PGR-MANIFESTAÇÃO-66402/2016
RECLAMAÇÃO 21.984 – MINAS GERAIS
RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
RECLTE.
: MUNICÍPIO DE UNAÍ
PROC.
: PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO DE UNAÍ
RECLDA.
: JUÍZA DO TRABALHO DA VARA DO TRABALHO DE UNAÍ
Senhor Ministro-Relator:
1.
Resume o r. despacho que deferiu a liminar nesta Reclamação
21.984/MG:
“1. O Município de Unaí/MG articula com o desrespeito ao acórdão do Supremo prolatado na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16/DF. Visa anular a sentença do Juízo da Vara do Trabalho de Unaí/MG no Processo nº 86-43.2015.503.0096, por meio da qual restou afastada a vigência do § 1º do artigo 71 da Lei nº 8.666/93, considerada a jurisprudência consolidada nos itens IV e V do Enunciado nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Requer a concessão de medida acauteladora para suspender, até o julgamento final desta reclamação, a tramitação do processo trabalhista e, alfim, busca ver cassada a sentença questionada, de modo a garantir a autoridade do pronunciamento formalizado na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16/DF.
2. Nota-se haver sido afastado o § 1º do artigo 71 da Lei nº 8.666/93, no que exclui a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços. Saliento que, em 24 de novembro de 2010, o Plenário do Supremo julgou procedente o pedido formulado na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16/DF e assentou a harmonia do citado parágrafo com a Constituição Federal.
3. Defiro a liminar para suspender, até a decisão final desta reclamação, a eficácia da sentença proferida pelo Juízo da Vara do Trabalho de Unaí/MG no Processo nº 86-43.2015.503.0096, em relação ao reconhecimento de responsabilidade subsidiária do ente público.”
2.
Diz o reclamante que o processo trata de demanda trabalhista proposta
por empregado de empresa que presta serviços terceirizados ao Município de Unaí. A
ação trabalhista foi proposta contra a empresa e o Município.
3.
A sentença assim concluiu, ao condenar a Municipalidade: “restou
patente a culpa in vigilando do Município no decorrer da execução do contrato de
prestação de serviços, diante dos descumprimentos pelo primeiro Réu das mais
elementares obrigações trabalhistas, em especial o registro funcional e o pagamento
de salários”.
4.
Portanto, considerado o quadro fático, o julgado reclamado não
mostra descompasso com o que decidido pelo Supremo Tribunal na ADC 16/DF. É
que, não obstante o reconhecimento da constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei
8.666/93, a Administração Pública, na condição de tomador de serviços
terceirizados, deve ser responsabilizada quando configurada “situação de
responsabilidade subjetiva”.
5.
Reporto-me ao acórdão da Reclamação 19.281-AgRg/RS, relatada
pelo Ministro Celso de Mello:
Como tive o ensejo de enfatizar na decisão agravada, esta Suprema Corte, ao apreciar a ADC 16/DF, Rel. Min. CEZAR PELUSO, julgou-a procedente, para confirmar a constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, em julgamento que se acha assim ementado:
“RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária.Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente.
Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica.Consequência proibida pelo art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995.”
(ADC 16/DF, Rel. Min. CEZAR PELUSO)
É oportuno ressaltar, no ponto, que, em referido julgamento, não obstante o Plenário do Supremo Tribunal Federal tenha confirmado a plena validade constitucional do § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93 – por entender juridicamente incompatível com a Constituição a transferência automática, em detrimento da Administração Pública, dos encargos trabalhistas, fiscais, comerciais e previdenciários resultantes da execução do contrato na hipótese de inadimplência da empresa contratada –, enfatizou-se que essa declaração de constitucionalidade não impediria, em cada situação ocorrente, o reconhecimento de eventual culpa “in omittendo”, “in eligendo” ou “in vigilando” do Poder Público.
...
Cumpre assinalar, por necessário , que o dever jurídico das entidades públicas contratantes de bem proceder na seleção e na fiscalização da idoneidade das empresas que lhes prestam serviços abrange não apenas o controle prévio à contratação – consistente em exigir das empresas licitantes a apresentação dos documentos aptos a demonstrarem a habilitação jurídica, a qualificação técnica, a situação econômico-financeira, a regularidade fiscal e o cumprimento do disposto no inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição Federal (Lei nº 8.666/93, art. 27) –, mas compreende, também, o controle concomitante à execução contratual, viabilizador, entre outras medidas, da vigilância efetiva e da adequada fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas em relação aos empregados vinculados ao contrato celebrado (Lei nº 8.666/93, art. 67), sob pena de enriquecimento indevido do Poder Público e de injusto empobrecimento do trabalhador, situação essa que não pode ser coonestada pelo Poder Judiciário. ...
O exame da decisão reclamada, tendo em vista a situação concreta nela apreciada, revela que se reconheceu, na espécie, a responsabilidade subsidiária da parte reclamante, ora recorrente, em virtude de situação configuradora de culpa do Poder Público, não importando se “in vigilando”, “in eligendo” ou “in omittendo”.
Fundamental, no ponto, é o reconhecimento, por parte das instâncias ordinárias (cujo pronunciamento é soberano em matéria fático- -probatória), da ocorrência, na espécie, de situação configuradora da responsabilidade subjetiva da entidade de direito público, que tanto pode resultar de culpa “in eligendo” quanto de culpa “in vigilando” ou “in omittendo”.
Não vislumbro, desse modo,a ocorrência do alegado desrespeito à autoridade da decisão que esta Corte proferiu, com eficácia vinculante, no julgamento da ADC 16/DF.
De outro lado, e no que concerne à suposta transgressão à diretriz resultante da Súmula Vinculante nº 10/STF, não verifico, na decisão de que ora se reclama, a existência de qualquer juízo ostensivo, disfarçado ou dissimulado de inconstitucionalidade do art. 71 da Lei nº 8.666/1993 .
Na realidade, tudo indica que, em referido julgamento, o órgão judiciário reclamado apenas reconheceu, no caso concreto, com apoio no conjunto probatório produzido no processo trabalhista, a omissão do Poder Público em virtude do descumprimento de sua obrigação jurídica de fiscalizar a fiel execução das obrigações trabalhistas pela contratada, não havendo formulado juízo algum de inconstitucionalidade, o que afasta , ante a inexistência de qualquer declaração de
ilegitimidade inconstitucional, a ocorrência de transgressão ao enunciado constante da Súmula Vinculante 10/STF.
Tenho para mim, por isso mesmo, na linha do que tem sido iterativamente proclamado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Rcl 11.846/MG , Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – Rcl 12.486/SP , Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – Rcl 14.623/ES , Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, v.g.), que o ato objeto da presente reclamação não declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93 nem afastou, mesmo implicitamente, a sua incidência, para decidir a causa “sob critérios diversos alegadamente extraídos da Constituição” (RTJ 169/756-757, v.g).
Nem se diga, ainda, tal como pretendido pela parte reclamante, ora recorrente, que este pedido reclamatório deveria ser deferido, porque seriam insuficientes os elementos reveladores da inobservância, pela entidade pública contratante, do dever de fiscalizar o cumprimento, pela empresa prestadora de serviços, das obrigações trabalhistas decorrentes das relações de trabalho subjacentes ao contrato administrativo celebrado nos termos da Lei nº 8.666/93.
Na realidade, mostra-se inviável qualquer análise do quadro fático- -probatório concernente à reclamação trabalhista ajuizada contra a entidade pública contratante, que sustenta, em sua defesa, a ausência de demonstração, no âmbito da Justiça do Trabalho, de comportamento culposo atribuível a esse mesmo ente da Administração Pública.
Na verdade, o que a parte reclamante, ora recorrente, busca, em sede processualmente inadequada, é o reexame, por esta Suprema Corte, do substrato probatório sobre o qual se apoiou a decisão ora questionada, cuja fundamentação assenta-se no reconhecimento – previamente manifestado pelas instâncias ordinárias com apoio em provas produzidas nos autos – da conduta culposa atribuída à entidade pública contratante.
O Supremo Tribunal Federal, por tal motivo, defrontando-se com idêntica pretensão reclamatória, tem advertido, em sucessivos pronunciamentos (Rcl 14.732-AgR /DF, Rel. Min. LUIZ FUX – Rcl 14.932- -AgR/PR, Rel. Min. LUIZ FUX – Rcl 15.995-AgR/BA, Rel. Min. ROBERTO BARROSO – Rcl 16.784-AgR/SC, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, v.g.), não se mostrar cabível a utilização do instrumento constitucional da reclamação, quando objetivar, como sucede na espécie, a reavaliação de dados fático-probatórios subjacentes ao ato decisório de que se reclama.
...
A análise do pleito em questão evidencia que o órgão judiciário cuja decisão é impugnada nesta via reclamatória, longe de incidir em transgressão ao julgamento plenário da ADC 16/DF, procedeu, na realidade , ao reconhecimento da responsabilidade subsidiária da Administração Pública, para, em função de apreciação, pelas instâncias ordinárias, dos diversos elementos de prova produzidos no processo trabalhista, concluir pela ocorrência de comportamento culposo por parte da entidade pública contratante.
Torna-se claro, desse modo, que a decisão de que ora se reclama , precisamente porque não pronunciou a inconstitucionalidade da norma inscrita no § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93, manteve-se em consonância com o julgamento plenário proferido no exame da ADC 16/DF, restringindo-se, unicamente, à avaliação da prova produzida no processo em que postulado o reconhecimento da responsabilidade subsidiária da parte ora recorrente.
Mostra-se evidente, pois, presentes tais considerações, a inadequação do meio processual ora utilizado. É que a reclamação – constitucionalmente vocacionada a cumprir a dupla função a que alude o art. 102, I, “ l”, da Carta Política (RTJ 134/1033) – não se qualifica como sucedâneo recursal nem configura instrumento viabilizador do reexame do conteúdo do ato reclamado, eis que tal finalidade revela-se estranha à destinação constitucional subjacente à instituição dessa medida processual, consoante adverte a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”.