CIDADANIA CULTURAL: uma experiência interdisciplinar na Educação de Jovens e Adultos do SESC Santo Amaro
Cláudia Mendes de Abreu Furtado e Rodrigo Cunha Santos, Serviço Social do Comércio – SESC – PE, Professora das séries finais do Ensino Fundamental e Médio, Professor de Arte
II, orodrigocunha@hotmail.com
Introdução
A lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em seu art. 27, parágrafo I, determina para o currículo da educação básica “a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática” (BRANDÃO, 2007, p. 80), bem como a Proposta Curricular da Educação de Jovens e Adultos do Serviço Social do Comércio (SESC), que define
que a formação para a cidadania não se apresente unicamente de forma abstrata, ou inatingível, é necessário que as condições para a sua efetiva realização sejam propiciadas pelo processo de constante explicitação do conceito de cidadão que queremos assumir, do conjunto de valores que lhe são subjacentes e das condições objetivas que permitam a sua concretização.(PPEJA, 2000, p. 16).
Com base nas orientações curriculares acima mencionadas, e pensando em atingir a proposta triangular do ensino da Arte, o qual se dá pela prática, fruição e contextualização, bem como o ensino de História, que deve estabelecer uma articulação entre o Patrimônio Cultural da Humanidade e o universo cultural do aluno, é que este trabalho interdisciplinar vem sendo desenvolvido desde 2007.
Através dele procurou-se construir com os alunos da Educação de Jovens e Adultos do SESC - Santo Amaro, a consciência de preservação do Patrimônio cultural, proporcionar a acessibilidade aos bens culturais produzidos no Estado, além de reconhecer os elementos constitutivos da identidade sociocultural da região a partir dos bens culturais materiais e imateriais visitados.
Esta ação educativa ocorreu através da parceria entre as disciplinas citadas anteriormente, com o Projeto Palco Giratório, realizado pelo setor de Cultura do SESC – PE, que visa à difusão e ao intercâmbio das artes cênicas no Brasil, promovendo a circulação nacional de espetáculos de teatro e de dança, oriundos das diversas regiões do país. Este projeto busca
criar oportunidades de acesso àqueles que, por motivos diversos, não freqüentam habitualmente espaços culturais.
A importância deste trabalho dá-se pelo fato das disciplinas buscarem, conjuntamente, “estimular, nos alunos, o senso de preservação da memória social coletiva, como condição indispensável à construção de uma nova cidadania e identidade nacional plural” (ORIÁ, 2006, p. 130), possibilitando aos educandos da Educação de Jovens e Adultos do SESC – Santo Amaro uma mudança de postura frente à sociedade do presenteísmo e das tecnologias globalizadas.
Referencial Teórico
Para discutir cultura na atualidade, faz-se necessário refletir sobre visões atribuídas sobre este conceito. Pensar cultura, como um conjunto de elementos estáticos que determinam uma característica homogênea para um país, seria uma atitude equivocada. Ainda mais, se tratando do Brasil, um país com proporções continentais. Machado (2002) afirma que cultura é um
extenso e contínuo processo de seleção e filtragem de conhecimentos e experiências, não somente de um indivíduo, mas sobretudo de um grupo social. No entanto, cada grupo identifica-se a determinada cultura, com diferentes características.(MACHADO, 2002, p.31).
Trabalhar a cultura na EJA implica em conscientizar cada indivíduo como componente ativo de uma sociedade. A participação destes alunos, como cidadãos, no mundo em que estão inseridos, é uma questão fundamental a ser trabalhada em classes, com pessoas que, de uma forma ou de outra, foram segregados do ensino regular, configurando assim, uma exclusão social prévia.
No contexto da Cidadania Cultural, assim definida por Marilena Chauí (1995) como o direito à fruição, à experimentação, à informação, à memória e à participação nas decisões de políticas culturais pretendeu-se discutir o direito à memória como um importante elemento de construção das identidades e da cidadania, pois “é a memória dos habitantes que faz com que eles percebam, na fisionomia da cidade, sua própria história de vida, suas experiências sociais e lutas cotidianas” (ORIÁ, 2006, p. 139). Sendo assim, é importante para o aluno estar em contato com o patrimônio material e imaterial, pois é através dele que se constrói a memória individual e coletiva, reforçando a idéia de pertencimento a um grupo, fator de grande importância para construção da identidade social.
Dessa forma, garantir a participação de jovens e adultos em espetáculos de teatro, assume um significado maior que o próprio prazer estético inerente à arte teatral. Esta ação concretiza o que podemos chamar de Cidadania Cultural, ao partir do pressuposto que o acesso ao bem cultural deve ser um direito do cidadão, do qual as classes populares não podem ser excluídas. O direito à fruição da obra de arte, neste caso, transforma-se numa recusa à exclusão social e política e numa inclusão histórica.
Metodologia
Inicialmente, foi realizada uma diagnose com os alunos da Educação de Jovens e Adultos, na qual percebeu-se o desconhecimento dos mesmos em relação aos bens culturais existentes na região metropolitana do Recife, como também, resistência a atender aos espetáculos de teatro e de dança. Foi proposta, então, uma reflexão em torno do que vem a ser Patrimônio Cultural, Cidadania, Cultura, Memória e bens culturais.
Após a etapa teórica, foram realizadas algumas aulas de campo com visitas ao Recife antigo, para que os alunos pudessem, paulatinamente, conhecer/ reconhecer os bens patrimoniais existentes na localidade. Cada aula de campo era antecedida de uma definição participativa sobre o roteiro a ser visitado e de pesquisas sobres os bens culturais pertencentes ao roteiro.
Paralelamente, foram trabalhados, em sala de aula, jogos teatrais visando à aproximação dos alunos com a linguagem do teatro. As temáticas já abordadas pelo viés teórico foram pontos de partida para improvisos e construção de cenas, possibilitando a expressão cênica dos mesmos e uma revisão dos temas, agora numa linguagem artística. Para a escolha das peças nas edições 2007 e 2008 do Palco Giratório, levou-se em consideração o caráter regional das mesmas, pois havia necessidade de se trabalhar os elementos da cultura local. No circuito 2007, os alunos foram contemplados com a peça “Fernando e Isaura”, adaptação do livro homônimo de Ariano Suassuna. Já no circuito 2008 a peça escolhida foi “A Paixão e a Sina de Mateus e Catirina”, baseada no folguedo popular do Bumba-meu-boi. É válido ressaltar que ambos os espetáculos selecionados são produções de grupos pernambucanos, sendo o primeiro de Recife e o segundo de Arcoverde. A presença dos alunos em cada peça foi antecedida de uma contextualização artística e histórica para fundamentar a participação deles no espetáculo.
A avaliação das disciplinas envolvidas buscou, através de relatórios e questões pertinentes às visitas, perceber se houve mudança de postura frente aos conceitos trabalhados e espaços culturais visitados.
Resultados
Através da escrita de depoimentos posteriores às aulas de campo, incluídas aí a visitação aos espetáculos teatrais, os alunos expressaram momentos significativos de formação nestas atividades. Nos dois registros que se seguem percebe-se que houve uma mudança de postura dos alunos em relação ao patrimônio cultural.
O teatro eu achava que era uma coisa chata, mas um dia teve uma aula no teatro, era avaliativa, a peça era “Fernando e Isaura”, mas gostei muito e espero assisti-la de novo um dia. Aí vieram outras oportunidades (...) Nunca faltei uma aula de campo e sempre que posso levo o meu filho comigo.1
Eu gostei porque eu aprendi muitas coisas de forma diferente do dia dia foi interessante fazer essa experiência e desejo fazer outras, pois este tipo de aula prende mais a atenção do aluno e ele se interessa mais em aprender.2
Além do interesse pessoal visivelmente modificado, os alunos demonstraram-se conscientes no processo de ensino-aprendizagem vivenciado, atuando ainda como agentes multiplicadores ao incluir pessoas do seu convívio familiar na seqüência de visitações aos espaços culturais. A partir deste trabalho, os alunos ampliaram o seu conceito de cultura e perceberam-se como sujeitos históricos, portanto, sujeitos culturais.
Considerações Finais
Este trabalho pode obter êxitos devido à abordagem interdisciplinar, pois permitiu trabalhar conceitos de cidadania, cultura, patrimônio e memória sob a ótica da Arte e da História. O trabalho conjunto das disciplinas possibilitou aos alunos perceberem a integração dos assuntos abordados em aula e sua aplicação prática. A ida aos espaços culturais ajudou os alunos a internalizarem a importância da preservação do patrimônio cultural como uma questão de cidadania, base da construção da identidade individual e coletiva, levando-os a
compreender quem somos, para onde vamos, o que fazemos, mesmo que muitas vezes pessoalmente não nos identifiquemos com o que esse mesmo bem evoca, ou até não apreciemos sua forma arquitetônica ou seu valor
1
Aluno do Fundamental D – 4ª fase da Educação de Jovens e Adultos do SESC Santo Amaro. 2
histórico. (...), pois é revelador e referencial para a construção de nossa identidade histórico-cultural. (ORIÁ, 2006, p.134)
O processo de ensino-aprendizagem acontece em um fluxo de renovação constante que provocou, neste caso, uma mudança de postura entre os alunos, quebrando preconceitos que os levavam ao distanciamento dos espaços culturais. Ao identificar os alunos trabalhados como agentes multiplicadores dos conhecimentos construídos sobre cidadania e patrimônio cultural, verifica-se a importância da continuidade de ações como esta na Educação de Jovens e Adultos. Esta continuidade dar-se-á ao levar em consideração os interesses e necessidades das turmas de Educação de Jovens e Adultos e das disciplinas de Arte e História, integradas às diversas atividades culturais promovidas pelo Serviço Social do Comércio SESC – PE.
Referências
BRANDÃO, Carlos da Fonseca. LDB passo a passo: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9. 39/ 96), comentada e interpretada, artigo por artigo. 3. ed. São Paulo: Editora Avercamp, 2007.
CHAUI, Marilena. Cultura política e política cultural. Estud. av. , São Paulo, v. 9, n. 23, 1995 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141995000100006&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 25 Jul 2008. doi: 10.1590/S0103-40141995000100006
MACHADO, Cristina Gomes. Multiculturalismo: muito além da riqueza e da diferença. Rio de Janeiro – DP&A. 2002.
ORIÁ, Ricardo. Memória e ensino de História. In: BETTENCOURT, Circe (Org.). O Saber Histórico na sala de aula. 11. ed. São Paulo: Contexto, 2006. p. 128 – 148.
SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO. Proposta Pedagógica da Educação de Jovens e Adultos. Rio de Janeiro, 2000.