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Phishing e pharming (duas modalidades de fraude informática) : responsabilidade obrigacional do banco

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(1)

ESCOLADEDIREITO CENTROREGIONALDOPORTO

PACTO

DE

NÃO

CONCORRÊNCIA

NO

ÂMBITO

DA

RELAÇÃO

LABORAL

DESPORTIVA

UMCASODECARTÃOVERMELHO?

PEDROMANUELCONDÊSTOMAZ

DISSERTAÇÃODEMESTRADOEMDIREITODOTRABALHO SOBAORIENTAÇÃODAPROF.DOUTORAMILENAROUXINOL

PORTO 2015

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2

Lista de Abreviaturas

Art. – Artigo

BTE - Boletim do Trabalho e do Emprego CRP - Constituição da República Portuguesa CC - Código Civil

CCT - Contrato Coletivo de Trabalho CT - Código do Trabalho

CTD - Contrato de Trabalho Desportivo

DESC - Direitos Económicos, Sociais e Culturais DISG . Divisão do Instituto Superior de Gestão DL - Decreto Lei

DLG - Direitos, Liberdades e Garantias DT - Direito do Trabalho

DUDH - Declaração Universal dos Direitos do Homem Ed. – Edição

FDUP - Faculdade de Direito da Universidade do Porto IRCT - Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho LPFP - Liga Portuguesa de Futebol Profissional

P. – Página

P.Ex. - Por exemplo PP. – Páginas

RDES - Revista de Direitos Económicos e Sociais REL - Revista de Estudos Laborais

RGEC - Revista do Gabinete de Estudos Corporativos RJCTD – Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo RPGF – Revista Direito e Gestão Fiscal

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3 SSFP - Sindicato dos Jogadores de Futebol Profissional

ss. - Seguintes TL - Temas Laborais Vd. – Vide

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4

ÍNDICE

I. Introdução... 5 II. A liberdade de trabalho: da previsão constitucional à prática nas relações laborais .. 6 III. O Contrato de Trabalho Desportivo e a sua especificidade em confronto com o Contrato de Trabalho Comum ... 11 IV. Limitação à liberdade de trabalho dos Praticantes Desportivos Profissionais ... 20 a) Breve referência à diversa tipologia de meios limitativos ... 20 b) Cláusulas de não concorrência – breves considerações e pressupostos: regime geral ... 21 c) Cláusulas de não concorrência na relação laboral desportiva: admissibilidade, inadmissibilidade ou/e abuso de direito? ... 30 V. Conclusão ... 43

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5

I. Introdução

Nos dias que correm assistimos, cada vez mais, a uma quotidiana e extenuante competitividade empresarial, a qual se revela no proeminente interesse na celebração e fruição de pactos de não concorrência. Cessando o contrato de trabalho, é natural que a entidade empregadora pretenda salvaguardar os seus interesses e acorde com o seu antigo trabalhador uma abstenção de comportamentos concorrenciais suscetíveis, de forma efetiva ou potencial, de lhe causarem prejuízos.

Inolvidavelmente, a celebração de pactos de não concorrência é hoje uma prática habitual no mercado de trabalho, sendo uma realidade a que os trabalhadores têm que se adaptar, com a agravante deste mecanismo restringir um dos seus direitos fundamentais: o direito à liberdade de trabalho.

Em boa verdade, esta limitação à liberdade de trabalho nem sempre é ajustada, adequada e, invariavelmente, lícita. Principalmente quando estão em causa relações laborais dotadas de uma grande especificidade, como é a relação laboral desportiva.

Por certo, a nossa proposta passa por analisar de forma pertinente e criteriosa a admissibilidade da aposição de cláusulas de não concorrência aos praticantes desportivos, atendendo ao grau de limitação que provocam na sua liberdade de trabalho.

Esta é, quanto a nós, uma temática atual, com vasto interesse e pertinência. As últimas práticas dos sujeitos que intervêm nas relações laborais desportivas na nossa ordem jurídica demonstram isso mesmo. As cláusulas de não concorrência atingiram uma frequência tal, que o seu carácter extraordinário cada vez mais dá lugar a um caráter usual e ordinário. Todavia, não é por serem prática reiterada na relação laboral comum, que também o poderão ser na relação laboral desportiva. São relações laborais díspares, exercidas por sujeitos distintos, e regulamentadas por regimes jurídicos diferentes. Resta, portanto, examinar criticamente a sua admissibilidade ou inadmissibilidade.

(6)

6

II. O direito à liberdade de trabalho: da previsão constitucional à

prática nas relações laborais

A liberdade de trabalho é, nos dias de hoje, reconhecida como parte integrante da liberdade de profissão, a qual se encontra prevista no art. 47.º da CRP1. Deste modo, acaba por incorporar o catálogo dos DLG, assumindo conjuntamente com o direito à liberdade de profissão a qualidade de um direito autónomo.

Efetivamente, a letra deste normativo constitucional não estabelece de forma expressa um direito à liberdade de trabalho, preferindo restringir a consagração a um

"direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho". No entanto, é

inatacável que este preceito consagra, em paralelo, uma efetiva liberdade de exercício da atividade laboral2.

Cumpre, portanto, proceder a uma explanação do direito de escolher a profissão ou o género de trabalho, maxime, o direito à liberdade de trabalho. Como ponto de partida, conceituaremos a liberdade de profissão.

Enquanto GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA pugnam pela liberdade de profissão como uma “componente da liberdade de trabalho"3, JORGE MIRANDA vai mais longe e conduz a liberdade de profissão a uma liberdade de trabalho em sentido amplo, referindo que a liberdade de trabalho representa, acima de tudo, uma liberdade de escolha e uma liberdade de exercício de uma profissão4/5.

1

Encontra-se igualmente prevista no art. 23.º/1 da DUDH, no art. 6.º/1 do PIDESC e no art. 1.º/2 da CSE.

2

JOÃO PACHECO DE AMORIM, "A liberdade de profissão", Estudos em comemoração dos 5 anos (1995-2000) da FDUP, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, p. 693, refere mesmo tratar-se de uma “pressuposição lógica (inafastável) por se consagrar, mais do que a liberdade de trabalhar, a explicita liberdade de escolher qualquer género de trabalho”.

3

J.J. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 653.

4

JORGE MIRANDA, "Liberdade de trabalho e profissão", RDES ano XXX, n.º 2, Abril-Junho, 2008, p. 153, adita duas vertentes à liberdade de trabalho: a vertente positiva de possibilitar “a liberdade de escolha e de exercício de qualquer género ou modo de trabalho que não seja considerado ilícito penal”; e a vertente negativa de obstar ao trabalho obrigatório, patente na “impossibilidade do Estado vincular quem quer que seja a certo trabalho em concreto ou a certo género de trabalho”. Em consonância JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 2.ª Ed., p. 967.

(7)

7 Todavia, atente-se na definição oferecida por JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS, que considera a liberdade de profissão como “ocupação de vida através da qual se

realiza a personalidade e se granjeiam meios de subsistência, revelando-se assim tanto liberdade de escolha quanto liberdade de exercício”6.

Cremos que este é exatamente o ponto-chave. A liberdade de trabalho desdobra-se em duas outras liberdades: liberdade de escolha de uma profissão e a consequente liberdade de exercício.

Mas faça-se uma ressalva: não incorporam o direito à liberdade de trabalho e de profissão as atividades profissionais que visem a prossecução de atividades marginais e contrárias à lei, e portanto, que se consubstanciem numa forma de exercício da liberdade de trabalho e profissão juridicamente inadmissível7.

Conforme expõe JORGE MIRANDA, o direito à liberdade de escolha de profissão acaba por se ramificar em vários galhos, sendo os mais prementes para a nossa exposição, o direito de escolher qualquer profissão, sem que essa escolha seja condicionada por impedimentos; e o direito de mudar de profissão8.

Da mesma forma que a entidade empregadora, no cerne do seu direito à livre iniciativa económica e de organização empresarial9, pode decidir celebrar, ou não, um contrato de trabalho com determinado trabalhador, este último também pode escolher o empregador e a profissão à qual se irá vincular. E, neste sentido, optar por outorgar com ele o respetivo contrato de trabalho10. Assim, é sem dificuldade que se concebe o contrato de trabalho como um acordo de vontades entre as partes que serve de título jurídico garantístico da liberdade de trabalho do trabalhador. Caso contrário, regressaríamos aos sombrios tempos da escravidão. E, a verdade é que "a partir do

5

JOÃO PACHECO DE AMORIM, Ibidem. p. 694, idealiza a “profissão” de um individuo como toda e qualquer actividade laboral por este abraçada e exercida, que lhe seja directamente imputável (…), e que se caracterize ainda por ser lícita, estável e apta a constituir a base económica da sua existência.”

6

JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS,Idem.

7

JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS,Ibidem, p. 965, apelidam esta situação de “limite imanente” ao direito à liberdade de trabalho e de profissão. Semelhante expressão é também utilizada por J.J. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, Ibidem, p. 655.

8

JORGE MIRANDA, "Liberdade..." Cit., p. 155.

9

Cfr. art. 61.º/1 CRP e art. 80.º/c) CRP.

10

(8)

8

momento em que os homens tinham liberdade de trabalhar, eles eram também livres de regular por contrato o modo e as condições em que se obrigavam a prestar serviços a outrem"11.

Podemos então definir a liberdade de escolha da profissão como o conjunto de faculdades que exalam na esfera jurídica do trabalhador e que estabelecem a liberdade deste efetuar uma escolha, uma opção. Desde logo, escolhendo a atividade profissional a exercer, a sua entidade empregadora, e o conteúdo do seu contrato de trabalho. Fica assim patente um natural direito à liberdade de escolha da profissão que se pretende exercer.

Por sua vez, a liberdade de exercício da profissão combina uma série de direitos, sendo os que mais relevantes para a presente; o direito de escolher o lugar de exercício da profissão, e o direito de não ser privado do exercício da profissão, exceto quando a lei promova certas restrições ao mesmo.12

É notório que o próprio livre exercício da profissão acaba por se fracionar em várias prerrogativas, que se distinguem pelo seu conteúdo, mas que se assemelham pela finalidade que visam proteger e garantir: a liberdade de exercício de uma profissão, em concreto, a liberdade de trabalho.

Enfim, se uma profissão pode ser abandonada (cessação do contrato de trabalho) ou prosseguida (renovação do contrato de trabalho, p. ex.) isso só acontece graças a uma liberdade de escolha e de exercício da profissão que cai na esfera jurídica do trabalhador.13 Caso contrário, o trabalhador não teria ao seu dispor a

regalia de modificar (sem esquecer os limites naturais) as suas circunstâncias laborais,

e exerceria ad aeternum (ou enquanto o empregador assim o desejasse) a mesma atividade profissional, para a mesma entidade e nas mesmas condições laborais.14

11

DA SILVA LEAL, "O princípio constitucional da liberdade de trabalho" , RGEC, 1961, p. 147, prosseguindo uma resenha histórica acerca do desenvolvimento da liberdade de trabalhar.

12

JORGE MIRANDA, Ibidem, p. 156.

13

JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS, Op Cit., p. 967

14

Siga-se JOÃO PACHECO DE AMORIM, Ibidem. p. 684, que considera que a liberdade de trabalho reina no momento da celebração do contrato, tendo em conta que "resta sempre na esfera dos contraentes a liberdade de escolher a contraparte, de celebrar ou não o contrato e, enfim, a de, na margem subsistente de conformação do conteúdo do contrato, escolher a atividade profissional a desempenhar em regime de trabalho subordinado".

(9)

9 Parafraseando ROGÉRIO EHRHARDT SOARES: “este preceito [art. 47.º n.º 1 CRP]

não pode pretender regular somente a escolha de profissão, mas também o seu exercício. Se considerarmos a (…) unidade da liberdade profissional, também o exercício da profissão há-de ficar garantido contra intromissões administrativas ou contra regulamentações legais desmedidas”15.

É factual que a realização pessoal do ser humano também passa pela possibilidade de escolher livremente uma atividade profissional e de a exercer em conformidade com a sua vontade16. Pelo que não é de estranhar que o direito à liberdade de trabalho constitua um verdadeiro DLG17, sendo, portanto, um direito fundamental constitucionalmente previsto e protegido, cuja função primordial é a defesa da dignidade da pessoa humana18/19/20.

Porém, o facto de ser um DLG não obsta a que o exercício do direito à liberdade de trabalho seja alvo de algumas restrições constitucionalmente consagradas, as quais acabam por comprimir o seu conteúdo. Neste sentido, contempla o art. 47.º/1 da CRP in fine, a possibilidade do direito à liberdade de trabalho ser restringido pela concretização de um de dois pressupostos: por imposição

15

ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, "A Ordem dos Advogados. Uma Corporação Pública", Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1991-1992, pp. 228-229.

16

JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS, cit., p. 965.

17

tendo como característica a sua direta aplicabilidade, vinculando assim as entidades públicas e privadas (vide art. 18.º CRP). Relativamente à força jurídica atribuída aos DLG Vd. JOSÉ VIEIRA DE ANDRADE, Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Almedina, Coimbra, 4.ª Ed., 2010, pp. 191 e ss..

18

J.J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, 7.ª Ed., p. 407, bem acompanhado por JOSÉ VIEIRA DE ANDRADE, ibidem, p. 161.

19

Curial a constatação de JOSÉ JOÃO ABRANTES, Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 16, referindo que os direitos fundamentais "(...) representam a máxima expressão de uma ordem axiológica, de um sistema de valores, em que assenta a unicidade do ordenamento e cujo valor fundamental é, em última instância, a dignidade da pessoa humana".

20

Assim, é com naturalidade que o texto constitucional acaba por afiançar a existência de garantias e de condições de efetividade do direito à liberdade de trabalho, Vd. JORGE MIRANDA, Liberdade... cit., p. 151

(10)

10 do interesse coletivo21 ou por inerência da própria (in)capacidade do trabalhador ao exercício da sua profissão.22

Num outro prisma, deve ser redirecionado o direito à liberdade de trabalho ao próprio direito ao trabalho. Efetivamente há quem sugira que ambos se relacionam de forma intima23, não podendo um concretizar-se sem a existência do outro. PACHECO DE

AMORIM consegue ir ainda mais longe, afirmando que a relação indissociável destes

dois direitos origina uma quase "fusão, ou uma absorção" da liberdade de trabalho pelo direito ao trabalho.24

A liberdade de trabalho consiste na liberdade de prestar uma atividade laboral (seja ela autónoma ou subordinada). Ora, é exatamente a esta prestação que se pode apelidar de trabalho. Sendo certo que, esta visa a produção de riqueza tendente à subsistência económica do trabalhador, não sendo uma prestação desprovida de qualquer correspetividade, ou não estivesse em causa uma atividade laboral.

Podemos até entender o trabalho como "uma forma legítima da ação humana

no domínio da produção e distribuição da riqueza".25 Destarte, torna-se natural que o direito ao trabalho seja integrado no "domínio social", pretendendo-se assim salvaguardar as pessoas de situações que façam perigar a sua segurança económica26 e a sua realização pessoal, a qual estará intrinsecamente ligada à própria estabilidade psicológica e emocional. Desta forma, reconhece-se uma dupla relevância ao trabalho: primeiro, enquanto liberdade de escolha e de exercício de uma atividade profissional; segundo, como direito social (ou não fosse ele um DESC)27.

Aqui chegados, está já alicerçado que é por força da liberdade de escolha de uma profissão que o trabalhador pode decidir qual a atividade laboral a prestar, a sua

21

Mas não se olvide que "a liberdade de cada um (...) não pode destruir a liberdade e a dignidade dos outros" JOSÉ JOÃO ABRANTES, cit., p. 130.

22

Adotando as palavras de J.J. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, Op. Cit. p. 656, "a liberdade de escolha e de profissão está sob reserva de lei restritiva".

23

Assim JORGE MIRANDA, Liberdade... cit., p. 155; J.J. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, Op. Cit. pp. 286-287; e JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS, Op. Cit., p. 964, que falam mesmo na existência de uma "relação estreita" entre ambos.

24

JOÃO PACHECO DE AMORIM, Op. Cit. p. 673.

25

ANTÓNIO DA SILVA LEAL, cit. p. 145.

26

JOÃO PACHECO DE AMORIM, Ibidem. p. 685.

27

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11 entidade empregadora, e quais os termos do vínculo laboral a celebrar. Neste sentido, inexistindo uma liberdade de escolha da atividade profissional, o que pretenderia proteger o direito ao trabalho? Atente-se que este tem como propósito primacial e essencial a obtenção de emprego ou o exercício de uma atividade profissional, e tem como subsequente desígnio garantir uma prestação de atividade profissional que permita assegurar meios de subsistência necessários à efetivação da dignidade da pessoa humana. Portanto, sendo detentor de uma liberdade de trabalho, o trabalhador está capacitado a desvincular-se de forma livre (mas de acordo com o regime legal), demonstrando assim não ser escravo da vontade da sua entidade empregadora e do seu direito à liberdade de iniciativa e organização empresarial. Mas mais do que isso: o trabalhador está apto a escolher livremente quem pretende que seja a sua entidade patronal, tendo como influência fatores como condições de trabalho oferecidas, modalidade de contrato de trabalho, entre outras. Realmente, “a protecção mais

segura e eficaz para a maioria dos trabalhadores é a existência de muitos patrões”,

pois só assim usufruirão da necessária proteção28.

De facto, somos forçados a considerar o direito ao trabalho como detentor de um carácter instrumental em relação ao direito de liberdade de trabalho29. Não porque deriva deste, mas antes porque presta um auxílio preponderante à sua efetividade.

Sumarizando, face ao supra exposto, é inolvidável que a liberdade de trabalho constitui o princípio fundamental da ordem jurídica laboral30.

III. O Contrato de Trabalho Desportivo e a sua especificidade em

confronto com o Contrato de Trabalho Comum

A generalidade dos contratos de trabalho é regulada por uma legislação comum: o Código do Trabalho. Porém, face à especificidade de algumas relações

28

MILTON FRIEDMAN E ROSE FRIEDMAN, Liberdade para escolher, Europa América, Mem Martins, 2.ª Ed., 1980, p. 319.

29

JOÃO PACHECO DE AMORIM, cit. p. 686, não concorda com uma instrumentalidade, nem tão pouco com uma derivação. Defende antes que o direito ao trabalho e o direito à liberdade de trabalho constituem duas vias alternativas para alcançar o mesmo fim: a digna subsistência das pessoas.

30

(12)

12 laborais, surgiram regimes próprios de contratos de trabalho. Fala-se a esse respeito contratos de trabalho com regime especial31.

O Direito do Trabalho nasceu e foi construído a partir de um modelo típico de prestação de trabalho32. Porém, nem toda a atividade que pode ser prestada no quadro de um contrato de trabalho se ajusta ao modelo de prestação laboral comum. De certo modo, fruto da diversidade das situações às quais a lei laboral se aplica, a lei geral torna-se incongruente com a tipologia de várias relações laborais, o que faria com que a sua aplicação a estas originasse um “desvirtuamento da própria relação e

do sentido que as partes lhe pretendem imprimir”33.

Assim, de forma a solucionar esta possível incongruência, o legislador acaba por definir regimes especiais, que se aplicam a contratos de trabalho específicos, contemplando-os inclusive no art. 9.º CT que dispõe que “ao contrato de trabalho com

regime especial aplicam-se as regras deste Código que sejam compatíveis com a sua especificidade”. Eis o caráter subsidiário do CT na regulação normativa das relações

especiais de trabalho (e vincado no art. 3.º da Lei 28/98).

Neste sentido, e atendendo à necessidade premente de adaptar as normas jurídico-laborais a uma relação tão distinta como a relação laboral desportiva,34 surgiu o Contrato de Trabalho Desportivo35/36/37.

31

Como bem sublinha LEAL AMADO, Contrato de Trabalho Desportivo - Anotado, Coimbra Editora, Coimbra, 1995, p.13: "não existe (...) um numerus clausus de actividades laborais".

32

LOBO XAVIER, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, Lisboa, 2011, p. 356.

33

NUNES DE CARVALHO, “O pluralismo do direito do trabalho”, III Congresso Nacional de Direito do Trabalho: memórias, coord. António Moreira, Almedina, Coimbra, 2011, p. 282.

34

Como afirma RUBIO SÁNCHEZ, El contrato de trabajo de los deportistas profesionales, Editorial Dykinson, Madrid, 2002, pp. 36-37: “Derecho laboral del deporte, entendido como un conjunto de normas carentes de autonomia propia que regulan los aspectos laborales derivados de la actividade deportiva de carácter profesional”.

35

Por certo, foi através da aquisição do rótulo de atividade económica pelo desporto, que a relação entre o praticante desportivo e a sua entidade empregadora foi assumindo a natureza de uma efetiva relação laboral. Cfr. LÚCIO CORREIA, Limitações à Liberdade Contratual do Praticante Desportivo, Livraria Petrony, Lisboa, 2008, p. 40.

36

Como refere LEAL AMADO, Vinculação versus liberdade - O processo de constituição e extinção da relação laboral do praticante desportivo, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, p. 65, a "afirmação do carácter laboral da sua relação [desportiva] foi invariavelmente acompanhada (...) da proclamação da sua natureza especial".

(13)

13 O CTD possui regulamentação legal própria desde 18/11/1995, quando através do DL n.º 305/95 foi aprovado o seu regime jurídico. Mais tarde, já após o maturar deste novo regime autónomo, foi estabelecido e assente no nosso ordenamento jurídico um novo RJCTD pela Lei n.º 28/98 de 26/0638/39.

Mas quais são as diferenças entre o contrato de trabalho de comum e o CTD que justifiquem a implementação de um regime jurídico especial e autónomo para o segundo?

O contrato de trabalho é definido, à luz do art. 11.º CT ─ que corresponde, com pequenas diferenças ao disposto no art. 1152.º CC ─ como "aquele pelo qual uma

pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas". Trata-se, pois,

de um contrato que engloba a prestação de um facto positivo40, assente numa atuação livre do trabalhador, isto é, num ato voluntário praticado pela liberdade de escolha de um individuo livre per si41.

Sintetizando, é por regra um contrato consensual, cuja celebração não necessita da observância de requisitos formais, salvo algumas exceções. Esta liberdade de forma tende a assumir as "vantagens de celeridade e maleabilidade no

estabelecimento das relações de trabalho".42 É um contrato intuitus personae43 e sinalagmático, do qual ressurgem obrigações para ambas as partes, devendo as mesmas ser reciprocamente cumpridas. Não obstante a prestação de trabalho ser

37

Já dizia MORAES ROCHA, "Sobre a autonomia do Direito do Desporto" in Sub Judice, n.º8, Janeiro/Março, 1994, p. 8, que a especificidade do desporto reclamava por uma "regulamentação jurídica suis generis" face à "multiplicidade de questões colocadas pela atividade desportiva" de difícil solução.

38

A qual foi entretanto alterada pela Lei n.º 114/99 de 3/08.

39

Não se olvide que os destinatários principais deste diploma legal são futebolistas, devido a serem a classe onde a profissionalização é mais marcante no nosso país. Portanto, serão eles os sujeitos-foco da presente dissertação.

40

ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, Coimbra, 4.ª Ed., 2014, p. 21, e ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 7.ª edição, 2015, p. 32.

41

ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Ibidem, p. 22.

42

MONTEIRO FERNANDES,Direito... cit., p.146.

43

A prestação de trabalho tem um caráter nitidamente pessoal. Cfr. JÚLIO GOMES, Direito do Trabalho – Relações Individuais de Trabalho, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 86.

(14)

14 uma atividade livre e onerosa44, é também uma atividade onde o prestador se encontra subjugado ao domínio do empregador.45 De facto, tem de existir a prática de uma atividade subordinada à autoridade e direção de outrem, ou não poderia esta ser regulada pelo DT, nem o vínculo jurídico entre as partes podia ser configurada como contrato de trabalho46/47.

Contrapondo o contrato de trabalho comum com o CTD, saltam imediatamente à vista várias particularidades do segundo que o distinguem, e afastam, do primeiro. Iremos ocupar-nos apenas das mais pertinentes ao nosso estudo.

"O contrato de trabalho desportivo [é] aquele pelo qual o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar atividade desportiva a uma pessoa singular ou coletiva que promova ou participe em atividades desportivas, sob autoridade e direção desta" (art. 2.º/a) Lei 28/98).

São praticantes desportivos profissionais48 aqueles cuja profissão é a prática de uma modalidade desportiva, sendo a sua atividade profissional regulada por um contrato de trabalho desportivo49. O art. 2.º/b) é assertivo, sublinhando que a qualidade de praticante desportivo profissional depende inteiramente da celebração de um

CTD50/51/52. É a partir deste momento que o desportista se converte num profissional

44

Pode dizer-se, e bem, que a exigência de retribuição torna evidente a liberdade do prestador, permitindo tornar "equivalentes as posições das partes no vínculo laboral". Cfr. ROSÁRIO PALMA RAMALHO, ibidem, p. 24.

45

ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Ibidem, p. 27.

46

ROMANO MARTINEZ, Idem.

47

A atividade desenvolvida pelo prestador não pode ser meramente lúdica, carecendo de ter um escopo produtivo alcançado através de sacrifício. Pois, "tudo o que é feito sem esforço não caberia na noção de direito do trabalho". Cfr. ROMANO MARTINEZ, Ibidem, p. 34.

48

É entendimento pacífico que o praticante desportivo profissional pode ser um trabalhador por conta de outrem. Cfr. LEAL AMADO, Vinculação... cit., p. 31.

49

Não falta quem o apelide de "trabalhador sui generis", face às suas especificidades face ao trabalhador comum cfr. LEAL AMADO, "Aspectos Gerais do Trabalho Desportivo em Portugal", Direito do Trabalho e Desporto, Leonardo Andreotti de Oliveira (coord.), Quartier Latin, São Paulo, Brasil, 2014,p. 410. e LÚCIO CORREIA, "Algumas reflexões sobre o caso Bueno/Rodriguez – um caso de “rebeldia” à liberdade de trabalho do praticante desportivo", Minerva – Revista de Estudos Laborais, ano VI (2007), n.º 10, Almedina, p.80, entre outros.

50

Não obstante a lei estipular a celebração de contrato de trabalho como requisito principal para um praticante desportivo revestir a natureza de profissional, há quem não entenda que o praticante que exerce a atividade desportiva a título secundário, sem fazer desta meio de vida, é simplesmente considerado um praticantes desportivo semiprofissional ou equiparado, apesar de outorgar o contrato de trabalho desportivo. Cfr. LEAL AMADO, Contrato... Cit., p. 18.

(15)

15 do desporto, fazendo da sua prática o seu modo de vida, a sua fonte de subsistência53. Ao mesmo tempo, concede-nos uma noção strictu sensu de praticante desportivo profissional, sublinhando que a atividade tem de ser exclusiva ou principal, na medida em que é essencial para a subsistência económica do trabalhador/praticante desportivo dado a retribuição auferida ser o seu meio de sustento54.

Em sentido diverso LÚCIO CORREIA defende que nada impede o praticante

desportivo de exercer uma outra atividade laboral a tempo parcial, desde que o seu exercício não comprometa a observância dos seus deveres laborais e a execução da atividade laboral desportiva55. No mesmo sentido caminha RUBIO SANCHÉZ afirmando que a atribuição da categoria de desportista profissional apenas a quem faça do desporto o fundamental meio de subsistência carece de fundamento.56 Mas como bem denota LEAL AMADO, para o legislador o relevante não é a atividade ser prestada a título exclusivo, mas sim se foi celebrado um efetivo contrato de trabalho desportivo e se o praticante/trabalhador aufere a retribuição devida e se subordina juridicamente à entidade empregadora57.

É um contrato formal, necessitando de ser reduzido a escrito e assinado por ambas as partes (art. 4.º), o que evidencia um claro desvio ao princípio da liberdade de forma do regime geral do contrato de trabalho.58 O contrato deve conter várias menções obrigatórias, entre as quais o seu termo de vigência. Contudo, caso não seja observada a sua forma legal, a consequência não é a sua transformação em contrato

51

Na prática acaba por não ser assim, pois um praticante desportivo profissional pode exercer a sua atividade sem outorgar qualquer contrato de trabalho desportivo, mas através de outra tipologia contratual, como um contrato de prestação de serviços. Cfr. LEAL AMADO, Ibidem, p. 19.

52

LÚCIO CORREIA, "O praticante desportivo profissional e o empresário desportivo na Nova Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto", Minerva – Revista de Estudos Laborais, ano VI (2007), n.º 10, Almedina, pp. 57-58, critica veementemente que a qualidade de praticante desportivo apenas resulte da celebração de um contrato desportivo. Não deixa de ter razão, pois persistem outros requisitos que têm observados para que um trabalhador seja considerado praticante desportivo profissional.

53

RUBIO SÁNCHEZ, El... cit., p. 37.

54

LEAL AMADO, Ibidem, p. 18.

55

LÚCIO CORREIA, Limitações... cit., pp. 55-56.

56

RUBIO SANCHÉZ, "La relación laboral especial de los deportistas profesionales", El Contrato de Trabajo, Vol II. Relaciones Laborales Especiales Y Contratos con Particularidades, Aranzdi, 2011, pp. 228.

57

LEAL AMADO, Vinculação... cit., p. 50.

58

RUBIO SÁNCHEZ, El... cit., p. 152 afirma, e bem, que a exigência de forma escrita em apenas efeito probatório e não efeito constitutivo.

(16)

16 por tempo indeterminado, à semelhança do regime geral. A consequência é apenas a invalidade do próprio contrato de trabalho desportivo59.

Por outro lado, fator relevante é o facto de ser patente na relação laboral desportiva uma subordinação exaustiva do praticante desportivo face à sua entidade empregadora, manifestada por uma ininterrupta heterodisponibilidade,60/61 o que põe mesmo em causa os limites de duração do período de trabalho (art. 15.º)62.

Analisando o regime da cessação de contrato de trabalho desportivo, é instantaneamente percetível que o trabalhador/praticante desportivo não dispõe da prerrogativa de denúncia do seu contrato com aviso prévio. Como afirma ANDRÉ DINIS DE CARVALHO, "nega-se (...) o direito à livre desvinculação, pelo que deverá [o

praticante desportivo] respeitar o período contratual estipulado"63.

Assim, o contrato de trabalho desportivo só poderá cessar por caducidade, despedimento com justa causa, rescisão com justa causa por iniciativa do praticante desportivo, rescisão por qualquer das partes durante o período experimental, despedimento coletivo, abandono do trabalho e, finalmente, por acordo de revogação das partes.64

Efetivamente o contrato de trabalho desportivo é celebrado a termo resolutivo certo, sendo esta a "única categoria admitida na relação laboral do praticante

59

LEAL AMADO, Contrato... Cit., p. 30, guarnecendo-se do art. 220.º CC.

60

LEAL AMADO, Contrato... Cit., p.13.

61

Completa ainda LEAL AMADO, "Aspectos..." Cit., p. 409, salientando que tal se deve "ao ininterrupto e (...) infernal ciclo que a caracteriza (preparação-competição-recuperação)". Veja-se que a sujeição ao poder de direcção e autoridade do seu empregador por parte praticante vai até ao mínimo detalhe. Ele está continuamente sujeito a ordens e instruções dos treinadores, dos responsáveis da equipa, e está permanentemente sob a égide de um regulamento interno bastante restritivo da sua actuação, controlando os horários e métodos de treino, as concentrações e estágios, os dias de descanso, a própria indumentária, as aparições em público, a liberdade de expressão, a alimentação, etc. Cfr. RUBIO SÁNCHEZ, El... cit., p. 78.

62

LEAL AMADO, Contrato... Cit., p. 56, fala mesmo em "overdose" tal a flexibilidade na regulamentação de algumas questões relacionadas com a relação laboral desportiva.

63

DINIS DE CARVALHO, "Breves considerações sobre o contrato de trabalho desportivo", Direito do Trabalho + Crise = Crise do DIreito do Trabalho?, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, p. 92.

64

Atente-se que este, a par da caducidade, é a forma de cessação mais usual. Ou não fosse utilizado na maioria das vezes em que se dá uma transferência de um praticante desportivo para outra entidade empregadora desportiva.

(17)

17

desportivo".65 Portanto, não carece da observância de exigências para a sua admissibilidade como necessita o contrato de trabalho comum. Todavia, o termo de vigência é menção obrigatória do contrato de trabalho desportivo. A falta de indicação origina que o contrato se considere celebrado por uma época desportiva (art. 8.º), sendo que, em caso de violação do limite mínimo (1 época66) e máximo (8 épocas)67 da sua vigência, o mesmo vê ser-lhe aplicados estes limites.

Procura-se justificar o caráter temporário atribuído ao contrato de trabalho desportivo pela aposição de um termo resolutivo, pelo facto de o trabalhador desportivo exercer uma atividade efémera, transitória, e promotora de um desgaste precipitado, ao contrário do que sucede com a atividade exercida pelo trabalhador comum.68 É a própria natureza da profissão, face às exigências que a competição profissional promove, que obriga o praticante a abdicar do exercício da sua atividade laboral de forma tão prematura.69

Como explicita RUBIO SANCHÉZ: "esta natureza especial de la relación laboral

examinada, deriva de la pecularidad del trabajo del deportista profesional, basado en el ejercicio de sus facultades físicas, de sus reflejos, y de su inteligente habilidad, por lo que es una actividad que únicamente se puede desarrolar durante muy pocos anõs y declina cuando el deportista, por su edad, aún está en plenitud física y mental para otros trabajos distintos de la práctica del deporte profesional".70

65

LEAL AMADO, Vinculação... cit., p. 99, MENDES BAPTISTA, Estudos sobre o Contrato de Trabalho Desportivo, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 17.

66

Uma época desportiva corresponde a um período de tempo nunca superior a 12 meses, durante o qual decorre a atividade desportiva.

67

A este propósito é opinião reiterada na doutrina que esta duração máxima do contrato é excessiva, servindo como compressor da liberdade de desvinculação contratual por parte do praticante desportivo. Vd. DINIS DE CARVALHO, Ibidem, p. 92, LEAL AMADO, Vinculação... cit., p. 114, MENDES BAPTISTA, Ibidem, p. 22.

68

LEAL AMADO, Ibidem, p. 103.

69

GONZÁLEZ DEL RÍO, "El contrato del deportista en Portugal", Civitas - Revista Española de Derecho del Trabajo, n.º 116, Madrid, 2003, pp. 227, identifica como justificação desta temporalidade a necessidade do desportista possuir em permanência uma excelente forma física para que possa exercer em conformidade a sua actividade profissional, o que lhe retira tempo de vida laboral ativa.

70

(18)

18 Mas tal não é justificação suficiente. É certo que este termo é apelidado de

termo estabilizador,71 pois o seu escopo primordial é estabilizar o vínculo contratual entre as partes.

A relação laboral desportiva é marcada pela mobilidade dos praticantes desportivos, portanto a aposição de um termo de vigência ao contrato vem fomentar uma estabilidade contratual tendente ao equilíbrio e boa organização das competições desportivas.72 Caso o contrato de trabalho desportivo fosse celebrado por tempo indeterminado, o praticante desportivo teria ao seu dispor a faculdade de denunciar o contrato de forma intemporal e imotivada. O que, a acontecer, suscitaria uma desordem tal no mercado de trabalho desportivo que a concorrência entre as entidades empregadoras seria de todo impetuosa e sanguinária.

Como afere LEAL AMADO "se um contrato de trabalho desportivo é um contrato

a termo, tal não se deve (...) a qualquer necessidade de reforçar a proteção dos interesses dos praticantes desportivos"73, mas antes à premência de restringir a concorrência no que refere à contratação de praticantes desportivos, disciplinando-a.74

Portanto, visando uma estabilidade do vínculo contratual apenas se estará a proteger a entidade patronal (o clube) e não o praticante desportivo/trabalhador, visto ser garantido à primeira uma segurança na manutenção do praticante nos seus quadros,75 em detrimento da liberdade do praticante desportivo.

Bem descreve BAPTISTA COELHO, sustentando que enquanto no âmbito da relação laboral comum se visa obter a segurança no emprego do trabalhador, no âmbito da relação laboral desportiva favorece-se a “liberdade contratual, ainda que

temperada com estabilidade mínima, cujo beneficiário acaba por ser (…) a própria entidade empregadora”76.

71

LEAL AMADO, Vinculação... cit., p. 109, e LÚCIO CORREIA, Limitações... cit., p.45.

72

MENDES BAPTISTA, Ibidem, p. 17.

73

LEAL AMADO, Vinculação... cit., p. 108.

74

LEAL AMADO, Ibidem, p. 111.

75

É o reflexo do "princípio favor clubis", como é apelidado por MENDES BAPTISTA, Ibidem, p. 40.

76

BAPTISTA COELHO, "O contrato de trabalho desportivo", O Desporto que os Tribunais praticam", Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pp.260-261.

(19)

19 RUBIO SANCHÉZ77 justifica a qualificação do contrato de trabalho desportivo como contrato especial de trabalho pelas específicas aptidões que o praticante possui, as quais são reiteradamente alimentadas através de uma preparação muito própria. É o exercício destas aptidões que faz com que a sua atividade profissional se consubstancie num espetáculo, que necessita dos adeptos e dos fãs e por inerência carece da sua aceitação. Ademais, a prática desportiva é uma atividade na qual o praticante desportivo dispõe de uma reduzida vida laboral ativa quando comparado com o trabalhador comum, devido ao seu desgaste rápido provocado pela exigência subjacente à prática da atividade desportiva.

Sendo estes os principais motivos para a existência de um regime jurídico tão próprio e especialmente direcionado aos praticantes desportivos78, o contrato de trabalho desportivo procura assim preencher as lacunas despertadas pela especificidade desta relação laboral no regime geral do contrato de trabalho, pois é por demais evidente a necessidade de um regime normativo capaz de suprir essas lacunas, tais são as "indagações e as perplexidades do mundo do trabalho

desportivo"79.

Mas não se olvide que o "o regime jurídico deverá (...) adequar-se aos fins de

ambos os ordenamentos, buscando a melhor combinação possível entre a tutela do trabalho e a tutela do jogo, entre a promoção dos interesses do trabalhador e a preservação do interesse da competição, entre a protecção da pessoa do factor produtivo/praticante desportivo e a salvaguarda da qualidade do produto/espectáculo desportivo".80

77

RUBIO SÁNCHEZ, El... cit., pp. 61-62.

78

Não se omita que existem outras evidências que refletem a especificidade da relação laboral desportiva, como a intervenção do empresário desportivo, p.ex., entre outras.

79

DINIS DE CARVALHO, Ibidem, p. 85.

80

(20)

20

IV. Limitações da Liberdade de Trabalho dos Desportistas

Profissionais

a) Breve referência à diversa tipologia de meios limitativos

Conforme exposto supra, é inequívoco que um trabalhador, seja qual for a natureza do seu vínculo laboral, é detentor do direito constitucionalmente protegido de escolher livremente a sua profissão ou o género de trabalho, devendo ser-lhe assegurada uma liberdade de escolha e de exercício da sua atividade profissional, de modo a que o acesso à mesma não seja limitado ou até mesmo vedado.

Neste sentido, percebe-se que o próprio CT, art. 136.º/1, disponha que “é nula

a cláusula de contrato de trabalho ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que, por qualquer forma, possa prejudicar o exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato”.

Paralelamente, a legislação desportivo-laboral, em concreto a Lei n.º 28/98, não se alheia de conceder à liberdade de trabalho dos praticantes desportivos a devida proteção, pelo que consagra um artigo (art.18.º) por inteiro dedicado à liberdade de trabalho e à sua limitação em consonância com o CT.

Existem, porém, diversos instrumentos jurídico-laborais utilizados com regularidade no mundo do desporto profissional, com o fito de limitar e condicionar a liberdade de trabalho do atleta/trabalhador, tais como, cláusulas de rescisão81, pactos de opção82, cláusulas de preferência83 e, sendo as que relevam para o nosso estudo, as cláusulas de não concorrência84/85/86.

81

Estas cláusulas são, quiçá, os instrumentos mais utilizados na relação laboral desportiva, tendo como grande vicissitude conceder ao trabalhador a possibilidade de cessar o contrato cumprindo as obrigações clausuradas. Contudo, não podemos olvidar que também tem o reverso da moeda, permitindo ao clube manter o jogador até que, para ver o contrato cessado, cubra o valor inserto na cláusula. Sobre esta matéria LEAL AMADO, "Ainda sobre as cláusulas de opção e de rescisão no contrato de trabalho desportivo", TL 2, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 153 e ss. LÚCIO CORREIA, "Contributo para o Estudo da Cláusula Penal/Cláusula de Rescisão no Contrato de Trabalho Desportivo", Minerva - REL n.º8, Almedina, Coimbra, 2006, pp.45 e ss, entre outros.

82

Neste âmbito veja-se LEAL AMADO, "Ainda sobre..." cit., pp. 153 ss, LÚCIO CORREIA, Limitações à Liberdade... cit., pp. 163 e ss, e MENDES BAPTISTA, Ibidem, pp. 15 e ss.

(21)

21

b) Cláusulas de não concorrência breves – breves considerações e

pressupostos: regime geral

É certo que a liberdade de trabalho é um direito fundamental, mas é o próprio normativo constitucional87 que consagra a possibilidade de serem efetuadas limitações ou restrições a este direito, desde que estas sejam "impostas pelo interesse coletivo

ou inerentes à (sua [do trabalhador visado]) própria capacidade" do trabalhador

visado.

Assim, em situações de notória excecionalidade, e observados certos requisitos – cuja exigência espelha o compromisso, afinal, entre a liberdade contratual e a tutela dos bens que o seu produto pode comprimir –, podem as partes prever, por acordo, uma distinta obrigação de não concorrência, cujos efeitos jurídicos vêm a

83

Atente-se, a título de exemplo, LÚCIO CORREIA, Limitações à Liberdade... cit., pp. 205 e ss, e ALBINO MENDES BAPTISTA, "O pacto de preferência na relação laboral desportiva", Minerva - REL n.º9, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 21 e ss.

84

Ao longo da presente dissertação será utilizada a expressão "cláusula" e "pacto" de não concorrência indiferenciadamente.

85

Há quem diga que as "indemnizações de transferência" também consubstanciam um mecanismo limitador da liberdade de trabalho do desportista profissional. Para nós, não restam dúvidas de que o são. Cfr. LEAL AMADO E JORGE LEITE, "O novo regime do contrato de trabalho desportivo e as «indemnizações de transferência", QL, n.º 12, ,1998 pp. 228.

86

Situação díspar é aquela em que sucede uma cessão temporária do trabalhador/praticante desportivo a uma outra entidade empregadora. Poderá suscitar a dúvida se, o facto de ele ser impedido de jogar contra o clube cedente, se consubstancia numa limitação ao seu direito ao trabalho (art. 58.º CRP), designadamente na sua vertente de violação do direito do trabalhador à ocupação efetiva. Não cremos que tal se afigure como um prejuízo para o direito à ocupação efetiva do trabalhador, porquanto, como bem explicita LEAL AMADO, Vinculação... cit., p. 270: "o praticante tem o direito de treinar, mas não o de jogar, tem o direito de se preparar mas não o de competir, tem o direito de ser adestrado, mas não o de ser utilizado". Não nos alonguemos na análise desta questão, deixando uma análise mais extensa e fundamentada, quiçá, para exposições futuras. Para mais desenvolvimentos sobre esta temática vide RUBIO SÁNCHEZ, El... cit.,pp. 210 e ss, p. 274, e pp. 318 e ss. PEREIRA SEIXAS, "Ocupação efectiva e trabalhador desportivo", RDES Ano XLV n.º 1-3, Jan-Set 2004; ALBINO MENDES BAPTISTA,"Estudos... Cit", pp. 95 ss.

87

(22)

22 produzir-se após a cessação do contrato de trabalho que liga ambos os sujeitos jurídico-laborais88.

Na realidade, ao longo da execução do contrato de trabalho, o trabalhador vê-se na obrigação de manter e fomentar um dever de lealdade para com a sua entidade patronal (art. 128.º/1/f)), devendo, para este efeito, abstrair-se de negociar por conta própria ou alheia em regime de concorrência com o seu empregador, além de estar restringido de divulgar informações atinentes à organização, métodos de produção ou qualquer aspeto relacionado com os negócios que possa ferir, de alguma forma, os interesses da sua entidade empregadora.89 De facto, este assume-se como um dever de non facere decorrente da lei.

Contudo, findo o contrato de trabalho, estará o trabalhador livre do dever de não concorrência, emergente do dever de lealdade, para com o antigo empregador, recuperando a sua "autonomia concorrencial"90.

Ora, a celebração de um pacto de não concorrência visa acautelar os interesses da entidade patronal, daí resultando uma manutenção do cumprimento da obrigação de não exercer uma atividade laboral em concorrência suscetível de lhe causar prejuízos após a cessação do contrato de trabalho.91 Podemos defini-lo como o

88

Não necessita de ser no contrato de trabalho propriamente dito. Pode ser num acordo anexo e independente do contrato de trabalho.

89

É um dever (entre outros) a cujo cumprimento está o trabalhador adstrito pois, não obstante poderem ser considerados deveres acessórios da relação laboral, são essenciais para a sua subsistência. cfr CANAS DA SILVA, "O pacto de não concorrência", RDES, Lisboa, Ano XXXXV (XVIII da 2.ª série), Outubro-Dezembro, n.º 4, 2004, p. 283.

90

A qual é, como bem sublinha CANAS DA SILVA, Idem, fruto da sua liberdade de escolha e exercício de profissão. Por seu turno, IRENE GOMES, "Questões a propósito dos requisitos exigidos para a lícita constituição da cláusula de não concorrência no âmbito do contrato de trabalho", QL, n.º 42, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 241, observa a liberdade do trabalhador exercer qualquer atividade como um corolário da liberdade de trabalho, do direito ao trabalho e, parcialmente, da liberdade de estabelecimento.

91

Há quem entenda que persiste uma eficácia pós-contratual do dever de lealdade (e do dever de não concorrência que deriva deste), mantendo-se assim o trabalhador adstrito à sua observância mesmo após a cessação do seu contrato de trabalho. Cfr. SOFIA SOUSA, Obrigação de não concorrência com efeitos post contractum finitum, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2012, pp. 24-25, LOBO XAVIER, Manual... Cit., p. 413, ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho – Parte II... cit., pp. 1036-1037. Em sentido oposto, JÚLIO GOMES, Direito...Cit., p.609, que salienta que o dever de lealdade se extingue com a cessação do contrato de trabalho. Partilhámos este último entendimento, pois é nossa convicção que o

(23)

23 meio que uma entidade patronal tem à sua disposição para proteger os seus interesses, evitando que o trabalhador venha a transpor para uma empresa concorrente informações empresariais sigilosas, conhecimentos e outros recursos, e a própria clientela. É igualmente um instrumento jurídico que o empregador tem à sua disposição para evitar que toda a formação, conhecimentos e meios investidos pelo empregador para o desenvolvimento das qualificações profissionais do trabalhador não sejam em vão, e tão pouco sejam utilizadas contra quem as suportou92/93.

Indubitavelmente, ao longo de toda a relação laboral, o trabalhador absorve uma panóplia de conhecimentos sobre a atividade desenvolvida pelo seu empregador, cuja divulgação ou aplicação pelo trabalhador, em nome próprio ou ao serviço de outro empregador, pode criar situações potencialmente lesivas para o antigo empregador, criando um perigo real de desvio de clientela. Logo, torna-se necessário acautelar os efeitos nefastos que o exercício pelo trabalhador de uma atividade concorrencial à sua antiga entidade patronal tende a provocar na esfera dos interesses desta.94

Conforme referido, a licitude de qualquer cláusula ou pacto desta índole encontra-se, porém, subordinada à observância cumulativa de alguns requisitos.95/96

dever de lealdade comporta uma impossibilidade liminar de concorrência com o empregador. Ora, como explanaremos infra, o trabalhador poderá exercer uma atividade em concorrência com o seu antigo empregador. O que não poderá suceder é esta concorrência espoletar graves prejuízos na esfera do seu antigo empregador, forçando assim a que o direito à liberdade de trabalho do trabalhador seja alvo de uma restrição.

92

MONTEIRO FERNANDES,Direito... cit., p.536 e MENEZES CORDEIRO, "Concorrência laboral e justa causa de despedimento – Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Março de 1985", ROA, Ordem dos Advogados Vol. II, Lisboa, 1986, p. 504.

93

MORENO DE TORO, "El pacto de abstención postcontractual de la actividad competitiva", Civitas - Revista Española de Derecho del Trabajo, n.º 68, Madrid, 1994, p. 887, indica que o "dever de fidelidade" do trabalhador provém das regras e boa-fé contratual.

94

E acautela-se, conforme CANAS DA SILVA, Ibidem, p. 285, afirma, através de um meio bastante expedito de a entidade empregadora "neutralizar a liberdade de trabalho e iniciativa económica de concorrência do ex-trabalhador". Acaba assim por se evidenciar uma clara subordinação da liberdade do trabalhador à liberdade económica e empresarial da sua entidade empregadora.

95

ESTEVÃO MALLET, "Cláusula de não concorrência em contrato individual de trabalho", in RDES, Ano XLVII, XX da 2.ª série, 2006, p. 244., indica que para a cláusula de não concorrência ser legítima é necessário atender: à natureza da atividade profissional desempenhada pelo trabalhador; ao conhecimento que devido ao seu exercício vai adquirindo, e o uso que pós-contratualmente pode fazer do conhecimento obtido.

(24)

24 Em primeira instância, qualquer limitação à liberdade de trabalho do trabalhador em fase posterior à cessação do vínculo laboral tem de resultar de um acordo escrito, seja no próprio contrato de trabalho, em aditamento a este, em acordo autónomo, ou em acordo de revogação do mesmo.97/98/99

Só assim é possível atingir uma segurança jurídica capaz de assegurar a devida proteção tanto ao trabalhador como ao empregador, permitindo ainda, desse modo, que o trabalhador se consciencialize das obrigações que irão impender sobre si,100 ao mesmo tempo que delimita o próprio âmbito de aplicação do pacto de não concorrência.

Evidentemente que estamos perante uma aparente autonomia contratual das partes, na outorga destas cláusulas. De certa forma o trabalhador encontra-se pressionado a aceitar a sua inclusão no seu contrato de trabalho devido ao limitado poder negocial que detém. Como bem denota JÚLIO GOMES, uma eventual recusa de outorga destas cláusulas "daria ao seu empregador, logo à partida, a impressão de

não pretender cumprir o contrato de acordo com a boa-fé e com a necessária seriedade".101

Concomitantemente, é necessário que a atividade profissional que o trabalhador venha a exercer após a cessação do contrato de trabalho seja passível de espoletar prejuízos à sua antiga entidade empregadora,102 causando-lhe danos de forma clara e direta, designadamente em termos de clientela, volume de negócios ou a

96 Iremos proceder a uma análise tão profícua quanto as limitações da extensão da presente o

permitirem. De facto muito ficará por dizer, mas cremos que o relevante para questão ora levantada será analisado.

97

É, portanto, notório que a mesma não pode ser estipulada por instrumento de regulamentação coletiva ou através de usos laborais, por força do carácter coletivo do primeiro, e da incerteza jurídico-social imanente dos segundos. Cfr. JÚLIO GOMES, Direito...Cit., p.614.

98

É uma formalidade ad substatiam, logo essencial para a licitude do pacto de não concorrência.

99 ZENHA MARTINS, "Os pactos de não concorrência no Código do Trabalho", RDES, Ano XLVII, n.ºˢ

3-4, Lisboa, 2006, p. 296, apelida-o de "pacto acessório ao contrato de trabalho". Por sua vez MORENO DE TORO, Ibidem, pp. 844. encara-o como um contrato paralelo ao contrato de trabalho.

100

JÚLIO GOMES, "Algumas... Cit., p. 85.

101

JÚLIO GOMES, Direito...Cit., p. 608. Com o mesmo entendimento CANAS DA SILVA, Ibidem,p. 291 e SOFIA SOUSA, Ibidem, p. 55.

102

Não se trata de uns prejuízos quaisquer, mas como bem os apelida JÚLIO GOMES, Ibidem., p. 85, trata-se de "um prejuízo especial".

(25)

25 outros objetivos económicos.103 Entenda-se que o trabalhador deve ter ocupado uma posição privilegiada no seio da antiga entidade patronal,104 que lhe permitiu ter acesso a informação relativa à clientela, fornecedores ou técnicas comerciais e, consequentemente, que o exercício de atividade laboral a favor de outra entidade concorrente, ou mesmo a título independente em regime concorrencial, possa desencadear danos ou prejuízos sérios na esfera da anterior entidade patronal.105/106

Em suma, uma cláusula de não concorrência só é legalmente aceite caso vise a restrição do exercício de uma atividade profissional, não apenas meramente concorrencial, mas cuja prática é suscetível de lesar o seu antigo empregador por constituir uma concorrência diferencial.107 Esta mais não é do que uma concorrência cuja especificidade assenta no facto de o trabalhador estar apto a concorrer direta ou indiretamente com o seu anterior empregador, por força de da atividade profissional que exerceu às ordens deste, obtendo daí a devida vantagem e promovendo o inerente prejuízo para a sua antiga entidade patronal.108

JÚLIO GOMES serve-se de três indícios capazes de evidenciar um manifesto perigo de concorrência diferencial: o trabalhador ter mantido um estreito contacto com

103

MONTEIRO FERNANDES,Direito... cit., p.536

104

GÓMEZ ABBELEIRA, "Pactos de no concurrencia y de permanencia (en torno de los artículos 5.d) y 21)", Civitas - Revista Española de Derecho del Trabajo, n.º 100, Madrid, 2000, p.280, justifica-o pelo "plus de confianza" que é atribuído a estes trabalhadores, o qual lhes permite alcançar um lugar na empresa que lhe concede a capacidade de influir substancialmente nas decisões da empresa.

105

É crível que a lei não pretende oprimir qualquer atividade concorrente. Apenas afasta uma actividade em concorrência que espolete prejuízos para a sua antiga entidade patronal. Cfr. JÚLIO GOMES, Direito...Cit., p. 610.

106

Não é necessário que os danos aconteçam, bastando uma mera presunção de prejuízo atendendo à existência de uma real concorrência. Cfr. GÓMEZ ABBELEIRA, Idem.

107

JÚLIO GOMES, Ibidem, p.611.

108

GÓMEZ ABBELEIRA, Ibidem, p. 278, argui que "la deslealdad se manifiesta objecivamente en "perjuicios" para el empresario, bien porque, precisamente por ele conflicto de intereses, el trabajador no actúe en el mejor de su empresario".

(26)

26 a clientela,109 ter possuído acesso a informações sigilosas e exclusivo da empresa, e ter adquirido know-how próprio da empresa.110/111

A par disso, importa aludir que tal limitação da liberdade de trabalho não é (nem poderia ser) ad æternum, estando a sua aplicação limitada a um período máximo de 2 anos após a cessação do contrato de trabalho, os quais podem eventualmente ser estendidos até um prazo máximo de 3 anos. Todavia, embora haja uma tendência de a entidade empregadora estender ao máximo o período em que o trabalhador fica adstrito a não concorrer, os limites não se aplicam de forma automática, carecendo de uma ponderação da sua necessidade.112

Paralelamente, não é concebível que se limite a liberdade de trabalho do trabalhador sem que a este seja atribuída uma compensação por lhe ser restringido um direito fundamental. Impõe-se, com efeito, como condição de validade de tal cláusula, que a entidade empregadora compense economicamente o trabalhador durante o período em que vigore a limitação ao exercício da sua liberdade de trabalho. Fica então patente o carácter sinalagmático e oneroso que incide sobre as cláusulas de não concorrência.113/114

Não resultando da lei patamares mínimos ou máximos para esta compensação, poderá admitir-se, à luz art. 136.º/3, a contrario, que o valor da compensação não tem obrigatoriamente de ser semelhante ao valor da retribuição auferida pelo trabalhador

109

CANAS DA SILVA, Ibidem, p. 285, defende categoricamente que é legitimo o trabalhador utilizar conhecimentos relativos a clientela e fornecedores, desde que estas não sejam informações confidenciais. JÚLIO GOMES, Idem, revela ser mais conservador, pois crê que "o contacto direto com a clientela pode significar que o trabalhador está em condições de desviar uma parte, e até uma parte significativa, dessa clientela, em detrimento do seu empregador".

110

JÚLIO GOMES, Ibidem, pp.611-612.

111

JÚLIO GOMES, "Algumas... Cit., p. 80, indica que é o empregador que tem de alegar e provar o seu interesse legítimo na inclusão da clausula de não concorrência.

112

CANAS DA SILVA, Ibidem, p. 297. Esta autora fornece um exemplo bem oportuno, concluindo na sua senda que um trabalhador, cujo contrato a termo que tenha tido uma duração de 6 meses, não poderá ser alvo de uma restrição por um período de 2 anos, sob pena de estarmos perante uma situação "manifestamente abusiva".

113

Assim, JÚLIO GOMES, "Algumas... Cit., p. 85.

114

A nossa lei não exige o pagamento da compensação de uma só vez, p. ex. no momento em que o contrato cessa, podendo ser paga em parcelas. Cfr. JÚLIO GOMES, Direito...Cit., p. 616.

(27)

27 ao longo da vigência do contrato de trabalho que cessou.115 Mas poderá, na sequência de não estar estipulado um limite mínimo, ser definida uma compensação com valor irrisório, prejudicando dessa forma o trabalhador que além de ver a sua liberdade de trabalho restringida, vê-o ser sem que seja ressarcido em paridade? Naturalmente que se atendermos ao princípio da autonomia privada podemos entender que existe uma livre quantificação pelas partes. Porém, esta não pode ser uma prerrogativa sem limites, pois a compensação tem como função primordial garantir ao trabalhador um montante capaz de prover pela sua subsistência, bem como pelas despesas que surjam, na eventualidade de ser forçado a alterar o a zona geográfica do seu local de trabalho. Caso contrário a abnegação da sua liberdade de trabalho constituiria uma privação desmesurada.116

Concluindo, o valor da compensação deve pautar-se por um valor capaz de compensar de forma justa, adequada, proporcional e suficiente o trabalhador pela perda de rendimentos derivada da restrição que a sua liberdade de trabalho sofreu.117

Qual o momento em que o valor da compensação terá de ser definido? A lei não impõe que o montante de compensação seja fixado na outorga do documento no qual se insere a cláusula de não concorrência, podendo este valor ser fixado após a cessação do contrato de trabalho. Porém, têm de ser estabelecidos e contemplados, no documento que suporte a cláusula/pacto de não concorrência, critérios objetivos que permitam, posteriormente, determinar o valor global da compensação a ser atribuída ao trabalhador.118

RITA CANAS DA SILVA é perentória em afirmar que a falta de estipulação do montante determina a nulidade do pacto, na medida em que conhecer o valor da compensação é um elemento essencial para o trabalhador outorgar o pacto, logo tal segregação seria colocar o trabalhador numa posição de aceitar uma limitação da sua

115

Com a mesma leitura, JÚLIO GOMES, Idem, e JOANA VASCONCELOS, Código do Trabalho: anotado, Almedina, Coimbra, 9.ª Ed. pp.. 352.

116

CANAS DA SILVA, Ibidem, p. 301.

117

Assim, ESTEVÃO MALLET, Ibidem, p. 253, alegando que "o importante é que não exista desequilíbrio entre as obrigações das partes", apesar de a compensação ter "de ser proporcional à restrição imposta".

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É indispensável que o montante seja determinável, sob pena de a cláusula ser considerada nula à luz do art. 280.º do CC.

(28)

28 liberdade de trabalho sem conhecer verdadeiramente a contra prestação disso mesmo.119 Estoicamente, ele aceitaria a limitação com uma "venda nos olhos".

Por último, e pese embora não estar legalmente contemplado, nem tão pouco ser abordado jurisprudencialmente, persiste um outro requisito que, segundo a doutrina maioritária, deve ser observado na celebração de um pacto de não concorrência: a limitação geográfica.120

Esta limitação geográfica refere-se à área de atuação da antiga entidade empregadora e da nova entidade empregadora do trabalhador.121 Isto é, se ambas coexistirem na mesma área geográfica, é natural que persista um evidente conflito, que necessite de ser dirimido através de um pacto de não concorrência.122 Pelo contrário, se em causa estiverem entidades empregadoras cujas áreas de atuação sejam completamente antagónicas e sem qualquer conexão entre elas, é defendido pela doutrina maioritária que não deve ser aceitável limitar a liberdade de trabalho do trabalhador, visto não ser o seu exercício suscetível de originar prejuízos ou danos para a esfera da sua antiga entidade patronal.

Portanto, um pacto de não concorrência deveria ser limitado a vigorar em situações em que o trabalhador exerça a sua atividade laboral numa empresa que atue na mesma área geográfica da sua anterior entidade empregadora, ou no limiar, cuja atividade, não se projete na área de atuação desta. Obviamente que uma análise desta índole só é passível de ser adequadamente efetuada atendendo-se às vicissitudes do caso concreto.

Num outro prisma, não podemos olvidar que o ato de receber uma compensação gera legítimas expectativas para o trabalhador, a um nível tal que, à luz do princípio da proteção da confiança, merece uma tutela jurídica adequada.

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CANAS DA SILVA, Ibidem, p. 299.

120

Assim JÚLIO GOMES, "Algumas... Cit., p. 83. Também CANAS DA SILVA, Ibidem, p. 297, que salienta que a cláusula de não concorrência deve produzir os seus efeitos de acordo numa determinada extensão territorial, a qual varia naturalmente consoante o caso concreto, ou seja, em função do âmbito de atuação espacial do empregador.

121

JOANA VASCONCELOS, Idem.

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