidade de consentimento em relação aos atos sexuais. Porém, assim não tendo sido feito, permanece válido o debate acerca da relatividade da vulnerabilidade do adolescente, vale dizer, do maior de 12 anos e menor de 14. A proteção à criança (menor de 12 anos), segundo nosso entendimento, ainda merece ser considerada absoluta no cenário sexual. (NUCCI, 2017)

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28 Como visto, Nucci acredita que a vulnerabilidade deve ser relativizada, indo na contramão do que os Tribunais Superiores vinham entendendo. Para uma efetiva proteção da criança e do adolescente, necessário se faz o uso de dispositivos que não deem margem de escolha a elas sobre o cometimento ou não do que se entende por violação, do que se entende por crime, já que muitas vezes lhes faltam esse discernimento.

Apesar desta controvérsia ter sido alvo de Súmula do STJ16, que por força do artigo 927, incisos II e III do CPC/15 tem força vinculante nas decisões dos magistrados, o legislador entendeu a necessidade de acabar, de uma vez por todas com essa polêmica, e acrescentou o § 5º ao artigo 217-A do CP: “As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime.” (BRASIL, 1940, p. XX)

Com a nova lei, encerrou-se quaisquer discussões acerca da relativização da vulnerabilidade, que hoje é consolidada em termos absolutos.

3.3 Do crime de divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia

Outra tipificação trazida com o advento da Lei 13.718/18, é a prevista no artigo 218-C do Código Penal, o caput do artigo conta com a seguinte redação:

Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave. (BRASIL, 2018, p.XX)

Este tipo penal se aproxima muito dos previstos nos artigos 241 e 241-A da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), divergindo destes últimos no que concerne aos tutelados, já que eles proíbem somente a exposição de crianças ou adolescentes em cena de sexo explícito

16 Súmula 593, STJ: O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.

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29 ou pornográfica. Além disso, o novo delito tem seguido a tendência dos demais crimes sexuais, vez que abrange diversas condutas, além disso, possui diversos núcleos do tipo, contando com nove condutas (verbos) penalizadas.

Todos os nove núcleos do tipo podem ser exercidos, contendo: 1) cena de estupro ou de estupro de vulnerável; 2) apologia ou indução ao estupro, ou ao estupro de vulnerável; 3) cena de sexo, nudez ou pornografia de pessoa que não consentiu com estes verbos incriminados.

Uma temática bastante abordada nos últimos anos foi o fenômeno conhecido como pornografia de vingança, ou “revengeporn”, que pode ser entendida, segundo Débora Silveira, como:

A expressão usada para denominar o ato de expor, na internet, fotos ou vídeos íntimos de terceiros, sem o consentimento dos mesmos. Casos do tipo costumam acontecer, na maioria das vezes, quando um casal termina o relacionamento e uma das partes divulga as cenas íntimas na rede mundial de computadores, com o objetivo de vingar-se, ao submeter o ex-parceiro a humilhação pública. (SILVEIRA, 2018)

Este fenômeno, até a edição da lei analisada, não encontrava respaldo legal em tipificação própria, e muitas das vezes sua ocorrência era tipificada em crime não próprio (à exemplo o de difamação), que não tem especial fim de coibir tais condutas como a nova norma incriminadora, que possui pena mais adequada.Com a edição deste artigo, o crime se enquadra, notadamente, no item 3 acima exposto.

O artigo ainda nos traz uma causa de aumento de pena, prevista em seu § 1º, in verbis:” A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.”(BRASIL, 2018, p.XX)

Esta causa de aumento de pena tem especial aplicação no fenômeno da pornografia de vingança, já que, conforme pontuado por Oliveira (2018): “tais condutas são mais frequentes quando um casal termina um relacionamento”, além de ter previsto o especial fim de agir: por vingança ou humilhação.

Na primeira parte do § 1º, cabe trazer à tona o papel que a relação de afeto desempenha na criação de um vínculo de confiança, de modo que a pessoa não imaginaria, nas circunstâncias em que as imagens, vídeos e etc. foram gravados, que eles pudessem ser expostos sem seu consentimento, merecendo reprimenda mais grave.

Nota-se, então, que o legislador desempenhou papel bastante satisfatório na previsão da causa de aumento de pena, bem como no caput do artigo, captando a essência dos anseios sociais.

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30 Assim conforme Oliveira (2018), a causa de exclusão da ilicitude, prevista no § 2º do artigo 218-C do CP nos diz:

Não há crime quando o agente pratica as condutas descritas no caput deste artigo em publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos. (BRASIL, 1940)

A redação do parágrafo é bem clara, e está amparada no princípio da ofensividade17, sendo assim, desde que não haja identificação da vítima, as condutas elencadas no artigo não são passíveis de punição.

Podemos utilizar como exemplo, uma publicação jornalística que contenha imagem de pessoa nua, em situação de inanição, na qual não seja possível identificar a vítima, maior de 18 anos. Em casos semelhantes, a conduta não pode ser punida, por lhe faltar um dos três elementos18 integrantes do crime, qual seja a ilicitude.

3.4 Da possibilidade de suspensão condicional do processo

A suspensão condicional do processo é uma prerrogativa cabível aos crimes dos noveis artigos 215-A (Importunação Sexual) e 218-C (Divulgação de cena de estupro, ou cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia), ambos do Código Penal, e está presente no artigo 89 da Lei 9.099/95, que segue:

Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal ). (BRASIL, 1995, p. xx)

A suspensão condicional do processo é uma medida despenalizadora, assim sendo, depois de oferecida a denúncia, o Ministério Público oferece a proposta que, sendo aceita pelo acusado,

17 O princípio da ofensividade nos aduz, nas Lições de Bittencourt, que “para que se tipifique algum crime, em sentido material, é indispensável que haja, pelo menos, um perigo concreto, real e efetivo de dano a um bem jurídico penalmente protegido” (BITTENCOURT, 2016, p. 61)

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31 poderá suspender o andamento do processo pelo período de prova19, uma vez reunidos os requisitos exigidos pela Lei.

Além dos requisitos presentes no caput do artigo 89, são exigidos, cumulativamente, o cumprimento das condições do § 1º do mesmo artigo, quais sejam:

I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; II - proibição de frequentar determinados lugares;

III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz; e

IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. (BRASIL, 1995, p. xx)

Poderão ser atribuídas ao acusado, igualmente, outras condições que o Juiz, ou o Ministério Público, entender cabível, necessária e proporcional ao caso concreto, consoante §2º da Lei, é o que segue: “Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.” (BRASIL, 1995, p.XX) No caso de o acusado cumprir todas as condições impostas, sem ser processado no período de prova que lhe fora estabelecido, o juiz declarará extinta sua punibilidade, é o que leciona o artigo 89, §5º da Lei 9.099, de 1998.

Luiz Antônio Francisco Pinto, ao diferenciar o instituto da transação penal do da suspensão condicional do processo aduz:

Mesmo com essas diferenças, a Suspensão Condicional do Processo e a Transação Penal têm o objetivo de evitar a instauração de processos penais “menos importantes”.

Quando digo menos importantes, saliento que estou dizendo no sentido geral do termo, haja vista que uma infração penal cometida, por si só, tem gravidade, tanto que está descrita em uma lei penal. É mais grave ainda se olharmos pela ótica da vítima que foi lesada por aquele delito.

Consentido, entre todos os delitos existentes, a Lei elege os que são “menos importantes” e cria institutos despenalizadores para o judiciário poder, pelo menos em tese, ocupar-se dos mais salutares. (PINTO, 2016)

É partindo desta consideração do autor, que encontramos espaço para fazer uma crítica ao legislador, que escolheu cominar a pena mínima do delito de Importunação Sexual em 1 (um) ano, abrindo brechas a aplicação do referido instituto despenalizador.

Mesmo após a sociedade clamar por penas mais duras que a aplicação de multa para condutas que se enquadram no delito ora em comento, mesmo após diversas pessoas e estudiosos apontarem a necessidade de se compreender a gravidade deste tipo penal, o legislador entendeu,

19 O período de prova é aquele no qual o processo fica suspenso, que pode durar de 2 a 4 anos, não podendo o autor do fato vir a ser processado por outro crime neste intervalo, ou descumprir, injustificadamente, a condição que lhe

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32 de forma velada, que importunar alguém sexualmente é delito “menos importante”, prezando pela celeridade da justiça, em detrimento de proteção às vítimas.

E este é exatamente o ponto que se pretende chegar, neste delito, o legislador trouxe formalmente proteção às mulheres, mas quando nós pensamos na aplicação da lei de forma prática, na proteção material das vítimas, das mulheres, nos deparamos com prerrogativas, como a suspensão condicional do processo, que faz cair por terra todo o sentimento de protecionismo, de que a justiça será feita, de que o machismo institucionalizado será combatido.

3.5 Da natureza da ação nos crimes contra a liberdade sexual e nos crimes sexuais contra pessoa vulnerável

O artigo 255 do Código Penal trata da natureza da ação nos crimes contra a liberdade sexual, bem como e nos crimes sexuais contra vulneráveis. O artigo está situado no capítulo IV, denominado Disposições Gerais, e sofreu alteração com a edição da lei ora analisa, passando a vigorar com a seguinte redação: “Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada.” (BRASIL, 2018, p.XX)

Antes do advento da Lei, o artigo dispunha que tais crimes se procediam mediante ação penal pública condicionada a representação.

A diferença de tal mudança é significativa e pode ser analisada sob dois primas, o primeiro deles consiste na retirada da autonomia da vítima, de tomar-lhe a decisão de quer ou não ser submetida a processo criminal, retira da vítima a possibilidade de sua autopreservação. Já o segundo, se respalda na necessidade latente de se promover a punição de tais crimes.

A primeira perspectiva deve ser vista com cautela, já que na prática, inúmeras são as vezes em que vítimas dos mais diversos tipos de violência registram a ocorrência, e posteriormente, quando ameaçadas, deixam de representar contra o agressor.

Fato muito rotineiro, é a vítima após ser ameaçada, ou se encontrar sem meios de subsistir por conta própria, negar em Audiência de Instrução e Julgamento todos os fatos narrados em sede policial, culminando na absolvição do agressor, já que, na nossa sistemática penal, os elementos de informação colhidos na delegacia não poderão ser utilizados, exclusivamente, para formação do convencimento do julgador, diferentemente do depoimento da vítima em sede judicial, mas fora imposta de reparação do dano, sob pena de revogação do benefício, conforme §3º do artigo 89 da Lei 9.099/98.

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33 este problema, de todo modo, não encontra solução na mudança da natureza da ação penal.

Mas fica aqui um apontamento crítico acerca da necessidade de produção legislativa que venha trazer a mulher vítimas de agressão, meios de se autodeterminar e emancipar daquela situação viciosa.

Para melhor compreensão do que foi dito, passaremos a entender os diferentes tipos de ação penal pública. Segundo o artigo 24 do Código de Processo Penal:

Nos crimes de ação pública, está será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministério da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representa-lo. (BRASIL, 194, p.XX)

A primeira parte do artigo trata da ação pública incondicionada, na qual, em havendo notícia do crime, o Ministério Público fica incumbido de oferecer denúncia, se presentes os requisitos para tanto, isto porque, nestas ações vigora o princípio da oficiosidade20 e da obrigatoriedade21

A segunda parte do artigo trata da ação pública condicionada, na qual, em havendo notícia do crime, ainda que o Ministério Público fique incumbido de oferecer denúncia, este somente poderá proceder com ela, uma vez preenchida a condição de procedibilidade, qual seja a representação da vítima. Este requisito é de fácil exercício, e consiste apenas em uma declaração da vítima que desejar representar contra o agressor, no momento da feitura do registro de ocorrência.

A problemática dessa condição reside no fato de que muitas vítimas procuram a Delegacia para fazer a ocorrência, mas desconhecem a necessidade de declarar seu desejo em representar contra o autor dos fatos, o que também não é informado pelo Poder Público.

Quando este registro de ocorrência chega ao Ministério Público em forma de inquérito, sem a representação da vítima, volta à delegacia para que a mesma seja intimidada para informar se deseja representar, ou é remetida ao Juízo para proceder a intimação da vítima.

O que ocorre nestes casos, é que nem sempre essa remessa dos autos do inquérito se faz de forma célere, e muitas das vezes as vítimas decaem do seu direito de representar, que tem

20 Extraímos deste princípio que, a Autoridade Policial ou o Ministério Público, tomando conhecimento acerca da existência de crime, deve agir de ofício, não sendo necessário aguardar provocações.

21 Extraímos deste princípio que, ocorrendo um crime, os órgãos responsáveis pela investigação penal e pela propositura da ação penal não podem analisar conveniência e oportunidade de exercer a pretensão punitiva do Estado, estando incumbidos deste exercício.

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34 prazo de 06 meses, contados do dia que a vítima vier ou veio a saber quem é o agressor/autor dos fatos.

Assim sendo, a modificação da natureza da ação está indo ao encontro das necessidades de nossa sociedade, pois está se atentando para as dificuldades processuais, e a falta de celeridade que nossa justiça enfrenta, desempenhando o legislador, novamente, papel bastante satisfatório no que concerne a proteção das mulheres.

3.6 Das novas causas de aumento de pena

Outro artigo integrante das Disposições Gerais do Capítulo IV, é o 226 do Código Penal, que passou a contar com um novo inciso e duas novas alíneas. Para melhor compreensão dessas causas de aumento de pena, passaremos e expor suas redações:

Art. 226: a pena é aumentada:

II - de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela;

IV - de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado: Estupro coletivo

a) mediante concurso de 2 (dois) ou mais agentes; Estupro corretivo

b) para controlar o comportamento social ou sexual da vítima.” (BRASIL, 1940, p. XX) Uma alteração bastante pontual foi realizada no inciso II deste artigo, não sendo possível vislumbrar, na prática, qualquer interferência desta alteração na aplicação da causa de aumento de pena. Neste inciso, a expressão “tem” foi alterada pela expressão “tiver”.

Já o novel inciso III veio em reposta aos emblemáticos casos de estupro coletivo ocorridos no Brasil, noticiados por diversos canais midiáticos e redes sociais, que causaram perplexidade a nível mundial. Bem como a problemática do estupro corretivo, muito comum no âmbito familiar.

A titulo de exemplo, podemos conjecturar um caso de estupro corretivo consiste em uma tia que estupra seu sobrinho homossexual, para “corrigi-lo”. Ainda que hipotética, situações como essa são existentes na sociedade, e não podem mais ter espaço, merecendo reprimenda mais severa.

Referências

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