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O UNIVERSO POLISSÊMICO E FRONTEIRIÇO DA TRADUÇÃO LITERÁRIA Roberta Rego Rodrigues (Org.)

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O UNIVERSO POLISSÊMICO E

FRONTEIRIÇO DA TRADUÇÃO

LITERÁRIA

Roberta Rego Rodrigues

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Obra publicada pela Universidade Federal de Pelotas Reitor: Mauro Augusto Burkert Del Pino

Vice-Reitor: Carlos Rogério Mauch Chefe de Gabinete: Margarete Marques

Pró-Reitora da Graduação: Fabiane Tejada da Silveira

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Editora e Gráfica Universitária

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E-mail: editora@ufpel.edu.br Impresso no Brasil

Edição: 2014/2

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Dados de Catalogação na Fonte Internacional:

CADERNO DE LETRAS / Centro de Letras e Comunicação. Universidade Federal de Pelotas. Pelotas: Editora UFPel 2014. n. 23, Jul-Jan (p. 001-165) Nº 01 ao nº 21 versão somente impressa; a partir do nº 23 versão impressa e online. ISSN 0102-9576 (impressa) ISSN 2358-1409 (online) Disponível também: <http://wp.ufpel.edu.br/cadernodeletras/> <http://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/cadernodeletras>

Título da capa: O UNIVERSO POLISSÊMICO E FRONTEIRIÇO DA TRADUÇÃO LITERÁRIA. Org. por Roberta Rego Rodrigues

1. Letras – Periódicos. 2. Literatura. 3. Tradução. I. Rodrigues, Roberta Rego

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O UNIVERSO POLISSÊMICO E

FRONTEIRIÇO DA TRADUÇÃO

LITERÁRIA

Roberta Rego Rodrigues

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Revista do Centro de Letras e Comunicação – Universidade Fedral de Pelotas Rua Gomes Carneiro, número 1 • Centro • CEP 96001-970 • Pelotas/RS

Comissão Editorial:

João Luis Pereira Ourique

Letícia Fonseca Richthofen de Freitas Paulo Ricardo Silveira Borges

Conselho Editorial:

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Letícia Fonseca Richthofen de Freitas (UFPel) Lizandro Carlos Calegari (URI/FW) Luana Teixeira Porto (URI/FW)

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Sergio Romanelli (UFSC)

Silvia Costa Kurtz dos Santos (UFPel) Terezinha Kuhn Junkes (UFSC) Uruguay Cortazzo (UFPel)

Valeska Virgínia Soares Souza (UFU) Walter Carlos Costa (UFSC)

Revisão

Carlos Ossanes Lua Gill da Cruz Roberta Rego Rodrigues

Editoração:

Carlos Ossanes

João Luis Pereira Ourique Roberta Rego Rodrigues

Diagramação e preparação dos originais:

Carlos Ossanes Roberta Rego Rodrigues

Imagem da capa: Livro Aberto, de Paul Klee, 1930. Impressão: Editora e Gráfica da UFPel

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Apresentação...11 O papel dos poetas-tradutores na formação do cânone da poesia traduzida no Brasil (1960-2009)

Marlova Gonsales Aseff...17 Experiência de leitura, recepção e tradução: O romance A Ilha do dia Anterior, de Umberto Eco, no Brasil

Elizamari Rodrigues Becker

Patrizia Cavallo ...…...37 O Imperador do Brasil e suas traduções: uma nova leitura (ou a primeira?)

Sergio Romanelli………...69 Homero – prós e contras: a questão homérica como um problema de tradução e o problema de tradução como uma questão homérica Roberto Mário Schramm Júnior...81 Narrativas no espelho: algumas considerações sobre a recepção de O olho mais azul, de Toni Morrison, e Ponciá Vicencio, de Conceição Evaristo

Luciana de Mesquita Silva

Marcela Iochem Valente...109 Questões de terminologia na tradução de literatura: os casos de Edith Wharton e William Blake

Juliana Steil...………...139 Entrevista com Renato Rezende concedida a Vanessa Lopes Lourenço Hanes

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PRESENTAÇÃO

O UNIVERSO POLISSÊMICO E

FRONTEIRIÇO DA TRADUÇÃO LITERÁRIA

Roberta Rego Rodrigues (UFPel) Organizadora Esta edição da Revista Caderno de Letras, número 23, segundo semestre de 2014, trata do universo polissêmico e fronteiriço da tradução literária. Em um primeiro momento, o universo polissêmico pode ser entendido como uma rede de significados que se entrelaçam, significados esses que não são somente linguísticos, mas também ideológicos e poetológicos (LEFEVERE, 1992). Além disso, Magalhães (2000), ao citar os teóricos Mark Shuttleworth e Moira Cowie, afirma que a polissemia faz-se presente em conceitos dos Estudos da Tradução, como, por exemplo, no conceito de equivalência. Segundo Magalhães (2000), o caráter polissêmico desse conceito diz respeito às várias acepções que ele pode apresentar. A autora menciona a equivalência conforme Catford e consoante Vinay e Darbelnet. O primeiro teórico enxerga a equivalência a partir de uma noção matemática ao passo que os segundos teóricos veem a equivalência a partir de uma noção idiomática (MAGALHÃES, 2000). O universo fronteiriço pode ser entendido como a ampliação das fronteiras que a tradução literária oferece, fornecendo acesso a culturas diversas (LEFEVERE, 1992). Segundo o autor, tal ampliação leva em conta as relações de poder no mundo tradutório e seleciona de certa forma, conforme Venuti (2008), os textos literários que devem ser traduzidos, seja por intermédio de projetos domesticadores ou de projetos estrangeirizadores. Ademais, segundo Esqueda (1999), a subserviência do(a) tradutor(a) ao texto fonte é uma fronteira a ser transposta, uma vez que ele ou ela pode ter sua própria interpretação do original assim como sua própria intenção ao traduzir um texto.

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O artigo de Marlova Gonsales Aseff, intitulado O papel dos poetas-tradutores na formação do cânone da poesia traduzida no Brasil (1960-2009), mostra a interferência da tradução na criação de cânones literários, além de apontar a relevância das tarefas tradutórias de poetas brasileiros no delineamento do cânone da poesia traduzida no Brasil no período supracitado. Citando Lefevere (2007), a autora ressalta que a tradução é uma das atividades mais importantes para inclusão de obras no cânone. Com base em Venuti (2008), Aseff reitera que a seleção criteriosa do texto estrangeiro e da estratégia tradutória pode modificar ou estabelecer cânones literários. Ao tratar mais especificamente da influência dos poetas-tradutores na criação do referido cânone, a autora faz menção aos concretistas que, a partir da década de 1960, propuseram traduções e criticaram a suposta “inferioridade” do texto traduzido em comparação ao texto original. Além disso, Aseff considera que o poeta-tradutor pode ou não adaptar suas traduções à poética vigente em seu meio literário. Por fim, a autora afirma que a intensa atividade tradutória dos poetas-tradutores desde os anos 1960 foi em parte inspirada nos poetas concretos, que motivaram a difusão de traduções enquanto atos intervencionistas com impacto no cânone da poesia.

O artigo de Elizamari Rodrigues Becker e Patrizia Cavallo intitula-se Experiência de leitura, recepção e tradução: o romance A ilha do dia anterior, de Umberto Eco, no Brasil e trata de como esse romance pode ser lido de um ponto de vista “comum” ou “especializado”; como esse romance foi recebido no Brasil mediante a análise de artigos de jornais, resenhas, blogs, dentre outros; e como esse romance foi traduzido por Marco Lucchesi a partir de depoimentos autobiográficos do tradutor, por exemplo. Conforme as autoras, a leitura, a recepção e a tradução encontram-se relacionadas, ou seja, para traduzir um texto tem de haver uma interpretação feita por intermédio da leitura e por sua vez o produto tradutório apresenta um público-alvo, que o consumirá. De acordo com as autoras, a leitura do romance mencionado depende da perícia do(a) leitor(a) que em maior ou menor grau conseguirá decifrar as analogias e o não dito. Os depoimentos de blogs citados por Becker e por Cavallo demonstram a boa recepção do romance no Brasil, mas apontam para

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uma diversidade de interpretações e impressões. Consoante Becker e Cavallo, o tradutor Marco Lucchesi esclarece que a tarefa tradutória foi árdua, mas prazerosa, sendo até mesmo elogiada pelo autor, Umberto Eco. As autoras defendem que a investigação das três esferas tenha novo vigor a fim de que a pesquisa da leitura, da recepção e da tradução de obras literárias possa ser aprofundada.

Dando continuidade ao conteúdo desta edição da Revista Caderno de Letras, Sergio Romanelli expõe uma faceta não muito conhecida do Imperador Dom Pedro II no artigo O Imperador do Brasil e suas traduções: uma nova leitura (ou a primeira?). Segundo o autor, o Imperador Dom Pedro II podia ser considerado por alguns como um indivíduo entediado. No entanto, conforme aponta Romanelli, manuscritos conservados no Arquivo Histórico no Museu de Petrópolis mostram que o Imperador apresentava uma profícua atividade tradutória, trabalhando com várias línguas de partida. Conforme o autor, o Imperador mantinha um diário, no qual anotava sua agenda de tradução e traduções per se. Romanelli enfoca a tradução de uma ode de Alessandro Manzoni feita para o português por Dom Pedro II, o que possibilitou uma contínua troca de correspondências entre os dois. A tradução dessa ode foi elogiada e coloca o Imperador como um tradutor que tendia mais para a estrangeirização, como conclui Romanelli.

Em seu ensaio Homero – prós e contras: a questão homérica como um problema de tradução e o problema da tradução como uma questão homérica, Roberto Mário Schramm Júnior aborda “a questão homérica” a partir das versões de Homero feitas por Matthew Arnold e Jorge Luis Borges, procurando amalgamar tal questão a alguma teoria da tradução. Assim, o ensaísta defende a questão homérica como um problema de tradução bem como a situação inversa deste argumento. Para tanto, Schramm Júnior compara alguns trechos das traduções para a Odisseia de Homero de Manuel Odorico Mendes e Donaldo Schüler. Entre elucubrações e argumentações, o ensaísta mostra como os textos homéricos e a tradução per se foram responsáveis pela inauguração da literatura ocidental. Ademais, segundo Schramm Júnior, as traduções dos textos homéricos

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para várias línguas são ao mesmo tempo autônomas e complementares entre si. O ensaísta é a favor de Homero, afirmando que as traduções dos textos homéricos chegam a ofuscar o texto original, no caso, a Odisseia.

O artigo de Luciana de Mesquita Silva e Marcela Iochem Valente, Narrativas no espelho: algumas considerações sobre a recepção de O olho mais azul, de Toni Morrison, e Ponciá Vicencio, de Conceição Evaristo, busca investigar o modo pelo qual The bluest eye (MORRISON, 1970) e O olho mais azul (MORRISON, 2003) assim como Ponciá Vicêncio (EVARISTO, 2003), foram recebidos e quais foram os efeitos produzidos nos polissistemas das culturas de partida e das culturas de chegada com o intuito de ampliar as pesquisas "sobre a recepção da literatura afro-descendente traduzida". Segundo as autoras, tal recepção é distinta para as duas escritoras sob escrutínio. Por um lado, The Bluest Eye foi traduzido para o português do Brasil muitos anos mais tarde após a publicação de sua primeira edição nos Estados Unidos e, de certa maneira, não foi possível observar de forma explícita o levantamento de questões afro-americanas na cultura de chegada, apesar de Toni Morrison destacar tais questões no referido romance. Por outro lado, a tradução de Ponciá Vicêncio para o inglês estadunidense possibilitou de certo modo reconhecer a visibilidade da autora, mesmo que em um âmbito mais restrito. Tal tradução faz pensar as relações entre o movimento afro-americano nos Estados Unidos e o movimento negro no Brasil, como arrematam Silva e Valente.

Em seu artigo, Questões de Terminologia na Tradução de Literatura: os Casos de Edith Wharton e William Blake, Juliana Steil defende que, apesar de a relação entre a Terminologia e os Estudos da Tradução considerar em sua maioria termos e fraseologias advindos de textos técnico-científicos e tecnológicos, tal relação também é viável no caso da tradução literária, visto que os textos literários podem apresentar léxico especializado. A autora cita o romance Age of Innocence, de Edith Wharton, o qual textualiza por exemplo muitos aspectos relativos a termos de moda da época em que foi escrito. Cita também o poema épico Milton de William Blake, em que diferentes atividades de artesanato são

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introduzidas. Para a tradução de tais textos literários, conforme Steil explica, torna-se imprescindível utilizar com frequência dicionários específicos. Segundo Steil, o diálogo entre a Terminologia e a Tradução Literária é bem-vindo e necessário, posto que um tradutor literário em formação tem de estar consciente também das questões terminológicas.

O autor, tradutor e artista brasileiro Renato Rezende concedeu uma entrevista à pesquisadora Vanessa Lopes Lourenço Hanes acerca do ato de traduzir. A primeira parte da entrevista diz respeito principalmente ao ofício da tradução. A segunda parte da entrevista concentra-se no aprendizado adquirido a partir da vivência de traduzir Agatha Christie. No que tange ao ofício da tradução, Rezende afirma que, além de ter um compromisso ético com o autor, ele preocupa-se com o leitor. Segundo o tradutor, o leitor merece textos traduzidos que soem bem em português. Ademais, Rezende opina que traduzir literalmente faz que o produto empobreça. No que concerne aos romances policiais, como os de Agatha Christie, Rezende diz a Hanes que torna-se importante tomar cuidado com a tradução das palavras para que ela não interfira na trama. Parece que Renato Rezende é um tradutor que tende mais para a domesticação. Como o português ainda não é uma língua “de ponta”, o projeto tradutório de Renato Rezende prima pela valorização do nosso idioma, apesar de tornar o tradutor mais invisível (VENUTI, 2008).

Os textos da edição número 23 da Revista Caderno de Letras mostram como o universo da tradução literária apresenta uma miríade de significados distintos, como, por exemplo, a questão da recepção de textos literários traduzidos e as estratégias de tradução de textos de literatura. Tal universo abrange fronteiras a serem transpostas, mas também demonstra como elas podem tornar as culturas mais fluidas e interativas por intermédio da tradução. Enfim, esperamos que os leitores possam aprofundar e refletir sobre as questões da polissemia e do ato de ser/estar fronteiriço com a possibilidade e/ou probabilidade de lançar luz sobre os diversos questionamentos que permeiam o universo da tradução literária, universo esse que une diversas culturas e que propaga o conhecimento.

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Desejamos a todos então uma leitura proveitosa e suscitadora de esclarecimentos.

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O PAPEL DOS POETAS-TRADUTORES NA

FORMAÇÃO DO CÂNONE DA POESIA

TRADUZIDA NO BRASIL (1960-2009)

Marlova Gonsales Aseff RESUMO: Este artigo analisa como a tradução interfere na formação dos cânones literários e aprecia a importância do trabalho tradutório de poetas brasileiros na configuração do cânone da poesia traduzida no Brasil entre 1960 e 2009.

Palavras-chave: Poetas-tradutores. Cânone. Tradução de Poesia. História da Tradução.

ABSTRACT: This paper analyses how translation could take part in the creation of the literary canon. It also looks at the poets who translated poetry over five decades (1960-2009) and considers their influence on the creation of the translated poetry canon in Brazil.

Keywords: Poet-translators. Canon. Poetry Translation. Translation History.

Introdução

Costumamos pensar que obras são traduzidas porque já alcançaram o estatuto de canônicas, ou seja, porque atingiram certa fama na sua cultura de origem. Dificilmente invertemos esse raciocínio para lembrar que se não fosse devido à tradução, o acesso às mesmas seria restrito aos leitores da língua do original. A obra de Homero poderia perpetuar-se sendo lida apenas pelos gregos? Teriam as suas histórias sobrevivido se não fossem inúmeros tradutores as reescrevendo ao longo dos séculos? Walter Benjamin afirma que é a tradução que, ao renovar a vida do original, torna-se responsável pela “fama” das obras, e não o contrário (BENJAMIN, 2001, p. 193). A proposição de Benjamin reforça a ideia de não há texto considerado clássico ou canônico que não tenha

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sido alvo de retraduções.1 Por isso, a tradução, enquanto reescritura, seria

uma força-motriz por trás da evolução literária.

A tradução, acredita André Lefevere, é o principal meio pelo qual uma literatura influencia a outra. Para o teórico, ao lado da historiografia, das antologias e da crítica literária, a tradução é uma atividade que prepara as obras para serem incluídas no cânone. (LEFEVERE, 2007, p.24). Lawrence Venuti, por sua vez, ressalta a importância da escolha dos textos a serem traduzidos para a formação do cânone. Afirma que “a escolha calculada de um texto estrangeiro e da estratégia tradutória pode mudar ou consolidar cânones literários e paradigmas conceituais [...] na cultura doméstica” (VENUTI 2002, p. 131, grifo meu). Levando em conta tais proposições e tendo como base alguns dados compilados para a minha pesquisa de doutorado em Estudos da Tradução (ASEFF, 2012), tratarei do papel desempenhado por poetas brasileiros que se puseram a traduzir poesia e que, assim, influenciaram a constituição dos cânones da literatura brasileira na segunda metade do século 20 e primeira década deste século.

1. Cânone e Tradução

Os papéis desempenhados pela tradução nos sistemas literários são vários. Lefevere, por exemplo, acredita que dentre todas as formas de reescritura, a tradução é potencialmente a mais influente porque teria a capacidade de projetar a imagem de um autor ou de uma série de obras em outra cultura (LEFEVERE, 2007, p. 24). Além disso, a tradução também é vista como uma forma de medir o reconhecimento literário de uma dada literatura (CASANOVA, 2002, p.169). E para as línguas "alvo" qualificadas por Casanova como “mais desprovidas”, a tradução seria uma maneira de agrupar recursos literários, de importar grandes textos universais para uma língua “dominada”.

Mas, quais seriam, afinal, os mecanismos que podem levar um texto traduzido a integrar ou interferir no cânone de determinada literatura? Ou, ainda, como um determinado inventário de recursos literários importados conquista status ou admiração em um dado estrato do sistema literário? Para responder tais questões, é necessário retomar algumas abordagens sobre o cânone, sobre como pode se dar o

1 No entanto, é preciso lembrar que apenas o fato de ter sido alvo de retraduções não é por

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estabelecimento do mesmo e, em seguida, analisar as possíveis funções desempenhados pela tradução e pelos tradutores nesse processo.

A palavra cânone, como é sabido, vem do grego kanon, significando régua, regra, medida, norma; ou seja, a sua própria etimologia indica um caráter normativo e delimitador. No âmbito da Igreja Católica, os livros considerados canônicos eram aqueles reconhecidos como “inspirados e dignos de autoridade” (COMPAGNON, 2001, p. 226). Norma, valor e autoridade são, portanto, três conceitos que costumam gravitar em torno da questão do cânone. Harold Bloom, que dedicou vários estudos à questão, acredita que o verdadeiro sentido do cânone seja o de indicar os livros que o indivíduo deve escolher para ler, pois uma vida humana é curta demais para dar conta de tudo o que já foi produzido pela cultura ocidental (BLOOM, 2010, p. 27). Para ele, o cânone designa

Uma escolha entre textos que lutam uns com os outros pela sobrevivência, quer se interprete escolha como sendo feita por grupos sociais dominantes, instituições de educação, tradições de crítica, ou, como eu faço, por autores que vieram depois e se sentem escolhidos por determinadas figuras ancestrais (IBIDEM, p. 33). De forma mais ampla, para a literatura, o cânone costuma designar a lista de obras consideradas indispensáveis à formação dos estudantes, bem como os postulados ou princípios doutrinários que norteiam uma corrente literária (MOISÉS, 2004, p. 65). O cânone, portanto, pode ser entendido como uma lista de obras e também como um tipo de código, um modelo que deve ser seguido para que determinada obra seja considerada literatura em determinado espaço histórico. No primeiro sentido (de lista), Alastair Fowler aponta três formas ou níveis de cânone: a) o potencial, que abrangeria toda a extensão da literatura, tudo que o leitor pode potencialmente ler; b) o cânone acessível, aquela parte do universo potencial a qual os leitores têm acesso relativamente fácil na forma de reedições, edições econômicas ou antologias (e, por que não, traduções); e c) o seletivo, que englobaria as obras acessíveis que os leitores profissionais selecionaram como sendo dignas de maior atenção (FOWLER, 1982, pp. 213-216).

Even-Zohar delimitou dois usos do para o termo “cânone”. Também para ele, há uma canonicidade que se refere a textos (obras), e

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outra a modelos. Afirma que “uma coisa é introduzir um texto no cânone literário, outra é introduzi-lo através de seu modelo em um repertório”2

(EVEN-ZOHAR, 1990, p.19). No segundo caso, certo modelo literário consegue se estabelecer como princípio produtivo por meio de seu repertório. Ou seja, a poética de determinada literatura, que vem a ser o seu inventário de recursos literários, gêneros, motivos, símbolos etc., é modificada. Portanto, quando a canonização se dá pelo modelo, e não por textos isolados, teríamos um tipo de canonização mais relevante para a dinâmica do sistema literário3 (IBIDEM, p. 19). Nesse caso, pode

ocorrer uma progressiva influência dos valores do grupo que o introduziu, uma vez que, em toda sociedade, em grau maior ou menor, existem sempre tensões entre a cultura canonizada e a não canonizada. Esse processo ficou muito evidente no Brasil no caso dos poetas concretos.

O estabelecimento do cânone também está ligado à questão do julgamento de valor, seara na qual as discussões estéticas misturam-se e confundem-se com as relações de poder. Nesse sentido, Lefevere lembra que o valor intrínseco de uma obra literária possui um papel muito menor no processo de recepção e sobrevivência das mesmas do que normalmente se pressupõe (LEFEVERE, 2007, p. 13). Na verdade, o próprio julgamento do que é ou não um texto literário é extremamente instável, e os juízos de valor, conforme Eagleton, “têm uma estreita relação com as ideologias sociais” (EAGLETON 1994, p. 17). Para Eagleton, sempre interpretamos as obras literárias “à luz de nossos próprios interesses” e essa “poderia ser uma das razões pelas quais certas obras literárias parecem conservar seu valor através dos séculos”(IBIDEM, p. 13, grifo meu). Diz ele:

Pode acontecer, é claro, que ainda conservemos muitas preocupações inerentes à da própria obra, mas pode ocorrer também que não estejamos valorizando a ‘mesma’ obra, embora assim nos pareça. O “nosso” Homero não é igual ao Homero da Idade Média, nem o “nosso” Shakespeare é igual ao dos contemporâneos desse

2 “It therefore seems imperative to clearly distinguish between two different uses of the term

“canocity”. For it is one thing to introduce a text into the literary canon, and another to introduce it through its model into some repertoire.”

3 Diz Even-Zohar: “In the second case, wich may be called dynamic canocity, a certain

literary model manages to establish itself as a productive principle in the system through the latter´s repertoire. It is the latter kind of canonozation wich is the most crucial for the system´s dynamics”.

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autor. [...] Todas as obras literárias, em outras palavras, são “reescritas”, mesmo que inconscientemente pelas sociedades que as lêem; na verdade, não há releitura de uma obra que não seja também uma “reescritura” (IBIDEM). No conto “Pierre Menard, autor del Quijote”, Jorge Luis Borges demonstra com propriedade que o tempo altera substancialmente a recepção das obras, e que um mesmo texto assume significados bem diversos de acordo com o momento histórico em que é lido. Mesmo as obras que se mantêm no centro do cânone ocidental são ressignificadas de tempos em tempos por meio da crítica e também têm a sua linguagem atualizada por meio da tradução. Outro aspecto a se ter em mente é que um mesmo poeta pode ser traduzido com objetivos diferentes em épocas distintas ou na mesma época por poetas seguidores de diferentes poéticas. Por exemplo: o Rilke de Dora Ferreira da Silva não é o mesmo de Augusto de Campos; o Byron em tradução dos poetas românticos não é o mesmo do poeta-tradutor Paulo Henriques Britto.

Lefevere enumera alguns fatores que influenciariam na canonização ou na não canonização dos trabalhos literários. Para ele, muito mais que o valor em si, trabalhariam para a inclusão de obras/modelos no cânone o poder, a ideologia, a instituição e a manipulação. Ele explica que

Produzindo traduções, histórias da literatura ou suas próprias compilações mais compactas, obras de referências, antologias, críticas ou edições, reescritores adaptam, manipulam até um certo ponto os originais com os quais eles trabalham,

normalmente para adequá-los à corrente, ou a uma das correntes ideológica ou poetológica dominante de sua época (IBIDEM, p. 23, grifo meu).

Por isso é relevante a informação de que muitos dos poetas-tradutores cujas escolhas apreciei em minha pesquisa atuem ou tenham atuado também como professores em instituições de ensino superior, como críticos, editores e organizadores de antologias, papéis esses que reforçam a sua posição no campo literário, somando às suas escolhas a força ideológica da instituição a que pertencem (ora como professores da Universidade, ora como membros da Academia Brasileira de Letras ou poetas agraciados por prêmios diversos de certas instituições).

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2. Disputas pelo centro do cânone

Se observarmos a evolução literária, veremos que periodicamente ocorrem mudanças. Octavio Paz nota que “a história da arte e da literatura se desdobra como uma série de movimentos antagônicos: romantismo, realismo, naturalismo, simbolismo”. Paz diz que na arte moderna, tradição significa ruptura e não mais continuidade. Estaríamos diante da “tradição da ruptura” (PAZ, 1996, p133-134). A arte contemporânea parece ter se tornado ainda mais provisória. Conforme Haroldo de Campos, essa arte produzida numa civilização em constante transformação “parece ter incorporado o relativo e o transitório como dimensão mesma do ser” (1976, p. 15). Lefevere tenta descrever esse processo de mudança no interior do sistema literário da seguinte forma:

Uma vez estabelecido um sistema literário, ele tenta alcançar e manter um “estado estável” [...], um estado em que todos os elementos estejam em equilíbrio. [...] Porém há dois fatores no sistema literário [...] que tendem a agir contra esse desenvolvimento. Os sistemas se desenvolvem de acordo com o princípio da polaridade, que sustenta que todo sistema em algum momento desenvolve seu próprio contra-sistema, como a poética romântica, por exemplo, alguma vez virou a poética neoclássica de ponta cabeça, conforme o princípio da periodicidade, que sustenta que todos os sistemas estão sujeitos à mudança (LEFEVERE, 2007, p. 67).

Estando inserido nesse contexto de rupturas periódicas, temos, portanto, que a autoridade do cânone passa por contestações de tempos em tempos, fazendo com que esse conjunto de obras e/ou modelos seja questionado e revisado. Afinal, como vimos, a canonicidade não é algo inerente à obra. Acontece então de obras desconsideradas em um determinado período histórico passarem a ser valorizadas. A poesia de John Donne, por exemplo, foi “relativamente desconhecida e pouco lida [...] até o seu redescobrimento por T.S. Eliot e outros modernistas” ( H. de CAMPOS, 1976, p. 13). No Brasil podemos citar o exemplo da obra de Sousândrade e de Gregório de Matos, o Boca do Inferno, ambas revalorizadas a partir da leitura de H. de Campos. Portanto, o canônico

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passa a ser simplesmente o conjunto de obras ou de normas aceitas em determinados períodos por determinados grupos.

Fica evidente que também no campo literário existem as disputas pelo “poder”, em busca da ocupação de certo “centro”. Ocorre o fenômeno de diferentes escolas críticas, conforme explica Lefevere, tentarem elaborar cânones próprios para firmar o seu próprio cânone como único (LEFEVERE, 2007, p. 55). Também podem ocorrer disputas entre centro e periferia, ou melhor, entre centros e periferias, entre literaturas diferentes e também no interior de uma mesma literatura. Casanova sublinhou esse viés de conflito no espaço literário em A república mundial das letras (2002). Nessa obra, ela esboça um princípio de história mundial da literatura na qual concebe o “universo literário” como palco assimétrico de disputas pela hegemonia intelectual, onde não faltam rivalidades, rebeldes e revoluções. Para Casanova, a luta pelo poder na “política literária” não segue os instáveis mapas geopolíticos, mas um mapa intelectual (IBIDEM, p. 24).

No Brasil dos anos 1950, isso ficou bem marcado pelas duas linhas críticas que se estabeleceram, representadas pelo grupo Clima (formado por jovens críticos literários procedentes da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP) e pelo Noigandres (formado inicialmente pelos Irmãos Campos e por Décio Pignatari), oferecendo diferentes interpretações sobre a literatura brasileira, elegendo ao mesmo tempo as suas referências. Para Motta, “duas correntes críticas prestigiosas, uma histórico-evolutiva, sensível à ideia de ‘formação’, a outra apoiada numa ‘historia sincrônica’, ou num ‘tempo longo [...], avessa à questão das origens primeiras, embora não à da originalidade (MOTTA, 2002, p. 44). Como sabemos, o grupo Noigandres foi o fundador do movimento da poesia concreta no Brasil. Esses poetas se rebelaram contra os preceitos estéticos da Geração de 45, formada por poetas que tinham como ponto de encontro o Clube de Poesia, em São Paulo.

“Não nos afinávamos com o conservadorismo da Geração de 45”, justifica Augusto de Campos ao falar do rompimento com o modelo poético vigente (PRIOSTE, 2004, p.13). Mais especificamente, o movimento da poesia concreta foi uma reação a um tipo de poesia de caráter sentimental ou confessional. Após a rebeldia representada pelo modernismo da Semana de 1922, houve uma reacomodação e um retorno aos valores mais tradicionais do verso. Os concretistas, então, propuseram uma retomada dos valores do primeiro modernismo. O

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manifesto “Plano-piloto para a poesia concreta”, publicado em 1958, afirmava que o ciclo histórico do verso enquanto unidade rítmico-formal estava acabado. Ao mesmo tempo, a partir dos anos 1960, começam a traduzir e a publicar as suas referências, ou seja, obras que compunham o cânone ou o “paideuma” do grupo, escolhidas no repertório da literatura mundial. Não foi por acaso, também, que as categorias de criação, crítica e do combate à suposta “inferioridade” da tradução frente ao original estiveram no centro do esforço teórico dos irmãos Campos.

No ensaio “Da tradução como criação e como crítica”, Haroldo de Campos, apoiado em Ezra Pound, defende que os motivos primeiros do tradutor que seja também poeta ou prosador deve ser a configuração de uma tradição ativa. Afirma que o escritor-tradutor, ao configurar determinada tradição por meio da tradução, faz um exercício de compreensão e também uma operação de crítica “ao vivo” (H. CAMPOS, 1976, pp. 31-32, grifos meus). Por isso, a escolha de textos por eles traduzidos não foi de modo algum aleatória, mas revelou quais os elementos da tradição que eles consideravam que permaneciam “matéria viva” para configurar o “presente poético”. Mais tarde, também iriam questionar, pelo lápis de Haroldo de Campos, o cânone literário de obras nacionais incluído na Formação da literatura brasileira, de Antonio Candido, alegando que o período Barroco de nossa literatura, representado pelo poeta Gregório de Matos, havia sido injustamente “sequestrado” da Formação.4

Moriconi afirma que “a pedagogia concretista foi contraditória na exata medida em que conjugou práticas de guerrilha anticanônica ao discurso da imposição canônica” (MORICONI, 1996, p.304). Não vejo contradição, uma vez que esse grupo de poetas tentou enfraquecer ou invalidar certo cânone para colocar outro em seu lugar, o seu próprio. Na realidade, eram dois estratos do sistema literário brasileiro em disputa pela hegemonia. Even-Zohar deu o nome de estratificação dinâmica ao fenômeno das tensões entre estratos de um sistema, assim como a luta permanente entre vários estratos:

As tensões entre a cultura canonizada e a não-canonizada são universais. Estão presentes em todas as culturas, uma vez que uma sociedade humana não-estratificada simplesmente não existe, nem mesmo utopicamente. Não há

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linguagem não-estratificada, mesmo quando a ideologia dominante que gere as normas do sistema não permite uma explícita consideração de qualquer outro estrato além do canonizado. O mesmo é verdade para a estrutura da sociedade e para tudo envolvido nesse complexo fenômeno (EVEN-ZOHAR, 1990, p.16)5.

Para Even-Zohar, as mudanças ocorrem quando um estrato vence o outro, fazendo com que alguns fenômenos sejam arrastados do centro para a periferia, abrindo caminho para outros ocuparem o centro. No entanto, para Even-Zohar, um polissistema nunca tem apenas um centro e uma só periferia, o que torna as análises mais complexas. Tais leituras enfatizam a multiplicidade de interseções possíveis e as tensões entre o centro do sistema e a sua margem ou periferia, entre os estratos canonizados e os não-canonizados. Attwater lembra que o cânone nunca se limita a uma única cultura: “toda a cultura tem o seu próprio cânone, sendo que o mesmo inclui textos traduzidos de várias outras culturas” 6

(ATTWATER, 2011, p. 28). Portanto, fica claro que o ato de escolher traduzir a obra de um poeta e não de outro pode assumir vários significados no interior de determinado sistema literário.

3. O papel dos tradutores

Anthony Pym admite que embora seja evidente que os tradutores tenham importância na história da tradução (e, por conseguinte, na história literária), é difícil dizer exatamente qual é o seu papel em termos coletivos ou individuais. Uma de suas hipóteses é de que os tradutores são “active effective causes” [literalmente, causas ativas efetivas], ou seja, sujeitos que intervêm na história e exercem um tipo de poder (PYM, 1998, p.161). Mas quais seriam as formas pelas quais os

5 “The tensions between canonized and non-canonized culture are universal. They are

present in every human culture, because a non-stratified human society simply does not exist, not even in Utopia. There is no un-stratified language upon earth, even if the dominant ideology governing the norms of the system does not allow for an explicit consideration of any other than the canonized strata. The same holds true for the structure of society and everything involved in that complex phenomenon.”

6“ Nor is canon limited to a single culture; each culture has its own and in any one culture

the canon will

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tradutores costumam intervir na história e exercer tal poder? Uma das possibilidades seria, é claro, quando os mesmos escolhem o que irão traduzir. Susana Kampff Lages afirma que “é preciso lembrar que por trás das motivações pelas quais certas obras adquirem importância em certas culturas, está a opção de certos escritores ou tradutores por traduzir determinadas obras” (LAGES, 2007, p. 88). É também como sustenta Leyla Perrone-Moisés ao estudar os escritores-críticos: “ao escolher falar de certos escritores do passado e não de outros, os escritores-críticos efetuam um primeiro julgamento. Assim fazendo, cada um deles estabelece a sua própria tradição e, de certa maneira, reescreve a história literária” (PERRONE-MOISÉS 2009, p.11). O mesmo pode-se dizer das escolhas tradutórias de poetas que vêm exercitando a tradução com certa regularidade no Brasil.

Poder-se-ia objetar que o tradutor nem sempre tem autonomia de escolha. Porém, mesmo quando não é ele quem escolhe a obra a ser traduzida, poderá talvez decidir de que forma irá traduzir (o repertório empregado, a estratégia tradutória, o projeto de tradução). Por certo, essas escolhas estarão geralmente condicionadas à poética vigente. Conforme Lefevere, “a luta entre poéticas rivais é quase sempre iniciada por escritores, mas quem ganha ou perde a batalha são os reescritores” (LEFEVERE, 2007, P. 67).

O tradutor, como queria Goethe, atua como um promotor desse “intercâmbio espiritual” entre as literaturas, e movimenta-se num espaço de intersecção entre culturas e línguas. E o tradutor que também atua como poeta ou escritor assume dois papéis: o de importador de textos e o de produtor em seu sistema literário. Por isso, saber se um tradutor de poesia é também poeta transforma-se em um fator relevante de análise, pois esse fato trará consequências ao sistema literário em questão. Como a tradução de poesia se processa numa operação profunda no interior da linguagem, que se materializa na operação de “desmontar” e “remontar” um poema, é possível sugerir que nessas circunstâncias (quando um poeta traduz outro) seja bem maior a chance de novos modelos serem inseridos com sucesso em um dado sistema literário. O contrário também é verdadeiro: o poeta-tradutor poderá também adaptar a poética do autor estrangeiro aos modelos predominantes em seu meio literário.

Em ambos os casos, o escritor ou poeta, ao incursionar pela tradução, atua na seleção do bem estrangeiro que passará a fazer parte do espaço nacional e empresta uma marcação a esse texto. Outro aspecto é o interesse de quem “se apropria” de um autor por meio da tradução. Ou, como disse Bourdieu, “publicar o que gosto é reforçar minha posição no

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campo [literário]” (BORDIEU, 2002, p. 4). O poeta-tradutor relaciona o seu nome ao do autor traduzido, fortalecendo a sua persona poética e ligando a sua imagem à do autor traduzido. Como resume Valery Larbaud, o tradutor “ao mesmo tempo em que amplia a sua riqueza intelectual, enriquece a literatura nacional e honra seu próprio nome” (LARBAUD, 2001, p. 73). Também as editoras, por vezes, procuram ligar o nome de um determinado escritor ou poeta à obra traduzida, por acreditar que o público o identifica com um dado gênero ou estilo literário.

Não quero dizer com isso que considere as escolhas tradutórias dos poetas uma mera questão de “marketing” literário. Elas representam, em grande parte dos casos, uma maneira que os mesmos encontram para aproximarem-se de determinada tradição, através da qual buscam o significado do seu fazer artístico. Para T.S. Eliot:

Nenhum poeta, nenhum artista de área alguma tem seu completo significado sozinho. O seu significado, a sua apreciação é a apreciação da sua relação com os artistas e os poetas mortos. Não se pode avaliá-lo sozinho; deve-se posicioná-lo, por contraste e comparação, entre os mortos. Digo isso como um princípio de crítica estética, não meramente histórica (ELIOT, 1950, p. 49).7

Assim, traduzir pode ser uma forma eficiente de se filiar a uma tradição, a uma estética ou a uma família poética.

4. Poetas-Tradutores e a tradução de poesia no Brasil entre 1960 e 2009

Para o levantamento realizado para a pesquisa de doutorado em Estudos da Tradução “Poetas-tradutores e o cânone da poesia traduzida no Brasil (1960-2009)” computei um universo de 314 tradutores de poesia atuando no Brasil num período de cinco décadas (1960-2009), sendo que,

7 “No poet, no artist of any art, has his complete meaning alone. His significance, his

appreciation is the appreciation of his relation to the dead poets and artists. You cannot value him alone; you must set him, for contrast and comparison, among the dead. I mean this as a principle of æsthetic, not merely historical, criticism.”

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desses, 145 foram identificados como poetas. O critério para ser considerado um poeta foi o de ter reconhecimento no meio literário e pelo menos um livro de poemas publicado.

Gráfico 1:

Poetas entre os tradutores de poesia no Brasil (1960-2009)

Mas para quê tentar quantificar os tradutores de poesia e, entre eles, os poetas-tradutores atuantes em um determinado período no Brasil? Pensando nos tipos de cânone propostos por Even-Zohar, temos que os poetas-tradutores, além de incluir a obra traduzida no sistema literário nacional, também tendem a introduzir um novo repertório aprendido e exercitado no processo de tradução no seu trabalho poético autoral. Já a identificação dos tradutores em geral serve como mais um dado para o mapeamento do nosso sistema literário e cultural, e que deve ser analisado em conjunto com os demais. Casanova, por exemplo, sustenta que o número de tradutores literários e de “poliglotas” que atuam num dado sistema literário é um aspecto relevante a ser destacado, pois, para ela, a presença desses “intermediários transnacionais” é um fator que dá a medida do poder e do prestígio de determinada literatura (CASANOVA, 2002, p.37).

A pesquisa indicou que, mesmo em menor número, os tradutores que também são/eram poetas assinaram um número maior de traduções no período estudado. Do total de 452 obras poéticas de autores

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individuais8 traduzidas e editadas e que aparecem no levantamento

bibliográfico, 309 delas tiveram a sua tradução assinada por pelo menos um poeta (por vezes, a tradução é assinada por vários tradutores) e apenas 143 por não-poetas. Isso pode ser verificado no Gráfico 2:

Gráfico 2

Poetas e a tradução poética no Brasil (de autores individuais, 1960-2009)

Assim, conforme o levantamento bibliográfico, os poetas-tradutores foram responsáveis por quase sete entre dez traduções poéticas publicadas no Brasil no período estudado.

A influência dos poetas-tradutores é ainda maior no segmento das antologias. Constatou-se que das 104 antologias mistas de poesia estrangeira publicadas entre 1960-2009, 76 delas, o equivalente a 73%, foram organizadas e/ou traduzidas por poetas, 27 foram organizadas e/ou traduzidas por não-poetas e de apenas uma não se encontrou referências do tradutor.

8 Chamo de obras de autores individuais aquelas traduções cujo original é de autoria de

apenas um poeta, ou seja, que não se configuram como antologias com poemas de vários poetas.

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Gráfico 3:

Poetas-tradutores e a antologização

A antologização é um relevante fator para a canonização de uma obra ou modelo literário, uma vez que ao selecionar e organizar os textos, editores e tradutores procedem a uma manipulação que interfere em sua recepção. Elas também teriam o poder de refletir, expandir ou redirecionar o cânone de determinado período (GOLDING, 1984, p. 279).

A disponibilidade de textos traduzidos reunidos em antologias também traz consequências nas instituições de ensino, visto que as antologias costumam ser bastante usadas para fins didáticos. E, do ponto de vista editorial, é por meio desse tipo de publicação que os editores têm um instrumento para captar a atenção de determinado público e testar a aceitação de novos autores e mercados. Portanto, o protagonismo dos poetas-tradutores na organização e/ou tradução de antologias é mais um forte indicativo da sua interferência no sistema literário brasileiro. O gráfico a seguir traz o número total de antologias publicadas por década e demonstra a parcela que foi traduzida e/ou organizada por poetas-tradutores.

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Gráfico 4:

Total de antologias por década versus antologias traduzidas e/ou organizadas por poetas:

Pode-se observar que em todas as décadas estudadas é muita alta a proporção de antologias em cujos projetos estavam envolvidos poetas-tradutores, não baixando de 60%, na década de 1960, e alcançando o nível máximo de 88% na década de 1980. Na década de 1970, a proporção foi de 60% e nas décadas de 1990 e 2000, 75% e 70% respectivamente. Se a antologização, como vimos, é um fator relevante de inclusão no cânone, é preciso admitir que os poetas-tradutores exerceram o seu poder.

5. Conclusões

A intensa atividade tradutória dos poetas no Brasil nos últimos cinquenta anos ampliou o contato das letras brasileiras com diversas literaturas estrangeiras. Pode-se dizer que tal relação intensificou-se a partir do projeto dos poetas concretos, por isso a sua experiência e o seu paideuma são um referencial para se analisar a poesia traduzida no Brasil a partir dos anos de 1960. Assim como para Ezra Pound, para os irmãos Campos, a escolha tradutória foi vista como o fruto de uma “militância”

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em prol de um projeto estético para o presente. O aparentemente simples ato de escolha de um título e da maneira como se iria traduzi-lo começou a ser encarado como uma forma de intervenção e de poder exercida pelo tradutor, além um ato de crítica.

Ao escolher certas obras para traduzir, os poetas trabalharam pela continuidade ou pelo rompimento de determinado cânone e, ao mesmo tempo, buscaram as suas filiações poéticas e caminhos para a sua produção autoral. As escolhas dos poetas-tradutores contribuíram para a configuração dos atuais cânones poéticos no Brasil, não somente do cânone da poesia traduzida, mas também de novas formas e/ou dicções poéticas da própria poesia brasileira. Conforme vimos anteriormente com Even-Zohar, quando um modelo é inserido no repertório de recursos poéticos de uma língua, ocorre um tipo de canonização de maior relevância para o sistema literário do que a simples presença de um texto traduzido. Por isso mesmo, quando o tradutor é também poeta, são maiores as chances da assimilação de novos recursos estilísticos no repertório poético local. Ao usar a tradução como forma de exercício poético, o poeta quase sempre levará algo dessa experiência para a sua produção autoral. Além disso, boa parte dos poetas, além da tradução, estiveram, em geral, envolvidos em outras atividades que preparam as obras para a canonização, como a antologização ou a crítica exercida nos prefácios das traduções.

Por meio do levantamento das traduções realizadas pelos poetas-tradutores foi possível medir a intensidade da prática da tradução entre eles tradutores e o peso de suas escolhas tradutórias no universo da tradução de poesia no Brasil entre 1960 e 2009. Chegou-se a um número de 314 tradutores de poesia com traduções publicadas em livro no Brasil, sendo que 145 deles foram identificados como poetas. Ou seja, os poetas representaram 46% do universo pesquisado, enquanto os tradutores de poesia que não são/eram poetas constituíram a maioria: 54%. No entanto, surpreendeu o fato de que, mesmo em minoria numérica, os poetas-tradutores foram responsáveis por 68% dos títulos de poesia traduzida publicados (autores individuais) no período pesquisado. Esse é um indicativo quantitativo da produtividade e do engajamento dos poetas na tarefa da tradução de poesia no Brasil. No caso das antologias mistas, os poetas-tradutores estiveram envolvidos em 72% dessas publicações, uma mostra da sua ascendência no sistema literário e na canonização de obras e modelos. Em todas as décadas estudadas, foi expressiva a participação dos poetas-tradutores como organizadores e tradutores de

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antologias de poesia traduzida, variando entre 56% na década de 1960 até 88% na década de 1980.

O levantamento bibliográfico de tradução de poesia que serviu de base para este estudo também acabou por revelar variados aspectos dessa área da cultura no Brasil, tanto em termos quantitativos como qualitativos. A partir do conjunto dos dados colhidos, chegou-se a uma clara percepção do espaço conquistado não somente pelos poetas-tradutores, mas também pela própria tradução de poesia no sistema literário brasileiro.

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Umberto Eco, no Brasil| 37

EXPERIÊNCIA DE LEITURA, RECEPÇÃO E

TRADUÇÃO: O ROMANCE A ILHA DO DIA

ANTERIOR, DE UMBERTO ECO, NO BRASIL

Elizamari Rodrigues Becker Patrizia Cavallo RESUMO: Três experiências que para o leitor são de vital importância – a de leitura, tradução e recepção – representam o foco deste trabalho, cuja primeira parte oferece uma reflexão teórica sobre esses momentos, complexos e interconectados desde sempre. Esse preâmbulo teórico é necessário para a análise destes fenômenos na prática, graças à avaliação da leitura, tradução e recepção do terceiro romance escrito por Umberto Eco e traduzido em português por Marco Lucchesi. A obra foi publicada no Brasil em 1995, sob o título A Ilha do Dia Anterior, alcançando grande sucesso de público, o mesmo público cujas experiências de leitura e recepção serão aqui comentadas, graças a um corpus de resenhas, artigos e comentários extraídos tanto de blogs quanto de jornais, revistas e livros. Por último, mas não menos importante, a experiência do tradutor Marco Lucchesi será descrita e comentada a partir de textos autobiográficos e entrevistas por ele concedidas aos jornais da época. Através da análise desses materiais, foi possível nos aproximarmos da experiência de leitores “comuns” e “especializados” e aprofundarmos o estudo da tarefa e dos desafios impostos ao tradutor: isso representa uma oportunidade de refletirmos sobre a belíssima experiência humana da leitura, tradução e acolhimento de um romance de grande impacto e erudição, escrito pelo célebre Umberto Eco.

Palavras-chave: Leitura. Tradução. Recepção.

ABSTRACT: Three experiences that are of utmost importance for the reader – reading, translation and reception – are the core driving forces of this work, whose first part offers a theoretical overview over these moments, which have always been complex and interconnected. This theoretical preamble is necessary to analyse the three phenomena in practice, by means of assessing the reading, translation and reception of the third novel written by Umberto Eco and translated into Portuguese by Marco Lucchesi. The novel was published in Brazil in 1995, under the

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title A Ilha do Dia Anterior, and was hailed as great success by the public, the same public whose experiences of reading and reception are herein commented, using a corpus of reviews, articles and commentaries taken from blogs, newspapers, magazines and books. Last but not least, the experience of the translator Marco Lucchesi is described and commented through autobiographical texts and interviews he granted to the newspapers of that time. The analysis of these materials has deepened our understanding over the experience of “common” and “specialized” readers, and added the study of the task and challenges imposed to the translator: this represents an opportunity to reflect upon the beautiful human experience of reading, translating and receiving into a specific foreign literary system a novel of great scope and erudition written by the famous Umberto Eco.

Keywords: Reading. Translation. Reception. Introdução

Há três palavras que compõem o universo literário que são de vital importância para o leitor, e é com base nestas que este trabalho se constrói: leitura, recepção e tradução. Muitos estudos, livros, debates foram consagrados a esses fenômenos que trazem em si infinitas nuances e universos a serem descobertos. Apesar de essas reflexões poderem ser consideradas já amplamente lidas e debatidas, acreditamos que cada oportunidade de aprofundamento e crítica deva ser aproveitada para que sempre mais leitores e profissionais da área possam delas se beneficiar e criar, por sua vez, outras oportunidades de debate e reflexão crítica.

Portanto, este trabalho tem o duplo objetivo de, por um lado, comentar brevemente o significado na história e prática literária dos termos leitura, recepção e tradução, para criar uma ponte com o segundo objetivo, ou seja, a análise de um exemplo prático dessas experiências, conhecidas da maioria dos habitantes do planeta que leem, em um recorte específico de leitores que serão aqui referidos. Um romance italiano, escrito por Umberto Eco, traduzido por Marco Lucchesi e publicado no Brasil em 1995, sob o título A Ilha do Dia Anterior, será o foco de nossa análise, também realizada com base no conjunto de materiais e documentos enviados pelo mesmo tradutor Marco Lucchesi. Através da análise desses preciosos recursos, será possível aproximarmo-nos mais do complexo e tão debatido fenômeno da leitura, acompanhada pelo estudo da recepção do mencionado romance no Brasil, e

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concentrarmo-nos no seu desdobramento final, com a belíssima experiência de tradução vivenciada pelo professor, filósofo, poeta e tradutor Marco Lucchesi.

Porque a leitura e a tradução receberam, desde sempre, uma atenção privilegiada, apesar de os estudiosos nunca terem chegado a uma opinião unânime sobre a íntima essência dessas atividades? Talvez porque façam parte do universo mais reservado de uma pessoa, o assim-chamado “leitor”, que às vezes assume o papel de tradutor, apesar de todo tradutor sempre ser primeiramente um leitor; ou ainda porque, como diria Antoine Compagnon:

A literatura nos ensina a melhor sentir, e como nossos sentidos não têm limites, ela jamais conclui, mas fica aberta como um ensaio de Montaigne, depois de nos ter feito ver, respirar ou tocar as incertezas e as indecisões, as complicações e os paradoxos que se escondem atrás das ações (COMPAGNON, 2009, p. 51).

Assim, concluímos que o ato de leitura é sempre inacabado, ainda que para um mesmo indivíduo leitor e a despeito de uma nova leitura. A reelaboração interpretativa é fruto da reflexão e da nossa constante busca pela compreensão do mundo em que vivemos.

1. Leitura, recepção, tradução e suas múltiplas facetas

Os termos leitura, recepção e tradução são intimamente imbricados e já sugerem, à primeira vista, sua relação com a área da literatura, na qual essas três experiências caminham muitas vezes pari passu. De fato, também Tânia Carvalhal afirma que as teorias da estética da recepção “conjugam o estético com o histórico e, em lugar de uma história das formas, propõem uma história de efeitos” e que “torna-se impossível dissociar tradução de disseminação e de recepção de uma obra” (CARVALHAL, 2003, p. 235). Ainda, é possível afirmar que todo tradutor é, primeiramente, um leitor, como confirmado pelo tradutor Marco Lucchesi, o qual escreve que “a tradução representou para mim aquela ânsia pós-babélica. Não bastava, contudo, conhecer as línguas originais. Da leitura à tradução, foi um passo” (LUCCHESI, 1997, p. 104). Nesse livro, que representa quase uma coleção de confissões, memórias e ansiedades em relação à vida e ao trabalho de leitor e tradutor, ele explica como foi fácil passar da

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voracidade de leitura de textos às tentativas de tradução dos mesmos. Citamos aqui novamente Tânia Carvalhal, ao pronunciar-se sobre as possibilidades da tradução, afirmando que a tradução é “uma das leituras possíveis do texto, a realização de suas potencialidades” (CARVALHAL, 2003, p. 227). Antes de nos focarmos sobre cada uma dessas experiências, é importante destacar que também Antoine Compagnon refletiu sobre a intensa imbricação desses três momentos, afirmando que os estudos da recepção se consagram “à análise mais atenta da leitura como reação, individual ou coletiva, ao texto literário”9 (COMPAGNON, 1998, p.

173). A tradução é, portanto, um ato de leitura escrutinizador e crítico, que se apropria do texto lido e lhe presta devolução em outra língua. E a leitura, por sua vez, nas suas operações interpretativas, já se constitui no primeiro estágio da tradução.

1.1 Leitura: ontem e hoje

Nosso conceito sobre leitor evoluiu ao longo da história, seja ele culto ou não. Lendo uma das primeiras Bíblias em língua vernácula ou um romance em formato eletrônico com seu tablet na mão, todos foram, antes ou depois, pelo menos uma vez em sua vida, leitores de algum texto, romance, receita, bula etc. Porém, é só a partir dos anos 60 que o “fantasma do leitor” (ECO, 1990, p. 2) começa insistentemente a ser incluído nas reflexões e debates em torno do valor e do significado da obra literária. Durante o período formalista e estruturalista da história literária, o texto em si representava suficiência, com escassa atenção dada ao seu autor, e menos ainda a seu leitor. Será graças à Estética da Recepção, à Hermenêutica, à Semiótica e à Desconstrução que essas tendências tomarão um rumo diferente, tornando o leitor um dos focos de estudo e pesquisa. O leitor se transforma em figura digna de receber atenção e, consequentemente, passa a ser objeto de infinitas categorizações, por exemplo: “leitores virtuais, leitores ideais, leitores-modelo, superleitores, leitores projetados, leitores informados, arquileitores, leitores implícitos, metaleitores” (ECO, 2012, p. 1). O mesmo Umberto Eco tem dedicado muitos trabalhos aos estudos sobre comunicação, leitura, obra de arte e interpretação, em obras como Os Limites da Interpretação, Apocalípticos e Integrados, Obra Aberta10, entre

9 Trad. nossa. No texto original : « à l’analyse plus étroite de la lecture comme réaction, individuelle

ou collective, au texte littéraire ».

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Umberto Eco, no Brasil| 41

outras. Ele se concentrou sobre o conceito de interpretação e de seus limites, além de tentar definir os papéis e os tipos de leitores com os quais uma obra se relaciona. Em Obra Aberta, ele afirma que:

O leitor do texto sabe que cada frase, cada figura se abre para uma multiformidade de significados que ele deverá descobrir; inclusive, conforme seu estado de ânimo, ele escolherá a chave de leitura que julgar exemplar, e usará a obra na significação desejada (fazendo-a reviver, de certo modo, diversa de como possivelmente ela se lhe apresentara numa leitura anterior). Mas nesse caso "abertura" não significa absolutamente "indefinição" da comunicação, "infinitas" possibilidades da forma, liberdade da fruição; há somente um feixe de resultados fruitivos rigidamente prefixados e condicionados, de maneira que a reação interpretativa do leitor não escape jamais ao controle do autor (ECO, 1991, p. 43).

Esse trecho revela-se fundamental para entender as posições do Eco em relação ao leitor e à interpretação de uma obra, distinguindo o termo “abertura” de “infinita interpretação” e ressaltando, em obras póstumas, que as conjecturas que o leitor finalmente faz sobre um texto “deverão ser testadas sobre a coerência do texto e à coerência textual só restará desaprovar as conjecturas levianas” (ECO, 2012, p. 15). Portanto, um cuidado especial deve ser tomado na hora de supor que um texto concede a seu leitor interpretações ilimitadas porque, de acordo com Eco, tudo sempre voltará de forma circular ao texto, pilar de toda e qualquer interpretação e conjectura.

De acordo com Compagnon, todos os debates e tentativas de definir o fenômeno da leitura voltam sempre ao problema crucial da liberdade e da restrição. É o leitor que controla o texto, ou o contrário? Qual é o preço da liberdade de interpretação?11 Estas e muitas outras

perguntas se sucederam ao longo de décadas, e o capítulo sobre o Leitor, no trabalho citado de Antoine Compagnon, resume bem as diferentes correntes de pensamento sobre o fenômeno da leitura, passando pela exclusão da figura do leitor, até à afirmação de sua consciência graças à hermenêutica fenomenológica, à noção de leitor implícito elaborada por

Referências

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