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OLÍMPIA E OS OLIMPIÉIA: A ORIGEM E DIFUSÃO DO CULTO DE ZEUS OLÍMPICO NA GRÉCIA DOS SÉCULOS VI E V A.C. Lilian de Angelo Laky *

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OLÍMPIA E OS OLIMPIÉIA: A ORIGEM E DIFUSÃO DO CULTO DE ZEUS OLÍMPICO NA GRÉCIA DOS SÉCULOS VI E V A.C.

Lilian de Angelo Laky*

RESUMO: Nosso objetivo é apresentar a pesquisa de mestrado em andamento que estuda os templos de Zeus Olímpico (Olimpiéion) construídos entre os séculos VI e V a.C. A intenção é compreender em que medida Olímpia foi responsável pela origem e difusão do culto de Zeus Olímpico no restante do mundo grego. A partir do levantamento das póleis que consagram estes templos à divindade, do mapeamento do culto em associação às informações textuais discutiremos a utilização do epíteto Olympios e do nome Olympiéion, a configuração espacial dos santuários de Zeus Olímpico e a relação do culto com o governo tirânico.

PALAVRAS-CHAVE: Zeus Olímpico – Olímpia – Olimpiéion - tirania

OLYMPIA AND THE OLYMPIEIA: THE ORIGIN AND THE DISSEMINATION OF OLYMPIAN ZEUS´ CULT IN GREECE IN THE SIXTH AND FIFTH CENTURIES B.C.

ABSTRACT: The goal of this article is to present the dissertation research which studies the Olympian Zeus’ temples (Olympieion) built during the sixth and fifth centuries B.C. The intention is to understand how Olympia was responsible for the origin and dissemination of Olympian Zeus´cult through the Greek world. From the poleis survey that consecrated these temples to the deity and by the mapping of the cult in association to textual informations we will discuss the Olympios epiteth and the name Olympieion, the spacial configuration of the Olympian Zeus sanctuaries and the relationship of the cult and the tyranny.

KEYWORDS: Olympian Zeus, Olympia, Olympieion, tyranny

Esta pesquisa de mestrado começou a ser desenvolvida em maio de 2007 sob a orientação da Profa. Dra. Maria Beatriz Borba Florenzano. A idéia de investigar a relação entre Olímpia, Zeus e os templos de Zeus Olímpico surgiu a partir de nosso estudo de Iniciação Científica As moedas de Olímpia e a consolidação da imagética de Zeus na Grécia Clássica, concluído em janeiro de 2007 com o apoio da FAPESP.

Neste estudo, as imagens monetárias de Zeus emitidas para o santuário de Olímpia foram associadas a todas as imagens conhecidas da divindade - cunhadas por diversas póleis na época

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Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP), Laboratório de Estudos da Cidade Antiga (LABECA-MAE). Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia. E-mail: lilian.laky@usp.br; http://www.mae.usp.br/labeca.

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clássica - e também às esculturas e relevos feitas no mesmo período, revelando que as imagens de Zeus próprias de Olímpia contribuíram para a consolidação de uma representação específica desta divindade no mundo grego. Além disso, estudar Zeus por meio do documento monetário possibilitou a percepção de características próprias do culto do deus na transição do século VI e V a.C.

E assim, nesta dissertação desenvolveremos uma parte dessas questões levantadas no decorrer da iniciação científica: acreditando que o santuário de Olímpia pôde difundir as imagens de Zeus (criadas para as moedas do local) a outras póleis através da participação destas nas Olimpíadas, pode-se supor que o culto do Zeus de Olímpia (dito Zeus Olímpico), pôde também ultrapassar a órbita trans-regional dos jogos olímpicos e ser instituído em outras cidades do mundo grego.

Nesse sentido, a primeira tarefa a ser realizada foi um levantamento preliminar dos sítios arqueológicos, em locais que corresponderam à região do mundo grego antigo, onde foram encontrados templos a Zeus Olímpico, especificamente chamados de Olimpiéia. Neste levantamento encontramos templos, cujo culto é atestado tanto pelos remanescentes das edificações como por relatos nas fontes literárias, como é o caso dos Olimpiéia - plural de Olimpiéion - de Siracusa (Sicília), de Atenas (Ática), de Agrigento (Sicília) e de Díon (Macedônia). Mas também, encontramos na bibliografia menções à existência de cultos a Zeus Olímpico em Corinto (Peloponeso), em Mégara (Ática), em Locri Epizefiri e em Túrio (Magna Grécia). Nessas localidades, até o momento não foram localizados pelas escavações evidências materiais significativas que possam corroborar a existência do culto nos locais. Em todos esses sítios os arqueólogos identificaram partes arquitetônicas de templos dóricos, porém não conseguiram identificar a divindade consagrada. Nestes casos a existência deste culto específico de Zeus nos foi informada a partir das fontes textuais, como em Corinto, em Mégara e em Túrio, ou por uma referência epigráfica, como ocorreu no sítio de Locri Epizefiri.

Dentre estes templos apresentaremos aqui as informações referentes aos edifícios de Siracusa, Atenas e Agrigento, que são considerados os casos bem documentados tanto arqueologicamente quanto textualmente.

O mais antigo é o Olimpiéion de Siracusa, datado da segunda metade do século VI a.C., período arcaico. Conforme nos diz o arqueólogo alemão G. Gruben (1963: 419), o templo foi construído entre os anos de 560 e 550 a.C. e está situado no vale de Anapos, fora da cidade. Nesse sentido, o Olimpiéion pode ser caracterizado como um santuário extra-urbano. De acordo com N. Marinatos e R. Hägg (1993: 228-233), os santuários extra-urbanos estão localizados fora do espaço urbano, mas são administrados pela cidade-estado. Também são monumentos nacionais, porém são destinados a marcar ou expandir a influência territorial da cidade e agir como centros regionais de culto.

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Atualmente, apenas duas colunas monolíticas do Olimpiéion permanecem em pé e podem ser vistas no sítio. Entretanto, a partir de estudos realizados no local do templo, os arqueólogos conseguiram reconstituí-lo. Dessa forma, sabemos que o Olimpiéion era de estilo dórico severo, o peristilo possuía seis por dezessete colunas e uma cela longa e estreita com o pronaos, o naos e o adyton. A partir da bibliografia consultada acerca da descrição do templo, percebemos que o templo de Zeus Olímpico em Siracusa é mencionado nos estudos, mas pouco descrito em relação aos Olimpiéia das outras cidades. Na bibliografia, (GRUBEN, 1963: 419; CIACERI, 1894: 5), os estudiosos, baseados no relato de Cícero (Verr. III. 34), citam um evento relacionado à estátua de Zeus Olímpico localizada no interior do templo. Neste trecho (Verr. III. 34), Cícero diz que Gélon – tirano de Gela que posteriormente se tornou tirano de Siracusa - após a vitória na batalha de Himera (entre as cidades da Sicília e os cartagineses) ocorrida em 480 a.C., mandou fazer um manto de ouro para a estátua de Zeus. Mas este manto, de acordo com Cícero, teria sido roubado mais tarde pelo tirano de Siracusa chamado Dioniso I (c. 405 – 368 a.C.), que o substituiu por um manto de algodão.

A existência do templo de Siracusa e a sua atribuição a Zeus Olímpico são muito citadas por Tucídides em sua obra A guerra do Peloponeso, sobretudo quando trata da invasão da Sicília pelos atenienses em 413 a.C. No contexto deste episódio, Tucídides relatou que os atenienses acamparam em frente ao Olimpiéion (VI, 64-65), que mais tarde foi ocupado por uma guarnição de soldados siracusanos (VI, 75; VII, 4), conforme indica a seqüência da narração.

Olimpiéion de Siracusa – foto: arquivo pessoal / maio de 2007.

No tocante à maneira pela qual o culto a Zeus Olímpico foi instituído em Siracusa, os estudiosos estão de acordo (BÉRARD, 1960: 119; CIACERI, 1894: 4-5; GRUBEN, 1963: 419). Segundo nos diz E. Ciaceri (1894: 4-5), o qual legou um estudo muito importante sobre os cultos existentes na Sicília, o culto de Zeus Olímpico chegou a Siracusa através de sua metrópole Corinto. O estudioso italiano explica que Corinto possuía estreitas relações com o povo de Élis. Baseando-se em fontes literárias Ciaceri relata que, à época da fundação de Siracusa, junto aos coríntios vieram famílias da região de Olímpia, das quais destacamos os Iamides, a família de Iamo. De acordo com alguns estudos sobre Olímpia (GARDINER, 1925: 49; BERVE, 1963: 16;

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CIACERI, 1894: 5), os Iamides eram uma família sacerdotal responsável por um antigo oráculo de Zeus existente em Olímpia. O relato da migração desta família à Siracusa é contado pelo poeta tebano Píndaro (Ol. VI, 4-70) que compôs um epinício (ode da vitória) para Hagésias de Siracusa nos jogos olímpicos em 472 a.C. Assim, de acordo com a ode, Hagésias teria sido descendente dos Iamides. A partir do relato de Píndaro, há fortes indícios os quais nos levam a afirmar que o culto de Zeus Olímpico teria sido instituído em Siracusa pela família dos Iamides, a qual tinha um encargo muito importante no santuário de Olímpia, tão importante que o relato de sua existência chegou até a modernidade.

A migração desta família para Siracusa pode explicar a instituição do culto de Zeus Olímpico na cidade. Contudo, devemos também mencionar que na metrópole Corinto existiu um templo dedicado a Zeus Olímpico, a respeito do qual apenas sabemos por meio do relato de Pausânias (II, 52-5), que explica que já em sua época o templo não existia, pois havia sido queimado.

Uma outra relação de Siracusa com Olímpia é a que se pode traçar a partir da preservação do mito de Aretusa e de Alfeu. De acordo com a lenda, Aretusa era uma ninfa que vivia nas proximidades de Olímpia, no Peloponeso, e que atraiu a admiração de Alfeu – o rio que corta o santuário de Olímpia. Fugindo, a fim de evitar atenções que lhe desagradavam, Aretusa mergulhou no mar, emergindo em Siracusa, onde foi transformada em uma fonte de água doce que rebenta junto à costa na ilha de Ortígia. Alfeu, que não desistiu de procurá-la, emergiu ao lado da costa, não longe dali. (WOODHEAD, 1972: 27) Portanto, esta lenda é uma evidência importante da estreita relação entre Siracusa e Olímpia desde a fundação da cidade e que foi mantida ao longo do período clássico com a participação dos siracusanos nos jogos olímpicos, como atestam os registros textuais e materiais.

Conforme a datação dos templos dedicados a Zeus Olímpico, o segundo templo mais antigo é o Olimpiéion de Atenas. A construção do templo foi iniciada em 515 a.C. e foi obra dos filhos do tirano Pisístrato (528-527 a.C.), Hípias e Hiparco, conhecidos na história de Atenas como os Pisistrátidas. Segundo a arqueóloga grega Iris Duscu (1990: 46), o Olimpiéion fez parte da política de continuidade da construção de grandes obras públicas iniciada por Pisístrato em Atenas. Os Pisistrátidas iniciaram a construção de um templo dórico de colunata dupla, chamado pelos estudiosos de templo díptero, cujo tamanho colossal rivalizou com o Heraion da ilha de Samos, construído na mesma data do Olimpiéion de Atenas. (BERVE, 1963: 108) Assim, o templo foi erigido a leste da acrópole, fora dos muros da cidade. Por isso, não podemos considerar o Olimpiéion um santuário urbano – como são considerados os templos situados na acrópole de Atenas -, mas devemos classificá-lo como um santuário extra-urbano devido à sua localização em relação à acrópole ateniense. (MARINATOS; HÄGG, 1993: 228-233)

De acordo com Pausânias, que esteve por ali em c. 150 d.C., o Olimpiéion foi construído no local onde outrora havia um santuário de Zeus Olímpico, que remontava ao tempo de

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Deucalião. (BERVE, 1963: 108) Segundo Pausânias (I, 18.6-8), o local foi dedicado à divindade, pela primeira vez, por Deucalião, cujo túmulo os atenienses diziam estar próximo ao templo de Zeus Olímpico. À priori, através dos mitos gregos sabemos que Deucalião teria sido filho de Prometeu e antepassado dos Dórios, Eólios, Aqueus e Jônios, os formadores das tribos helênicas. (LÉVÊQUE, 1967: 88) Mas também podemos supor que Deucalião tivesse sido um antigo rei local que teria instituído ali o culto a Zeus.

Olimpiéion de Atenas – foto: arquivo pessoal / julho de 1997.

A construção do templo foi interrompida em 510 a.C. com a queda da tirania em Atenas, sendo a obra retomada três séculos depois pelo rei helenístico Antíoco IV (175-163 a.C.). Contudo, outros três séculos se passaram até que o imperador romano Adriano finalizasse a sua construção por volta de 131 e 132 d.C. (BERVE, 1963: 108; DUSCU, 1990: 46; GRUBEN, 1963: 394-397)

Além do relato deixado por Pausânias a respeito de Deucalião, nenhum estudioso aponta o motivo para a construção de um templo consagrado a Zeus Olímpico em Atenas. Podemos supor, entretanto, que a construção do Olimpiéion pode estar relacionada à intensa participação de Atenas nos jogos olímpicos desde o início do século VII a.C. No Catálogo dos vencedores olímpicos, compilado por Hípias de Élis no século IV a.C. encontramos o registro de uma dupla vitória de Pisístrato na 62ª. Olimpíada, em 532 a.C., na modalidade do téthrippon, corrida de carros puxados por quatro cavalos. Portanto, diante da importância que os gregos antigos atribuíam à vitória nos jogos olímpicos e do que isso influía na construção da identidade da pólis grega, podemos afirmar que a dupla vitória de Pisístrato pode ter motivado ou reforçado a consagração de um templo a Zeus Olímpico na cidade.

De acordo com as datações estabelecidas pelos especialistas, encontramos em Agrigento - a antiga cidade de Ácragas na Sicília - o terceiro caso mais antigo de um templo dedicado a Zeus Olímpico no mundo grego. Apesar de alguns autores datarem o templo do final do século VI a.C. (COARELLI; TORELLI: 1984: 143-144; ORLANDINI, 1976: 23-26), o ano de 480 a.C. é a data mais provável do início de sua construção. (GRIFFO, 2005: 113) A maioria dos especialistas prefere datar o início de sua construção a 480 a.C. em associação à vitória de Himera dos gregos

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sobre os cartagineses. Segundo o arqueólogo que mais escavou em Agrigento, Pietro Griffo, a construção iniciada em 480 foi aos poucos terminada por volta de 406 a.C., conforme o testemunhos de Políbio (IX 27, 9) e de Diodoro (XIII 82, 1-4). (GRIFFO, idem)

O Olimpiéion foi obra de Téron, tirano ativo na cidade entre o final do século VI e início do século V a.C. Segundo nos diz G. Gruben (1963: 106) e D. Randall-MacIver (1968: 199), o templo de Zeus Olímpico em Agrigento é considerado o maior templo dórico já construído e suas medidas colossais fazem dele um dos edifícios mais importantes do mundo grego. Através das fundações e das partes dos membros arquitetônicos do templo que restaram no local, os estudiosos puderam reconstituir o aspecto do templo bem como suas proporções. Assim, sabemos que o Olimpiéion mediu 113 metros de comprimento e 56 metros de largura e era rodeado por um peristilo de sete por catorze colunas. Internamente, o templo possuía uma cela simples extremamente longa com um opisthodomos separado por um muro sólido e não por um pórtico, ao contrário do que ocorre na arquitetura de outros templos gregos na Sicília. No lado externo deste muro, as colunas não estavam em pé livremente, mas estavam anexadas. Portanto, trata-se de uma característica completamente nova na arquitetura grega. (RANDALL-MACIVER, 1968: 200-201)

Além das informações obtidas a partir dos restos do Olimpiéion que ainda permanecem no sítio de Agrigento, os estudiosos utilizaram a descrição do templo dada por Diodoro (XIII, 82.2), o único relato importante do edifício que remonta à Antiguidade. Dentre as informações dadas pelo historiador siciliano, devemos destacar a descrição das esculturas que ornavam os pedimentos: no pedimento leste, estaria representada a Batalha entre os deuses gregos e os gigantes, e no pedimento oeste a cena era a da Captura de Tróia pelos gregos.

Os pesquisadores do Olimpiéion de Agrigento costumam ressaltar a existência de gigantescas figuras encontradas no local, chamadas por eles de Telamones ou Atlantes. Através da reunião dos fragmentos destas figuras, que se encontravam dispersos no sítio, o arqueólogos constataram que os Telamones ou Atlantes mediam 7, 65 metros de comprimento e que o templo comportava seis dessas figuras. Atualmente, os estudos têm mostrado que estas gigantescas figuras estavam colocadas abaixo de cada coluna, no lado de fora do templo para suportar o peso excessivo da arquitrave. (RANDALL-MACIVER, 1968: 201)

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Telamone do Olimpiéion de Agrigento – foto: arquivo do Labeca

É importante enfatizar que o templo de Zeus Olímpico em Agrigento não foi apenas o exemplo máximo de templo dórico já construído na Grécia antiga, mas sua arquitetura contemplou, também, inovações que ultrapassaram seu estilo. A partir do estudo minucioso dos remanescentes de sua estrutura, os estudiosos acreditam que o Olimpiéion possuiu elementos arquitetônicos típicos da estrutura de edifícios cartagineses-fenícios, próprios do sul e do leste das margens do mar Mediterrâneo. Nesse sentido, esta constatação dos especialistas explica a combinação de elementos incompatíveis na arquitetura grega e a discrepância entre o lado externo e o lado interno do templo. Do mesmo modo, a barbarização de vários detalhes, como a formação rígida e incomum das bases moldadas sob meias-colunas dóricas e o cercado, indicam traços estrangeiros no edifício. (GRUBEN, 1963: 439)

Em Agrigento o templo foi erguido ao lado dos principais edifícios e dentro dos limites da pólis. Nesse sentido, podemos classificá-lo como um santuário urbano, pois o Olimpiéion estava situado no centro da cidade de Agrigento. N. Marinatos e R. Hägg (1993, 228-233) explicam que os templos, dos santuários urbanos, são verdadeiros monumentos que representavam o poder e o nível de riqueza da pólis. Em relação à localização dos Olimpiéia das demais cidades – classificados como santuários extra-urbanos – a localização do Olimpiéion de Agrigento o caracteriza como uma exceção na configuração espacial dos templos de Zeus Olímpico no mundo grego. A razão para tal exceção pode estar no fato de que, em Agrigento, o Olimpiéion teria sido erguido como um monumento à vitória na Batalha de Himera, quando o povo de Agrigento venceu os cartagineses. Por isso, o templo deve ser entendido como o símbolo maior da vitória da pólis, dada às proporções gigantescas da construção nunca antes vistas e, também, por estar situado ao lado dos edifícios mais importantes. Esta interpretação será aprofundada e melhor embasada no decorrer de nossa pesquisa.

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Conforme nos diz G. Gruben (1963: 440), o Olimpiéion de Agrigento não havia sido destruído até a segunda invasão dos cartagineses na cidade, no século IV a.C., quando os cidadãos refugiaram-se no interior do templo. Em 1401 teria ocorrido o colapso das últimas colunas do templo. E as ruínas gigantescas forneceram as pedras para a construção do quebra-ondas do porto Empédocles, na cidade. (RANDALL-MACIVER, 1968: 199)

Com relação à origem do culto de Zeus Olímpico em Agrigento, todos os autores consultados acerca do histórico e da arquitetura do templo não fazem sequer uma menção. O único a elucidar a origem do culto é o pesquisador italiano E. Ciaceri (1894: 8-9), o qual defende a influência do santuário de Olímpia na instituição do culto na cidade. Conforme acredita Ciaceri, o culto de Zeus Olímpico não teria sido originário da ilha de Rodes, como ocorre com os outros cultos existentes em Gela (fundada por Rodes) e levados à Agrigento sua colônia. Segundo o estudioso italiano, não foram encontrados na ilha de Rodes, muito menos em Gela, traços de algum culto de Zeus. De acordo com duas fontes textuais, o Catálogo dos vencedores olímpicos e as Odes de Píndaro (Ol. II, III), sabemos que o povo de Agrigento já ganhava nos jogos olímpicos desde a 71ª. Olimpíada, ocorrida em 496 a.C., e também, que Téron o tirano responsável pela construção do Olimpiéion ganhou na 76ª. Olimpíada, em 476 a.C. Assim, Ciaceri conclui que o culto de Zeus Olímpico não teria sido instituído por influência da ilha de Rodes nem de Gela, mas por influência direta de Olímpia, pois ambos os locais possuíram antigas e importantes relações.

O histórico de cada Olimpiéion revelou a estreita relação entre a polis, responsável pelo culto, e o santuário de Olímpia. Informações textuais dizem sobre a vitória de atletas destas cidades nos jogos olímpicos. Mas também encontramos materialmente provas desta relação na construção dos tesouros e na dedicação de espólios de guerra (encontrados no santuário) ao Zeus de Olímpia, dito Zeus Olympios nas fontes textuais (Pausânias, I, VIII. 1-5; Estrabão, VIII.3.39; Diodoro, IV.53.5).

Além do mapeamento das cidades que construíram os Olimpiéia é de suma importância, também, aprofundar o estudo sobre o emprego do epíteto Olímpico, pois apenas assim podemos diferenciar e destacar o culto de Zeus Olímpico dos demais cultos do deus.

As primeiras menções a Zeus Olímpico são encontradas na Ilíada (VII, 335), escrita por Homero, e na Teogonia (528 e 882), escrita por Hesíodo. Por tratarem-se das fontes literárias mais antigas que dispomos sobre a Grécia antiga, podemos inferir que ambos os textos contêm os registros mais antigos acerca de Zeus Olímpico.

Assim, diante dos registros encontrados nas duas obras percebemos que o epíteto Olímpico, relacionado a Zeus, remete diretamente ao Monte Olimpo. Homero e Hesíodo evocam o deus como Zeus Olímpico para recordar a origem do deus, que é morador e soberano do Olimpo. De fato, uma leitura completa da Ilíada e da Teogonia, revela uma forte ligação entre o deus e o monte. No contexto das obras, Zeus é mostrado exercendo o seu poder e controle sobre os deuses e os mortais, do alto do Monte Olimpo. Nesse sentido, percebemos que o epíteto

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Olímpico, na Ilíada e na Teogonia, foi a evocação mais importante e enfática que o deus recebeu, pois expressa a soberania completa de Zeus.

A partir destas menções a Zeus Olímpico, podemos afirmar que, em sua origem, o epíteto relaciona o deus diretamente ao Monte Olimpo. Todavia, não podemos considerar que esse seja o único significado e única explicação para essa evocação a Zeus. O historiador francês Pierre Lévêque (1990: 87), coloca em dúvida se o culto a Zeus Olímpico teria originado no Monte Olimpo, como o epíteto Olympios pode indicar. Infelizmente, como P. Lévêque, os estudiosos que escreveram sobre Zeus, não dão uma explicação satisfatória e conclusiva sobre o culto de Zeus Olímpico, nos forçando, assim, a rever e propor uma explicação para a origem de seu culto.

Além do Monte Olimpo, existe um outro local, no mundo grego, cujo nome se aproxima da evocação Olímpico e pode elucidar a origem do culto. Trata-se de Olímpia.

De acordo com vários estudiosos (BERVE, 1963: 14; GARDINER, 1925: 50; YALOURIS, 2004: 87-88), por volta da passagem do segundo e do primeiro milênio antes de Cristo, o povo de Élis – como foram chamados após seu estabelecimento na nova área – tinha imigrado do norte do mundo grego, mais precisamente da região da Tessália. Assim, é possível que foram estes imigrantes os primeiros a dedicarem o local a Zeus e o chamaram de Olímpia, como chamava a montanha situada entre a Tessália e a Macedônia. Muito provavelmente, esse povo, originário da região do Olimpo, utilizou o nome do monte (sagrado) para nomear Olímpia, devido ao caráter sagrado do local.

Portanto, tal informação nos permite afirmar que o nome Olímpico é derivado do Monte Olimpo, como nos confirmam as menções nas fontes textuais e, também, ao seu culto em Olímpia, devido à origem tessália do nome do santuário e da introdução da divindade pelo povo da região do monte.

A partir do mapeamento dos Olimpiéia, constatamos que de Olímpia, o culto de Zeus Olímpico difundiu-se a muitas outras áreas do mundo grego, sobretudo à área colonial (como na Sicília e na Magna Grécia) e à área continental (como no Peloponeso, na Ática e na Macedônia). Segundo nos diz Catherine Morgan (1994: 2), santuários inter-estaduais, como Olímpia, proporcionaram uma variedade de contatos entre diversos Estados, fomentando a difusão de instituições similares e traços culturais ao longo de uma área muito abrangente.

Assim, diante do quadro exposto, intencionamos compreender em que medida o papel do santuário de Olímpia foi fundamental na origem e difusão do culto de Zeus Olímpico entre os séculos VI e V a.C. (o último século do período arcaico e primeiro século do período clássico), considerado, pelos estudiosos, como uma fase de transição no mundo grego antigo.

No processo de difusão do culto de Zeus Olímpico, percebemos que a tirania teve uma função importante. Os estudiosos franceses P. Decharme (1905: 45) e P. Perdrizet (s/d: 697), já no século XIX e XX, constataram que os reis e tiranos desejaram cultuar Zeus Olímpico em associação à sua própria autoridade. Como bem lembra Roland Etienne (2000: 131), o governo

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dos tiranos baseava seu poder na construção de grandes obras civis e religiosas. Assim, o período da tirania se confunde com o período dos grandes templos monumentais: o arquiteto é o auxiliar do tirano, o templo a expressão de sua política.

Nesse sentido, pensamos aprofundar o estudo da relação entre o culto de Zeus Olímpico e a tirania, a apropriação do culto por um governo tirânico e monárquico ao invés de sua apropriação por um governo democrático ou oligárquico. Aprofundaremos, também, o papel do culto de Zeus Olímpico na construção da identidade e do poder grego.

A utilização do epíteto Olympios bem como do nome Olimpiéion serão investigadas, pois podem revelar os mecanismos envolvidos no processo de origem e de difusão do culto de Zeus Olímpico ao restante do mundo grego.

A abordagem da configuração espacial do santuário de Zeus Olímpico é de suma importância para uma compreensão completa do culto do deus. A relação entre a monumentalidade dos Olimpiéia e a tirania, o contexto dos templos em relação a outros edifícios e a localização dos santuários no território das cidades, são questões relativas à organização do espaço sagrado e estarão presentes nesta pesquisa.

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Recebido em Junho de 2008. Aprovado em Setembro de 2008.

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Referências

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