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CURCEP PROFª Drª CAMILA M PASQUAL ALUNO(A)

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CURCEP

PROFª Drª CAMILA M PASQUAL

ALUNO(A) _______________________________________________________

FOGO MORTO, DE JOSÉ LINS DO REGO

O REGIONALISMO DE 1930

A prosa regionalista da segunda fase modernista acentuou os debates em torno dos problemas sociais, políticos e econômicos da época. A luta do homem contra o homem, contra o meio hostil e contra os poderosos foi o tema principal dessas narrativas cujo estilo é chamado, por alguns críticos, de neorrealista: Lembrou-se então do sangue do preá, sujando o verde do capim; e neonaturalista: Sinhá roncava como os porcos do chiqueiro.

Essa prosa de ficção dos anos 1930 deu continuidade ao projeto dos primeiros modernistas de aprofundamento nos problemas brasileiros através de uma literatura regionalista, de caráter neorrealista, preocupada em apresentar os problemas e as desigualdades sociais do Brasil.

SITUAÇÃO HISTÓRICA

O período que se estendeu de 1930 a 1945 foi marcado por guerras, crise econômica e proliferação de governos ditatoriais. Esses fatos colocaram em cheque diversas ideologias, abalaram as estruturas sociais, agravaram os conflitos íntimos ou geraram o desajustamento do indivíduo diante do mundo.

No Brasil, a classe média urbana, parte dos militares e outros segmentos representativos da nação uniram-se para combater o apoio oficial à burguesia cafeeira. E a Revolução de Trinta acaba por colocar Getúlio Vargas no poder onde ele permanecerá ditatorialmente por 15 anos.

A REALIDADE NORDESTINA

A ideia de reunir um grupo de intelectuais em torno de um compromisso com a problemática nordestina surgiu em 1926. Nesse ano, Gilberto Freyre, José Lins do Rego, José Américo de Almeida, entre outros, organizaram o Congresso Regional do Recife. Alguns assuntos referentes à realidade do Nordeste foram discutidos e sugeridos como temas de uma literatura engajada, que denunciasse as "barbaridades" existentes na região.

Entre os assuntos abordados destacam-se: o latifúndio; o fenômeno cíclico da seca; o modelo arcaico e colonial das instituições e das relações capital-trabalho; a violência social alimentada pelo surgimento de bandos armados; o fanatismo religioso. O coronelismo que comprava o poder e a impunidade, e pagava seus prejuízos com a violência e a morte.

Publicado em 1943, Fogo Morto é a última obra-prima desse regionalismo neorrealista surgido no Brasil durante a década de 1930:

José Lins do Rego, um dos principais representantes dessa linha regionalista de nossa literatura de ficção, aponta as mazelas da situação política, econômica e social do Brasil. Nessa época, as oligarquias açucareiras começaram a ser superadas e dominadas por um governo apoiado e sustentado em acordos de interesses com as oligarquias cafeeiras representadas pelos coronéis dos municípios. Destaca-se agora o Brasil pobre, feio, doente, faminto, escondido que estava sob a capa ilusória de "país civilizado". Aparecem os problemas mais graves: o baixo nível de vida, o banditismo, a superstição, uma população dominada por minorias poderosas. Esse tipo de regionalismo crítico aparecerá também nas obras de Jorge Amado, Graciliano Ramos e Rachel de Queiroz.

Fogo Morto é o último da série de romances a que o próprio José Lins do Rego, influenciado pelo regionalismo de Gilberto Freyre, chama de ciclo da cana-de-açúcar.

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O ciclo apresenta, o processo de decadência dos engenhos da zona da mata nordestina, que perdem seu poder e são engolidos pelas forças emergentes da usina e do capitalismo moderno.

O AUTOR

José Lins do Rego (1901-1957) nasceu na Paraíba, no engenho de açúcar do avô materno, estudou o secundário em João Pessoa e fez Direito em Recife. O autor conviveu com os grandes autores nordestinos da época: Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Jorge de Lima, José Américo de Almeida, Gilberto Freyre e Amando Fontes.

Seus avós e seus pais sempre foram ligados ao mundo rural do Nordeste açucareiro, às senzalas e aos negros. Esse mundo do patriarcalismo rural é reconstituído pelo autor, que não tem medo de dizer que dele se beneficiou. Aos 34 anos transfere-se para o Rio de Janeiro onde passa o resto de sua vida.

Em 15 de setembro de 1955 é eleito para a Academia Brasileira de Letras. Dois anos depois, em 12 de setembro de 1957, falece no Rio de Janeiro.

Suas principais obras são: Menino de Engenho, Doidinho, Banguê, Moleque Ricardo, Usina, Riacho Doce e Fogo Morto.

A OBRA

Integrante tardio do ciclo da cana-de-açúcar e ambientado na Paraíba, Fogo Morto (1943) é uma espécie de síntese de toda a obra ficcional do autor. De feição realista, a narrativa revela o processo das mudanças sociais, políticas e econômicas ocorridas no Nordeste brasileiro, no período que vem desde o Segundo Reinado até as primeiras décadas do século XX.

Embora já tivesse dado o ciclo por encerrado com a publicação de Usina, em 1936, José Lins do Rego lançaria Fogo Morto sete anos mais tarde. Nesta obra, ele retoma a ideia nuclear dos romances anteriores, assim como a imagem do engenho Santa Rosa e a figura do coronel José Paulino, ainda que de maneira periférica. E Fogo Morto passa a ser a maior obra do ciclo, pois, ao minimizar o caráter autobiográfico e nostálgico das obras precedentes, o romancista paraibano, que lembra um contador de histórias marcadas pela oralidade e pela naturalidade, acrescenta a essa extraordinária facilidade de narrar, a objetividade e a consciência compositiva que o caráter sentimental e espontâneo das obras anteriores encobria. Considerado a obra-prima do autor, esse romance regionalista mostra o declínio dos engenhos de cana-de-açúcar nordestinos e traça amplo perfil das figuras decadentes que giravam em torno dessa atividade econômica.

Os engenhos eram, originalmente, estabelecimentos agrícolas destinados à cultura da cana e à fabricação do açúcar. Com a chegada do capitalismo e da industrialização, as usinas começaram a comprar dos engenhos sua produção bruta, a cana-de-açúcar ainda não processada. Os engenhos passaram, então, apenas a vender a matéria-prima às usinas. O processo fez com que a maior parte dos engenhos fosse, aos poucos, deixando de "botar", de moer a cana para a fabricação do açúcar, tornando-se engenhos "de fogo morto". Perdem, assim, boa parte de seu poder e se tornam reféns dos preços pagos pelas usinas. É como se encontra, ao final de Fogo Morto, o decadente engenho Santa Fé:

O mestre Amaro parou um pouco junto ao paredão do engenho, e reparou nos estragos que a chuva fizera nos tijolos descobertos. Pareciam feridas vermelhas. O bueiro (chaminé) baixo, e a boca da fornalha escancarada, um barco sujo. Lembrou-se dos tempos do Capitão Tomás de quem seu pai lhe contava tanta coisa, das safras do capitão, da botada com festas, das pejadas (paradas na moagem), com a casa a purgar cheia de açúcar.

Este romance pode ser visto, então, como um documento sociológico e econômico do Nordeste, em que a oligarquia composta pelos senhores de engenho se vê ameaçada com a chegada do capital proveniente da industrialização, embora no livro não apareça explicitamente a produção industrial do açúcar.

Na obra, José Lins do Rego mostra a vida do homem do campo e dos agregados que vivem em torno dos engenhos; o forte poder patriarcal presente em todas as relações sociais do nordeste canavieiro; o coronelismo com a manipulação do poder, da política e dos órgãos públicos; a violência gratuita, perversa e desumana da polícia; as ações criminosas, muitas vezes encomendadas pelos poderosos, de jagunços e cangaceiros. A trama do romance,

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portanto, envolve complexas tensões entre casa-grande x senzala, homens x mulheres, brancos x pretos, cangaço x governo etc. E escancara uma realidade de violência, racismo, machismo e loucura, temas (ainda!) tão contemporâneos.

A estruturação da obra em três partes é fundamental para se entender melhor o intrincamento dessas relações e da violência que sob várias formas perpassa toda a obra.

LINGUAGEM

Os regionalistas de 1930, como Jorge Amado, Graciliano Ramos e José Lins do Rego, assim como o modernismo inicial, enfatizam o uso da linguagem coloquial, popular, na obra de arte literária. Porém, enquanto os modernistas de 22 procuravam "escrever errado", reproduzindo as incorreções gramaticais da fala popular, os regionalistas de 1930 escrevem com simplicidade, porém, desrespeitando apenas ocasionalmente a norma culta da língua portuguesa.

Quando José Lins do Rego publicou Fogo Morto, já não se discutia mais a necessidade de renovar a linguagem literária brasileira na ficção. O compromisso regionalista de José Lins do Rego é, sobretudo, de âmbito popular, é a linguagem popular da Paraíba, isolada de influências externas, conservada em sua autenticidade regional, que o escritor utiliza. É a linguagem dos poetas populares, distribuída, agora, comum ritmo narrativo mais tradicional.

José Lins traz para a literatura a estilização da linguagem regional com absoluta autenticidade espontânea e pura, colhida na própria fonte, sem influência erudita.

Assim, podemos observar essa diretriz no romance Fogo Morto: o ritmo fraseológico remontando a mais antiga tradição dos contadores de histórias, que foram os únicos artistas populares do Nordeste. Ora, os romances do ciclo da cana-de-açúcar são, uns mais, outros menos, memorialistas. Essas memórias enraízam-se também na linguagem dos cantadores nordestinos, nessa literatura oral de que o romance de José Lins contém traços marcantes:

... Os negros do capitão tinham fama. Diziam que no Santa Fé negro só comia uma vez por dia, que couro comia nas suas costas, nos castigos tremendos. O fato era que a escravatura do Santa Fé não andava nas festas do Pilar, não vivia no coco como a do Santa Rosa. Negro do Santa Fé era de verdade besta de carga. O capitão dizia ele mesmo que negro era só para o trabalho. Ele, não era negro e vivia de manhã à noite fazendo sua obrigação. E assim o Santa Fé ficara um engenho triste. De vez em quando, tendo que batizar uma filha, dava uma festa. Vinham outros senhores de engenho, alguns parentes do Ingá. Mas aquilo não era do gosto do capitão. Era homem duro, era homem para amanhecer no roçado, de cacete na mão como feitor, fazendo a negrada raspar mato, furar terra, plantar cana. Não havia chuva que o impedisse de sair de casa, não havia sol quente que lhe metesse medo...

TEMÁTICA

O tema central de Fogo Morto é o mundo decadente do Santa Fé, a história do poderoso engenho, desde sua fundação até o declínio, quando se transforma em engenho de "fogo morto", expressão com que, no Nordeste, são chamados os engenhos inativos:

Agora viam o bueiro do Santa Fé. Um galho de jitirana subia por ele. Flores azuis cobriam-lhe a boca suja.

— E o Santa Fé quando bota (começa a moer cana), Passarinho? — Capitão, não bota mais, está de fogo morto.

O enredo do romance, que escancara o desajuste das pessoas diante da realidade, gira em torno de três personagens, que são as mais fortes personagens da criação ficcional do autor. São elas: Mestre Amaro, o artesão; Coronel Luís César de Holanda Chacon, o senhor de engenho decadente; e Capitão Vitorino Carneiro da Cunha, sem dúvida, a personagem mais bem construída do livro e de toda a obra de José Lins do Rego. Vemos no livro um minucioso levantamento da vida social e psicológica dos personagens que vivem nos engenhos da Paraíba e ao redor deles, por meio de três novelas interligadas pela história pungente dessas três personagens trágicas.

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Duas terríveis solidões se defrontam: a de Lula e a de Zé Amaro. O mestre Amaro bate raivosamente o martelo nas solas enquanto Lula vai pelas estradas no seu cabriolé, a tilintar insistentemente as campainhas, numa afirmação de soberba e poder.

O autor cria, assim, um romance carregado de tristeza e pessimismo, clima esse reforçado pela imagem do Capitão Vitorino Carneiro da Cunha, o Papa-Rabo, figura ao mesmo tempo patética, poderosamente dramática e inesquecível.

As três personagens entrecruzam-se no espaço e no tempo narrativo. E o resultado é uma narrativa multifacetada, com pluralidade de visões, revelando o imenso painel da sociedade rural do Nordeste, na transição da economia mercantil para a economia pré-capitalista:

José Passarinho ergueu a cabeça. Era como se tivesse voltado de muito longe. Os olhos vermelhos fixaram-se no velho Vitorino. Fez um grande esforço para prestar atenção no que via.

— É o Capitão Vitorino?

— Cala a tua boca, negro cachaceiro.

— Capitão não ofenda. Eu sei que o senhor é brabo. Brabo também sou. Se vem para mim de punhal eu vou de pernambucana.

O Capitão Vitorino não deu ouvidos. Pela estrada passava naquele instante, enchendo o mundo do tilintar de suas campainhas, o cabriolé do Coronel Lula. Fizeram cumprimentos da carruagem. O mestre José Amaro não se levantou como de costume. Vitorino tirou o chapéu de pano, e o negro José Passarinho, já de pé, falou:

O velho Lula anda agora na reza que nem penitente. Me disseram que na casa dele até cachorro sabe padre-nosso.

O capitão, como se o negro não estivesse presente, voltou a falar:

— Este Lula de Holanda está brincando comigo. Soube que D. Amélia chamou a minha mulher para falar de mim. Tenho lá medo de Lula de Holanda? Aquilo é boi de cu branco. ESPAÇO E TEMPO

A história se passa no município de Pilar, na Zona da Mata paraibana, às margens do Rio Paraíba, distante cerca de 50 quilômetros de João Pessoa, próximo a Itabaiana. A maior parcela da ação se desenvolve nas terras do engenho Santa Fé, localizado nos arredores do Pilar.

O desenrolar dos acontecimentos se dá durante os primeiros anos do século XX, com uma regressão temporal à época da fundação do engenho Santa Fé, em 1850. A história do engenho é traçada rapidamente até o momento narrado, e as ações sem si não duram mais do que alguns meses:

— O Capitão Tomás Cabral de Melo chegara do Ingá do Bacamarte para a Várzea do Paraíba, antes da revolução de 1848, trazendo muito gado, escravos, família e aderentes. Fora ele que fizera o Santa Fé. Havia aquele sítio pegado ao Santa Rosa, e como o velho senhor de engenho, o antigo Antônio Leitão, não quisesse ficar com aquelas terras, ele ali se fixara. Era homem de pulso, de muita coragem para o trabalho. Ele mesmo dera ao engenho que montou o nome da Santa Fé. Tudo se fizera a seu gosto. Depois comprou aos índios algumas quadras da catinga, e o Santa Fé pode subir para os altos, ter sua pequena mata de angico, crescer um pouco junto ao mundo que era o Santa Rosa.

PONTOS DE VISTA

Feita por um narrador observador onisciente1, em terceira pessoa, a narração é complementada por reiterados diálogos entre os personagens e por inúmeros monólogos interiores com que o narrador se identifica com os personagens revelando seus sentimentos, ideias e a versão deles sobre os acontecimentos.

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É aquele que sabe de tudo. Há vários tipos de narrador onisciente, mas podemos dizer que são chamados assim porque conhecem todos os aspectos da história e de seus personagens. Pode, por exemplo, descrever sentimentos e pensamentos das personagens, assim como pode descrever coisas que acontecem em dois locais ao mesmo tempo.

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O Capitão Vitorino Carneiro da Cunha atravessava as terras do Coronel Lula de Holanda, do Santa Fé. Ali era a grande aroeira que dava mal-assombrado. Ele não acreditava. Ele não tinha medo de coisa viva, nem de coisa morta. Passou a pé uma mulher de saia vermelha.

— Bom dia, Seu Vitorino.

— Dobre a língua, não sou da sua laia. Capitão Vitorino. Paguei patente foi para isto. — Me desculpe, Seu Vitorino.

— Vá se danando. Vá atrás dos seus machos. — Cala a boca, velho debochado.

Vitorino quis levantar a tabica agressivamente. A mulher correu para cima do barranco e abriu nos desaforos:

— Velho mucufa. Quem é que não te conhece, cachorro velho. — Papa-rabo — gritaram mais adiante.

— É a mãe.

A mulher deixou a estrada e o Capitão Vitorino foi continuando sua viagem. Com pouco mais era a casa do mestre José Amaro. Sim, era o José Amaro da Silva, eleitor de voto livre, o seu compadre José Amaro. Pelo seu gosto o padrinho do seu filho Luís seria o primo José Paulino. Mas a sua mulher tomou o seleiro. Mulher teimosa, de vontade, de opinião. Queria era chamar, encher a boca com um "meu compadre José Paulino". O diabo da mulher escolhera o outro.

TESTES

(UFPR 2014) Em relação ao romance Fogo morto, de José Lins do Rego, identifique as seguintes afirmativas como verdadeiras (V) ou falsas (F):

( ) Por razões de orgulho pessoal, o Mestre José Amaro manifesta em relação ao Coronel Lula de Holanda uma altivez inesperada, dadas suas respectivas posições de poder.

( ) Os destinos pessoais de Marta, Olívia e Neném estão diretamente associados à posição social da mulher no contexto histórico representado.

( ) Apesar das suas limitações no presente, o romance mostra que o capitão Vitorino, dada a justiça das suas opiniões, seria capaz de influenciar positivamente a vida política da região em algum momento futuro.

( ) Na última parte da obra, os cangaceiros, liderados pelo capitão Antônio Silvino, e as forças da lei, representadas pela polícia, aparecem distintamente separadas como figurações do bem e do mal.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta, de cima para baixo. a) V – F – V – V. b) F – V – F – V. c) F – F – V – V. d) V – V – V – F. e) V – V – F – F. PERSONAGENS

Dezenas de personagens povoam as páginas desta obra, com suas variadas profissões, seus dramas e doenças, com suas crendices, maledicências e superstições. A maioria é composta de pessoas pobres, ignorantes, dependentes dos favores dos poderosos e ricos e da ajuda dos amigos e vizinhos.

Essas inúmeras figuras formam vasto painel de tipos humanos que compõem o retrato fiel da realidade humana da região.

Fogo Morto é dividido em três partes. Cada uma delas traz no título o nome de um dos três personagens principais do romance. Mas as três partes se entrecruzam, os personagens aparecem ao longo de todo o livro.

O mestre José Amaro, seleiro pobre e orgulhoso; o coronel Lula de Holanda. Senhor de engenho inepto e decadente; e Vitorino Carneiro da Cunha, o papa-rabo, herói quixotesco, defensor estabanado dos oprimidos, interagem constantemente e a vida e a história de cada um deles está intimamente ligada à história dos outros e do desenvolvimento daquela região canavieira.

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Cada uma das personagens principais representa, na verdade, uma classe social da população nordestina.

As três personagens centrais estão envolvidas por um cenário de miséria e doenças, pela politicagem corrupta e pela prepotência das autoridades e dos poderosos que defendem as minorias fortes e que, por comodismo e covardia, respeitam até os cangaceiros.

Mestre José Amaro — Seleiro, vive e trabalha num rancho dentro das terras do engenho Santa Fé, à beira da estrada por onde passa todo o movimento da região. É um aderente, agregado, trabalhador branco e livre que sente orgulho dessa condição, mas tem consciência de que é explorado pelos poderosos, sente-se impotente e vive revoltado. Como alternativa para provar sua coragem, empresta apoio como pode ao cangaço, vendo em Antônio Silvino, chefe do bando, por quem alimenta grande admiração e respeito, um modelo de resistência, valentia e justiça contra os grandes.

— É verdade que senhor de engenho nunca me botou canga. Vivo nesta casa como se fosse dono. Ninguém dá valor a oficial de beira de estrada. Se estivesse em Itabaiana estava rico. Não é lastimar, não. Ninguém manda no mestre José Amaro. Aqui moro para mais de trinta anos. Vim para aqui com meu pai que chegou corrido de Goiana. Coisa de crime que ele nunca me contou. [...]

Sentado em seu tamborete, o velho José Amaro parou de falar. Ali estavam os seus instrumentos de trabalho. Pegou no pedaço de sola e foi alisando, dobrando-a, com os dedos grossos. A cantoria dos pássaros aumentara com o silêncio. Os olhos do velho, amarelos, como que se enevoaram de lágrima que não chegara a rolar. Havia uma mágoa profunda nele. Pegou do martelo, e com uma força de raiva malhou a sola molhada. O batuque espantou as rolinhas que beiravam o terreiro da tenda. Pela estrada passava um comboio de aguardente. [...]

— O senhor não vai votar, seu José?

—Olhe, seu Pascoal, pode dizer por aí por toda parte, que o mestre José Amaro só vota num homem. É no Capitão Antônio Silvino.

— Está falando sério, seu José? — Mais do que sério.

— Não vá atrás de brincadeira de Zeca, seu Pascoal.

—Brincadeira o quê? Estou dizendo que vou votar no Capitão Antônio Silvino. Por que não voto nele? Porque é cangaceiro, porque anda por aí com o seu grupo atacando os ricos? Os bichões da Ribeira dão banquete a ele como governador, andam cheirando a bunda dele.

Sinhá e Marta — Respectivamente, mulher e filha do mestre José Amaro. Sinhá, mais velha que o marido, sente por ele um misto de raiva, medo e aversão. Chegara a sentir nojo do cheiro dele principalmente quando engravidara, agora sofre, como sempre sofreu, calada, como escrava, sem direito a levantar a voz, a dar uma opinião. A filha, aprendera a ler e a escrever, bordava e cozinhava, vivia quieta pelos cantos, até que ficou completamente maluca, tendo ataques que o pai tentava curar com surras:

Sabia que sua mulher se casara com ele porque não encontrara outro. Estava ficando no caritó (ficando para tia) e aparecera ele com promessa de casamento. Fingiu que gostava dele para não ficar moça velha, como agora ia ficando a filha. Uma moça velha. [...]

A velha Sinhá não sabia mesmo o que se passava com o seu marido. Fora ele sempre de muito gênio, de palavras duras, de poucos agrados. Agora, porém, mudara de maneira esquisita. Via-o vociferar, crescer a voz para tudo, até para os bichos, até para as árvores. Não podia ser velhice, a idade abrandava o coração dos homens. Pobre da Marta que o pai não podia ver que não viesse com palavras de magoar até as pedras. Por ela não, que era um resto de gente só esperando a hora da morte. Mas não podia se conformar com a sorte de sua filha. O que teria ela menos que as outras? Não era moça feia, não era moça de fazer vergonha. E, no entanto, nunca apareceu rapaz algum que se engraçasse dela. Era triste, lá isto era. Desde pequena via aquela menina quieta para um canto e pensava que aquilo fosse até vantagem. [...]

Estava com mais de trinta e agora aparecera-lhe aquele nervoso, uma vontade desesperada de chorar que lhe metia medo. Coitada da filha. E depois ainda por cima o pai nem podia olhar para ela. Vinha com gritos, com despropósitos, com implicâncias. O que sucederia à sua filha, por que Deus não lhe dera uma sina mais branda? Pensava assim a velha Sinhá enquanto na tenda o mestre Amaro batia sola.

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Coronel Lula de Holanda (Luís César de Holanda Chacon) — Representa a aristocracia arruinada dos engenhos. Preguiçoso e autoritário, perde toda a herança e arruína o Engenho Santa Fé que recebeu com a morte do sogro. Mesmo sem poder econômico, não renuncia ao orgulho despótico de senhor feudal, nem deixa de lado a vaidade e arrogância, mantendo as aparências de poder e riqueza. É humilhado pela decadência, sofre as pressões do cangaço, refugia-se na carolice religiosa, no apego ao passado, isola-se, fecha-se em seu mutismo, na sua solidão patética:

Seu Lula rezava muito. Ajoelhado, de rosário na mão, batia com os beiços na oração, como um beato. O Cônego Frederico achava bonito aquilo. Era o único senhor de engenho que dava um exemplo daquele. Fora por isto que, no tempo do inventário do capitão, procurara o rapaz para aconselhá-lo. Não devia brigar com a sogra. Seu Lula, porém, não lhe dera ouvidos. Pensara que aquela piedade, aquele rezar pudesse ajudá-lo a compreender as coisas. Não. Ele queria o que era de direito. O juiz não lhe deu direito nenhum. Dona Mariquinha faria o que quisesse para o Dr. Gouveia. O velho magistrado dava suas sentenças conforme o seu direito. Nada de genros roubando sogras. Lá em sua casa estivera Seu Lula. O juiz disse-lhe o diabo. Ali na Ribeira não era lugar para caça-dotes.

D. Amélia — Filha do Capitão Tomás, falecido dono do Santa Fé e de D. Mariquinha, é a mulher do coronel Lula de Holanda. Irmã de D. Olívia, que, totalmente maluca, "andava sem parar, da sala de visita para a cozinha, o dia inteiro, com a cabeça branca como lã de algodão", rindo e chorando, falando sozinha em voz alta, dizendo coisas sem nexo.

D. Amélia representa a aristocracia feminina feudal do Nordeste. A moça alegre e bonita foi-se transformando numa mulher triste, calada e reclusa. Fora educada em Recife, tocava piano, falava francês, bordava com mãos de anjo e, agora, vivia presa à tristeza do sertão:

Era a senhora de engenho mais bonita da Ribeira. Nunca ouvira uma palavra feia naquela boca. Nunca a vira aos gritos com os outros, metida na cozinha para ouvir conversa de negras. Falavam dela, por isto, falavam do gênio esquisito, de viver calada para um canto. [...] Era moça de prendas, de educação muito fina. Lembrava-se dela naquele mesmo carro que ainda corria pela estrada, com o seu ar de rainha, aquela beleza tão mansa, tão quieta que o povo chegara a desconfiar. [...] Tudo era bem diferente do que via hoje. Tudo era mais cheio de alegria. [...] Agora era aquela velha, muito mais velha do que a idade que tinha. O Coronel era aquele homem que ninguém entendia, metido dentro de casa, cheio de tanta soberba. Tinha aquela filha que estudara nas freiras do Recife. Era moça de mais de trinta anos, tão cavilosa, enterrada no quarto, lendo livros, com medo de gente.

D. Neném — Filha do Coronel Lula e de D. Amélia, foi criada quase que exclusivamente pelo pai. Depois da morte do sogro, não tendo conseguido botar imediatamente a mão na fortuna, tornou-se inimigo da sogra, D. Mariquinha. Torturou a velha impedindo-a de cuidar da neta e aproveitando todas as ocasiões para extravasar seu ódio contra ela. A avó sofria calada, ouvindo o choro da neta doente, sem poder fazer nada:

O segundo filho de D. Amélia nascera morto... O capitão desconsolado, andou triste, mais calado, mas a filha Neném tinha aqueles cabelos louros, aqueles olhos azuis que lhe enchiam a alma de alegria. [...]

Chegou a abolição e os negros do Santa Fé se foram para os outros engenhos... (D. Amélia pensava no marido). Agora não parecia que a quisesse como antigamente. Via-o no pegadio com a filha que voltara do colégio de Recife, uma moça feita. Neném era a cara do pai. Dela não tinha coisa nenhuma. Achava linda a sua filha. Tinha aqueles cabelos louros, e os olhos azuis, a pele macia, branca como alfenim. E era uma menina doce, tão sem gênio que encantava a todo mundo. Viera do primeiro ano do colégio das freiras, cheia de devoção, com modos de moça. O pai cercava-a de cuidados, de um zelo que ela, como mãe, achava até exagerado. [...]

Neném era como se só fosse filha dele. Lula fazia de pai e mãe da menina... Lula fazia de Neném toda a razão de sua vida. Quando a menina estava no colégio escrevia cartas compridas, longas cartas que ela não sabia o que mandavam dizer. Que assunto teria o seu marido para escrever tanto a uma filha moça de colégio? [...]

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O Capitão Lula de Holanda passava dias e dias sem dar uma palavra. Só a filha tinha força para arrancá-lo daquele mutismo. Tudo o que pensava, tudo o que imaginava era para ela. Às vezes surpreendia-se embevecido, como se estivesse enamorado pela filha.

Capitão Vitorino Carneiro da Cunha (Papa-Rabo) — Uma das maiores criações e José Lins do Rego, o Capitão Vitorino é o defensor dos mais pobres e dos oprimidos. Representa o eterno opositor, corajoso, que aceita todas as lutas, um idealista em defesa dos mais fracos. Plebeu e ao mesmo tempo aristocrata pelo parentesco com o coronel José Paulino, outorga-se o título, comprado, de capitão.

Frequentemente fazem-se comparações entre Vitorino e a figura de D. Quixote, de quem ele tem o idealismo, o espírito de luta em favor dos fracos e pela justiça. Falastrão, gabola, ridículo, gritando e vangloriando-se de suas façanhas, Vitorino monta uma égua velha, magra, remelenta, cheia de feridas nas costas, com os arreios em petição de miséria. É objeto de brincadeiras e deboches por parte de moleques que o irritam, procuram derrubá-lo da montaria e o chamam de "Papa-Rabo", por ter a mania de cortar o rabo dos animais. Ele reage furiosamente com palavrões, gritos e ameaças sem efeito e por isso se torna motivo de chacotas, risadas e piadas.

Vitorino é um misto de D. Quixote e Sancho Pança, que em suas andanças e na busca ingênua de justiça, estabelece vínculos e relações entre as personagens, servindo como ponto catalisador da narrativa:

A égua vazava água por um dos olhos e a brida arrebentada enterrava-lhe de boca adentro... A cara larga do velho, toda raspada, os cabelos brancos saindo por baixo do chapéu de pano sujo, davam-lhe um ar de palhaço sem graça. [...]

Um moleque escondido atrás duma moita de cabreira apareceu de repente na frente do animal para espantá-lo.

— Papa-Rabo, Papa-Rabo!

— Papa-Rabo é a mãe, filho da puta.

E o moleque a gritar, quase nas pernas do velho enfurecido. Vitorino queria que a égua tivesse força para atropelar o atrevido; fincava as esporas, e nada: era aquele passo preguiçoso. Aquele arrastar de ossos velhos. [...]

— Boa tarde, comadre Sinhá. A velha não vai indo bem, não. Anda numa ciumeira danada...

— O compadre também não cria juízo!

— Mais do que tenho, minha comadre, só mesmo se fosse monge. — E deu uma risada estrondosa. [...]

O mestre José Amaro ouvia o compadre sem uma palavra. Parou de trabalhar. Aquele velho era como se fosse uma criança grande, um menino levado dos diabos. No fundo, naquele instante, ele admirava Vitorino. Vitorino dizia tudo o que ele desejava dizer. Tudo que lhe ia na alma sobre os grandes da terra era o que aquele velho desbocado gritava aos quatro ventos, na cara dos poderosos. [...]

José Passarinho foi andando, e quando chegou na estrada voltou-se para a tenda, e com todas as forças gritou:

— Papa-Rabo!

E deitou a correr. Lá de longe ainda se ouvia a gritaria do negro. "Papa-Rabo!" O mestre José Amaro olhou para o compadre e descobriu na cara dele uma mágoa. Era a primeira vez que ele sentia aquilo no velho. Estava triste o Capitão Vitorino Carneiro da Cunha. A égua batia com as patas no chão duro e as moscas que tinham dormido em cima de José Passarinho cobriam o lombo feridento da montaria do capitão. [...]

O mestre José Amaro não insistiu para que o compadre ficasse. Chegou-lhe de repente uma vontade de ficar só, de refugiar-se nas suas conversas íntimas. E quando o velho Vitorino foi desaparecendo na estrada, ao passo tardo da besta arrasada, uma pena, como ele nunca tinha sentido por ninguém enchia-lhe o coração. O compadre Vitorino não era, naquele minuto, o bobo que lhe causava repugnância, era um homem que ele amava, que ele queria defender do motejo dos outros, da impiedade dos moleques, da ruindade dos homens.

Comadre Adriana — É a esposa do Capitão Vitorino. Quando, ainda moça, chegara ao sertão fugindo da seca com a família morrendo de fome, fora socorrida por D. Amélia. Agora, ouve as conversas e fuxicos sobre seu marido e sobre o mestre José Amaro e os defende das maledicências. Sofre com as loucuras do marido. Trabalha para sustentar a casa

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sozinha, pois Vitorino fica, às vezes, dias sem aparecer, sem dar notícias, correndo o mundo, dando desgosto. Muitas vezes teve que pedir ajuda a amigos e conhecidos para tirar o marido das encrencas em que se metia, ou para tratar dos ferimentos que ele arranjava nas brigas ou nas surras que levava:

Conversava a velha Adriana com uma negra da cozinha do Santa Fé. Trabalhava a mulher de Vitorino na castração dos frangos de D. Amélia. Só ela por aquelas bandas tinha mão e ciência para aquele serviço. Vivia de engenho a engenho à espera da lua nova, ou do quarto minguante, para operar com sucesso. [...]

A velha Adriana despediu-se. Já estava na estrada e ouvia a fala, aos gritos, do mestre José Amaro...

O que é que tinha de verdade o seu compadre? Que raiva era aquela? Nunca o vira tão amarelo, com os olhos como se fossem gemas de ovo. Devia ser que a doença estivesse apertando. E Vitorino? Ficou com medo. Quando o marido dava para implicar com uma criatura ficava uma coisa impossível. [...]

Correu para perto do marido. Corria um fio de sangue de seu rosto. Era um homem branco, era um homem bom, uma criança sem juízo, e um desgraçado fazia aquilo com ele... Vitorino dormia como um justo. Foi buscar um lençol e cobriu o pobre marido. Era um menino de cabelos brancos. E devagar, como se fosse ninar um filho para dormir, começou a balançar a rede, onde o corpo grande de Vitorino Carneiro da Cunha repousava como num berço.

Capitão Antônio Silvino — Cangaceiro, apoiado e admirado pelo mestre José Amaro, respeitado e temido pelos ricos e poderosos, o Capitão Antônio Silvino era o chefe do bando de cangaceiros que atemorizavam os senhores de engenhos e políticos da região. O autor inspirou-se na figura lendária do verdadeiro Antônio Silvino, famoso cangaceiro da época, para criar esta personagem:

O nome de Antônio Silvino perturbava o mascate. Uma vez ele ia pela mata do rolo quando se viu cercado. Era o bando de Antônio Silvino. Os cangaceiros mandaram que abrisse as malas e lhe tiraram todos os anéis de ouro americano. É verdade que pagaram, mas lhe fizeram tanto medo. O Capitão o chamou de parte para saber se não tinha encontrado a tropa de soldado pelo caminho. Era um homem branco, bonito, de bigodes pretos [...]

O mestre estremeceu com a palavra do homem. O nome de Antônio Silvino exercia sobre ele um poder mágico. Era o seu vingador, a sua força indomável, acima de todos, fazendo medo aos grandes. [...]

E (Vitorino) foi-se. Mas antes de dobrar na estrada voltou-se para o seleiro:

— Já soube do encontro do Capitão Antônio Silvino com a tropa do Ingá? Morreu muita gente. Eu quero ver é este Tenente Maurício correr da bala. Sumiu-se e lá para dentro da casa José Passarinho levantou a voz numa cantiga. O seleiro não escutava o negro. O Capitão Antônio Silvino voltava a tomar conta de seus pensamentos. Admirava a vida errante daquele homem, dando tiroteios, protegendo os pobres, tomando dos ricos. Este era o homem que vivia na sua cabeça, este era o seu herói. [...]

— Botaste farinha, Sinhá? — Está tudo no saco Seu Alípio.

O homem se foi, e na casa do mestre José Amaro ficou o terror na sua mulher, e uma sinistra alegria no coração do seleiro. Ele matava galinha e dava para o Capitão Antônio Silvino que mandava em toda a cambada dos senhores de engenho. Cazuza Trombone, de Maçangana, mudara-se para a cidade com medo dele. O velho José Paulino dera um banquete ao Capitão Antônio Silvino. Disseram até que a filha do grande servira a mesa, como se fosse ama dos cangaceiros. Sinhá torrara as duas frangas para o homem que ele mais admirava no mundo.

Tenente Maurício — é o chefe das tropas do governo, os macacos, como são chamados pelos jagunços. Recebe carta branca das autoridades para perseguir, prender e matar o Capitão Antônio Silvino. Usa a repressão, a tortura e a violência para conseguir informações sobre o bando. Por isso, o povo teme seus homens mais que aos próprios cangaceiros.

A tropa pegara Pascoal italiano e fora com ele a um banho de facão. O tenente tinha sabido que o mascate fazia serviço de espia para o bandido e dera com ele na cadeia do

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Espírito Santo. O tenente estava disposto a pegar o cangaceiro de qualquer jeito. O negro Salvador fora preso também para interrogatório e contaram que saíra da cadeia com as mãos inchadas dos bolos. [...]

Parou um cavaleiro na porta. Era o velho Vitorino que não se apeou. Ia de rota batida para o Oiteiro a chamado do primo Augusto. Estava furioso com o tenente Maurício.

— Passei ontem um telegrama ao chefe de polícia. Não admito violência, isto aqui não é o cu-de-mãe-joana.

— Deram mesmo no italiano, compadre?

— Vi o homem que faz pena, meu compadre. Polícia de bandidos. É por isso que o povo está com o Capitão Antônio Silvino.

Negro Passarinho — Negro velho, quando bebe não tem papas na língua. Escravo recém libertado vive de fazer pequenos serviços e da caridade alheia: ... Apareceu na estrada José Passarinho, velho negro que vivia constantemente embriagado...

José Passarinho sentou-se no chão. Tinha os olhos vermelhos, um trapo imundo como roupa, os pés comidos de frieira... Com pouco mais, dormia estirado na sombra da pitombeira. O bode chegou-se para perto, cheirou a cabeça do negro e foi andando. Pela estrada de vez em quando passava gente que dava o seu bom dia ao mestre. Na sua frente o negro, estirado de papo para cima, roncava. Moscas vinham pousar em cima dele como em couro velho estendido. [...]

Ouvia-se a cantoria de um homem mais para o lado do Santa Fé. Era Passarinho, no serviço de uma vazante, no trabalho que para ele era um fim de mundo. A cantoria era triste, como de quarto de defunto. O negro largava a alma na beira do rio:

Quem matou meu passarinho É judeu, não é cristão, Meu passarinho tão manso Que comia em minha mão;

A voz do cachaceiro tocara os corações das mulheres. A velha Sinhá batia com força na pedra branca. A moça deixava cair os seios do cabeção desabotoado. Não podia falar. José passarinho gemia na toada:

Quando eu vim da minha terra Muita gente me chorou E a danada de uma velha Muita praga me rogou.

— Tem até sentimento a cantoria dele — disse a moça.

— Coitado de Seu José, que vida que ele tem — respondeu-lhe Dona Sinhá. E depois, como querendo corrigir-se:

— Pode ser até mais feliz que muita gente. [...]

O negro Passarinho quando não bebia dava para cantar. Era por isso que pegara aquele apelido.

Agora o que cantava era uma história triste: Filho que faz isto ao pai

Bem mercê ser queimado, Por sete carros de lenha E por mim bem atiçados Filho que faz isso ao pai Bem merece ser degolado, Por sete folhas de navalhas E por mim bem afiadas.

Era a história de D. Carlos e Dona Branca, a filha do rei. Passarinho sabia de tudo. Vai D. Branca para ser enforcada. Mas o namorado salva a coitada da fúria do pai. Vestido de frade, D. Carlos de Monteval arrebata Dona Branca para os seus palácios...

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Doía no mestre a história do negro... Os olhos do mestre José Amaro estavam molhados de lágrimas. Dona Branca chorava aos pés do pai. O filho que tinha na barriga era de D. Carlos de Monteval. [...]

— José Passarinho, onde foi que você aprendeu esta história que estava cantando? —Com um cego de Itambé, mestre Zé. Andei com este homem feito guia um tempão. Depois me pus homem e ele não me quis mais.

—Ah! Já sei, era aquele cego de nascença que mataram para roubar no Oratório? Era um homem malcriado, cheio de novidades.

— Não era mau, mestre Zé. Meu pai me deu a ele, quando eu tinha sete anos. Eu digo ao senhor, foi homem bom que me ensinou muita coisa, mestre, mas só enxada é que dá feijão e farinha. Dei para beber, mestre Zé, para me ver livre duma negra que o senhor conheceu, aquela Luzia do Santa Rosa... O mestre Amaro ficou com a história de Passarinho. Nunca pensara que aquele negro imundo, de cara de cachaceiro, tivesse tanta coisa dentro de si, aquela história, aqueles amores, aquele D. Carlos, aquela D. Branca.

Seu Pascoal Italiano — Mascate, portador de notícias e de informações que serviam, inclusive, para o Capitão Antônio Silvino. Foi preso e torturado pelo tenente Maurício.

Floripes — Negro afilhado de Lula, informante do padrinho, inventor de fofocas mentirosas e moleque de recados. Participa das rezas como membro da família. Por causa de suas intrigas e mexericos, o Coronel Lula manda que José Amaro saia das terras do Santa Fé. Torna-se objeto do ódio e do desejo de vingança do mestre Amaro.

Laurentino — Pintor, ligado aos poderosos, informante da polícia. Apesar de pobre, alia-se aos senhores de engenho, denunciando os que colaboram com os cangaceiros. Por isso também é amaldiçoado e jurado de morte por Zé Amaro.

Cego Torquato — Vive da caridade das pessoas de quem recebe alimentos e algum dinheiro. Divulga as novidades criticando as barbaridades que a tropa de soldados comete na perseguição ao Capitão Antônio Silvino. Elogia as atitudes dos cangaceiros, informa-os sobre os movimentos das tropas.

Cabra Alípio — Aguardenteiro contrabandista, é aliado, espião e informante dos cangaceiros, com quem gostaria de se juntar. Traz notícias das lutas de Antônio Silvino que enchem de alegria o mestre Amaro.

Negro Salvador — Bicheiro e divulgador de notícias e fuxicos. Também foi preso e surrado pela polícia para dar informações sobre a posição dos cangaceiros.

Coronel José Paulino — Senhor de engenho, poderoso e forte, um oportunista na política. Age apoiando o Coronel Lula e outros senhores de engenho, para manter a hegemonia do grupo na política e nos negócios e influenciar no governo. Secretamente, por segurança e interesse, é financiador dos cangaceiros.

PRIMEIRA PARTE O MESTRE JOSÉ AMARO

As ações desta primeira parte do romance Fogo Morto, que abrange praticamente a metade do livro, giram em torno do rancho de mestre José Amaro, à beira da estrada do engenho Santa Fé, onde ele mora e trabalha.

Seleiro orgulhoso, sem papas na língua, grosseiro, de personalidade negativista, sombria e machista, Zé Amaro reclama da falta de respeito por ele e por seu ofício, proclama aos berros que não é dominado nem mandado por quem quer que seja e que só trabalha para quem bem entende.

A história, em boa parte deste trecho da obra, é construída através dos frequentes diálogos travados por José Amaro com os passantes e pelos monólogos interiores de diversos personagens que relembram e interpretam os acontecimentos segundo seus pontos de vista.

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O ENGENHO DE SEU LULA

Esta segunda parte da obra Fogo Morto tem como tema central a história do engenho Santa Fé, desde sua fundação, a passagem por um longo período de sucesso e riqueza, o transcorrer dos anos de sua lenta decadência, até seu fim melancólico. Destacam-se nessa trajetória de ascensão, apogeu, decadência e morte as histórias dos personagens Capitão Tomás, D. Mariquinha, D. Amélia, Seu Lula, Deodato e Neném que protagonizaram os acontecimentos desses períodos. Essas personagens acompanham e vivem a mesma trajetória do engenho em seu desenvolvimento, no apogeu, na lenta decadência até a perda da importância social, do respeito e da admiração de todos, sentimentos que aos poucos foram sendo substituídos pelo ódio, desprezo, rejeição e escárnio do povo em geral.

TERCEIRA PARTE O CAPITÃO VITORINO

A terceira parte dá destaque ao capitão Vitorino Carneiro da Cunha, chamado de “papa-rabo”, em suas andanças intermináveis pelas estradas, entre um engenho e outro. Personagem cujas origens o vinculam às famílias tradicionais da região açucareira às quais já pertenceu socialmente, atualmente é apenas um pequeno proprietário que vive de maneira modesta. Este personagem, que, nas duas primeiras partes da obra, aparece como uma figura ridícula, grotesca, objeto da caçoada dos moleques que o apelidaram de “Papa-Rabo”, nesta terceira parte, passa a ser mais considerado e reconhecido como um homem corajoso, de ideias firmes e idealistas, embora seja desbocado e quixotesco.

De Dom Quixote, Vitorino possui o sentido nobre dos gestos, mas com uma percepção limitada da realidade, que o leva a investir contra tudo aquilo que lhe parece injustiça, sem medir a força do inimigo, nem pesar as consequências de suas ações. Contesta o poder absoluto dos senhores de engenho, da polícia militar e até dos cangaceiros, defendendo ideais éticos que parecem inviáveis na vida cotidiana da região. Acredita que, pelo poder do voto, possa instaurar uma ordem institucional num meio em que a única lei é o arbítrio dos latifundiários. Trata-se de um liberal humanista, mais preocupado com o uso e o abuso da força do que propriamente com os desníveis sociais existentes na sociedade da cana-de-açúcar. Estas faces contraditórias da visão de mundo de Vitorino não lhe retiram a grandeza humana e literária. Ao contrário, fazem parte de sua personalidade multifacetada.

Nesta última parte da narrativa ainda, o processo de decadência do engenho Santa Fé, como a deteriorização das relações sociais se torna mais visível e redunda em atos de violência explícita, tanto por parte da truculência oficialmente legal da polícia, como das ações consideradas criminosas dos jagunços e cangaceiros. Estes últimos, apesar de não se subordinarem aos coronéis, mantém com alguns deles estreitos laços de lealdade baseados em interesses políticos, financeiros e de poder.

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CURCEP

PROFª CAMILA M PASQUAL

ALUNO(A) _______________________________________________________

TESTES

01. Assinale a alternativa correta sobre a obra Fogo Morto, de José Lins do Rego:

a) O romance representa o Nordeste brasileiro sob a perspectiva de retirantes da seca. b) O romance apresenta a trajetória de um mestre seleiro até se tornar senhor de engenho. c) O romance trata do processo de decadência dos engenhos de açúcar no Nordeste.

d) Há, no romance, dois tempos distintos: o dos fatos narrados, e o da composição da narração em si mesma.

e) Para afirmar seu desejo de poder e mando, o protagonista Lula de Holanda não hesita em sacrificar a própria esposa.

02. Das afirmativas abaixo, assinale a correta sobre o romance Fogo Morto, de José Lins do Rego:

a) Caracteriza-se por reunir análise sociológica e psicológica apresentando o universo do sertanejo nordestino, vítima da tragédia da seca.

b) Apresenta o Capitão Vitorino como protagonista, caracterizado por ser um homem bruto, egoísta e insensível, que soube vencer obstáculos para atingir seus objetivos capitalistas.

c) É uma obra pertencente à Literatura Regionalista Brasileira na qual o narrador aparece como observador dos acontecimentos relacionados com a agropecuária nordestina.

d) Tem como centro da narrativa o processo da perda de poder dos engenhos para as forças do capitalismo moderno introduzidas pelos usineiros na região.

e) Mostra-se como um romance cuja visão pessimista da vida e dos seres humanos revela a influência do Surrealismo, corrente filosófica e estética do século XVIII.

03. Em relação à obra Fogo Morto, de José Lins do Rego, pode-se afirmar que:

a) tem como foco principal a análise dos males causados pela seca no Nordeste brasileiro. b) Apresenta um narrador em terceira pessoa a narrar a história de sua família.

c) Abandona a temática de cunho regionalista, ao situar a ação do romance no espaço urbano.

d) Apresenta, numa linguagem coloquial, popular, embora sem tantas incorreções gramaticais, a realidade das pessoas cuja vida se entrelaça de uma forma ou outra com a economia açucareira.

e) O narrador centra sua atenção na oposição existente entre um universo rural atrasado e um espaço urbano em franco desenvolvimento.

04. A propósito do romance Fogo Morto, de José Lins do Rego, assinale a alternativa correta:

a) O romance é marcado pelo tom memorialista do narrador José Amaro, que descreve a fracassada trajetória da sua vida.

b) Constata-se, no romance, um inconformismo por parte dos senhores de engenho em relação aos marginalizados e explorados pelo sistema capitalista.

c) No que diz respeito à temática do romance, há uma aproximação entre as obras Fogo Morto, Menino de Engenho e Usina.

d) Através da trajetória do personagem narrador de Fogo Morto, Vitorino Carneiro da Cunha, é possível identificar um processo de ascensão e decadência econômica das fazendas de gado do agreste nordestino.

e) Apesar de serem de origem humilde, a maioria dos personagens de Fogo Morto é preconceituosa em relação aos pobres em geral.

05. A obra de José Lins do Rego pode ser identificada como pertencente à 2ª fase do Modernismo, pois:

I. Explora a tendência do romance de 1930 ao focalizar problemas sociais, criticando a exploração que leva \às diferenças sociais;

II. Insere-se na perspectiva regionalista ao ambientar-se no Nordeste brasileiro e procurar desvendar a realidade daquela sociedade;

III. Serve-se de valores filosóficos e espiritualistas, ao fazer também da obra um placo para a discussão de questões ideológicas;

IV. Realiza uma abordagem de tensão crítica, em que os personagens se mostram angustiados, em conflito com a sociedade e com o seu íntimo, criando uma obra essencialmente intimista.

Estão corretas as afirmativas:

a) I e II apenas: b) II e IV apenas; c) III e IV apenas; d) I, III e IV apenas; e) I e IV apenas.

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1. Não cuido da forma porque a minha forma é a coisa mais natural deste mundo. Ordem direta, oração principal com o sujeito claro, pronomes colocados de ouvido e, sobretudo, adotando soluções que são soluções da língua do povo.

2. Um aspecto fundamental de sua obra é o ponto de vista. Grande maioria de seus textos é narrada em primeira pessoa. O autor se deixa penetrar pelas personagens, empresta sua voz a elas. Assim, o leitor recebe diretamente suas falas e silêncios, captando toda a riqueza e incoerência do monólogo interior. 3. Sua obra se constrói entre dois mundos: o mundo do tradicionalismo agrário, saudosista e reformador, e o mundo do novo século, seduzido pela vanguarda e pelo irracionalismo, fecundado pelo dadaísmo e pelo cubismo.

4. Seus romances caracterizam a situação histórico-social de sua região. Neles, ele funde, numa linguagem de forte e poética oralidade, as recordações da infância e da adolescência com o registro intenso da vida nordestina colhida por dentro, através de processos mentais de homens e mulheres que representam a gama étnica e social da região.

As afirmativas que podem relacionar-se claramente com José Lins do Rego e sua obra são: a) 1, 2 e 3; b) 2, 3 e 4; c) 3 e 4; d) 1, 2 e 4; e) 1 e 4.

07. Assinale a alternativa incorreta:

a) A obra romanesca de José Lins do Rego fixa a decadência da sociedade patriarcal, onde o herói, solitário, vê-se dividido entre o passado decadente e um futuro que não se afirma.

b) A obra de José Lins do Rego nos revela, de um lado, o autor em que se chocam a visão do novo e a permanência do velho, e, de outro, o intelectual que traz consigo a voz do inconformismo apontando para uma ruptura com a tradição, através de atitudes favoráveis à renovação que viria a partir de 1922, com a Semana de Arte Moderna.

c) Fogo Morto, a obra-prima de José Lins do Rego, é um romance-síntese não apenas do ciclo da cana-de-açúcar, mas da própria temática da decadência que percorre seus romances.

d) O Movimento Regionalista do Nordeste, liderado por Gilberto Freyre, com participação ativa de José Lins do Rego, buscava raízes especificamente brasileiras para nossas produções literárias.

e) A força do romancista José Lins do Rego, filho do sertão paraibano e impregnado de espírito nordestino, era refletir no seu mural um problema social tipicamente nosso, a agonia de uma casta, o fim do patriarcalismo rural, o desmoronamento de um mundo.

08. Avalie os seguintes comentários críticos:

1. A sua posição sempre favorável à liberdade do escritor e à necessidade de aproximá-lo das camadas marginalizadas repercutiu intensamente no surgimento de uma literatura de contestação, apropriada ao novo clima social que caracterizava, no começo do século, os grandes centros urbanos.

2. A tentativa de formular teoricamente uma literatura social e politicamente militante, voltada para a urgência do cotidiano em mudança e ao mesmo tempo inspirada na redenção do homem oprimido, transforma sua obra numa das contribuições intelectuais mais importantes das letras brasileiras do século XX.

3. A preocupação com a linguagem e a contestação dos critérios que a consagravam perante a tradição acadêmica produziram resultados decisivos. Utilizando a linguagem como espelho que se volta contra o próprio sistema, José Lins do Rego inaugura o desgaste dos velhos modelos e antecipa uma resistência significativa na transição para o Modernismo.

4. José Lins do Rego reflete em sua obra a morte dos banguês, a agonia dos engenhos, o domínio crescente das usinas, em suma a desumanização da economia, pela mecanização da lavoura e com isso a ruína do patriarcado e a dispersão de um povo, descendente dos escravos de outrora, e ainda não fixado no trabalho livre.

Tendo em vista o escritor José Lins do Rego e sua obra, podemos afirmar que está(ão) correta(s) somente a(s) alternativa(s):

a) 4; b) 3 e 4; c) 2; d) 1 e 3; e) 1, 2 e 4.

09. (UEL-PR) Sobre o romance Fogo Morto, de José Lins do Rego, é correto afirmar:

a) Caracteriza-se como uma obra memorialista, pois a personagem central, mestre José Amaro, narra a sua história pessoal, enfatizando os problemas que o mundo capitalista traz para o homem.

b) Embora tenha sido escrito na década de 1930, quando o movimento modernista já havia operado uma revolução na literatura, o romance é bastante convencional, sobretudo, na caracterização da paisagem e do homem nordestino, aproximando-se da visão de mundo romântica.

c) Apresenta uma visão saudosa da realidade política, econômica e social do Nordeste da primeira metade do século XX, bem como uma visão pitoresca do espaço enfocado.

d) O uso do discurso indireto livre é um dos procedimentos de construção narrativa mais significativos do romance, na medida em que permite a diversidade de olhares sobre uma dada realidade e, ao mesmo tempo, auxilia no processo de aprofundamento do drama psicológico vivenciado pelas personagens.

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e) Faz um retrato fotográfico da realidade nordestina, afastando-se do ficcional, uma vez que parte de fatos que realmente existiram e que podem ser comprovados, como a decadência dos engenhos de açúcar e a Guerra de Canudos.

10. A respeito de Fogo Morto, de José Lins do Rego, assinale a alternativa INCORRETA:

a) Em Fogo Morto, o autor soube transformar em ficção a vida real dos engenhos nordestinos.

b) A obra trata de uma sociedade decadente, marcada pelo ressentimento, pelo desajuste e pela revolta. c) Domina em tudo uma atmosfera de ruína social e depauperamento psicológico, embora persistam aqui e ali sinais de uma felicidade antiga, restrita aos habitantes da casa-grande.

d) Fogo Morto é uma retomada mais densa da matéria dos romances que compõem o ciclo da cana-de-açúcar: Menino de Engenho, Doidinho, Banguê e Usina.

e) O autor, com o emprego intenso do discurso indireto livre, faz pouco uso do discurso direto em suas obras, especialmente nesta, Fogo Morto.

11. Avalie os seguintes comentários sobre a obra Fogo Morto, de José Lins do Rego:

1. Em Fogo Morto, José Lins retrata a decadência dos engenhos por força do processo industrial das

usinas, que suplantam a produção artesanal. Todavia, em Fogo Morto, ainda não há referência à industrialização na produção de açúcar.

2. O realismo de José Lins do Rego não é espontâneo. É crítico. O herói é sempre um problema: não aceita o mundo, nem os outros nem a si mesmo. Num processo de autodestruição, introjeta, interioriza seus conflitos, tornando precária e falsa, a classificação de regionalista dada a esta obra que é, em tudo, universal.

3. A obra pertence ao Regionalismo Nordestino, porque aborda a paisagem específica dessa região, mas as questões abordadas transcendem os limites regionais, o que é comum nas obras bem realizadas. 4. Embora Fogo Morto apresente uma estória muito movimentada, não se trata de um romance de ação: pretende atrair pela problematização social e existencial, e não pela surpresa dos acontecimentos.

Estão corretas somente as assertivas:

a) 1, 2 e 3; b) 1, 3 e 4; c) 2, 3 e 4; d) 1, 2 e 4; e) 1 e 3.

12. Sobre Fogo Morto e seu autor, José Lins do Rego só NÃO podemos afirmar que:

a) O estilo da obra é modernista, pois se baseia na linguagem cotidiana, revestindo-se de oralidade espontânea, isto é, o autor procura escrever como se fala.

b) A linguagem traz como resultado a impressão de vivacidade e dinamismo. c) O único defeito desta obra é não possuir força dramática nem senso do real;

d) O autor obteve um êxito fantástico na manipulação da frase curta e elementar, com palavras extraídas do uso diário.

e) Seu ritmo frenético, imitando o vaivém das pessoas pelas estradas do engenho.

13. Analise os comentários a seguir sobre a obra Fogo Morto, de José Lins do Rego.

1. A importância de José Lins do Rego consistiu em conferir grandeza, em dar forma literária a uma interpretação nova do Brasil, aquela que coloca em contraste o abandono do sertão, e tudo que decorre desse abandono, com o enriquecimento do litoral, com as mazelas que esse enriquecimento proporciona. 2. Fogo Morto não se esgota na classificação de romance regionalista, embora essa seja uma noção correta. Há muitos componentes importantes na obra, a partir dos quais se pode enquadrá-la numa tipologia consagrada.

3. Talvez o mais ilustre antecedente de Fogo Morto na literatura brasileira seja O Cortiço (1890), de Aluísio Azevedo, no sentido de tornar uma personagem coletiva como objeto de análise. Assim como Aluísio investiga o nascimento, vida e morte de um cortiço do Rio de Janeiro, José Lins penetra no surgimento, plenitude e declínio do Engenho Santa Fé, localizado na zona da mata da Paraíba.

4. O engenho parece possuir vida própria, embora suas células sejam as pessoas que o formam. Como análise quer dizer decomposição, o autor decompõe as pessoas como forma de expor a constituição do todo. Por essa perspectiva, Fogo Morto tanto pode ser entendido como um romance social quanto sociológico.

Estão corretas apenas as análises das alternativas:

a) 2, 3 e 4; b) 3 e 4; c) 2 e 4; d) 1, 2 e 4; e) 1, 2 e 3.

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14. A respeito dos personagens de Fogo Morto, de José Lins do Rego, podemos afirmar que:

a) Os personagens negros, como José Passarinho, o cabra Alípio, Floripes e outros, que circulam pelas estradas, revelam a situação dessas pessoas, descendentes dos escravos de outrora, agora fixados no trabalho livre colhendo seu sustento com seu trabalho remunerado.

b) Seja sob a tutela dos coronéis, seja sob a proteção dos cangaceiros, Mestre Amaro é um homem sem nada de seu, totalmente livre e, por isso mesmo, totalmente dependente num universo onde as relações de mando estão atreladas às relações de favor.

c) O Capitão Vitorino Carneiro da Cunha, assume posições corajosas, defendendo a hegemonia dos senhores de engenho na política e por isso é respeitado e temido, convidado a assumir cargos importantes na administração pública.

d) O Coronel Lula de Holanda exerce influência decisiva na economia da região, modernizando o Santa Fé, como também nos costumes, dando exemplo de religiosidade, moralidade e justiça para seus subordinados e as pessoas em geral.

e) Dona Sinhá, esposa do Capitão Vitorino, defende o compadre, José Amaro das maledicências de que ele é vítima, por parte de pessoas mal-intencionadas que se sentem prejudicadas e ofendidas por suas palavras.

15. Leia com atenção os comentários críticos a seguir, sobre a obra Fogo Morto, de José Lins do Rego e

assinale a alternativa INCORRETA.

a) Narrada em terceira pessoa, a obra é dividida em três partes que se ligam e se completam: O mestre José Amaro, O engenho do Seu Lula, e O Capitão Vitorino. O autor entrelaça as ações das personagens em todas as partes, revelando a decadência do Engenho Santa Fé e das famílias que lá moravam. b) As três partes do livro compõem três novelas interligadas, com a história pungente de três personagens trágicas. É um romance recheado de tristeza. A presença patética do romance é a de Vitorino Carneiro da Cunha, o Papa-Rabo, figura poderosamente dramática e inesquecível.

c) Fogo Morto é um romance em que se destaca o drama da loucura, uma das obsessões de José Lins, como a morte e o sexo. Em Fogo Morto análise e sexo se fundem. A obsessão angustiante do sexo é vencida pela análise da alma humana, naquele áspero mundo de fatalismo e misticismo.

d) O autor nos envolve com seu estilo lírico, subjetivo e carregado emocionalmente. As personagens entrecruzam-se no espaço e no tempo narrativo, destacando-se de forma idêntica em cada uma das partes. A narrativa apresenta-se então uniforme com ponto de vista único e unicidade de visão.

e) A obra é um imenso painel da sociedade rural do Nordeste, na transição da economia mercantil para a economia pré-capitalista. É uma espécie de síntese de toda a obra ficcional de José Lins do Rego.

16. A respeito de Fogo Morto, de José Lins do Rego, podemos afirmar que:

a) O Capitão Vitorino pode ser caracterizado por suas mãos enormes e calosas, por sua face vultuosa e sua maldade indiferente, por sua profunda incompreensão de tudo que não fosse um negócio;

b) A pobre Marta perdeu o juízo porque foi obrigada a deitar-se com o pai que a havia surrado cruelmente;

c) José Amaro reside na beira da estrada, localização que favorece o contato com vários personagens que passam pelo caminho;

d) A personagem central, José Amaro, traz a desgraça para os seus patrícios acordando seus instintos sanguinários, pondo a nu a miséria moral em que vivem;

e) D. Amélia, criatura inteiramente animalizada, dá a impressão de uma ventania. A sua vitalidade agressiva e solta sopra quente e destruidora sobre aquela gente adormecida do Santa Fé.

23. A respeito de Fogo Morto, de José Lins do Rego, podemos afirmar que o sucesso e a riqueza do

Santa Fé deveu-se principalmente:

a) à experiência anterior do proprietário com o cultivo da cana e o fabrico do açúcar; b) à eficiente administração entregue ao feitor Deodato contratado pelo senhor do engenho;

c) ao apoio recebido, pelo proprietário, de outros senhores de engenho da região, principalmente o Coronel José Paulino do Santa Rosa;

d) à participação efetiva da esposa do capitão, D. Mariquinha, nos serviços de preparo e cultivo da terra e na produção do açúcar;

e) ao fato de o próprio senhor de engenho assumir a frente dos trabalhos, exigindo produtividade dos escravos e fiscalizando pessoalmente todo o processo.

30. Leia com atenção os comentários e análises sobre a estrutura e os personagens de Fogo Morto, de

José Lins do Rego.

01. A divisão tripartite do romance Fogo Morto se unifica pelas inter-relações humanas que se estabelecem desenvolvendo uma análise detalhada dos elementos e circunstâncias que compõem a visão panorâmica da paisagem física e humana da sub-região açucareira que, embora tenha

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características próprias, é, ao mesmo tempo, condicionada por toda a realidade humana e social da região nordestina.

02. Em Fogo Morto, os personagens surgem como expressão de todas as dimensões do homem nordestino, preso a raízes telúricas profundas. Daí a multiplicidade de tipos e personagens fortes, vigorosos, com uma realidade interior de grande intensidade ou representando reações externas diante dos acontecimentos.

03. Terceiro personagem importante da trama de Fogo Morto, Vitorino Carneiro da Cunha em sua incessante busca por justiça e liberdade, aparece ora como um palhaço, ora como criança e, apesar de ser uma personagem quixotesca, visionária, acaba revelando, denunciando e combatendo a corrupção e a violência praticadas pela polícia, pelos coronéis ou pelos cangaceiros.

04. A violência aparece como prática rotineira do comportamento humano em todos os níveis desde a dupla face do poder patriarcal até o código de honra do cangaço. Esse traço específico do meio rural não se adequa às normas de conduta do Direito. Por isso, Vitorino defensor da lei aparece como uma personagem cômica, inocente, pouco realista.

Estão corretas as afirmações: a) 1, 2 e 3 apenas; b) 1, 3 e 4 apenas; c) 2, 3 e 4 apenas; d) 1, 2 e 4 apenas; e) 1, 2, 3 e 4. GABARITO 1) C 2) D 3) D 4) C 5) A 6) E 7) B 8) A 9) D 10) E 11) B 12) C 13) A 14) B 15) D 16) C 17) A 18) E 19) B 20) D 21) D 22) E 23) E 24) A 25) C 26) B 27) A 28) C 29) D 30) E 31) B 32) A 33) C 34) B 35) E 36) D

Referências

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