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A longa abolição no Brasil : transformações recentes no trabalho doméstico

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Academic year: 2021

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JULIANE DA COSTA FURNO

A LONGA ABOLIÇÃO NO BRASIL: TRANSFORMAÇÕES RECENTES

NO TRABALHO DOMÉSTICO

CAMPINAS 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

JULIANE DA COSTA FURNO

A longa abolição no Brasil: Transformações recentes no trabalho

doméstico

Prof. Dr. Marcio Pochmann – orientador

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Desenvolvimento Econômico, área de concentração: Economia Social e do Trabalho.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA

ALUNAJULIANE DA COSTA FURNO E

ORIENTADA PELO PROF. DR. MARCIO

POCHMANN.

CAMPINAS 2016

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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.

Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Economia Mirian Clavico

Alves - CRB 8/8708 .

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The long abolition in Brazil : recents changes in domestic work Palavras-chave em inglês:

Domestic workers Labor market

Sexual division of labor

Área de concentração: Economia Social e do Trabalho Titulação: Mestra em Desenvolvimento Econômico Banca examinadora:

Marcio Pochmann [Orientador] José Dari Krein

Angela Maria Carneiro Araujo Data de defesa: 24-02-2016

Programa de Pós-Graduação: Desenvolvimento Econômico Furno, Juliane da Costa, 1989-

F982L A longa abolição no Brasil : transformações recentes no trabalho doméstico / Juliane da Costa Furno. – Campinas, SP : [s.n.], 2016.

Orientador: Marcio Pochmann.

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia.

1. Trabalho doméstico. 2. Mercado de trabalho. 3. Divisão do trabalho por sexo. I.

Pochmann, Marcio,1962-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Economia. III. Título

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DEDICATÓRIA

Dedico essa dissertação de mestrado ao meu orientador Marcio Pochmann e no nome dele estendo ao Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT) pelo papel central desempenhado na minha formação pessoal e acadêmica, e pelo o que ele representa na disputa ideológica e acadêmica em um período histórico cuja a regra parece ser a da “neutralidade”.

Dedico também a todas as trabalhadoras domésticas. Guerreiras e batalhadoras na luta cotidiana por uma vida digna.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço à minha família – especialmente a minha mãe Normândia e ao meu pai Elinton, que mesmo compreendendo pouco o que eu faço, sempre me apoiaram incondicionalmente, tanto do ponto de vista material como com a disposição cotidiana de ouvir meus lamentos e alegrias.

Gostaria também de agradecer profundamente ao meu orientador, Marcio Pochmann, por quem eu tenho uma admiração como ser humano, intelectual e militante. Obrigada pelos desafios lançados e por acreditar sempre nesse trabalho.

Um agradecimento especial à Beatriz Passarelli Gomes. Minha companheira de todas as horas, parceira intelectual e de trabalho. Obrigada por estar sempre por perto, pelo amor, pelas risadas e pelos aprendizados.

Ao Lucas Barbosa Pelissari. Essa dissertação tem muito de você, do início ao fim. Obrigada por estar comigo desde a formulação do problema de pesquisa.

Quero agradecer imensamente a minha família em Campinas, o Pedro Gebrim e o Daniel Fogo. Que alegria saber que essa cidade uniu mais uma vez nossos cotidianos. Vocês dois são aqueles que dão verdadeiro sentido a palavra amizade.

Quero agradecer ao CESIT, por ser um espaço de formulação na contramão da “neutralidade” acadêmica e da ortodoxia econômica. Agradeço pelas suas portas sempre abertas, pelo computador e pelo cotidiano cafézinho expresso, motor da produção diária. Em nome do CESIT também agradeço ao professor José Darí Krein, quem me acompanhou desde o início, sempre com muita compreensão e dedicação. Agradeço também aos demais, especialmente a Helena Coloma, Hugo Dias, Denis Gimenez, Anselmo Santos, Amilton Moretto, e Marcelo Proni. Agradeço também ao Arthur e ao Guilherme, estagiários do CESIT, que me ajudaram muito na coleta de dados. Ao Carlos Salas, professor e amigo nessa caminhada. A Marilane Teixeira, minha inspiração política e acadêmica e quem ajudou muito nesse trabalho.

Agradeço ao professor Waldir Quadros pela participação e considerações no meu exame de qualificação e a professora Angela Araujo pelas contribuições na minha defesa;

Obrigada Elaine Bezerra, companheira e quem eu admiro muito. Obrigada também ao Octávio, Renata, Raquel, Galvão, Iri, Bob, Marsa, meus companheiros de

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militância campineira. Falando em militância, obrigada a todos do Levante Popular da Juventude e da Consulta Popular. Organizações que me ajudar a me construir como intelectual orgânica, jamais esquecendo que esse país precisa de mudanças profundas, que exigem engajamento diário.

Agradeço especialmente ao setor de formação da Consulta Popular de São Paulo. Agradecimento especial aos colegas da Pós Graduação, Elisabeth, Thiago, Pedro Henrique, Barbara Valejos, Tomás, Matheus, Lilian, Thiago, Pietro, Isabela, Henrique Bastos, Queren, Thais, Marcelo, Guilherme Caldas, Taciana, Leandrão, Victor, Paulinha, Leonardo Pietro, Vitor Tonin, Bia, Toca, Chico, João, Carol, Ulisses, e tantos outros que compartilham esses bons momentos ao meu lado.

Obrigada Elisabeth, Bruna Koerich, Acácio Simôes e Pedro Gebrim pelas revisões e correções no meu texto.

Obrigada a CAPES pela manutenção de um ano de bolsa de mestrado para que eu pudesse realizá-lo com dedicação exclusiva, e obrigada ao CESIT, a CUT e ao Sindicato Unificado dos Petroleiros de São Paulo por garantirem meu segundo ano de remuneração e profundos aprendizados.

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“Há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca.” (Darcy Ribeiro).

“Há momentos na vida dos povos em que a falta mais grave dos membros da intelligentsia é a omissão.” (Celso Furtado, A construção Interrompida).

"Ou os estudantes se identificam com o destino de seu povo, como ele sofrendo a mesma luta, ou se dissociam do seu povo e, nesse caso, serão aliados daqueles que exploram o povo". (Florestan Fernandes).

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RESUMO

O trabalho doméstico no Brasil carrega heranças profundas da história colonial e escravagista brasileira. Seu desenvolvimento ao longo dos anos e dos ciclos econômicos ocorre com a marca de precariedade, da informalidade, da ausência de regulamentação dos baixos rendimentos e – sobretudo – com expressiva participação no total das ocupações e majoritária presença de mulheres e negras. O trabalho doméstico assalariado reflete de forma acentuada as contradições do mercado de trabalho brasileiro, marcado pelo subdesenvolvimento político e econômico sob o qual estamos imersos. A heterogeneidade estrutural, a marginalidade, o excedente de mão de obra e a informalidade são traços estruturais da nossa formação social e permanecem ao longo do tempo. Além disso, o trabalho doméstico tem a particularidade de correlacionar-se positivamente com a desigualdade social, a concentração de renda e os momentos de crise e recessão econômica. Dessa forma, nos anos 90 – período no qual a economia brasileira apresentou baixo dinamismo econômico e forte desestruturação do mercado de trabalho pelas opções políticas neoliberais – o emprego doméstico cresceu de forma absoluta e proporcional no total das ocupações, sendo o principal receptor de mão de obra feminina no mercado de trabalho. Os dados e variáveis escolhidas para ilustrar esse trabalho de pesquisa compreenderam o período de 1995 a 2014, com especial atenção entre os anos de 2003 e 2014, na busca de identificar e interpretar as transformações pelas quais passou a categoria das trabalhadoras domésticas nesse período de retomada do crescimento. Analisamos, dessa forma, o impacto que a retomada do desenvolvimento com crescimento e inclusão social nos anos 2000 teve sobre essa categoria, com a marca do histórico alijamento dos ganhos econômicos e das políticas públicas. A partir da articulação entre as variáveis gênero, classe e raça nos propusemos a compreender de forma integrada quem são as trabalhadoras domésticas, atentando para a natureza distinta do seu trabalho na produção capitalista, na qual sua remuneração está ligada à desigualdade de renda, e não a estimativa de um ganho excedente futuro. De forma geral os anos 2000 configuram um cenário de mudanças importantes, medido através do avanço da escolarização, na queda do seu percentual no total das atividades econômicas, nos ganhos associados à renda, na contribuição previdenciária e na regulamentação da jornada de trabalho. No entanto, a baixa presença de formalização - 31% apenas – o alto número de trabalhadoras ainda ocupadas no emprego doméstico, à ausência de equiparação de direitos com os demais trabalhadores formais e sua permanente desvalorização social e monetária são sinais de que o caminho para a melhora das condições de trabalho ainda exige passos largos, os quais não raras vezes esbarram em nossos limites estruturais. Construir um mercado de trabalho mais regulado e homogêneo vai exigir, dessa forma, ousadia política e políticas públicas com recorte de gênero e raça, buscando superar a histórica e permanente ausência de olhar atento para esse setor tão importante do mercado de trabalho brasileiro.

Palavras Chaves: Trabalho doméstico, Anos 2000, mercado de trabalho, Divisão

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ABSTRACT

Domestic work in Brazil carries profound legacies of Brazilian's colonial history and slavery. Its development over the years and economic cycles, brings precariousness marks like the informality, the absence of regulation, low incomes and - above all - a significant participation and presence of women and black women in the total of the occupations. Waged housework reflects sharply the Brazilian labour market contradictions, marked by political and economic underdevelopment in which we are immersed. The structural heterogeneity, marginality, the excess of work force and informality, are structural traces of our social formation. In addition, household work has the particularity to correlate positively with social inequality, concentration of income and many moments of crisis and economic recession. Thus, in the 90s - a period in which the Brazilian economy had low economic dynamism and strong disruption of the labour market by neoliberal policy options - domestic employment increased absolutely and proportionally in total occupations, being the main receiver of female labour force in the labour market. The data and variables chosen to illustrate this research comprised the period between 1995 and 2014, with special attention between the years of 2003 and 2014, in order to identify and interpret the changes suffered by the category of female houseworkers in this period of growth recovery. We analyzed, then, the impact that the resumption of growth and development with social inclusion in 2000, had on that category, highlighting the historic separation of the economic gains and public policies. From the connection between the variables gender, class and race we set out to understand who are domestic workers, noting the distinct nature of their work in capitalist production, in which their income is linked to income inequality, and not to the estimated future excess gain. In general, the 2000s constitute a major change of scenario, measured through the advancement of education, the drop in its percentage of total economic activity, the associated income gains in social security contributions and regulating working hours. However, the low presence of formalization - 31% only - the high number of workers still employed in domestic employment, the lack of equal rights compared with the other formal workers and their permanent social and monetary devaluation, are signs that the road to improvement of working conditions still requires large steps, which not, infrequently, run into our structural limits. Build a more regulated and homogeneous labour market will require, thus daring political and public policies with a gender and race approach, seeking to overcome the historical and permanent absence of a "closer look" at a sector so important to the Brazilian labour market.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1Variação anual da taxa de crescimento do PIB entre os anos 1995 e 2014 .... 16 Gráfico 2: Financiamentos do BNDES em bilhões entre os anos de 1995 e 2013 ... 19 Gráfico 3: Taxa de pobreza – percentual da população em extrema pobreza e pobreza, entre os anos 1992 e 2013 ... 23 Gráfico 4: Trajetória do Gasto Social Federal em porcentagem do PIB entre os anos de 1995 e 2013 ... 25 Gráfico 5 : Evolução do número total de empregos com vínculo formal em milhões no período de 1995 a 2012 ... 28 Gráfico 6 : Evolução do Salário Mínimo Nacional real entre os anos de 1994 e 2014 .. 29 Gráfico 7:Diferenciais de rendimentos de homens e mulheres com e sem carteira na renda média total e na dos trabalhadores domésticos no período de 2003 e 2014 ... 48 Gráfico 8 Proporção de trabalhadoras domésticas por faixa etária nos anos de 2003 e 2013 ... 51 Gráfico 9:Percentual de mulheres nas ocupações em 2003 e 2014 ... 71 Gráfico 10: Percentual de Trabalhadoras Domésticas que trabalham em mais de um domicílio nos períodos de 1995 a 2013 ... 79 Gráfico 11: Percentual de trabalhadoras domésticas que sabem ler por período analisado por cor ... 81 Gráfico 12: Média de anos de estudo de trabalhadoras domésticas segundo cor entre 1995 e 2013 ... 82 Gráfico 13: Evolução do salario médio real das trabalhadoras domésticas por cor nos anos de 2003, 2009 e 2014 ... 83 Gráfico 14: Média de anos de estudos das trabalhadoras domésticas nos períodos de 1995 à 2014 ... 88 Gráfico 15: Evolução do trabalho doméstico com e sem carteira de trabalho para anos distintos ... 94 Gráfico 16: Percentual de domésticas que contribuem para a Previdência Social nos anos de 2003 e 2014 por registro em carteira de trabalho ... 95 Gráfico 17: Renda média do trabalho doméstico segundo registro em carteira entre 1995 e 2013 ... 96 Gráfico 18: Percentual de horas trabalhadas por registro em carteira de trabalhos no ano de 2003 ... 98 Gráfico 19:Percentual de horas trabalhadas por registro em carteira de trabalhos no ano de 2014 ... 98 Gráfico 20: Percentual de trabalhadoras domésticas por faixa etária e por registro em carteira de trabalho nos anos de 2003 e 2014 ... 100 Gráfico 21: Total de trabalhadoras domésticas com e sem carteira sindicalizadas nos períodos de 1995, 2003 e 2014 ... 104

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Evolução dos indicadores de informalidade ... 30

Tabela2: Percentual de pessoas com 16 anos ou mais ocupadas segundo sexo. ... 37

Tabela 3:Escolaridade de homens e mulheres nos anos 2000 em anos de estudo... 37

Tabela 4:Trabalhadoras domésticas em números absolutos ... 45

Tabela 5: Renda média real das trabalhadoras domésticas por região e cor nos anos de 1995, 2003 e 2013 ... 46

Tabela 6:Proporção da renda média nominal do trabalho doméstico em relação a renda média nacional brasileira dos ocupados nos anos de 2003 e 2014. ... 47

Tabela 7:Percentual do rendimento nominal do trabalho doméstico com e sem carteira de trabalho com relação ao total da renda de homens e mulheres ocupados em 2014 ... 47

Tabela 8:População feminina ocupada no trabalho doméstico segundo faixa etária nos períodos de 1995, 2003 e 2013 ... 51

Tabela 9: Número absoluto e taxa de participação dos jovens de até 29 anos no trabalho doméstico nos anos de 2003 e 2013 ... 52

Tabela 10: Distribuição percentual dos domicílios que são chefiados por trabalhadoras domésticas segundo situação de pobreza nos períodos de 1995, 2003 e 2013 ... 59

Tabela 11:Quantidade absoluta e proporcional de homens e mulheres no emprego doméstico em 2014 ... 62

Tabela 12:Trabalho doméstico proporcional ao trabalho total e ao trabalho das mulheres67 Tabela 13: Mulheres ocupadas por setor de atividade em 2003 e 2014 ... 69

Tabela 14: Renda média nominal de homens e mulheres ocupados no trabalho doméstico por registro em carteira no ano de 2014... 74

Tabela 15: Trabalhadores domésticos por sexo e raça nos anos de 2003 e 2014 ... 75

Tabela 16:Proporção de trabalhadoras domésticas registradas e que já contavam com registro em carteira no emprego anterior por cor no período 2003 e 2014 ... 77

Tabela 17: Total de horas trabalhadas das trabalhadoras domésticas por registro em carteira e cor no ano de 2014 ... 78

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Tabela 18: Rendimento médio das mulheres ocupadas no trabalho doméstico por cor e registro em carteira de trabalho no ano de 2014 ... 84 Tabela 19: Trabalhadoras domésticas por curso que frequenta no momento da coleta dos dados por cor nos anos de 2003 e 2014 ... 87 Tabela 20: Quantidade média de anos no atual emprego das trabalhadoras domésticas nos períodos de 2003 e 2014 ... 89 Tabela 21: Proporção de trabalhadoras domésticas formais por ano ... 92 Tabela 22: Quantidade absoluta de trabalhadoras domésticas que contribuem para a Previdência Social nos anos de 2003 e 2014 por registro em carteira ... 94 Tabela 23: Jornada de trabalho doméstico segundo faixas de tempo nos anos de 2003 e 2014 por registro em carteira ... 97 Tabela 24: Quantidade absoluta de sindicalizados por cor, registro em carteira e para os anos de 1995, 2003 e 2014 ... 103

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CEPAL – Comissão Econômica para América Latina

DIEESE – Departamento Intersindical de Estudos Estatísticos Socioeconômicos DRU – Desvinculação das Receitas da União

FENATRAD – Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

FHC – Fernando Henrique Cardoso

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INSS – Instituto Nacional do Seguro Social

IE - Instituto de Economia

IPEA – Instituto de Pesquisa econômica aplicada OIT – Organização Internacional do Trabalho PAC – Programa de Aceleração do Crescimento PEA – População Economicamente Ativa PEC – Proposta de Emenda Constitucional PIB – Produto Interno Bruto

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio PROUNI – Programa Universidade Para Todos

PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira PT – Partido dos Trabalhadores

REUNI – Reestruturação e Expansão das Universidades Federais SELIC – Sistema Nacional de Liquidação e de Custódia

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Sumário

INTRODUÇÃO ... 1

CAPÍTULO 1: OS ANOS 2000: TRAJETÓRIA DE CRESCIMENTO, INCLUSÃO E MELHORIAS DO MERCADO DE TRABALHO. ... 6

1. Introdução: ... 6

1.1. O neoliberalismo e o aprofundamento das desigualdades ... 9

1.2. A inflexão dos anos 2000: crescimento econômico e políticas sociais ... 14

1.2.1. Caracterizando os governos nos anos 2000 ... 17

1.2.2. Determinantes do crescimento ... 20

1.2.3. Impactos do crescimento sobre o mercado de trabalho ... 27

1.2.4. As mulheres e o mercado de trabalho nos anos 2000 ... 34

CAPÍTULO 2: AS TRABALHADORAS DOMÉSTICAS: QUEM SÃO E QUAL A NATUREZA DO TRABALHO. ... 39

1. Introdução: ... 39

2.1. Revisão da produção existente ... 39

2.2. Quem são as trabalhadoras domésticas? ... 42

2.3. A dimensão de classe ... 52

2.4. As trabalhadoras Domésticas tem Gênero ... 61

2.5. A cor do trabalhador doméstico ... 75

2.6. Natureza do Trabalho doméstico ... 90

2.7. A longa abolição no Brasil ... 105

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 112

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INTRODUÇÃO

Essa dissertação tem como problemática analisar a particularidade da construção do capitalismo e do mercado de trabalho brasileiro que - embora seja uma das dez maiores economias do mundo e tenha passado por um intenso processo de industrialização - segue produzindo e reproduzindo um montante considerável de trabalhadores ocupados nas tarefas domésticas. E, em que pese o trabalho doméstico envolver um grande contingente de funções destinadas às famílias e aos domicílios (motoristas, cuidadores, jardineiros) esta pesquisa optou por desenvolver um recorte no objeto, centrando-se na análise do emprego doméstico

mensalista (formal ou não1) que tem como prerrogativas o serviço de limpeza e alimentação.

Desse modo, estamos tratando do que popularmente denominamos de “empregadas domésticas” 2

.

O trabalho doméstico tem a especificidade de correlacionar-se positivamente com a existência da concentração da riqueza e renda e com a persistência de um contingente de excedente de mão de obra existente na economia (POCHMANN, 2012). Nesse sentido, nas economias nas quais a renda é menos desigualmente distribuída, existe uma tendência a

menor participação do emprego doméstico no conjunto dos trabalhadores empregados3.

Definitivamente esse não é o caso do Brasil. Segundo a PNAD (2014), são mais de 6 milhões de mulheres, majoritariamente, que exercem trabalho doméstico. Como no período da Casa Grande, até hoje as trabalhadoras domésticas apresentam características similares a do “agregado” (FREYRE, 2006), agora, porém, com dimensões reificadas, mas preservando a herança do trato com as trabalhadoras domésticas em uma esfera pessoalizada e essencialmente desigual, aparentando, no entanto, apresentar contornos “familiares”. Segundo

1Utilizo o termo formal como a que está “em cumprimento das normas legais que organizam a atividade

econômica e o mercado de trabalho. Na experiência brasileira, a formalidade é explicada pela existência de carteira de trabalho para os assalariados, pela contribuição à Previdência, pelo registro municipal para os autônomos e pela constituição de uma empresa para os empregadores” (DEDECCA, 1998, p. 98-99). E informal como os trabalhadores que estão desprotegidos desses direitos bem como aqueles que estão inseridos no mercado de trabalho com contratos atípicos como flexíveis, tercerizados, cooperativas e Pessoa Jurídica, sendo essa uma modalidade de emprego disfarçada, que serve para burlar a legislação trabalhista. Ver mais em ARAUJO, 2013.

2

Essa foi uma opção metodológica e política, uma vez que o emprego à domicilio envolve uma série de funções, inclusive de maior qualificação, como fonodiólogas e fisioterapeutas, as quais prestam um serviço especializado às famílias. Por trabalhadoras domésticas compreendemos aquelas mulheres, majoritariamente, que de forma contínua exercem funções de limpeza, alimentação e eventualmente cuidados às famílias. Excluiu-se da análise em questão as trabalhadoras domésticas diaristas.

3

No entanto, Segundo Davi Antunes (2011) mesmo em países nos quais se avançou mais rápida e homogeneamente a industrialização e nos quais é menor a desigualdades de renda, o trabalho doméstico ainda persiste, embora em proporções distintas da do Brasil.

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Pochmann, “parte significativa das atividades desenvolvidas nos lares brasileiros carrega ainda hoje traços semelhantes observados no passado serviçal e escravista” (POCHMANN, 2012, p. 49).

O trabalho doméstico é uma das marcas da escravidão e guarda uma série de similitudes com seu modo de funcionamento nas sociedades modernas. Entre as características permanecidas ao longo tempo destaca-se a sua não identificação como um “trabalho” – prioritariamente quando comparado às demais categorias sociais; a majoritária presença de trabalhadoras negras; a desvalorização social; a precarização das relações trabalhistas e, sobretudo, uma lógica serviçal, ancorada na demasiada ideia de diferenciação social. No período pós abolição entre o final do século XIX e o início do século XX, 70% da população economicamente ativa de mulheres ex escravas foi inserida no mercado de trabalho4 mediante o serviço doméstico. (SAFFIOTI 1968). Ou seja, não somente pelas características coloniais e escravistas brasileira, mas – sobretudo – pela transição inconclusa do trabalho escravo para o livre que marcam a permanência racializada dessa ocupação.

O objetivo geral dessa dissertação é, então, analisar o trabalho doméstico a luz dos anos 2000 – período no qual houve uma retomada do desenvolvimento econômico e ampliação das políticas sociais – buscando analisar as transformações que a categoria tem sofrido no que tange aos elementos centrais do mercado de trabalho. Empreender tal tarefa exigirá retomar a trajetória da economia brasileira nos anos 2000, bem como voltar ao passado para compreender as especificidades da construção da categoria das empregadas domésticas, uma vez que sai atualidade guarda relações profundas com o nosso passado.

Diversas são as justificativas que estão subjacentes a essa obra. As que residem na esfera acadêmica e política serão trazidas no decorrer do texto. Sem querer correr o risco da lógica binária e dual, algumas justificativas residem no âmbito pessoal – embora não sejam dissociadas das motivações políticas e acadêmicas. Como mulher tenho uma indagação especial por compreender essa categoria majoritariamente feminina, e – por isso – associada a execução de tarefas naturalmente relegadas ás mulheres e passível de grande desvalorização social, e – quando remunerada – monetária também. Como militante de esquerda também me motiva produzir conhecimento e sistematizar dados que desnudem a realidade da classe

4 Entendo mercado de trabalho aqui como aquele que abrange os setores formais e informais da economia, no

qual há a existência de trabalhadores dispostos a vender sua mão-de-obra. Além disso, o mercado de trabalho também é composto por trabalhadores por “conta própria”, informais e em situação de precariedade, como vendedores ambulantes. Esse conceito de interpretação do trabalho formal e informal no mercado de vendas e trocas pode ser melhor compreendido em Paulo Renato de Souza (1980).

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trabalhadora, especialmente as da base da pirâmide social. Por fim, como estudante de ciências econômicas, desafiar o maistrem e apresentar um debate negligenciada pela ortodoxia neoclássica, mostrando através do debate e dos dados que o crescimento econômico, a melhora nos salários e no emprego produzem melhoria social, ao contrário de inflação e desemprego, se tornam desafios e compromissos permanentes

O objetivo dessa dissertação também é contribuir com a retomada dos estudos que articulam distintas dimensões sociais, e nesse caso será através da junção da perspectiva sociológica com a análise econômica, buscando construir um conhecimento menos parcelar e fragmentado, e para fugir ao risco das análises de tipo “economicistas”, que desprezam as opções política nas decisões econômicas. Segundo Piketty, (2014, p. 599)

Para tentarem ser úteis, os economistas deveriam acima de tudo aprender a ser mais pragmáticos em suas escolhas metodológicas, a fazer uso de todo material disponível e a se aproximar de outras disciplinas das ciências sociais. Por outro lado os outros pesquisadores das ciências sociais não deveriam deixar aos economistas o estudo dos fatores econômicos e deveriam parar de fugir em pânico no momento em que um número aparecesse.

Além disso, busco superar uma visão pós-moderna, na qual se negligencia a perspectiva da classe social em detrimento da análise de “sujeitos” abstratamente inseridos em uma sociedade. Por isso, optei por resgatar o debate e análise dos grandes temas sociais, que envolvem uma visão histórica do Brasil a partir de um recorte de um setor, que nesse caso tem cor, gênero e classe.

Os resultados dessa dissertação são produtos – entre outros elementos – dos dados extraídos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD, na qual é possível identificar as trabalhadoras domésticas não formalizadas, 70% da categoria. O recorte da nossa pesquisa é para o Brasil inteiro, não sendo possível abrir pelas regiões da Unidade federativa. Nesse sentido, fica como um desafio à análise sua aplicação para as distintas regiões do país. Além disso, sendo o recorte as trabalhadoras domésticas mensalistas, também não foi possível aprofundar nas trabalhadoras que exercem atividades remuneradas em mais de um domicilio, postos os interesses da pesquisa e o tempo para a realização da dissertação, permanecendo como mais um desafio.

A dissertação em questão analisa o problema de pesquisa a partir da centralidade da categoria “trabalho”. Nesse caso buscamos superar mais uma vez as visões “pós-modernas” que advogam o fim do trabalho como eixo de análise das transformações históricas, em favor de uma perspectiva “culturalista”. Para esse trabalho de investigação

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prover centralidade ao trabalho parte por compreendê-lo de múltiplas formas. Para nós trabalho é aquele que pode ser mercantilizado no mercado, e – portanto – monetarizado, mas é, também, o trabalho de reprodução social, não pago que tem por função reproduzir a principal mercadoria do capitalismo, a força de trabalho. A centralidade do trabalho ainda está para aqueles setores sociais que estão excluídos deles, uma vez que sua ausência advém de uma percepção mais geral do funcionamento da sociedade. Dessa forma o trabalho é aquilo que dá sentido à vida das pessoas, as socializam nas suas interações e – para as mulheres – representa a busca por autonomia que não é somente econômica. É, portanto, condição para a emancipação, que é individual mas, sobretudo, coletiva. Portanto, segundo Daniele Kergoat (2014) “o trabalho muda, mas para compreender a evolução das relações sociais de sexo, permanece a necessidade de postular sua centralidade”. (p. 14).

O problema colocado por essa pesquisa, em síntese, é o seguinte: Quais foram as transformações principais na perspectiva do mercado de trabalho sentidas pelas trabalhadoras domésticas nos anos 2000? Para estruturar esse trabalho optamos pelo desenvolvimento metodológico explicitado a baixo.

A dissertação em questão divide-se em 2 capítulos fundamentais, além dessa introdução e das considerações finais. Para tanto, o primeiro capítulo denomina-se “Os anos

2000: trajetória de crescimento, inclusão e evolução do mercado de trabalho”. O capítulo

inicia com uma introdução que passa pelo padrão de organização do mercado de trabalho no padrão de inserção subdesenvolvida brasileira. Na sequencia percorremos brevemente a década de 1990 buscando empreender um comparativo com a década em questão. Após isso, apresento e justifico a opção pela investigação dos anos 2000, entendendo-o como um momento de singularidade na trajetória histórica do Brasil, o qual teve como característica a junção de direitos outrora divorciados, a saber: direitos sociais, políticos e civis. Dessa forma caracterizo econômica e politicamente esse modelo de desenvolvimento buscando compreender seus avanços, mas também seus limites na construção de uma sociedade mais justa e menos desigual.

O capítulo número 2 chama-se “Trabalhadora domésticas: quem são e qual a

natureza do trabalho”. Com ele busco situar as trabalhadoras domésticas como categoria

profissional dentro desse capitalismo singular e desigual que é o brasileiro. Para tanto, utilizo o conceito de “Nó Frouxo” (SAFFIOTI, 2009), a fim de caracterizar da tripla articulação de classe, gênero e raça que recaiu sob as trabalhadoras domésticas na forma de exploração/dominação e opressão. Além de uma análise histórica e conceitual, nesse capítulo

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analiso e interpreto os dados que justificam a década de 2000 como um momento singular de avanços, embora não sendo suficientes para transpor problemas estruturais da categoria. Nesse capítulo traço uma caracterização de quem são as trabalhadoras domésticas, qual a natureza específica do trabalho doméstico dentro do capitalismo e exploro algumas reflexões e desafios para o trabalho decente a luz da recente aprovação da “PEC das domésticas.”

Por fim, encerro esse trabalho de pesquisa com as Considerações Finais, nas quais retomamos as discussões presentes nos dois capítulos antecessores concluindo que o período analisado – principalmente na comparação com seu predecessor nos 90 – é de mudanças significativas. Algumas delas vão moldando um novo perfil de trabalhadores nessa ocupação, caracterizadas pela menor presença de jovens, pelo aumento da escolaridade média e – sobretudo – pelos ganhos de rendimentos que caracterizaram esse período. Outras transformações também apontam para um novo cenário, como o aumento das contribuições previdenciárias para as trabalhadoras sem registro em carteira, a menor rotatividade no emprego e a sindicalização. No entanto, todas essas positivas mudanças ainda esbarram em limites estruturais, ou seja, a não existência de políticas públicas com recorte de gênero e de raça, e a ainda tardia regulamentação e equiparação do trabalho doméstico aos demais trabalhadores formais brasileiros, demonstram que as políticas universais para o mercado de trabalho e o crescimento econômico têm um impacto importante, porém limitado para a construção da igualdade

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CAPÍTULO 1: OS ANOS 2000: TRAJETÓRIA DE CRESCIMENTO,

INCLUSÃO E MELHORIAS DO MERCADO DE TRABALHO.

1. Introdução:

O presente capítulo tratará dos anos 2000, especialmente sob três dimensões. A primeira delas é a retomada – ainda que tímida – do crescimento econômico, que havia sido pífio nos anos 1990. A segunda dimensão refere-se ao diferencial da década de conjugar o crescimento da economia com políticas públicas e sociais de inclusão. A terceira e principal dimensão analisada no presente capítulo refere-se aos impactos do crescimento e da inclusão social sobre o mercado de trabalho – foco desse estudo. O objetivo desse capítulo é situar as trabalhadoras domésticas em um contexto específico, para tanto, é necessário compreende-lo nas dimensões mais gerais. Não somente isso, a parte do objetivo da análise do objeto a luz dos anos 2000, essa dissertação tem como pano de fundo reconhecer o trabalho doméstico dentro de um determinado capitalismo, que é periférico, dependente e subdesenvolvimento. Além disso, a histórica brasileira e a dinâmica econômica do país agravam as nossas principais mazelas históricas, tais como a desigualdade, a pobreza e a concentração de renda. Por isso, justificamos esse capítulo o entendendo-o como o cimento necessário para entender as particularidades e as transformações pelas quais passou e passa o trabalho doméstico no Brasil.

Não é possível, todavia, empreender a tarefa de analisar os anos 2000 negligenciando determinadas características históricas que nos singularizam como nação da periferia do sistema capitalista. É nesse sentido que apontamos que a dependência e o subdesenvolvimento têm profundas imbricações com o tipo de nação construída no Brasil. Segundo Antunes (2009, p. 11),

ao descortinar o sentido da colonização, ao apreender nossa formação colonial como expressão de uma dada forma de exploração atada ao processo de acumulação primitiva que se gestava nas metrópoles, mergulhamos na particularidade da nossa formação histórico-social.

A opção por um determinado padrão de desenvolvimento nacional associado ao imperialismo e ao grande capital internacional implicou um padrão de Revolução Burguesa (FERNANDES, 2009) sem rupturas estruturais com a velha ordem e dissociada dos princípios

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verdadeiramente democráticos. Dessa forma permanecemos nos desenvolvendo de forma dependente e subordinada no capitalismo internacional, “uma relação de subordinação entre nações formalmente independentes, em cujo marco as relações de produção das nações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência” (MARINI, 2005, p. 141). Ainda no que tange à dinâmica do capitalismo mundializado, nos firmamos como uma nação subdesenvolvida. Além da permanência dialética do “arcaico” com o “moderno”, o subdesenvolvimento é fruto de um desequilíbrio na assimilação do progresso técnico. Com isso, ao contrário dos países desenvolvidos, no Brasil esse desequilíbrio criou um mercado de trabalho baseado em relações heterogêneas. Para Chico de Oliveira “o processo real mostra uma simbiose e uma organicidade, uma unidade de contrários, em que o chamado moderno cresce e se alimenta do atrasado.” (OLIVEIRA, 2013 p. 32). Ainda segundo Oliveira (2013) é necessário assinalar, no entanto, que o problema do subdesenvolvimento não é somente uma disputa entre nações, uma vez que partes das classes dominantes dos países subdesenvolvidos associam-se a esse projeto. Ou seja, os componentes da luta de classes estão presentes e se manifestam com intensidade no interior da nação subdesenvolvida.

A maneira pela qual foi constituído o mercado de trabalho no Brasil, com extensa oferta de mão-de-obra e heterogeneidade estrutural5, contribuiu para pressionar os salários para baixo em função da grande quantidade de trabalhadores engrossando o chamado “exército industrial de reserva6”. Além disso, a ausência de algumas reformas necessárias,

como a reforma urbana e agrária, produziram um território geograficamente disperso e desigual contribuindo para a concentração dos pobres nas grandes periferias urbanas sem acesso aos centros de produção de cultura e arte, além de reforçar as desigualdades regionais. As trabalhadoras domésticas inserem-se no que Marx denominou de superpopulação relativa, especialmente na sua caracterização de população “estagnada”7

, sendo aquela que se insere em condições degradantes no mercado, e tem como consequência a sua reprodução em condições anormais, na qual o seu preço, não raras vezes, não remunera o valor da força de trabalho. O mercado de trabalho que se constitui no Brasil guarda outras relações profundas

5 Por heterogeneidade estrutural entende-se construção de um tipo de desenvolvimento especializado em setores

de baixo valor agregado e para exportação, e pela existência de diferenças muito acentuadas entre os tipos de emprego e níveis de produtividade e rendimento.

6

Uso esse conceito na perspectiva marxista. Significa o contingente de trabalhadores que excede às necessidades da produção capitalista e têm serventia para o processo de desenvolvimento do capitalista, pressionando os salários e os trabalhadores empregados.

7

Esse conceito de superpopulação relativa de Marx compreende 3 grupos. A estagnada, já explicada no texto, a Latente (aquela que está na informalidade, na migração campo-cidade) e a flutuante (aquela que entra e sai do mercado de trabalho com muita rapidez).

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com o subdesenvolvimento. Diferentemente dos países de economia central que construíram um mercado de trabalho mais homogêneo, no Brasil a realidade foi distinta, marcada pela permanência do desemprego e da precariedade. Segundo Pochmann (2013, p. 10),

em vez de uma classe trabalhadora relativamente homogênea, assistiu-se a difusão de diversas formas de uso e remuneração dos trabalhadores, sejam elas assalariadas, com ou sem regulação formal, sejam outras como autônomas, conta própria, independentes e profissionais liberais.

As características do subdesenvolvimento estão presentes na nossa construção, caracterizada por uma heterogeneidade nas formas de contratação, ausência de regulação e desestruturação do mercado de trabalho. A pouca existência e a baixa efetividade durante muito tempo de políticas sociais voltadas a redução da oferta de mão de obra no mercado fizeram crianças e idosos disputarem acirradamente os precários empregos com o restante da população. A extensa oferta de mão de obra e a permanência de um contingente de trabalhadores desempregados contribuíram para a possibilidade de contratação com baixíssimos salários, além de construir um ambiente desfavorável à atuação reivindicativa dos sindicatos.

Além disso, a intensa presença de contratações do tipo informal, geralmente em atividades precárias e mal remuneradas, também foi uma marca do desenvolvimento do nosso mercado de trabalho, adicionando a forte presença da rotatividade e instabilidade do emprego. Como não havia possibilidade de alocação desse contingente de trabalhadores, os setores médios da sociedade puderam dispor de uma grande quantidade de “serviçais”, o que não foi uma realidade similar nos países centrais desenvolvidos8. São nessas condições que cresce significativamente a oferta de empregos das trabalhadoras domésticas, caracterizadas por baixo custo da mão-de-obra. O resultado dessa estrutura produtiva desigual, segundo Pochmann (2013), foi um mercado de trabalho extremamente segmentado e assimétrico, no qual convivia um contingente de empregos de alta produtividade e uma grande massa de trabalhadores ocupados em setores de baixa produtividade e por vezes subsistência.

Milton Santos (1979) já caracterizava que nas economias subdesenvolvidas coexistiam dois “circuitos” econômicos, o inferior e o superior, criados basicamente pelas

8Ou seja, embora no Brasil as condições para a contratação de trabalhadores a domicílio sejam muito mais

acessíveis, isso não quer dizer que o trabalho doméstico tende a desaparecer nas nações desenvolvidas ou com uma estrutura mais homogênea no mercado de trabalho. O capitalismo é um sistema que persiste pela desigualdade e exploração do trabalho. Para maiores informações ver Davi Antunes (2011).

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diferenças quali e quantitativas de consumo.9 O circuito superior da economia exemplificado pelos bancos e pela indústria é caracterizado pelo uso intensivo em capital. O circuito inferior, e é nesse que encontra-se o mercado de trabalho doméstico e demais formas precárias e informais de trabalho, está caracterizado por relações informais, pessoalizadas, por trabalho intenso e por assalariamento não obrigatório (1978, p. 34). Longe de correr ao risco de uma lógica dual, Santos identifica que os diferentes circuitos se retroalimentam e coexistem mutuamente.

Esses, portanto, são os principais traços que marcam a formação histórica brasileira e seu mercado de trabalho. É no bojo dessas concepções de formação nacional que situam-se os elementos que vão cimentar o capitalismo desigual brasileiro e vão ser elemento decisivo para entender o trabalho doméstico.

1.1. O neoliberalismo e o aprofundamento das desigualdades

A análise do período compreendido pelos “Anos 2000” não poderia ser realizada sem alguns apontamentos que dizem respeito às mudanças no mercado de trabalho, na política fiscal e no desenvolvimento nacional vivenciados na década de 90. Segundo Armando Boito Jr (1996), os anos 90 foram de uma verdadeira hegemonia neoliberal, “[...] no sentido gramsciano: a conversão de uma ideologia e de uma plataforma política de classe em “cimento” de um novo bloco histórico.” (BOITO JR, 1996, p. 81). É nesse sentido que os valores do mercado, da ineficiência do Estado e do desperdício de dinheiro público ganham coro inclusive nas classes populares, o que é fator determinante para a vitória eleitoral de Fernando Henrique Cardoso em 1994. O candidato Tucano fez promessas de inserir o Brasil no “primeiro mundo”, “[...] transformando-o numa economia adaptada ao figurino da globalização neoliberal”. (POCHMANN & BORGES, 2002, p. 10).

Comumente se associa a palavra neoliberalismo à Estado mínimo. No entanto, no Brasil a permanência da efetividade do controle do Estado foi o que possibilitou a inserção brasileira na nova ordem financeira internacional e permitiu a valorização da riqueza privada, as privatizações de empresas públicas e a acumulação de capital. O Estado permaneceu

9

Para o autor, a existência de uma massa de pessoas com salários muito baixos e vivendo de atividades ocasionais ao lado de uma minoria com rendas muito elevadas cria uma divisão na sociedade entre aqueles que podem ter acesso a maneira permanente a bens e serviços oferecidos e aqueles que não podem satisfazer suas necessidades. “Isso cria ao mesmo tempo diferenças quantitativas e qualitativas de consumo. Essas diferenças são a causa e o efeito da existência, ou seja, da criação ou da manutenção nessas cidades, de dois circuitos de produção, distribuição e consumo de bens e serviços” (SANTOS, 1978, p. 29).

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“mínimo”10

unicamente para as políticas sociais, principalmente as relacionadas com a regulação do mercado de trabalho.

Ainda do ponto de vista econômico, a obsessão por uma política fiscal e monetária restritiva, com intenções de beneficiar, sobretudo, os setores financeiros, gerou um quadro de permanência na estagnação econômica. Para Boito Jr (1996, p. 81) O objetivo era

[...] abrir novas áreas de acumulação para o capital privado (previdência, educação, saúde, transporte, etc), reduzir os investimentos em política social – “muito custosa e ineficiente” – e diminuir os impostos que incidem sobre as empresas – a palavra de ordem hoje é eliminar o denominado “Custo Brasil”.

Os principais beneficiários desse modelo de desenvolvimento foram os agentes econômicos externos, que viram no Brasil – seja pela utilização da âncora cambial ou dos juros elevados – uma possibilidade de valorização constante do seu capital. Para Gimenez essa política produziu e reproduziu “um padrão de baixo crescimento, subordinando a política econômica à lógica dos mercados financeiros globalizados” (GIMENEZ, 2008, p. 100).

A década de 1990, em síntese, representou um pífio crescimento econômico, inferior até mesmo ao que denominamos de “década perdida” nos anos 80. Esses resultados econômicos são ainda piores quando comparamos com as altas taxas de crescimento vivenciadas pelo Brasil no período considerado “desenvolvimentista”. O baixo dinamismo da economia mantém um sentimento de instabilidade na população, a qual não logra ganhos materiais concretos, nem mesmo pode ter esperança em uma possível melhora dentro dos marcos da hegemonia liberal. Segundo Pochmann (2002), entre 1981 e 1999 a renda per capta cresceu míseros 0,1% na média anual, enquanto que no período compreendido entre 1961 e 1980 o rendimento cresceu a uma taxa anual de 4%. Ou seja, uma diferença de 40 vezes. Essa situação contribui demasiadamente para a sensação de recessão permanente. Entre os anos 1990 e 2002 a participação dos rendimentos dos trabalhadores no PIB retrocedeu 13,4%, passando de 45,4% para 39,5% da renda nacional.

Esses elementos têm importantes impactos sobre o mercado de trabalho. Se na década de 1980, com a recessão e o baixo dinamismo o mercado de trabalho parou de absorver mão-de-obra como eram característicos da sua fase anterior, os anos 90 são marcados pela trajetória do desemprego aberto. Na década de 80, ainda, não foi possível

10 Utilizo aqui essa expressão para contraposição com o próprio preceito neoliberal de Estado Mínimo. Na

verdade o neoliberalismo no Brasil não prescindiu de um Estado mínimo. No campo das políticas sociais ele foi menos presente do que para as políticas pró mercado, mas deve-se considerar, por exemplo, o aumento expressivo do Gasto Social, vinculado a DRU, embora ele ainda permanecesse pequeno

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verificar uma desorganização do mercado de trabalho: o que ocorreu foi um limite ao crescimento e uma relativa estagnação da renda, isso em um quadro de recessão da atividade econômica. Já os anos 90 marcam a completa desestruturação do mercado de trabalho, o que só não foi pior haja vista a mobilização dos movimentos sociais. Pochmann e Borges registram que “a renda dos brasileiros sofreu brutal corrosão, perdendo peso no PIB. Milhões de trabalhadores foram jogados na informalidade, vegetando sem qualquer proteção legal” (POCHMANN & BORGES, 2002, p. 10). Nos anos 90 foi criada a Lei do Simples, que unificou os impostos e contribuições, reduzindo da parte do empregador o custo de contratação de mão de obra. Isso permitiu que o contrato de trabalho temporário se tornasse mais vantajoso para o empregador e precarizado para o empregado. Tal proliferação de novas modalidades de contratação de mão de obra não se restringiu apenas ao emprego assalariado. Isso pode ser melhor verificado pela emergência – especialmente a partir de 1994 – de cooperativas de trabalho que se destacavam não pela autogestão do trabalho, mas pelo seu disfarce para emergência de formas precárias de contratação. Nesse contexto ainda se expandiu e consolidou além da terceirização, a presença do trabalho autônomo, empresas sem empregado e o contrato via Pessoa Jurídica (KREIN, 2007; ARAUJO 2009). A efetividade do programa neoliberal aprofundou os sinais de desestruturação do mercado de trabalho com o crescimento combinado do desemprego, de postos de trabalho precários e do dessalariamento. (POCHMANN, 2002). Segundo Pochmann (2011) entre os anos de 1992 e 2002 a cada grupo de 10 novas ocupações que surgiam, 07 eram concentradas em apenas 4 categorias profissionais, a saber: trabalho doméstico, ambulantes, serviços de limpeza e manutenção e segurança. O modelo neoliberal aumentou a carga tributária em mais de 10 pontos percentual, e os setores mais atingidos por tal política econômica foram os trabalhadores da base da pirâmide social, posto que no Brasil existe uma estrutura tributária extremamente regressiva, que penaliza mais quem tem menos. Em que pese o aumento da carga tributária, o gastos públicos foram represados, e 20% das receitas da União foram para honrar os exorbitantes juros da dívida pública. Com isso, o quadro foi de um verdadeiro modelo calcado na improdutividade de ricos e rentistas, e sob profunda desvalorização do trabalho, ocorrido por uma lógica anacrônica do neoliberalismo (POCHMANN, 2010). A década de 90 foi marcada por uma sensação de dualidade entre a possibilidade de manter a estabilização monetária e assegurar empregos. O aumento da carga tributária ainda foi agravado por outra política recessiva, a contenção do gasto social a não mais que 19% do PIB, o que comprimiu ainda mais a pouca expansão do salário mínimo e manteve apenas 14% da população como receptora das políticas de garantia de renda. No que tange ao índice de Gini, esse passou para

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a casa de 0,6% e o rendimento do trabalho ficou abaixo de 40% do conjunto da renda nacional. (POCHMANN, 2010). Para completar esse cenário de pífio crescimento econômico, o Brasil saltou de uma importante posição relativa na economia mundial, figurando como a 8ª economia do mundo, para tornar-se a 14ª, isso tudo no decorrer de somente duas décadas.

Dentre os elementos que caracterizam a desestruturação do mercado de trabalho, o desemprego cumpre um papel fundamental. O percentual de desempregados a procura de trabalho no Brasil nunca teve números tão alarmantes, especialmente nos anos 1994-1998. Em 1998 o total de desempregados, segundo dados da PNAD, foi de 9,8% da população (GIMENEZ, 2008), e esse percentual é ainda significativamente maior entre os jovens e as mulheres. Pochmann aponta que “a construção do desemprego em massa seria assim transformado em um dos principais instrumentos usados pelos arquitetos do novo projeto para enfraquecer o sindicato de luta” (POCHMANN, 2002, p. 26), uma vez que o eminente risco da perda do emprego, conjugado com a recessão econômica, são elementos nocivos à mobilização e a ação sindical, que viveu um período de refluxo nesse período.

Outra importante característica do mercado de trabalho na década neoliberal foi a constante tentativa de flexibilização das relações trabalhistas (KREIN, 2007). Sem a indexação salarial, ainda que em um quadro de desaceleração inflacionária, os trabalhadores foram perdendo poder de compra. O abandono da política salarial em nome de uma suposta “livre negociação”, enfraqueceu ainda mais a presença e a atuação dos sindicatos, ficando o poder de pressão e de barganha da classe trabalhadora sujeita a fortes restrições. “A desregulamentação (do mercado de trabalho) suprime a política, como agente prioritário, na disputa dos interesses, e insere o mercado” (ROMÃO, 2006, p. 44). Segundo Baltar (2003)

os efeitos foram devastadores para o mercado de trabalho, fruto da junção de modernização com pouca importação, pouco investimento e lento crescimento, que foram acentuados por novas tendências de organização do trabalho nas empresas, que envolveram um forte movimento de terceirização.

A década de 90 ainda vivenciou uma extensa jornada de trabalho e a persistência do desasalariamento, fenômenos ocorridos de forma demasiada na década neoliberal. Dessa forma, pela primeira vez na historia, salvo situações específicas de recessão, o crescimento do emprego assalariado foi negativo, perdendo sua participação no total das ocupações. Oliveira (2010, p.4) destaca que,

cresceu a informalidade nos contratos de trabalho com perdas de direitos sociais e previdenciários, a indústria que oferecia melhores postos de trabalho perdeu participação no PIB, e seu emprego perde participação na PEA, o desemprego elevado tornou-se crônico. As privatizações estatais vieram acompanhadas de

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demissões em massa. E como consequência do adverso comportamento do mercado de trabalho, os sindicatos se enfraqueceram e perderam poder de negociação.

Ainda com relação ao desemprego, a sua manifestação aberta também é fruto de uma conta que não fecha, posto que a população crescia em média 2%, os empregos agrícolas diminuíam 5,2% e os urbanos aumentavam 1,6%. Ainda segundo Baltar (2003), o desemprego aberto passou de 5% da PEA em 1989 para 10,4% em 1999. Esses são números alarmantes e não só identificam um problema de absorção de mão-de-obra como um estreitamento do mercado de trabalho, Ainda segundo dados do autor o número de trabalhadores desempregados subiu de 3 para 8 milhões de pessoas.

Para Waldir Quadros (2008), a década de 90 consolidou um padrão de rebaixamento social, “inchando” o contingente de miseráveis e encolhendo cada vez mais os setores médios. Ainda segundo o autor, o patamar de miseráveis permaneceu estável dos anos 90 até o ano de 2004, “o que aponta para as limitações das políticas sociais focalizadas de distribuição da renda, e mesmo da recuperação real do salário mínimo, num quadro de baixo crescimento econômico.” (QUADROS, 2008, p. 17).

A década de 1990 consolida um movimento de mudança no perfil das ocupações produtivas, com crescente hegemonia da importância dos empregos ligados ao setor de comércio e serviços, que crescem 4% ao ano, e como fruto da Reestruturação Produtiva, que muda substancialmente as características da organização e o do perfil do trabalhador (ARAUJO, 2004). Para Baltar (2003) a queda na atividade econômica no início da década de 90 eliminou 15,8% dos empregos na indústria de transformação, além de deslocar trabalhadores das grandes empresas pra outras menores, geralmente utilizando-se da prática da subcontratação a fim de reduzir custos. Baltar (2003) explicita que, como um reflexo da economia subdesenvolvida, a década de 90 perdeu postos ligados aos empregos industriais e aumentou substancialmente os empregos no setor de serviços, especialmente os de serviços pessoais e domésticos. Esse cenário é um resultado da política de estabilização do Plano Real, que sob a âncora cambial de conversibilidade em dólar, sobrevalorizou demasiadamente o câmbio. Câmbio sobrevalorizado somado à juros estratosféricos são os ingredientes perfeitos para a perda de competitividade da indústria nacional. Para Laplane & Sarti (2006), essa política macroeconômica foi responsável pela desestruturação da indústria brasileira e a perda dos elos da cadeia produtiva nacional, colocando o Brasil na rota da “especialização

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regressiva” (CARNEIRO, 2002; COUTINHO et al 1997) e da desindustrialização, o que trouxe consequencias devastadoras para o tipo de emprego criado nos períodos seguintes.

É no quadro dessa caracterização da década de 90 que identificamos que o trabalho doméstico é demasiadamente sensível às oscilações da economia e do mercado de trabalho. Como veremos mais adiante na análise dos dados, o período dos anos 1990 marca a maior participação relativa do trabalho doméstico no total das ocupações e do emprego de mulheres. Nossa hipótese é que o crescimento do trabalho doméstico correlaciona-se positivamente com a recessão econômica e com a desestruturação do mercado de trabalho.

1.2. A inflexão dos anos 2000: crescimento econômico e políticas sociais

Não somente no Brasil, mas em grande parte da América Latina o neoliberalismo

entrou em crise11 nos anos 2000. As “promessas” de recuperação econômica e o crescimento

não se concretizaram. Como já mencionado anteriormente, o Brasil perdeu posição entre as principais economias mundiais e manteve sua participação entre os mais desiguais do mundo. Além disso, a persistência em garantir superávits na economia visando sinalizar para o mercado a solvência da dívida interna não gerou os resultados esperados, antes pelo contrário. A dívida pública interna quintuplicou nos anos 90, fruto da impossibilidade de realizar sua quitação com os juros em patamares exorbitantes. Em 2002, em que pese a forte atuação especulativa no mercado financeiro e os “alardes” da mídia sobre a possibilidade de quebra nos acordos e contratos, Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito Presidente da Republica pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Sua primeira manifestação pública foi a “carta aos brasileiros” que – se por um lado acalmou os ânimos do mercado financeiro – por outro sinalizou à esquerda e aos movimentos sociais que sua gestão teria mais continuidades do que rupturas com o modelo de governo de Fernando Henrique Cardoso.

Dessa forma, os primeiros anos do governo Lula são marcados pela busca de estabilidade macroeconômica, capaz de retomar o controle monetário e fiscal do país. Além disso, para controlar a inflação alta de 2002 o Banco Central operou uma forte elevação da taxa básica de juros da economia. No que tange ao aspecto fiscal o governo não só manteve mas aumentou a meta de resultados primários do setor público, mais uma vez sinalizando aos agentes financeiros o comprometimento do governo com o equilíbrio fiscal (BARBOSA &

11 No mesmo período histórico diversos países como Peru, Argentina, Uruguai, Bolívia e Equador transitam de

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SOUZA, 2010). Para garantir essa meta de resultados primários o governo teve que operar cortes em importantes áreas sociais.

O que para alguns autores se denomina de “ajuste necessário”, foi a continuidade de uma política econômica restritiva, com traços marcadamente neoliberais e que teve como resultado a desaceleração do crescimento econômico.

A partir de 2004-2005, no entanto, as disputas no interior da correlação de forças na sociedade e internas do governo se acirram e abre-se espaço para uma perspectiva mais “desenvolvimentista”, o que André Singer (2011) denominou de “química com menos neoliberalismo e mais desenvolvimentismo”. Além disso, a melhora no mercado internacional com o crescimento chinês impulsionou e valorizou os preços das commodities no mercado internacional. Considerando o balanço comercial, as exportações brasileiras saltaram de 60 bilhões de dólares para 118 bilhões, em um período que vai de 2002 a 2005 (BARBOSA, 2013). Nesse contexto favorável e ganhando espaço na agenda governamental uma perspectiva desenvolvimentista, o governo iniciou 2006 com uma política macroeconômica mais expansionista, tanto do ponto de vista fiscal quanto monetário. Dentre essas ações a prioritária foi a valorização real do salário mínimo ocorrida anualmente e que incorpora a inflação e o desempenho da economia. Outra política fiscal importante – embora não seja propriamente uma demanda popular e progressista – foi o crédito em geral e o consignado, em particular, que desconta diretamente do salário a parcela do empréstimo. É nesse sentido que Belluzzo (2013) aponta que o Brasil incorporou, com essas medidas, 16 milhões de famílias ao mercado de consumo, pelo crédito e pela elevação do salário mínimo. Se por um lado essas ações democratizaram o crédito, elas garantem também a segurança do capital bancário, em primeiro lugar.

Importante atentar para a relação entre o crescimento da economia brasileira, a partir de 2004, com a fase expansiva que resultou em condições favoráveis internacionalmente para a exportação de produtos primários.

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Gráfico 1Variação anual da taxa de crescimento do PIB entre os anos 1995 e 2014

Fonte: IBGE/ Elaboração própria.

Para Quadros (2008), embora o PIB tenha começado a apresentar sinais de recuperação, esse crescimento destoa radicalmente da fase “desenvolvimentista” da economia. (1930 - 1980) O desempenho da economia brasileira foi, para o autor, “medíocre” em relação ao seu passado de taxas altas e sustentáveis de crescimento. Para Quadros (2008), esse crescimento trouxe importantes reflexos nas melhoras das condições sociais, no entanto, ainda estamos impossibilitados de afirmar que não será mais um ciclo curto, com o qual tem vivido a economia brasileira desde 1981. Para o autor “este alcance limitado das melhorias sociais decorre fundamentalmente da baixa performance da economia brasileira, particularmente no que se refere ao desempenho industrial e suas articulações com os serviços”. (QUADROS, 2008, p. 8).

Segundo Singer (2011), esse período que se inicia no ano de 2006 marca a passagem da transição do Reformismo Forte, representado pelo programa democrático e popular da fundação do PT para um Reformismo Fraco; ou seja, as reformas passam a ocupar a agenda de governo, porém são pontuais, não incidem nas estruturas e são feitas sem rupturas com os interesses das classes dominantes. A partir das eleições de 2006 é possível verificar que esse modelo petista de governo conduziu a um realinhamento eleitoral, na leitura de Singer (2011), permitindo a entrada em cena de um novo ator com condições de influir na decisão eleitoral, que é o que ele denomina de “subproletariado”. Surge a partir do que ele

0,042 0,022 0,034 0,004 0,005 0,044 0,013 0,031 0,012 0,057 0,031 0,04 0,06 0,05 -0,002 0,076 0,039 0,018 0,027 0,001 -0,01 0 0,01 0,02 0,03 0,04 0,05 0,06 0,07 0,08 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

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conceitua como “lulismo”, um Estado capaz de auxiliar os mais pobres sem confrontar a ordem e sem polarizar interesses de classes. Portanto, os governos do PT teriam representado o que o autor chama de síntese das duas almas, que seria o beneficiamento dos interesses do capital ao mesmo tempo em que promove a inclusão dos mais pobres.

A hipótese aqui apresentada é que essas experiências dos anos 2000, ainda que com muitas ressalvas, lograram a construção de uma política de desenvolvimento que conjugou elementos divorciados da trajetória brasileira, a saber: a conquista de direitos civis, sociais e políticos. Segundo o historiador José Murilo de Carvalho (2001) houve um divórcio na construção desses distintos direitos de cidadania. Até o início do século XX o país não convivia com a plenitude dos direitos civis. Foi somente a partir da Revolução de 1930 que os direitos sociais passam a vigorar no cenário brasileiro, mediante a construção de Ministérios, da criação da Escola Pública e da consolidação das Leis referentes aos direitos do trabalho (CLT). Entretanto, tais avanços nas estruturas social e trabalhistas brasileira, paradoxalmente, só puderam ser conquistados na supressão dos direitos políticos, uma vez que a sua aprovação deveu-se a governança da ditadura do “Estado Novo”. Os direitos civis passam a se consolidar na sequência dos direitos sociais e os direitos políticos permaneceram instáveis, alternando períodos de ditadura com períodos democracia. Em 500 anos de história, 50 foram na vigência de um regime democrático, e sua ameaça ainda permanece uma constância. É com base na história brasileira de fragilidade democrática que manter esse período de ganhos sociais e participação popular não é tarefa desprezível. Nossa história também foi a da permanência durante muitos anos de um padrão de “cidadania regulada” (SANTOS, 1998), no qual nas décadas de 30 e 40 só era cidadão para o Estado aqueles trabalhadores que detinham registro em carteira de trabalho.

1.2.1. Caracterizando os governos nos anos 2000

A literatura das Ciências Sociais construiu alguns consensos em torno de conceitos e terminologias para designar determinados períodos históricos e modelos de desenvolvimento. Foi o caso da expressão “desenvolvimentismo” para caracterizar – grosso modo – o período que compreende dos anos 30 aos 80. Embora distintas formas de governo tenham sido vigentes, como a ditadura Vargas e a Ditadura Militar, o modelo econômico baseado na industrialização, nas altas taxas de crescimento e no importante papel do Estado foram elementos comuns. O termo “Neoliberalismo” surge para designar uma nova estratégia de desenvolvimento que retoma os principais pressupostos do liberalismo clássico, buscando

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