Denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador
Texto
(2) Denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador . . Denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador 2 .
(3) Denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador . Aos meus pais e aos meus avós, pessoas pelas quais nutro um enorme orgulho. 3 .
(4) Denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador . NOTA PRÉVIA O trabalho que ora apresento corresponde à dissertação de Mestrado em Ciências Jurídicas Forenses, elaborada durante o segundo ciclo de estudos, na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Uma vez terminado, considero ser este o momento oportuno para endereçar os meus agradecimentos àqueles que, de diferentes formas, contribuíram para que este projecto fosse possível. Correndo o ingrato risco de olvidar a referência a algumas pessoas, dirijo‐me, primeiramente, ao Professor Doutor José João Abrantes, que aceitou a tarefa de me orientar, reconhecendo‐lhe a disponibilidade e cooperação que sempre me dispensou ao longo deste percurso. Não poderei esquecer o contributo de todos os meus amigos que, de uma forma ou de outra, contribuíram positivamente para que este trabalho fosse possível. Transmito, em particular, o meu reconhecimento pelas correcções sempre oportunas feitas pela Margarida, pelo carinho e presença constantes. Termino por onde o meu coração me pedia que começasse. Pretendo, com este estudo, fazer uma sentida homenagem ao meu querido avô, José Maria da Graça, que nos deixou, inesperadamente, no passado dia de Natal. E uma palavra de eterno agradecimento aos meus pais, pela ajuda e compreensão que sempre me dispensaram ao longo do meu percurso académico. . 4 .
(5) Denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador . MODO DE CITAR As obras são citadas através da identificação do autor, título, edição (no caso de não ser a primeira ou a única), editora, local de publicação, data e páginas. Caso se trate de artigos de revistas e artigos incluídos em obras colectivas serão citados, respectivamente, da seguinte forma: nome, título, publicação, ano, número e/ou data e página(s); nome, título, obra colectiva, organizadores ou coordenadores, editora, local da publicação, data e página(s). Nas notas de rodapé, a primeira citação de todos os artigos e obras faz‐se através de indicação bibliográfica completa, sendo que, nas vezes seguintes, há apenas a referência ao autor, sendo o título substituído pela sigla op. cit. e a informação completada pela página a que se refere cada citação em concreto. Na bibliografia final, o critério de ordenação é o alfabético. São citadas todas as obras consultadas. As decisões jurisprudenciais são indicadas com a identificação do tribunal que as proferiu, da data, do número do processo, do relator e da respectiva base de dados onde se encontram. As abreviaturas e siglas utilizadas, as quais anexo em forma de lista na página seguinte, são as de uso corrente, nas diversas literaturas jurídicas da actualidade. . 5 .
(6) Denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador . SIGLAS E ABREVIATURAS AAFDL – Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa AA. VV. – Autores vários Ac. – Acórdão Act. – Actualizada al.(als.) – Alínea(s) art.(s) – artigo(s) CEJ – Centro de Estudos Judiciários cfr. – confrontar, conforme cit. apud. – Citado em CJ – Colectânea de Jurisprudência Coord. – Coordenação CRP – Constituição da República Portuguesa, de 02 de Abril de 1975 CT – Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto DL – Decreto‐Lei ed. – Edição idem, ibidem – Mesmo autor, mesma obra in. – Em LCCT – Lei da Cessação do Contrato de Trabalho – Regime Jurídico aprovado pelo Decreto‐Lei n.º 64‐A/89, de 27 de Fevereiro op. cit. – Obra citada OIT – Organização Internacional do Trabalho pág. (pp.) – Página(s) PLT – Prontuário da Legislação do Trabalho polic. – Policopiado 6 .
(7) Denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador . Proc. – Processo Prof. – Professor RC – Tribunal da Relação de Coimbra reimp. – Reimpressão rev. – Revista RL – Tribunal da Relação de Lisboa ROA – Revista da Ordem dos Advogados RP – Tribunal da Relação do Porto ss. – Seguintes STJ – Supremo Tribunal de Justiça TC – Tribunal Constitucional UCP – Universidade Católica Portuguesa vd. – Vide, veja vol. – Volume 7 .
(8) Denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador . NOTA INTRODUTÓRIA A matéria das causas de cessação do contrato de trabalho é de inegável relevância e complexidade, tanto do ponto de vista teórico como prático, até porque muitas das questões relacionadas com a situação jurídico‐laboral apenas são discutidas no momento da sua extinção. Compreende‐se que só aí o trabalhador se sinta em condições de questionar judicialmente o comportamento do empregador 1 , sendo demais evidente a importância da sua regulamentação. Ainda que estejamos cientes da relação profundamente assimétrica e inigualitária que caracteriza a relação laboral, do seu desequilíbrio estrutural, que não deve ser ignorado, a denúncia do contrato pelo trabalhador constitui uma expressão inequívoca da sua liberdade 2 . Na presente dissertação propomo‐nos analisar a denúncia do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador e o controverso instituto do abandono do trabalho. Fá‐lo‐emos através da análise de algumas decisões jurisprudenciais recentes, que colocam em causa a essência desta figura. O facto de existirem muito poucos estudos específicos e actualizados sobre estas matérias 3 e de serem figuras de frequente actuação prática e potenciadoras de conflitos constantes foram motivos bastantes para a adopção deste tema. Como afirma Monteiro Fernandes 4 , «no domínio da cessação do contrato de trabalho é particularmente notória a inquietude do vocabulário», agravada muitas 1. Atente‐se ao regime de prescrição dos créditos laborais (art.º 337º,n.º1 do CT: ”O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”) 2 Como nota Joelle Dupuy, “La démission du Salarié”, Recueil Dalloz Sirey, 1980, Chroniques, XXXVII, pág. 254, “…a demissão, ruptura por iniciativa do trabalhador, é apresentada como um sinal da sua liberdade, como uma partida de cabeça levantada sem conhecer a vergonha de um despedimento e os seus efeitos traumatizantes.” 3 Ressalvam‐se merecidas excepções, entre elas o estudo de Jorge Leite, “A extinção do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador”, Coimbra, polic.,1990 e “A figura do abandono do trabalho”, PLT, CEJ, n.º33, 1990. Ainda, Júlio Gomes, “Da rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador”, in AA. VV., V Congresso Nacional de Direito do Trabalho – Memórias, Coord. António Moreira, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 129‐166. Também, Raúl Ventura, “Extinção das relações jurídicas de trabalho”, ROA, Ano 10, 1950, n.º 1 e 2, pp. 215‐364; Pedro Furtado Martins, Cessação do contrato de trabalho, 2.ª ed., rev. e act., Principia, 2002; Pedro Romano Martinez, Da cessação do contrato, Almedina, Coimbra, 2005 e Ricardo Nascimento, Da cessação do contrato de trabalho, em especial por iniciativa do trabalhador, Coimbra editora, 2008. . 8 .
(9) Denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador . vezes pelo próprio legislador. É verdade que vários poderiam ser os termos utilizados, mas falar em cessação, extinção ou dissolução, não mais quererá dizer do que a perda do emprego para o trabalhador e a consequente extinção das obrigações para os contratantes 5 . Situamo‐nos perante um contrato de trabalho válido e eficaz em que uma das partes, motivada ou não por um fundamento superveniente, toma a iniciativa de fazer cessar os seus efeitos. A verdade é que, mais cedo ou mais tarde, a relação jurídico‐laboral acaba por se extinguir, produzindo‐se uma ruptura definitiva do vínculo contratual, nela se entrecruzando aspectos sociais, humanos e económicos de particular sensibilidade. Ocorrendo essa perda, sem ou contra a vontade do trabalhador, as suas consequências poderão ser devastadoras. Ainda que o actual contexto de flexisegurança 6 desdramatize a situação, o certo é que a lógica de uma economia volátil, imprevisível e ferozmente competitiva é incompatível com a estabilidade do emprego e com o ideal do “emprego para toda a vida”. A própria expressão «despedimento» assusta, e assusta não só o trabalhador pelas consequências dessa cessação, pois o vínculo que se mantinha ou que se tentava manter era o suporte dum estatuto económico, social e profissional, assusta também o legislador, lembre‐se a expressão deliciosa de Jean‐Jacques Dupeyroux afirmando que toda a legislação do trabalho, como um grande pião bojudo, gira à volta do bico fino e aguçado que são as normas do despedimento 7 . 4. “Causas de rescisão do contrato de trabalho pelo empregador”, in Temas Laborais, Almedina, Coimbra, 1984, pág. 100. 5 Luis Enrique de La Villa, La Extinción del Contrato de Trabajo, Junta de Estudios Económicos, Jurídicos y Sociales, Madrid, 1960, pág. 50, define cessação como “…o feito ou negócio jurídico cuja virtude exime as partes de prestar as obrigações recíprocas a que se encontravam vinculados”. 6 A flexisegurança ou flexicurity é uma ferramenta de combate ao desemprego proposta pela Comissão Europeia no Livro Verde sobre a Modernização da Legislação do Trabalho. Trata‐se de um conceito importado da Dinamarca, sendo encarada aos olhos de muitos, como a porção mágica para o gravíssimo problema do desemprego europeu. A mensagem que pretende fazer passar é a de que um mercado de trabalho mais flexível, isto é, desregulamentado ou totalmente liberalizado, funciona melhor, desde que hajam políticas activas de emprego, que facilitem e ajudem o trabalhador a mudar de emprego, bem como apoios generosos aos desempregados. 7 Cit. apud Bernardo Xavier, “A Constituição Portuguesa como fonte do direito do trabalho e os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores”, in El Trabajo y la Constitución – Estudios en homenaje al Profesor Alonso Olea, Coord. Alfredo Montoya Melgar, Academia Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales, Madrid, 2003, pág. 428. . 9 .
(10) Denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador . Os reflexos que o acto de desvinculação tem na vida do trabalhador, quaisquer que sejam os fundamentos, são mais que sabidos. É precisamente por isso que o Direito do Trabalho é particularmente sensível no que diz respeito à protecção do trabalhador e onde essa tutela se apresenta na sua plenitude é no art. 53º da CRP, que consagra o princípio constitucional da segurança no emprego. Como bem observamos, neste capítulo os interesses divergem, empregador e trabalhador reclamam para si a possibilidade de desvinculação, qualquer um deles quererá livremente, em busca dos seus interesses, pôr termo ao contrato. Contudo, as faculdades de desvinculação unilateral reconhecidas pela lei ao trabalhador subordinado são notoriamente mais amplas do que as conferidas à entidade patronal 8 . A liberdade daquele se poder desvincular é o corolário da sua liberdade de trabalho. É óbvio que não é possível sujeitar um trabalhador à prestação de trabalho por conta de outrem, contra a sua vontade. Um trabalhador pode fazer extinguir um contrato de trabalho dentro de determinados limites, este é um ponto assente tanto na lei, como na doutrina e na jurisprudência. Essa possibilidade de desvinculação acaba por ser não uma liberdade do contratante, mas uma liberdade da pessoa humana, consequência da sua própria dignidade. É certo que, por um lado, o conteúdo da relação laboral aconselha que assim seja, em virtude da própria liberdade pessoal do trabalhador, porém, há que ponderar essa liberdade que lhe é concedida com a estabilidade do vínculo e ao mesmo tempo com a flexibilidade laboral. Como bem afirma Jorge Leite, a liberdade de desvinculação «é um direito inerente ao status de trabalhador subordinado, é uma faculdade que não depende da verificação de qualquer outro pressuposto ou facto constitutivo, antes acompanha o trabalhador desde que nasce até que se extingue esta especial relação de poder» 9 . Ressalve‐se, contudo, que, ainda que se trate de uma vontade discricionária, a liberdade de desvinculação do trabalhador pode ser limitada 10 . 8. Neste sentido, Júlio Gomes, op. cit., “Da rescisão do contrato de trabalho…”, pág. 131; e Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 11.ª ed., Almedina, Coimbra, 1999, pág. 583. 9 Op. cit., A extinção do contrato de trabalho…, vol. 2, pág. 64. 10 Falamos do pacto de permanência, enquanto cláusula de limitação da liberdade de trabalho. A figura encontra‐se consagrada no art.º 137.º do CT, admitindo a licitude de cláusulas de permanência. Através desta convenção entre as partes, o trabalhador obriga‐se a não se desvincular durante determinado período de tempo não superior a três anos, como forma de compensar o empregador pelas despesas . 10 .
(11) Denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador . Quanto ao empregador, independentemente do seu poder de direcção e dos poderes que lhe são concedidos pelo direito de livre iniciativa económica privada e de liberdade de organização empresarial 11 , a possibilidade de rescindir unilateralmente o contrato sofre limitações. O que está frequentemente aqui em causa não é tanto um interesse pessoal, mas antes um interesse organizatório por parte da empresa, permitindo‐lhe deitar mão de modificações económicas e tecnológicas, de modo a aumentar a sua capacidade concorrencial. Há que ter em conta que a liberdade de empresa deve funcionar numa lógica de economia de mercado. Como escreve Pedro Romano Martinez 12 , “…a segurança no emprego, de que goza o trabalhador, está muitas vezes em colisão com o direito de propriedade privada, principalmente na sua vertente de liberdade empresarial (art.º 61.º, n.º1, da CRP)”. O problema de difícil resolução com que nos deparamos é o de reajustar a perspectiva constitucional de organização empresarial, do seu fim concorrencial, com os direitos do trabalhador. Neste sentido, já havia alertado Bernardo Xavier 13 : «Um dos grandes problemas a reequacionar é a da perspectiva constitucional sobre empresa e empresário, e da sua relação implícita, necessária, mas tão complicada com a ideia de trabalho e de trabalhador». Quanto a nós, atendendo ao desequilíbrio estrutural da relação laboral e à diferença existente entre as implicações da cessação do contrato de trabalho para o trabalhador e para o empregador, não estranhamos que seja o trabalhador a sair beneficiado quando falamos em liberdade versus estabilidade. E a ser assim, só podemos ter em linha de conta que os poderes inerentes à liberdade de organização empresarial e o direito à livre iniciativa económica privada, constitucionalmente feitas com a sua formação profissional. Apesar da terminologia adoptada não ser porventura a correcta, já que a expressão “pacto” é frequentemente utilizada para designar um negócio autónomo, somos de crer que o pacto de permanência deve ser entendido como uma cláusula do próprio contrato de trabalho, pois está intimamente ligada a este, ao seu objecto. O trabalhador obriga‐se assim a renunciar à denúncia (artigos 400.º e ss.), ficando salvaguardada a hipótese de resolução com justa causa, e ainda a hipótese de este se poder desobrigar do cumprimento daquele acordo, mediante o pagamento do montante correspondente às despesas nele referidas. 11 Ambos com acervo constitucional nos artigos 61.º, n.º1 e 80.º, al. c) da CRP, respectivamente. 12 “Trabalho e Direitos Fundamentais: compatibilização entre a segurança no emprego e a liberdade empresarial, in Estudos em homenagem ao Prof. Sérvulo Correia, vol. III, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 241 ‐ 288. 13 “A Constituição Portuguesa como fonte do direito do trabalho e os direitos fundamentais dos trabalhadores”, in Estudos em homenagem ao Prof. Manuel Alonso Olea, Coord. António Monteiro Fernandes, Almedina, Coimbra, 2004, pág. 422. . 11 .
(12) Denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador . previstos, não poderão ter a autonomia desejada, isto é, não poderão ser afirmados sem mais, estão dependentes da relação inigualitária e assimétrica que caracteriza a relação laboral trabalhador versus empregador. Como tal, não deverão nunca ser considerados sem que se sublinhe que os mesmos não assumem um carácter absoluto. Um ponto em relação a esta matéria, que carecerá de uma reflexão mais aprofundada pelas divergências provocadas na doutrina, é o problema da vinculação das entidades privadas aos direitos fundamentais 14 . Neste domínio, a nossa doutrina tem‐se dividido, daí resultando interpretações diversas da norma do art.º 18.º da CRP. Quanto a nós, inclinamo‐nos para a posição que advoga a eficácia directa e imediata dos direitos fundamentais 15 ; não faria sentido julgar de maneira diferente, fazê‐lo seria “corromper” o conteúdo do art.º 18.º da CRP. Quer queiramos quer não, os direitos fundamentais configuram um sistema de valores ao qual os poderes de carácter privado, nomeadamente, os poderes do empregador, se deverão, em regra, sujeitar. Como refere José João Abrantes 16 , esses poderes deverão estar «sujeitos à relevância dos preceitos constitucionais – só assim não acontecendo quando tal represente um prejuízo desrazoável e injustificado da área de liberdade que lhes é reconhecida, a ponto de se poder afirmar que a empresa não é mais um domínio privado dos seus titulares, em que a Constituição e os direitos fundamentais não penetrem». Compreende‐se esta posição, até por uma questão de dignidade da pessoa humana, do seu núcleo essencial, sob pena de se chegar a uma “distorção entre duas éticas diferentes” 17 ‐ duas concepções opostas de Homem ‐ uma delas válida nas relações de direito público, outra nas relações de direito privado. Numa perspectiva oposta à nossa, defendendo genericamente uma mera aplicação mediata dos direitos fundamentais através da aplicação de mecanismos . 14. Trata‐se de um ponto interessante que carece de uma reflexão aprofundada, a qual não faremos, por entendermos que não se trata do momento e contexto indicados. 15 Sustentada por José João Abrantes, A vinculação das entidades privadas aos direitos fundamentais, AAFDL, Lisboa, 1990, pág. 94; Ana Prata, A tutela constitucional da autonomia privada, Almedina, Coimbra, 1982, pág. 137 e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, 3.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pág. 147. 16 “O direito do trabalho e a Constituição”, in Direito do Trabalho – Ensaios, Edições Cosmos, Lisboa, 1995, pág. 65. 17 Idem, ibidem . 12 .
(13) Denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador . próprios de direito privado, situam‐se Menezes Cordeiro 18 , Mota Pinto 19 , Carvalho Fernandes 20 e José Lamego 21 . Como facilmente se denota, no regime jurídico da cessação do contrato de trabalho há uma tensão permanente entre dois princípios antinómicos: de um lado o princípio da liberdade de desvinculação, do outro o princípio da estabilidade do vínculo laboral. A par da liberdade de escolha de profissão, no art. 47.º da CRP, surge o art. 53.º, estabelecendo a garantia constitucional da segurança no emprego 22 , que não se restringe apenas à proibição dos despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. Visa abranger a estabilidade da relação de trabalho conferida ao trabalhador, tanto na execução como na manutenção do contrato de trabalho 23,24 , denotando um dos mais importantes desenvolvimentos do direito do trabalho pela ideia conformadora de dignidade que lhe está associada. Assim, este preceito pressupõe, nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira, «que, em princípio, a relação de trabalho é temporalmente indeterminada, só podendo ficar sujeita a prazo quando houver razões que o exijam, designadamente . 18. Tratado de Direito Civil Português I – Parte Geral, Tomo I, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, pp. 204 e ss.; Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1991, pág. 151; “A Liberdade de expressão do trabalhador”, in AA. VV., II Congresso Nacional de Direito do Trabalho – Memórias, Coord. António Moreira, Almedina, Coimbra, 1999, pág. 31. 19 Teoria Geral do Direito Civil, Vol. I, 3.ª ed., reimp., Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pp. 73 e ss.. 20 Teoria Geral do Direito Civil, Vol. I, 3.ª ed. Revista e actualizada, UCP Editora, Lisboa, 2001, pág. 32. 21 “Sociedade Aberta” e Liberdade de Consciência, AAFDL, Lisboa, 1985, pág. 102. 22 Em relação aos princípios que caracterizam a relação laboral, veja‐se José Manuel Lastra, “Princípios Ordenadores de las Relaciones de Trabajo”, in Revista Española de Derecho del Trabajo, n.º 104, Civitas, Madrid, pp. 165 e ss.. 23 Cfr. Ac. do TC, n.º 372/91, de 17‐10‐1991. Segundo o acórdão, (…) “O conteúdo normativo do art.º 52º (actual art.º 53.º) da Constituição não se esgota na proibição de despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos, pois o direito à segurança no emprego não garante apenas a permanência da relação de trabalho, mas também o exercício do emprego. (…) A garantia de segurança no emprego e o direito ao trabalho possuem, no plano da Constituição, âmbitos diversos: se a primeira respeita a trabalhadores subordinados, pressupondo a existência de uma situação jurídica laboral e visando assegurar a sua subsistência e o seu normal desenvolvimento, o segundo refere‐se genérica e previamente, aos cidadãos e efectiva‐se contra o Estado, incentivando este a prosseguir políticas de pleno emprego e a proteger os desempregados. (…)” 24 Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, 2005, «…a garantia da segurança no emprego concretiza‐se, antes de mais, na proibição dos despedimentos (…)» (pág. 505), mas «…o conteúdo normativo do art.º 53.º não se esgota na proibição de despedimentos injustificados, intervindo (…) (pág.510), por exemplo na proibição de «…introduzir uma modificação substancial no próprio regime da relação de emprego» (pág.514). . 13 .
(14) Denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador . para ocorrer a necessidades temporárias das entidades empregadoras e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades» 25 . Ora, sendo a “estabilidade” concebida como o direito do trabalhador a conservar o seu emprego, deste princípio retiramos que a nossa Constituição optou pelo chamado sistema de despedimento causal, justificado ou motivado 26 , por oposição ao sistema de despedimento livre ou ad nutum, onde o empregador poderia pôr fim ao contrato de trabalho sem ter de fundamentar a razão para a ruptura do mesmo. Como afirma Jorge Leite 27 : «…a norma da CRP que erigiu a estabilidade no emprego em direito fundamental dos trabalhadores e proibiu o despedimento sem justa causa, quis apenas, o que não quer dizer que tenha querido pouco, extinguir a figura do despedimento por motivo atendível, mas, manifestamente, não quis reduzir os fundamentos do despedimento à justa causa.» O mesmo quererá dizer que a estabilidade, enquanto direito do trabalhador a conservar o seu posto de trabalho, parte do pressuposto de que o empregador só terá direito a resolver o contrato desde que exista uma justa causa. Os supracitados princípios apontam, assim, para uma nítida diferenciação de regimes, consoante a iniciativa de ruptura provenha do empregador, através do despedimento, ou do trabalhador, pela denúncia. Deste modo, verificamos que não existe paridade na posição das partes. Dos mecanismos jurídicos conferidos ao empregador e ao trabalhador com vista à cessação do contrato, apenas em relação ao primeiro se estabeleceram condicionantes à liberdade de livre desvinculação. Esta diferença de regimes tem o seu fundamento no princípio da segurança no emprego (art.º 53.º da CRP). Independentemente da garantia constitucional da segurança no emprego constituir uma importante referência jurídico‐política, “estabilidade” não significa inamovibilidade e o trabalhador pode perder o emprego mesmo contra a sua vontade. . 25. In Constituição da República Portuguesa Anotada, vol.I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pág. 711. 26 Esta opção encontra suporte na Convenção n.º 158 da OIT, de 1982, sobre a cessação do contrato por iniciativa do trabalhador, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 55/94, de 27 de Agosto. 27 Op. cit., A extinção do contrato de trabalho…, vol. 1, pág. 37. . 14 .
(15) Denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador . Sendo essa segurança o factor primordial de estabilidade, a ela contrapõem‐se a flexibilidade e a mobilidade 28 , agregadas à necessidade de formação profissional e à introdução de novos métodos de produção e novas tecnologias, que são factores de competitividade entre empresas. A ser assim, na inexistência de uma hierarquia entre os referidos princípios, à segurança no emprego deverá conciliar‐se o direito de propriedade privada e, na sua vertente, a liberdade de iniciativa empresarial. Só desta forma se permitirá estabelecer um equilíbrio entre ambos os direitos, admitindo‐se limitações recíprocas. Tenhamos presente que a segurança no emprego deve ser ponderada atendendo à prossecução da finalidade da empresa, designadamente à sua competitividade. O mesmo acontece com a liberdade de desvinculação do trabalhador, que não deverá permitir uma ruptura contratual sem mais. 28. Sobre as relações entre evolução tecnológica e introdução de mecanismos jurídicos que assegurem o enriquecimento da categoria profissional, vd. Bernardo Xavier, “Flexibilidade e Mobilidade”, in AA. VV., I Congresso Nacional de Direito do Trabalho – Memórias, Coord. António Moreira, Almedina, Coimbra, 1998, pp. 115 e ss.. Também sobre este tema, José João Abrantes, “Direito do Trabalho e Cidadania”, in Trabalho e Relações Laborais, Cadernos Sociedade e Trabalho, I, Celta Editora, Oeiras, 2001, pág. 97, e “O Direito Laboral face aos novos modelos de prestação de trabalho”, in AA. VV., IV Congresso Nacional de Direito do Trabalho – Memórias, Coord. António Moreira, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 83 ‐ 94. . 15 .
(16) Denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador . 1. A EXTINÇÃO DO CONTRATO POR INICIATIVA DO TRABALHADOR 1.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA O Direito Privado, nomeadamente o Direito Civil, encontra raízes históricas no Direito Romano. Também o juslaboralismo actual está marcado pelas recepções sucessivas da tradição romanística 29 . O fenómeno do trabalho subordinado não lhes era estranho, muitas das regras que o compreendiam sobreviveram, sobretudo, através da pandectística, chegando até aos dias de hoje. A Roma antiga era uma sociedade esclavagista, onde o trabalho prestado por conta de outrem, fora do quadro da família, era o trabalho servil, prestado por escravos e servos. Não se tratando de trabalho autónomo, isto é, das chamadas artes liberais, trabalhar por conta de outrem seria pouco dignificante, era um preconceito existente 30 , ainda que as ideias cristãs de dignificação da pessoa viessem a atenuar o desprezo pelo trabalhador por conta de outrem. O surgimento da estruturação corporativa das profissões e a incessante busca pela defesa dos direitos e interesses da classe profissional trouxeram importantes contributos que influenciaram o regime vigente 31 . No entanto, a relação hierárquica característica destas corporações (aprendizes, companheiros e mestres) não era bem aceite por alguns e, com o crescente de conflitos, o sistema corporativo foi dado como inadaptado às exigências das novas condições económicas, levando, em finais do séc. XVIII, à sua extinção. Com a luta de classes então gerada facilmente se denotaram as consequências. Estava em vista a revolução industrial e capitalista a que muitos autores fazem retroceder as origens do Direito do Trabalho. A degradação do estatuto do trabalhador subordinado 32 levou a condições de vida demasiado precárias para um mínimo de dignidade. Surgiram, assim, os problemas sociais, comummente denominados pela Questão Social, entendida esta 29. Sobre este ponto, vd. Menezes Cordeiro, op. cit., Manual de Direito do Trabalho…, pp. 35 ‐ 36. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2002, pág. 69. 31 Tratava‐se de um associativismo profissional, com importante influência nas normas do trabalho subordinado, cujo objectivo primordial era o da defesa dos direitos e interesses da classe profissional perante terceiros. Apesar da regulamentação das corporações não ser semelhante ao moderno Direito do Trabalho, cumpre referir que nesse período se fixaram as regras percursoras do actual regime de acidentes de trabalho e de segurança social. 32 Baixos salários, falta de condições de higiene e segurança, falta de protecção na doença, nos acidentes e na velhice... 30. 16 .
(17) Denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador . como o motor do Direito do Trabalho, levando a um intenso debate ideológico sobre as condições laborais. Para além do surgimento de sindicatos, surgiu, por parte dos estados, um empenhamento nas reformas sociais, inspiradas em doutrinas sociais diversas: socialismo, marxismo, cooperativismo, doutrina social da Igreja. Assistiu‐se a uma crescente intervenção estadual e a relação laboral não estava apenas dependente da vontade das partes. O moderno Direito do Trabalho ameaçava instalar‐se. Regressando ao tema em questão, um dos fundamentos historicamente utilizados para justificar o reconhecimento ao trabalhador da faculdade de extinguir por sua vontade o contrato de trabalho, para além da liberdade da pessoa, é também a necessidade de assegurar o vínculo contratual 33 . Só a prestação de trabalho feita por um homem livre que tenha liberdade na prestação do serviço interessa ao Direito do Trabalho. Não só no Code Civil como em tantos outros códigos oitocentistas por ele inspirados, o contrato de trabalho figuraria, sem autonomia própria, ao lado de vários outros contratos 34 . De acordo com os princípios informadores desses códigos, a força obrigatória dos contratos tinha, como seu corolário, a impossibilidade de desvinculação unilateral, sendo a vontade das partes o fundamento do vínculo obrigacional e o contrato tido, quase exclusivamente, como a única fonte normativa. Apenas o acordo de ambas poderia pôr termo ao mesmo. Deste modo, não era permitida a desvinculação unilateral ad nutum 35 . Como afirma Jorge Leite 36 , não obstante o Code Civil ser uma síntese de racionalização jurídica com um importantíssimo papel na divulgação das ideias das revoluções liberais, “na verdade, não era nem o código do trabalho nem o código dos trabalhadores”. O Código Civil de 1867 foi o primeiro texto legislativo a abordar os problemas do trabalho subordinado. As relações de trabalho por conta de outrem, predominantes 33. Esta garantia de temporalidade foi considerada imprescindível na Codificação Liberal, que excluía a possibilidade de contratação para toda a vida. 34 José João Abrantes, “Do Direito Civil ao Direito do Trabalho. Do Liberalismo aos nossos dias”, in Direito do Trabalho – Ensaios, Edições Cosmos, Lisboa, 1995, pp. 17 ‐ 38. 35 Sobre a figura da cessação no Code Civil, vd. Jorge Leite, op. cit., A extinção do contrato de trabalho…, vol. 1, pp. 43 ‐ 53. 36 Op. cit., A extinção do contrato de trabalho…, vol. 1, pp. 44 ‐ 45. . 17 .
(18) Denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador . na época, como sejam o serviço doméstico, o serviço salariado e a aprendizagem, manifestam bem a preocupação do legislador quanto à limitação da temporalidade do vínculo laboral. Contudo, como nota Jorge Leite 37 : «no mundo da indústria ia‐se fazendo uso, reiterada e sistematicamente, do expediente da desvinculação unilateral e extrajudicial que o direito codificado não só não previa, como implicitamente proibia.» Certas práticas e praxes industriais levaram à emergência da rescisão ad nutum, ainda que, só em 1989, com a LCCT, se tenha entendido que a rescisão pelo trabalhador deveria ser inteiramente livre, caso o contrato não fosse mais do seu interesse. É então reconhecido o direito de livre desvinculação como corolário da liberdade de trabalho. Ainda que a ruptura antecipada por iniciativa do trabalhador fosse configurada pelo nosso ordenamento como um incumprimento contratual, sujeitando aquele à consequente responsabilidade, o trabalhador é hoje livre de denunciar o contrato antes do seu termo; é livre de o rescindir sem justa causa, encontrando‐se apenas adstrito a pré‐avisar a entidade empregadora. 37. Op. cit., A extinção do contrato de trabalho…, vol. 1, pág. 51. . . 18 .
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