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GRUPO DE TRABALHO 9 ESTUDOS SOCIOCULTURAIS DO ESPORTE LEVANTAMENTO SOBRE AS FONTES DE FINANCIAMENTO DO COMITÊ OLÍMPICO BRASILEIRO

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GRUPO DE TRABALHO 9

ESTUDOS SOCIOCULTURAIS DO ESPORTE

LEVANTAMENTO SOBRE AS FONTES DE

FINANCIAMENTO DO COMITÊ OLÍMPICO

BRASILEIRO

Mda. Bárbara Schausteck de Almeida

Dr. Wanderley Marchi Jr

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LEVANTAMENTO SOBRE AS FONTES DE FINANCIAMENTO DO COMITÊ OLÍMPICO BRASILEIRO

Mda. Bárbara Schausteck de Almeida1 Dr. Wanderley Marchi Jr.2

Resumo

Frequentemente, uma instituição esportiva brasileira ganha visibilidade midiática: o Comitê Olímpico Brasileiro (COB). Sendo a principal entidade representativa do esporte olímpico no país, tem sob sua responsabilidade mais que gerenciar a ida de atletas para competições internacionais, representar o país perante o mundo nessas ocasiões. Mas como essa entidade se mantém financeiramente? Para responder essa questão, realizamos um mapeamento das principais formas de financiamento do COB para o período de 2005 a 2008, buscando as informações oficiais e dados noticiados pela mídia, interpretando-os pela teoria sociológica de Pierre Bourdieu. Foi possível perceber que o financiamento majoritário é através de repasses governamentais. No total de verbas mapeadas (leis, repasses diversos, patrocínio público e privado), o valor de dinheiro público foi de R$ 234 milhões, enquanto o valor divulgado de patrocínio foi de aproximadamente R$ 29 milhões. Esses relacionamentos entre COB, órgãos governamentais e empresas privadas se constroem pelas interdependências financeiras. Porém, outras análises são possibilitadas, quando se observa a autonomia relativa do campo esportivo e as disputas nesse campo entre agentes dominantes e dominados, cujos posicionamentos dependem da análise por tipo de capital (econômico ou simbólico), ao mesmo tempo em que se situam numa situação de adversários cúmplices, porque são dependentes entre si para sua manutenção e da própria dinâmica do campo esportivo.

Palavras-chave: Comitê Olímpico Brasileiro, Financiamento, Patrocínio.

INTRODUÇÃO

Recentemente, o Brasil tornou-se foco das atenções mundiais em relação ao esporte não só pelo seu desempenho em Jogos Olímpicos, pelas conquistas mundiais do voleibol ou do futebol, mas também pelas candidaturas à sede de grandes eventos esportivos. Já possui em seu histórico recente a realização dos XV Jogos Pan-Americanos em 2007, na cidade do Rio de Janeiro (importante cidade localizada no sudeste do Brasil), além de ter sido confirmado, em outubro de 2007, como sede da Copa do Mundo de 2014. Somando-se ainda a esses fatos, o Rio de Janeiro se apresenta como um dos quatro finalistas para receber os Jogos Olímpicos de Verão de 2016 (Rio

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Aluna do Programa de Mestrado em Educação Física na Linha de Pesquisa História e Sociologia do Esporte (DEF/UFPR); Integrante do Centro de Pesquisa em Esporte, Lazer e Sociedade (CEPELS/DEF) e Asociación Latinoamericana de Estudios Socioculturales del Deporte (ALESDE). E-mail: barbara.edf@ufpr.br

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Doutor pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Professor da Graduação em Educação Física, dos Programas de Mestrado e Doutorado do Departamento de Educação Física (DEF) e Ciências Sociais (DECISO) da Universidade Federal do Paraná, Coordenador do Centro de Pesquisa em Esporte, Lazer e Sociedade (CEPELS/DEF) e Vice-presidente da Asociación Latinoamericana de Estudios Socioculturales del Deporte (ALESDE). E-mail: marchijr@ufpr.br

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2016). A passagem para a segunda fase da seleção do Comitê Olímpico Internacional (COI), cujo resultado deverá ser anunciado em outubro de 2009, acontece pela primeira vez, após duas tentativas frustradas de candidatura à sede em 2004 (INTERNATIONAL OLYMPIC COMMITTEE, 2009a) e em 2012 (INTERNATIONAL OLYMPIC COMMITTEE, 2009b).

O Comitê Olímpico Brasileiro (COB) é a entidade que representa o interesse na realização dos Jogos Olímpicos no país. Por ser a única entidade representativa do movimento olímpico no Brasil3, tem como uma das responsabilidades a pré-seleção das cidades do país para concorrência à sede dos Jogos Olímpicos. O processo para transformar especificamente a cidade do Rio de Janeiro em sede de uma edição dos Jogos vem sendo construída relativamente em um médio prazo, se considerarmos que o processo para a primeira tentativa de sede (para os Jogos de 2004) foi iniciado em 1994. E, em todas as candidaturas, faz-se necessária a construção de relatórios e projetos que respondam a todas as requisições do COI, exigindo recursos para o financiamento dessa mão-de-obra altamente especializada. Nesse sentido, aflora o seguinte questionamento: financeiramente, como esses projetos e a própria entidade são sustentados?

Compreender as fontes de financiamento das candidaturas olímpicas tornou-se possível a partir de um entendimento maior, acerca do financiamento da própria entidade, o COB. Assim, tivemos aqui como objetivos compreender as fontes de recursos financeiros do COB desde 2006 até o que já foi divulgado para 2009 e interpretar as posições e disposições dentro do campo esportivo e político das entidades relacionadas. Como forma de responder essa e outras questões, realizamos um mapeamento das principais formas de financiamento do COB, buscando as informações oficiais e dados noticiados pela mídia, interpretando-os pela teoria sociológica de Pierre Bourdieu, principalmente a partir de conceitos como habitus, campo e capitais simbólico, social, econômico e cultural.

A opção de uma análise desse caso pelo viés sociológico tem a intenção de compreender, para além das cifras, intenções e posições de importantes agentes do campo esportivo, que se estendem também para outros campos, como veremos a seguir, que revelam parte da dinâmica desse lócus de disputas através da utilização e acumulação de múltiplos capitais.

Para isso, optamos primeiramente em descrever os dados empíricos que puderam ser mapeados para em seguida apropriar de alguns conceitos do autor Pierre Bourdieu para sua análise e compreensão, finalizando com reflexões sobre o presente caso e alguns acontecimentos recentes que permeiam esta temática.

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AS FONTES DE FINANCIAMENTO DO COMITÊ OLÍMPICO BRASILEIRO

Através de buscas realizadas no website do COB e da candidatura Rio 2016, não foram encontradas informações oficiais sobre os gastos com as candidaturas olímpicas anteriores, nem sobre a atual. O que se tem disponível são informações veiculadas na mídia em que o gasto público com o Rio 2016 teria chego a R$ 100 milhões até o momento.

Oficialmente, foi localizada a transferência de R$ 48.487.915,91 em recursos públicos federais para o COB, desde março de 2008 até abril de 2009, visando contratação de serviços para a candidatura, sob o rótulo da ação governamental “Captação de Eventos Esportivos Internacionais de Alto Rendimento” (CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO, 2008; 2009). Nos convênios estabelecidos para que esse repasse pudesse acontecer, a contrapartida total oferecida pelo COB foi de R$ 792.687,08, o que representa 2,11% do valor investido, pelo que pôde ser mapeado (Ibidem).

Considerando a transferência de recursos para outros fins, temos os seguintes valores: em 2006, foram repassados ao COB R$ 4.971.588,39, sendo majoritariamente para realização dos Jogos Pan-Americanos de 2007 no Rio de Janeiro (Idem, 2006); em 2007, o valor saltou para R$ 7.730.232,34, majoritariamente visando o mesmo fim (Idem, 2007). Além disso, neste mesmo ano, houve o repasse direto para o Comitê Organizador dos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro 2007 (CO-Rio) de R$ 187.858.128,11 (Ibidem).

Desde o ano de 2001, mais uma fonte de financiamento público que o COB possui é relativa ao repasse de 1,7% do total bruto arrecadado pelas loterias federais, após a aprovação da Lei nº 10.264, conhecida como Lei Agnelo-Piva. As principais alterações dessa Lei consistem em regulamentar de que forma o repasse da premiação das loterias federais deve ser realizado, onde tais recursos devem ser aplicados e quem são os responsáveis pela sua fiscalização (BRASIL, 2001). De 2002 a 2008, foram repassados mais de R$ 491 milhões, cuja progressão pode ser vista no gráfico a seguir.

GRÁFICO 1 – PROGRESSÃO DOS VALORES REPASSADOS PELA LEI Nº 10.264/2001 AO COMITÊ OLÍMPICO BRASILEIRO – 2002 A 2008.

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FONTE: COMITÊ OLÍMPICO BRASILEIRO (2003; 2004; 2005; 2006; 2007; 2008). Adaptado por: ALMEIDA (2009).

Desse total, por lei (§ 2º), 5% do valor deve ser investido em esporte universitário e 10% em esporte educacional, totalizando R$ 24,55 milhões e R$ 49,1 milhões para o período, respectivamente. Assim, ficou sob responsabilidade do COB a administração direta de R$ 417 milhões, que devem ser aplicados, conforme o § 3º inciso II, em: (1) programas e projetos de fomento (candidaturas para eventos internacionais, aquisição de equipamentos e materiais, administração de unidades como centros, museu e academia olímpicos); (2) manutenção da entidade; (3) formação de recursos humanos (realização e participação em eventos técnicos); (4) preparação técnica (infra-estrutura, contratação e remuneração); (5) manutenção de atletas (pagamento de despesas diversas); (6) organização e participação em eventos esportivos (realização e participação em treinamentos e competições nacionais e internacionais) (BRASIL, 2001).

Outra lei existente que colabora com o financiamento do COB é a lei de incentivo ao esporte (Lei 11.438/2006), que permite que haja deduções fiscais de pessoas físicas e jurídicas, que seriam pagos ao governo federal, sejam investidos em projetos que promovam a inclusão social através de uma das manifestações de desporto rendimento, participação e/ou educacional, previamente aprovados pelo Ministério do Esporte (BRASIL, 2006).

Entendemos que, através dessa lei, milhões de reais, que deixam de ser arrecadados pelo Governo Federal e poderiam estar sendo investidos em inúmeras outras ações, são disponibilizados às entidades esportivas para ações que não necessariamente promovem o esporte para a população em prol de um bem comum, mas muitas vezes em favor de grupos específicos e seus interesses próprios. Dessa maneira, consideramos que os repasses dessa lei também são subsídios públicos que acabam sendo repassados às instituições esportivas.

Para o período de dezembro de 2007 até 2009, o valor dos projetos aprovados para que recursos fossem captados pelo COB chegou a R$ 53 milhões. Em um dos projetos, para preparação

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de equipes para os Jogos Olímpicos de Pequim 2008, houve a captação de R$ 25,9 milhões da Petrobras (MINISTÉRIO DO ESPORTE, 2009), empresa do ramo energético de capital semi-público nas quais as ações ordinárias são majoritariamente (55,7%) da união federal (PETROBRAS, 2009). Outros recursos de um projeto já liberado (no valor de R$ 22,5 milhões) poderão ser captados até o final de 2009, enquanto um projeto mais antigo, de R$ 4,5 milhões, teve seu prazo vencido, sem obter nenhum patrocinador ou doador (MINISTÉRIO DO ESPORTE, 2009).

No total mapeado, considerando o período de 2006 até o que já foi divulgado para 2009, o valor de dinheiro público repassado para o COB, através das Leis nº 10.264/2001 e 11.483/2006 e pelos convênios com o Ministério do Esporte4, totalizou R$ 331.444.572,64.

Como contrapartida, o COB recebe recursos de patrocinadores, parceiros e fornecedores, além do incremento dos direitos de transmissão vendidos para o Rio 2007. O valor divulgado oficialmente em 2005, advindos dessas fontes para o ciclo olímpico de 2005-2008, foi de R$ 96 milhões, dos quais 30% (aproximadamente R$ 29 milhões) seriam encaminhados ao COB (POR DENTRO DO COMITÊ OLÍMPICO BRASILEIRO, 2005).

Para contextualizar, no período de 2006 a janeiro 2009, o Ministério do Esporte investiu diretamente em programas de esporte e lazer R$ 642.781.634,72, sendo que 74% dessa verba (R$ 477.551.370,31) foram investidas no programa “Rumo ao Pan 2007” (CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO, 2006; 2007; 2008; 2009). Ou seja, em gastos diretos do Ministério do Esporte no período foram investidos apenas R$ 165.230.264,41 em seis outros programas, a saber: (1) Brasil no esporte de alto rendimento – Brasil Campeão, (2) Inserção social pela produção de material esportivo, (3) Esporte e lazer na cidade, (4) Vivência e iniciação esportiva educacional - Segundo tempo, (5) Gestão das políticas de esporte e lazer e (6) Apoio administrativo (ibidem). É importante ressaltar que nesse valor não estão sendo considerados os gastos de outros ministérios em programas de esporte e lazer, nem dos repasses federais aos estados e municípios voltados para este fim.

Em síntese, podemos perceber que os repasses ao COB no período avaliado consistem no dobro dos investimentos do Ministério do Esporte em atividades relacionadas ao esporte e lazer, desconsiderando os investimentos no Rio 2007. Vemos ainda que o financiamento do COB é majoritariamente público, no qual as diversas formas de repasses federais (Lei Agnelo-Piva, Lei de incentivo ao esporte e os Convênios com o Ministério do Esporte) representaram aproximadamente 91,6% dos recursos totais que puderam ser mapeados para o período de 2006 a janeiro de 2009. Se

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Apesar do CO-Rio também ter recebido recursos por essa via de financiamento, no valor final apresentado, esses repasses não foram considerados, já que esta se caracteriza como uma organização diferente do COB.

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considerarmos ainda que dois patrocinadores (Petrobras e Caixa Econômica Federal) e um parceiro (Correios) são empresas que possuem capital público, esse percentual subiria para quase 95,3%.

ANÁLISE PELAS COLABORAÇÕES DE PIERRE BOURDIEU

Para compreensão do financiamento do COB com uma visão de totalidade dos fatos, propomos um recorte para os campos esportivos e políticos. Através da observação de algumas de suas características específicas apontadas pelo autor Pierre Bourdieu, poderemos maximizar o olhar e o entendimento das relações que se estabelecem.

Bourdieu entende que o envolvimento e a mobilização popular fazem do esporte, desde o século XIX, um meio potencial de conquista política e simbólica, principalmente do público jovem. Porém, a utilização do esporte como meio de promoção política se dá de forma dissimulada, sendo que “o reconhecimento e a ajuda por parte do Estado aumentam juntamente com a aparente neutralidade das organizações esportivas” e seus responsáveis, os quais buscam acúmulo ou manutenção de capital simbólico que possam ser revertido em poder político (BOURDIEU, 1983, p. 146-7).

Essa colaboração do autor já incita um importante ponto para reflexão dentro da proposta de pesquisa. Se, desde o século XIX, o esporte vem sendo utilizado como um meio de promoção política, hoje, com o aumento da visibilidade e acesso às informações relacionadas ao esporte, essa promoção é maximizada. Tal fato é relevante tanto para os agentes esportivos quanto políticos que, de acordo com seus interesses, podem favorecer determinados esportes em detrimento de outros, justamente pela quantificação do retorno simbólico desse investimento.

O retorno simbólico pode ser considerado ainda maior quando são tratadas as modalidades incluídas nas Olimpíadas, pois são aquelas que possuem maior visibilidade midiática mundial e grande interesse do público, onde o sucesso dos atletas é quantificado pelas suas conquistas e o sucesso da nação pelo posicionamento no ranking de medalhas5. Os dirigentes esportivos e políticos ligados ao esporte costumam estar presentes nesses momentos de conquista, trazendo para si a boa imagem de “responsável pelo sucesso”. Na verdade, a conquista de uma medalha em campeonatos mundiais ou em uma edição dos Jogos Olímpicos não representa um projeto político-esportivo bem sucedido. Porém, o simbolismo da medalha e o nacionalismo que essa imagem representa são suscetíveis de conversão em capital político, numa proporção de alcance nacional e internacional,

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Apesar do Comitê Olímpico Internacional não considerar essa contagem, a imprensa mundial acompanha durante todos os Jogos Olímpicos o desempenho dos países e os classifica pela quantidade de medalhas de ouro ou total de medalhas. Aqueles que possuem melhor desempenho são tidos como as potências olímpicas e seus modelos de gestão esportiva costumam ser referência para os outros países.

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diferentemente do investimento em outras manifestações de esporte (escolar, lazer e saúde/qualidade de vida), que teriam um alcance local ou regional. Bourdieu (1997) compreende que esse processo pode ter sido intensificado pelas transmissões televisivas, que reafirmam determinadas características observadas no esporte hoje, incluindo a influência do Estado:

Seria preciso enfim analisar os diferentes efeitos da intensificação da competição entre as nações que a televisão produziu através da planetarização do espetáculo olímpico, como o aparecimento de uma política esportiva dos Estados orientada para os sucessos internacionais, a exploração simbólica e econômica das vitórias e a industrialização da produção esportiva que implica o recurso ao doping e a formas autoritárias de treinamento. (BOURDIEU, 1997, p. 126)

E sobre esse processo, parece-nos que o esporte e a política brasileiros não estão alheios. Pelo que pudemos observar no quesito de repasses de recursos financeiros, hoje é possível dizer que a política esportiva brasileira é orientada para o esporte olímpico, mesmo que ainda não tenha alcançado o ápice em sucessos internacionais e, dessa forma, tendo a exploração simbólica dessas conquistas ainda restrita.

É possível ainda compreender a influência estatal no esporte sobre outro ponto de vista: a disputa dentro do metacampo6 estatal, que se caracteriza como um locus de disputas entre os dominantes dos campos (BOURDIEU. In: WACQUANT, 2005), incluindo, obviamente, o campo esportivo.

Por isso, o Estado será interpretado como um conjunto de campos administrativos ou burocráticos no qual ocorrem lutas entre os agentes que irão legislar e regulamentar práticas diversas por meio de normas e políticas, e que possuirão, assim, o “monopólio da violência simbólica legítima” (BOURDIEU; WACQUANT, 2005, p. 169). Se pensarmos por esse aspecto, no quesito financeiro, o COB é a 8ª entidade entre as 4033 com o maior recebimento de recursos federais em 2009 até o momento (CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO, 2009), demonstrando assim uma posição de importante concorrente na busca pelo capital econômico desse metacampo brasileiro. Ao mesmo tempo, o Ministério do Esporte é, entre os 24 ministérios atuais, o que tem menor verba (Ibidem).

Outra característica útil para este estudo colocada por Bourdieu é a existência da mão esquerda e mão direita do Estado. Esses termos seriam representativos de dois conjuntos distintos: a mão esquerda representa os agentes dos ministérios relacionados às políticas sociais; enquanto a mão direita é representada pelos ministérios relacionados à economia, como os bancos e agentes dos gabinetes ministeriais, entre outros burocratas (BOURDIEU, 1998). Essas são as instituições e

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Esse conceito é proveniente de um entendimento do Estado burocrático como uma instância superior que possui um tipo de capital específico, o metacapital, por concentrar diferentes espécies de capital (econômico, militar, cultural, jurídico e simbólico), permitindo ao Estado um grande poder de intervenção e influência sobre os outros campos (BOURDIEU; WACQUANT, 2005).

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agentes que caracterizam as lutas principais dentro do campo político, no qual, sob a análise do capital econômico, a mão direita é dominante e a mão esquerda dominada, constantemente lutando entre si pela dominância sob análise do capital simbólico.

Sobre essas terminologias é interessante realizar uma abstração para localizar o esporte dentro desse universo.

Se pensarmos no campo político, o esporte é um subcampo componente da mão esquerda do Estado, tido muitas vezes como meio de “resolver as mazelas sociais” ao impedir a entrada ou retirar os jovens da dependência química ou da violência. Por isso, é comum vermos políticas de governo que utilizam deste discurso para implantar programas sociais esportivos cujos profissionais devem “exercer as funções ditas “sociais” – isto é, compensar, sem dispor de todos os meios necessários, os efeitos e carências mais intoleráveis da lógica do mercado”, exatamente como outros agentes da mão esquerda como “policiais e magistrados subalternos, assistentes sociais, educadores” (BOURDIEU, 2003, p. 218). Mesmo o esporte de alto rendimento, incluindo aí o esporte olímpico, pode ser observado como estando na mão esquerda do Estado quando, mesmo “sem dispor de todos os meios necessários”, as suas conquistas em grandes eventos internacionais são acompanhadas de discursos que enaltecem o esforço de cidadãos de uma nação, numa tentativa de resgatar o descrédito e a descrença de uma população com dificuldades múltiplas.

Porém, se pensarmos especificamente no subcampo político do Estado brasileiro para o esporte, o esporte profissional (incluindo o olímpico) estaria na mão direita enquanto o esporte na escola ou o esporte como prática de lazer localizam-se como a mão esquerda, sob o viés do capital econômico.

De forma preliminar, vê-se que o campo do esporte está numa posição dominada perante outros campos dentro do campo político. Porém, o esporte olímpico, como dominante no campo esportivo, busca uma posição de dominância também no metacampo do Estado. Com esse subsídio teórico fornecido por Pierre Bourdieu, torna-se mais clara as relações que se estabelecem entre o Comitê Olímpico e o Governo Federal brasileiros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao localizar as fontes de financiamento do COB e perceber tanto a predominância do investimento público como a prioridade de investimento pelo governo federal no COB e em suas atividades correlatas, não pretendemos julgar as ações de ambas as instituições como certas ou erradas. As considerações de Pierre Bourdieu sobre a prioridade estatal para sucessos internacionais nos mostram que essa situação não é exclusividade do Brasil no século XXI, mas uma tendência

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que vem se estabelecendo, em processo, principalmente a partir da metade do século XX por diversas razões, entre elas, as transmissões televisivas em escala planetária.

Podemos inferir que, na relação COB e Ministério do Esporte, a posição dominante quanto ao capital econômico é do COB perante as outras entidades esportivas brasileiras, incluindo o órgão do governo federal. Ao mesmo tempo, eles se caracterizam como “adversários cúmplices”, já que o COB depende do capital econômico viabilizado também pelo Ministério do Esporte, enquanto o Ministério do Esporte tem a dependência do capital simbólico (social e cultural) do COB, adquirido pela vinculação de imagem do Brasil nos Jogos Olímpicos.

Porém, o fato de observarmos uma tendência e um processo sendo consolidado não é justificativa para ignorarmos as intenções de benefício pessoal. Embora não haja comprovações, algumas ações como a não realização de concorrência pública para contratação de serviços (processos conhecidos como licitações) são acusações que devem passar pelos processos legais e os culpados, se houver, devem ser punidos. Mesmo com algumas investigações não-concluídas, como é o caso dos gastos do Rio 2007 cujo esclarecimento foi exigido pelo Tribunal de Contas da União e ainda não tiveram respostas, algumas ações de outras instituições têm tido grande repercussão e mudanças de atitudes por parte do Ministério do Esporte e do COB7.

Sob nossa perspectiva, o Brasil ainda não promove políticas satisfatórias para desenvolvimento do esporte olímpico, assim como as literaturas científicas desenvolvem poucas pesquisas visando mudanças nesse quadro. Embora as críticas ao Ministério do Esporte e ao COB sejam relativamente cotidianas, tanto no meio acadêmico quanto na mídia, acreditamos estar colaborando com dados quali-quantitativos especificamente sobre os recursos repassados e investidos.

7 Referimo-nos especificamente ao caso da criação do CONFAO (Conselho de Clubes Formadores de Atletas

Olímpicos), que foi criado com o intuito de obter 30% da verba repassada ao COB pela lei Agnelo-Piva, justificado pelos altos gastos do COB com a manutenção da entidade enquanto os clubes, responsáveis pela formação de grande parte da delegação brasileira nos Jogos Olímpicos, não recebem ajuda financeira (CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE CLUBES, 2009). Após as críticas, o COB passou a melhor detalhar seus gastos para justificar a necessidade da manutenção no recebimento de recursos.

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Referências Bibliográficas

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Referências

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