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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGUÍSTICA CÉLIA MÁRCIA GONÇALVES NUNES LÔBO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGUÍSTICA

CÉLIA MÁRCIA GONÇALVES NUNES LÔBO

A MICROCONSTRUÇÃO “POIS NÃO” NO PORTUGUÊS BRASILEIRO: CONSTRUCIONALIZAÇÃO E EXPANSÃO

GOIÂNIA – GO 2017

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DISSERTAÇÕES ELETRÔNICAS NA BIBLIOTECA DIGITAL DA UFG

Na qualidade de titular dos direitos de autor, autorizo a Universidade Federal de Goiás (UFG) a disponibilizar, gratuitamente, por meio da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD/UFG), regulamentada pela Resolução CEPEC nº 832/2007, sem ressarcimento dos direi-tos autorais, de acordo com a Lei nº 9610/98, o documento conforme permissões assinaladas abaixo, para fins de leitura, impressão e/ou download, a título de divulgação da produção cien-tífica brasileira, a partir desta data.

1. Identificação do material bibliográfico: [ ] Dissertação [ X ] Tese

2. Identificação da Tese ou Dissertação

Nome completo do autor: Célia Márcia Gonçalves Nunes Lôbo

Título do trabalho:A microconstrução “pois não” no Português Brasileiro: construcionalização e expansão

3. Informações de acesso ao documento:

Concorda com a liberação total do documento [ X ] SIM [ ] NÃO1

Havendo concordância com a disponibilização eletrônica, torna-se imprescindível o en-vio do(s) arquivo(s) em formato digital PDF da tese ou dissertação.

Data: 31 / 05 / 2017 Assinatura da autora

1 Neste caso o documento será embargado por até um ano a partir da data de defesa. A extensão deste

prazo suscita justificativa junto à coordenação do curso. Os dados do documento não serão disponibiliza-dos durante o período de embargo.

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CÉLIA MÁRCIA GONÇALVES NUNES LÔBO

A MICROCONSTRUÇÃO “POIS NÃO” NO PORTUGUÊS BRASILEIRO: CONSTRUCIONALIZAÇÃO E EXPANSÃO

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística, da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás, para obtenção do título de doutora em Estudos Linguísticos.

Área de concentração: Estudos Linguísticos Linha de Pesquisa: LP 4 - Forma e funcionamento de línguas naturais com ênfase em língua portuguesa, línguas indígenas e língua de sinais.

Orientadora: Profa. Dra. Vânia Cristina Casseb Galvão

GOIÂNIA – GO 2017

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CDU 81 Gonçalves Nunes Lôbo, Célia Márcia

A microconstrução “pois não” no Português Brasileiro: [manuscrito] : construcionalização e expansão / Célia Márcia Gonçalves Nunes Lôbo. -2017.

CXXIX, 129 f.: il.

Orientador: Profa. Dra. Vânia Cristina Casseb Galvão.

Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Letras (FL), Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística, Goiânia, 2017.

Bibliografia.

Inclui siglas, abreviaturas, lista de figuras, lista de tabelas. 1. Linguística Funcional Centrada no Uso. 2. Gramática de

Construções. 3. Marcador Discursivo. I. Casseb Galvão, Vânia Cristina, orient. II. Título.

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Dedico, de modo mais que especial, em infinita gratidão:

A Deus, que cuidou de mim durante essa trajetória, dando-me firmeza e estabilidade e ensinando-me a

confiar em Sua Palavra de que “tudo é possível ao que crê” (Marcos 9:23).

.

Ao meu esposo, André Assis, que acompanhou de perto minhas angústias e alegrias, sendo meu braço forte, me auxiliando com sabedoria nos momentos em que mais precisei. Agradeço pelo seu amor expresso de

modo tão autêntico em todos os dias de nossa vida.

Aos meus pais, Creusa e José Donizete, que souberam me ensinar além dos livros, dando-me as bases para chegar a essa fase acadêmica. Agradeço pelo estímulo

e pela compreensão nas minhas fases de ausência.

Aos meus irmãos, Paulo Sérgio e Wilhan Donizete, cúmplices com os quais caminhei e compartilhei sobre

experiências acadêmicas desde os anos iniciais da trajetória escolar até a nossa formação atual

como doutores.

À minha filha Alice, que, acompanhou do meu ventre a finalização dessa etapa acadêmica. Seus “chutinhos”,

sua existência, sua vida me encheram de motivação para concluir.

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AGRADECIMENTOS

À minha Orientadora Professora Vânia Cristina Casseb Galvão, pelo ensinamento de que formar-se doutora vai além da escrita e da defesa de um texto de Tese. Obrigada pelo exemplo de força, diligência e compromisso.

Aos Professores Déborah Magalhães, Eleone Ferraz, Marília Silva e Mônica Veloso, por terem aceitado o convite em participar da banca de defesa do doutorado. Aos Professores Mariângela Rios e Sinval Filho, pelas contribuições à pesquisa no momento de qualificação da Tese.

A todos os meus amigos e colegas de Pós-Graduação, especialmente, à Déborah

Magalhães, Lennie Aryete, Leosmar, Milcinele Duarte e Sofia dos Anjos, pelo

companheirismo e aprendizado compartilhados durante essa trajetória de estudos. À Zenalda Neves, pela amizade e pelo exemplo de determinação e coragem.

A todos os meus familiares, de modo especial, Alvarina, Darcy, Francisco, Rozelha,

Paula, Lidianne, Rafael e Rondon, pelo afeto, torcida e confiança. Obrigada pelos

momentos em que pude compartilhar com vocês meus anseios e angústias e ter sido compreendida em minhas ausências.

A todos os meus amigos, especialmente, Aline Barros e Sandino Jardim; Vera

Elias; Cláudia, Flávio, Thaís e Letícia Villaça; Adailton, Leandra, Aline e Leonardo; Marcela e Nicolas; Ângelo, Irene, Davi e Carla; Franciele, Fabiana e Otaveny; Júlio, Maria e Tainá; Samir e Nilvacy; Susana e Adriano; Marinês, Levino, Bruna e Letícia Krüger; Dennys e Camila; Fernando e Kathellyn; Natália Garcez e Jamuka; Georgina e Altercir; Simone Lima; entre tantos outros, por

suprirem minha alegria fora do ambiente acadêmico e me proporcionarem momentos de renovo para a alma cansada.

À direção da Escola Argumento, pelo apoio e compreensão nos momentos em que precisei me ausentar para cumprir com os requisitos do doutorado.

Ao pessoal do INF/UFG, por me permitirem utilizar de seu espaço para a realização de minhas leituras e escritas.

Aos amigos da família ICEC e aos amigos da família IBAS, por todo acolhimento, afeto e, principalmente, pelas orações.

A CAPES

Pelo financiamento da pesquisa mediante bolsa de estudo.

Por fim, a TODOS que, direta ou indiretamente, me apoiaram durante esse percurso... Muito obrigada!!!

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“Porque Dele e por Ele, e para Ele, são

todas as coisas; glória, pois, a Ele eternamente. Amém”. (Romanos 11:36)

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RESUMO

Esta Tese visa analisar, mediante um estudo pancrônico, os usos de “pois não” na perspectiva da Gramática de Construções a fim de alocá-los em uma rede construcional hierárquica e verificar qual o contexto típico (fonte) dessa microconstrução tão recorrente na fala brasileira. Toma-se como referencial teórico Tomasello (2003), Croft e Cruse (2004), Langacker (2013), entre outros, no que se refere às questões cognitivas da linguagem; Croft (2001), Goldberg (2006, 2013), Traugott (2008a), Bybee (2010), Traugott (2012) e Traugott e Trousdale (2013) para o entendimento de princípios gerais sobre abordagens construcionais; e Traugott e Trousdale (2013) e Diewald (2006a) para definir os parâmetros de análise. Observa-se como ocorreu o processo de mudança que resultou nos diferentes usos de “pois não”, a partir da análise de dados do português brasileiro falado e escrito no período de implementação do Português Brasileiro, que se estende do século XIX ao século XXI (cf. MATTOS e SILVA, 2008). Os dados de língua oral e escrita contemporânea integram o Corpus do Português (DAVIES e FERREIRA, 2006). São relevantes, em dados da escrita, usos de “pois não” em sequências dialogais. O pressuposto é o de que o texto com caráter mais interativo, por seus aspectos funcionais, estruturais e informacionais, apresenta uma forte carga de verossimilhança em relação à conversação face a face e, por isso, é um excelente exemplar da língua em uso (PRETI, 2004). Os parâmetros iniciais de análise estão baseados: no modelo de estrutura simbólica de uma Gramática de Construção Radical, proposto por Croft (2001); nas características de dimensões da construção (tamanho, especificidade fonológica, conceito), nos fatores de esquematicidade, produtividade e composicionalidade, tais como propostos e entendidos por Traugott e Trousdale (2013); e nos mecanismos de (inter)subjetividade trabalhados por Traugott (2010). Os postulados da Gramática Discursivo Funcional, propostos por Hengeveld e Mackenzie (2008), especialmente aqueles relacionados ao nível interpessoal, servem de aporte teórico auxiliar. A pesquisa mostra que a microconstrução “pois não” manifesta no nível interpessoal da língua a função de marcador discursivo. Os resultados das análises demonstraram a ocorrência de construtos mais abstratizados (menos composicionais) a partir do século XIX. O processo de implementação desses usos está relacionado ao mecanismo de intersubjetificação, pois o locutor ao usar “pois não” atenta-se às atitudes e necessidades pragmáticas do interlocutor. Mediante tais constatações, houve uma necessidade de recorrer a uma teoria que reconhece o nível interpessoal como um nível de gramática, por isso utiliza-se a Gramática Discursivo funcional como teoria complementar. Com base na descrição feita por Hengevald e Mackenzie (2008) sobre o nível interpessoal, distingue-se detalhadamente as funções distingue-semântico-pragmáticas de “pois não” em contextos mais intersubjetivos. Mediante a análise dos contextos de mudança, conforme proposto por Diewald (2006a), constatou-se que a microconstrução em estudo é resultado de uma construcionalização gramatical. As alterações sintático-semânticas percorrem um trajeto que parte de um contexto atípico em que a construção “pois” evidencia perda de propriedade categorial e deixa de atuar como conjunção. Logo após, a mudança passa pelo contexto crítico no qual “pois” perde sua função conclusiva e assume função discursivo-pragmática. Por fim, atinge o contexto isolado, fase marcada pela perda da função semântica de negação da construção “não” e do processo de chunking entre as construções “pois” e “não”, resultando na microconstrução “pois não” com uso inovador a qual integra um novo nó na rede dos marcadores discursivos, revelando um processo de expansão.

Palavras-chaves: Linguística Funcional Centrada no Uso. Gramática de Construções. Marcador Discursivo.

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ABSTRACT

This thesis aims to analyze, through a panchronic study, the uses of “pois não” in the perspective of the Grammar of Constructions in order to allocate it in a hierarchical constructional network and verify the source context of this microconstruction so recurrent in the Brazilian speech. A theoretical reference is made by Tomasello (2003), Croft and Cruse (2004), Langacker (2013), among others, with regard to cognitive language issues; Croft (2001), Goldberg (2006, 2013), Traugott (2008a), Bybee (2010), Traugott (2012) and Traugott and Trousdale (2013) for understanding general principles on constructional approaches; and Traugott and Trousdale (2013) and Diewald (2006a) to define the parameters of analysis. It is observed how occurred the process of change that resulted in the different uses of “pois não”, based on the analysis of Brazilian Portuguese spoken and written in the period of implementation of Brazilian Portuguese, which extends from the nineteenth to the twenty-first century (cf. MATTOS e SILVA, 2008). The oral and written contemporary language data are part of the Corpus of Portuguese (DAVIES and FERREIRA, 2006). It is relevant, in writing data, “pois não” used in dialogical sequences. The assumption is that the text with a more interactive character, due to its functional, structural and informational aspects, has a strong likelihood of being compared to the face-to-face conversation and, therefore, it is an excellent example of the language in use (PRETI, 2004). The initial parameters of analysis are based on the symbolic structure model of a Radical Construction Grammar proposed by Croft (2001); in the characteristics of construction dimensions (size, phonological specificity, concept), schematicity, productivity and compositionality factors, as proposed and understood by Traugott and Trousdale (2013); and in the mechanisms of (inter)subjectivity worked out by Traugott (2010). The postulates of the Functional Discursive Grammar, proposed by Hengeveld and Mackenzie (2008), especially those related to the interpersonal level, serve as an auxiliary theoretical contribution. The research shows that the microconstruction “pois não” manifests in the interpersonal level of the language the function of discursive marker. The results of the analyzes demonstrated the occurrence of more abstract constructs (less compositional) as from the 19th century. The process of implementation of these uses is related to the intersubjective mechanism, since the speaker when using “pois não” is attentive to the pragmatic attitudes and needs of the interlocutor. Through these findings, there was a need to resort to a theory that recognizes the interpersonal level as a level of grammar, so the Functional Discursive Grammar is used as complementary theory. Based on the description by Hengevald and Mackenzie (2008) on the interpersonal level, the semantic-pragmatic functions of “pois não” are distinguished in more intersubjectives contexts. Through the analysis of the contexts of change, as proposed by Diewald (2006a), it was verified that the microconstruction under study is the result of a grammatical constructionalization. Syntactic-semantic changes run along a path that starts from an atypical context in which the construction “pois” evidences loss of categorial property and ceases to act as a conjunction. Soon after, the change passes through the critical context in which “pois” loses its conclusive function and assumes discursive-pragmatic function. Finally, it reaches the isolated context, a phase marked by the loss of the semantic function of the negation of the construction “não” and the process of a chunking between the constructions “pois” and “não”, resulting in microconstruction “pois não” with innovative use which integrates a new node in the network of discursive markers, revealing a process of expansion.

Keywords: Usage-based perspective on language. Grammar of Constructions. Discourse marker.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1.1 - Gradiência de relações hierárquicas entre construções ... 33

Figura 1.2 - A estrutura simbólica de uma construção ... 37

Figura 2.1 - Níveis de esquematicidade construcional ... 51

Figura 2.2 - Representação geral da GDF... 67

Figura 4.1 - Micropassos de mudanças da microconstrução pois não no PB .... 106

Figura 4.2 - Gradação hierárquica do MD pois não na rede de MDs ... 112

Figura 4.3 - Representação simbólica da microconstrução pois não em rede .. 113

LISTA DE TABELAS Tabela 2.1 - Variáveis, traços e frequências dos MDs ... 72

Tabela 3.1 - Frequência de contexto por século no PB ... 91

Tabela 4.1 - Frequência de ocorrências de contexto isolado por século no PB 103 LISTA DE QUADROS Quadro 1.1 - Dimensões de construções ... 42

Quadro 2.1 - Esquematicidade, produtividade e composicionalidade na construcionalização lexical e gramatical ... 55

Quadro 2.2 - Tipos de Contexto em gramaticalização ... 59

Quadro 2.3 - Traços definidores de MDs aplicados à microconstrução “pois não” ... 74

Quadro 3.1 - Contexto típico da microconstrução pois não ... 78

Quadro 3.2 - Contexto atípico de construcionalização da microconstrução pois não ... 83

Quadro 3.3 - Contexto crítico de construcionalização da microconstrução pois não ... 84

Quadro 3.4 - Relações semântico-pragmáticas presentes no contexto crítico .. 85

Quadro 3.5 - Contexto isolado de construcionalização da microconstrução pois não ... 86

Quadro 3.6 - Expansão de pois não na classe hospedeira dos MDs ... 88

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LISTA DE ABREVIATURAS

Br Brasil

Cf. Conforme

COMPL Complemento

CxGr Gramática de Construções (do inglês: Constructional Grammar)

CONJ Conjunção

CRPC Corpus de Referência do Português Contemporâneo

Fic Ficção

GDF Gramática Discursivo Funcional

LFCU Linguística Funcional Centrada no Uso

MD Marcador Discursivo

N Nome

NEG Negação

NURC-RJ Projeto da Norma Urbana Oral Culta do Rio de Janeiro

Or Oral

PB Português Brasileiro

PE Português Europeu

PEUL Programa de Estudos sobre o Uso da Língua

PREP Preposição

PHPB Para a História do Português Brasileiro PROFALA Projeto Variação e Processamento da Fala

SAI Subject auxiliar inversion (inversão entre auxiliar e sujeito)

SNLoc Sintagma Nominal Locativo

SP São Paulo

SVO Sujeito-Verbo-Objeto

TCG Teoria Clássica de Gramaticalização

V Verbo

Vaux. modal Verbo auxiliar modal

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 13

1.CONCEPÇÃO DE LÍNGUA E LINGUAGEM ... 13

2.A(MICRO)CONSTRUÇÃO POIS NÃO ... 14

3.PERGUNTAS DE PESQUISA ... 16

4.HIPÓTESES ... 16

5.JUSTIFICATIVAS ... 18

6.PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 20

7.ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS DA TESE ... 25

CAPÍTULO 1 – BASES TEÓRICAS GERAIS SOBRE A ABORDAGEM CONSTRUCIONAL ... 26

1.1PRESSUPOSTOS COGNITIVO-FUNCIONAIS ... 26

1.2FUNDAMENTOS DA GRAMÁTICA DE CONSTRUÇÕES (CXGR) ... 31

1.2.1 Concepção de construção ... 34

1.2.2 Padrão construcional de Croft (2001) ... 37

1.2.3 Dimensões das construções ... 40

1.2.4 Fatores esquematicidade, produtividade e composicionalidade ... 42

CAPÍTULO 2 – MUDANÇA E EXPANSÃO ... 46

2.1MUDANÇAS CONSTRUCIONAIS E CONSTRUCIONALIZAÇÃO ... 46

2.2GRAMATICALIZAÇÃO E LEXICALIZAÇÃO SOB A PERSPECTIVA DA CXGR ... 52

2.3TIPOS DE CONTEXTOS ... 57

2.4ABORDAGEM DISCURSIVO-FUNCIONAL DA LÍNGUA ... 62

2.4.1 O nível interpessoal ... 68

2.4.2 Uma categoria a serviço das relações interpessoais: os marcadores discursivos ... 70

CAPÍTULO 3 – A MUDANÇA E A CONSTITUIÇÃO DA MICROCONSTRUÇÃO POIS NÃO ... 76

3.1MICROPASSOS PARA A CONSTRUCIONALIZAÇÃO DE POIS NÃO ... 77

3.1.1 Contexto típico ... 78

3.1.2 Contexto atípico ... 81

3.1.3 Contexto crítico ... 83

3.1.4 Contexto isolado ... 86

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CAPÍTULO 4 – A EXPANSÃO DA MICROCONSTRUÇÃO POIS NÃO NA ... 93

CLASSE HOSPEDEIRA ... 93

4.1CONSTRUTOS DA MICROCONSTRUÇÃO POIS NÃO NO PB ... 94

4.1.1 [Pois não] – Construto marcador de ironia ... 95

4.1.2 [Pois não] – Construto marcador de admiração ... 96

4.1.3 [Pois não] – Construto marcador de exortação ... 98

4.1.4 [Pois não] – Construto marcador de declaração ... 98

4.1.5 [Pois não] – Construto marcador de admoestação ... 99

4.1.6 [Pois não] – Construto marcador de interrogação ... 100

4.1.7 [Pois não] – Construto marcador de comprometimento ... 100

4.1.8 [Pois não] – Construto introdutor de interação ... 101

4.2ANÁLISE QUANTITATIVA DOS CONSTRUTOS DE POIS NÃO ... 103

4.3REDE HIERÁRQUICA DE CONSTRUCIONALIZAÇÃO DE POIS NÃO NO PB ... 105

4.4PAREAMENTO FORMA-FUNÇÃO DA MICROCONSTRUÇÃO POIS NÃO ... 108

4.5MICROCONSTRUÇÃO POIS NÃO NA REDE DOS MARCADORES DISCURSIVOS ... 112

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 115

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INTRODUÇÃO

1. Concepção de língua e linguagem

A concepção de língua que ampara este estudo está fundamentada em autores como Croft (2001), Goldberg (2006, 2013), Traugott (2008a, 2012), Bybee (2010), e Traugott e Trousdale (2013), os quais sustentam a compreensão da Gramática de Construções de que a língua consiste em uma rede conceitual formada a partir de pares de forma-significado, conhecidos por construções. Construções correspondem, portanto, a “unidades simbólicas convencionais” que integram o sistema linguístico, permitindo considerá-lo como uma rede de construções na qual propriedades fonológicas, morfossintáticas, semânticas e pragmáticas se encontram integradas. Por sua vez, a concepção de linguagem que embasa a análise aqui promovida envolve a atualização discursiva a partir do contrato interativo, a instanciação da língua no uso.

Parte-se também da concepção de que a língua se constitui como expressão de conteúdo e interação (conforme HALLIDAY, 1985; DIK,1989), logo há uma gramática que se organiza como representacional e interpessoal, tal como propõem Hengeveld e Mackenzie (2008).

A partir dessas considerações, esta Tese pretende descrever e analisar a microconstrução “pois não”, que, no Português Brasileiro contemporâneo, exerce a função de marcador discursivo (MD), e descrever o percurso de constituição de seu pareamento forma e função. Denomina-se microconstrução (ou type) toda unidade instanciada que se atualiza no uso mediante os construtos (ou tokens). Enquanto microconstrução diz respeito a níveis mais abstratos (virtualizados), construtos correspondem a usos efetivos.

A análise se fundamenta no aporte teórico denominado Gramática de Construções (doravante CxGr), em consonância com a Gramática Discursivo Funcional (GDF), a fim de esboçar uma possível rede construcional que os construtos da microconstrução “pois não” compõem.

A Gramática de Construções integra uma abordagem funcionalista centrada no uso. A Linguística Funcional Centrada no Uso, por sua vez, compreende que a língua é concebida como um instrumento de interação social, por meio da qual são

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estabelecidas relações comunicativas entre os usuários (BYBEE, 2010; TOMASELLO, 2003). Nessa perspectiva, a língua é descrita como um sistema não-autônomo, pois está submetida a inumeráveis fatores, relacionados ao uso, que influenciam e são projetados em sua estrutura linguística, tais como: a interação social, a cultura, a mudança e variação, o processamento mental, a aquisição, a evolução, entre outros. Portanto, a concepção de língua que assumimos nesta Tese está em concordância com a visão funcionalista, reconhecendo o dinamismo e a fluidez da língua como aspectos que favorecem as mudanças advindas do uso que os falantes fazem da língua.

Nesse sentido, a língua constitui-se como conteúdo, como um evento de interação e é intersubjetivamente motivada.

2. A (micro)construção pois não

Atualmente, é comum ouvirmos a construção “pois não” sendo utilizada por falantes em situações de atendimento ao público, e, por isso, o interesse por estudar essa construção se justifica pela imprevisibilidade que ela apresenta a partir de seus aspectos composicionais e os significados a ela relacionados. Os usos que, no início da pesquisa, nos despertaram a atenção são equivalentes a 1 e 1a, a seguir:

[1] — Talvez o senhor pudesse me aconselhar alguma coisa. — Pois não, pois não - respondeu o homem, solícito. (20:Fic:Br:Cardoso:Dias – Corpus do Português1).

[1a] — Pois não?, o gerente atende.

(20:Or:Br:LF:SP – Corpus do Português).

No exemplo [1], a microconstrução “pois não” indica uma maneira cortês de responder afirmativamente ao interlocutor. O uso tem o sentido de “sim” e/ou “claro”, “certamente”. Expressa o consentimento ou disponibilidade em se fazer algo ou de tomar alguma atitude. Nesse caso, um dos interlocutores pede um conselho, e o outro responde com “pois não”, garantindo que o pedido foi aceito. Por sua vez, em [1a], a microconstrução “pois não” sob a forma interrogativa é equivalente à oração “Em que

1 As indicações entre parênteses, após os dados, são informações prestadas no Corpus do Português quanto ao século, padrão discursivo, língua, autor e obra sobre cada uso. Mais adiante, nesta introdução, explicamos com detalhes essas informações.

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posso ajudá-lo?”. Denota prontidão e disposição em ajudar, sugerindo disponibilidade do locutor em estabelecer interação e do comportamento do interlocutor. Em ambos os casos, a construção tem função discursivo-interativa, atuando como orientadora da interação.

Durante a seleção de dados no corpus, além desses dois usos, constatamos que a microconstrução pois não se instancia em, pelo menos, mais seis diferentes usos que diferem quanto à função semântico-pragmática e informacional. Diante de tal constatação, decidimos analisar também tais construtos.

Em todos os construtos encontrados, percebemos a ocorrência de um processo de chunking entre os elementos que compõem a microconstrução. Chunk equivale a “pedaço” ou “bloco”. É um termo que vem sendo usado na abordagem construcional para designar a junção entre elementos linguísticos originariamente individuais, ou seja, a palavra “pois” deixa de exercer funções conjuntiva e conclusiva e associa-se à palavra “não”, que também perde sua função de negação, para comporem subpartes de um esquema em que ambas as palavras acopladas assumem uma função semântica distinta daquelas assumidas pelas duas palavras quando analisadas isoladamente em seus estágios composicionais. Em termos gerais, a composicionalidade diz respeito à relação de transparência entre forma e significado.

A microconstrução “pois não” em sua acepção mais abstrata é instanciada no nível interpessoal da língua, na função de marcador discursivo. Com base nos traços definidores de Marcadores Discursivos (MD), propostos por Risso, Silva e Urbano (2015), foi possível testificar que a microconstrução “pois não” apresenta características próprias de um MD, embora não consista em um MD prototípico, devido a alterações nos padrões de traços delineados2.

Essas observações e as considerações teóricas de escopo construcional direcionam as questões básicas dessa investigação, apresentadas na sequência.

2 Mais detalhes sobre esses padrões definidores de Marcado Discursivo serão prestados na seção 2.4.2.1.

(18)

3. Perguntas de pesquisa

As perguntas que norteiam esta pesquisa são as seguintes:

1) Quais construtos, ou seja, quais usos empiricamente atestados de “pois não” ocorrem no Português Brasileiro contemporâneo?

2) Como a configuração (forma e função) mais abstrata de “pois não”, funcionando como introdutor de interação e na introdução de turno se desenvolveu ao longo do tempo de formação do Português Brasileiro? 3) Que tipo de mudança construcional os usos mais abstratizados de “pois

não” constituem?

4) Considerando que “pois não” integra, em termos categoriais, a rede dos marcadores discursivos do Português Brasileiro contemporâneo, logo, seus usos estão a serviço das relações interpessoais, que relações são essas e como elas são estabelecidas?

5) Qual é a configuração formal-significativa da microconstrução “pois não” no processo de expansão na classe hospedeira?

Na busca por resposta às questões anteriores, apresentamos como tese central desta pesquisa a alegação de que o português brasileiro contém um novo

marcador discursivo, um novo nó na rede construcional interpessoal, e que carece de descrição: a microconstrução “pois não”. Esta Tese está apoiada nas

hipóteses descritas a seguir.

4. Hipóteses

Devido ao caráter inusitado de sua formação, a microconstrução “pois não” e suas possíveis fontes de constituição já foram questionadas por alguns pesquisadores do Português Brasileiro. Alves (2008) e Abreu (2010), por exemplo, expõem suas hipóteses sobre o surgimento da microconstrução “pois não”. Alves (2008) alega que essa construção provavelmente se originou da redução fonológica da expressão “depois não”. Para Abreu (2010), essa construção é, provavelmente, “[...] resultado da redução de uma expressão mais longa, que significava afirmação por uma espécie de metáfora de polidez, e da desabilitação do sentido original de negação do não”

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(ABREU, 2010). De acordo com esse autor, era comum, antigamente, sobretudo em Portugal, acrescentar a palavra “pois” antes do “não”, em respostas afirmativas. Apesar de serem possibilidades interessantes, elas apresentam pouco embasamento teórico e não resultam de uma testagem empírica.

Viaro (2011) advoga, em seus estudos sobre etimologia, que, diante da dificuldade em se encontrar a origem da formação de uma palavra, é bom apresentar as diferentes possibilidades como hipóteses não excludentes. Por isso, mesmo compreendendo que as hipóteses citadas no parágrafo anterior tenham um caráter mais especulativo do que científico, consideramos, nesta Tese, a hipótese apresentada por Abreu (2010), devido à sua plausibilidade e coerência.

Uma construção é composta de elementos linguísticos que inevitavelmente variam com o decorrer do tempo, modificando em certa medida sua estrutura composicional. A primeira hipótese defendida nesta Tese, portanto, sugere que a microconstrução pois não no Português Brasileiro (doravante PB) deriva do encurtamento de uma construção oracional complexa, esquematizada por “V.aux. modal

+ POIS + NÃO + V.principal”, tal como mostram os exemplos seguintes3:

[2] — Você me faz um favor? — Poderia, pois, não fazer? [2a] — Você me faz um favor?

— Pois não?

O “pois não” da “resposta-pergunta”, em [2a], é uma espécie de “condenação” prévia à decisão de não fazer o favor. Lima-Hernandes (2010, p. 95-96) afirma que deslizamentos funcionais dessa natureza podem ser explicados a partir do processamento mental:

Quando se elide uma informação muito recorrente do sequenciamento sintático é porque ela já teve um percurso histórico de uso tão frequente que já integra a lista das experiências a serem pressupostas e inferidas nos contextos de uso. Apaga-se da sintaxe porque já está suficientemente gravada na memória do indivíduo, já é possível incluí-la como informação típica da bagagem pragmática do interlocutor também.

3 Vale ressaltar que no slot referente a Verbo auxiliar modal estamos considerando não apenas verbos modais, mas também formas verbais que propiciam a instanciação da modalização, tal como o uso de condicionais, por exemplo.

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Somada a isso, a hipótese de que a microconstrução “pois não” advenha de um uso mais composicional e previsível como em “Poderia, pois, não realizar seu

pedido?” ou mesmo “Pois não poderia realizar seu pedido?”, por exemplo, está

ligada à percepção de que essa microconstrução constitui numa etapa avançada de um processo de mudança. Nossa hipótese se fundamenta na afirmação de Fried (2009) para quem há microconstruções que se constituem com base em subpartes correspondentes a outras construções.

Por fim, outra hipótese que buscamos confirmar é a de que o paradigma forma-função constituído pelos usos de “pois não” integra uma rede construcional cujos nós se caracterizam a partir de domínios + objetivo > ± subjetivo > ± intersubjetivo, configurando diferentes graus de (inter)subjetividade. Traugott e Trousdale (2013) compreendem que os nós na rede linguística são equivalentes a construções. Cada nó contém forma e conteúdo significado, sendo possível relacionar-se em várias direções diferentes (semântica, pragmática, discursiva, sintática, morfológica e fonológica) a qualquer outro nó na rede linguística.

Várias buscas foram realizadas no corpus a fim de ratificar as hipóteses de que 1) a construção “pois não” deriva do encurtamento da construção oracional “pois não poderia + verbo infinitivo”, e de que 2) os usos de “pois não” integram uma rede construcional que apresenta diferentes graus de (inter)subjetividade. O objetivo foi identificar ocorrências que pudessem sinalizar os contextos de mudanças pelos quais passou a microconstrução pois não. As hipóteses aqui elencadas norteiam toda nossa investigação, cujos resultados são apresentados nos capítulos 3 e 4 desta Tese.

5. Justificativas

Esta pesquisa integra o Projeto “Rede de Estudos da Língua Portuguesa ao Redor do Mundo” (CASSEB-GALVÃO et al, 2015), coordenado pela Professora Dra. Vânia Cristina Casseb Galvão, da Universidade Federal de Goiás, e que envolve outras instituições cujos representantes são: Maria Célia Lima-Hernandes (USP); Cristina Lopomo Defendi e Raul Punchel (IF-São Paulo); Claudia Grazziano Barros e Lennie Aryete Dias Pereira Bertoque (UFMT); Roberval Teixeira (Universidade de Macau); Madalena Teixeira (Instituto Politécnico de Santarém – Portugal); Kátia de Abreu Chulata (Universidade de Pescara – Itália); Renata Barbosa Vicente (UFRural de Pernambuco); Leosmar Aparecido Silva (UFG); Déborah Magalhães de Barros

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(UEG); e Gian Luigi de Rosa (Del Salento). Trata-se de um um conjunto articulado de projetos envolvendo a descrição e a análise de dados do Português com vias a oferecer subsídios para o ensino e a valorização da língua portuguesa em contexto nacional e internacional.

Assim, esta Tese pretende auxiliar na composição de um conjunto significativo de informações com vista a caracterizar essa variedade do PB a partir de uma descrição e uma análise de cunho funcionalista, especialmente quanto à constituição da rede construcional descrita pelos usos que compõem o padrão funcional de “pois não”. Portanto, o estudo pretende colaborar para o entendimento das mudanças no português, verificando a produtividade dessas mudanças aos aspectos da organização linguística e da funcionalidade discursiva.

A escolha de um aporte teórico auxiliar, que recaiu sobre a GDF a partir dos trabalhos de Hengeveld e Mackenzie (2008), decorre do fato de que os autores fazem descrições relevantes e detalhadas sobre a constituição linguístico-discursiva do nível interpessoal, essencialmente intersubjetivo. Tendo em vista que a microconstrução “pois não” é altamente interativa em seu uso mais abstrato, as postulações teórico-descritivas de Hengeveld e Mackenzie (2008), e outros trabalhos da GDF, fornecem subsídios cientificamente fortes para que se possa descrever as diversas funções exercidas por esse novo uso na língua. Por isso, oportunamente, discutimos nesta Tese a aplicabilidade de algumas categorias da GDF, conciliando-as na descrição do uso “pois não” a postulados da GrCx.

A relevância desta pesquisa entre os estudos linguístico-descritivos envolve o fato de que ela visa analisar e mostrar os micropassos de uma construcionalização gramatical do português, tentando captar um processo de mudança linguística, uma trajetória de mudança na língua que institui a criação na rede de um novo nó na categoria de marcadores discursivos.

Embora seja bastante pertinente o estudo do processo de mudanças pelo qual passou a microconstrução “pois não”, esta pesquisa nos leva a considerar de igual importância o estudo de como se dá a expansão da microconstrução “pois não” na classe hospedeira dos marcadores discursivos, uma vez que “pois não” é bastante produtivo nessa classe, gerando diversos efeitos de sentido relativos ao processamento interativo. Portanto, estudar e descrever os construtos (tokens) de “pois não” implica mais que estudar a mudança, abarca a própria expansão, ou seja,

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sua hospedagem na classe dos MDs. Aqui está, portanto, a relevância desta Tese e a justificativa para a descrição dos construtos realizada no capítulo 4.

Nesse sentido, esta Tese certamente integrará o corpo de textos que discute as transformações pelas quais passa esse sistema linguístico e se constitui instrumento de documentação da análise e das mudanças representativas da língua portuguesa, com ênfase na língua portuguesa falada no Brasil.

6. Procedimentos metodológicos

A microconstrução “pois não” apresenta funcionalidade de um marcador discursivo e, por isso, é altamente intersubjetiva, funcionando como orientadora do processo interlocutivo. A fim de responder às perguntas de pesquisa e avaliar as hipóteses elencadas nesta introdução, optamos por investigar os contextos de mudanças que possibilitaram a constituição dessa microconstrução e analisar os usos de “pois não” em distintas sincronias, cobrindo todo o período de formação do PB, com foco nas possibilidades semântico-pragmáticas assumidas em diferentes contextos de interação comunicativa no PB.

Para essa investigação, o primeiro passo foi selecionar o corpus que subsidiaria a pesquisa. Inicialmente, realizamos buscas em diversos corpora, e devido à especificidade do fenômeno ser muito particular a situações de interação dialogal, elegemos o Corpus do Português (DAVIES e FERREIRA, 2006). A opção por esse

corpus se deu devido ao fato de que ele é constituído por dados de língua falada e

escrita em diferentes padrões discursivos e períodos históricos. Ademais, trata-se de um corpus de acesso gratuito cuja interface permite realizar pesquisas por palavras exatas ou frases, palavras-chave, classes gramaticais, ou qualquer combinação destes. O Corpus do Português proporciona também a pesquisa de palavras em determinado contexto morfossintático e consultas de natureza semântica, além de propiciar a realização de checagem entre as variantes do Português Brasileiros (PB) e do Português Europeu (PE), caso fosse necessário à análise. Enfim, consiste em um corpus rico em informações à pesquisa o que favoreceu a nossa escolha por ele. O Corpus do Português é composto por mais de 45 milhões de palavras, a partir de quase 57 mil textos em português (brasileiro e europeu), textos produzidos entre o século XIV e o século XXI. Nesse corpus, os dados são catalogados por variedade da língua (Brasil e Portugal), registro e data. De acordo com o corpus, são

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identificados como diferentes “registros” o oral, a ficção, o jornalístico, e o acadêmico. Nesta Tese, estamos chamando essas esferas de “padrão discursivo”, com base na explicação de Cunha, Bispo e Silva (2013, p. 19): “Um padrão discursivo consiste num construto sociocognitivo de comunicação, atualizado em uma dada configuração textual, que emerge e se ritualiza em contextos comunicativos específicos”. De acordo com os autores, padrão discursivo recobre, simultaneamente, as noções de gênero discursivo e tipo textual.

Para os propósitos desta Tese, foram analisados dados produzidos no período compreendido entre os séculos XIX e XXI que, conforme Mattos e Silva (2008), corresponde ao período de implementação do Português Brasileiro. A partir da segunda metade do século XVIII, deu-se o início da sociedade urbana no Brasil e consequentemente o PB passou a se desenvolver.

A partir de pesquisas no Corpus do Português conseguimos encontrar dados relevantes que nos possibilitassem alguns direcionamentos para a definição do contexto típico (fonte) de “pois não” e nos fizessem constatar as diferentes possibilidades semântico-pragmáticas dessa microconstrução. Por isso, optamos por trabalhar somente com dados desse corpus, evitando, dessa forma, possíveis enviesamentos dos resultados.

Considerando que a microconstrução “pois não” tende a ser mais produtiva em contextos dialogais, selecionamos dados de textos orais e escritos disponíveis no

Corpus. Os dados escritos de natureza verossímil à situação real de fala consistiram

numa opção metodológica profícua diante da impossibilidade de acesso a textos orais em sincronias mais antigas. Para os dados escritos, elegemos aqueles que compõem a categoria denominada “Ficção” pelo Corpus do Português, na qual estão abrigados textos de romances e peças teatrais, altamente interativos. Com base nas afirmações de Preti (2004), asseguramos que esses gêneros textuais, por seus aspectos funcionais, estruturais e informacionais, apresentam forte carga de verossimilhança e, por isso, os consideramos excelentes exemplares da língua em uso.

Num primeiro momento de análise, realizamos uma busca geral no Corpus do

Português para conferir a ocorrência de todos os construtos da microconstrução “pois

não”. Tal busca resultou em uma listagem de todas as ocorrências da formação “pois não”, desde aquelas mais composicionais em que verificamos a conjunção “pois” seguida da negação “não” (tal como na sentença “Foi um tiro no escuro, pois não sabíamos se seríamos capazes de escrever”), a ocorrências do tipo “depois não”.

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Com vistas a manusear os dados com maior controle e sistematização, transferimos todas as ocorrências encontradas para um quadro cujas colunas preveem: a identificação do texto tal como aparece no corpus, o século de produção do texto, o padrão discursivo correspondente (oral ou ficção), a variedade da língua portuguesa (Brasil) e o texto da ocorrência. A elaboração desse quadro nos possibilitou sistematizar os dados relevantes e organizá-los, excluindo as repetições e as ocorrências que não integrariam o escopo da pesquisa. Na identificação realizada pelo próprio Corpus do Português, os dados são catalogados do seguinte modo:

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Nessa catalogação, aparece a informação referente ao século; o padrão discursivo (sendo “Fic” para dados da Ficção e “Or” para dados orais); a variedade (sendo “Br” para identificar português do Brasil); uma parte do nome do autor; e uma parte do título da obra.

Mesmo sendo o Corpus do Português uma excelente ferramenta para nossa pesquisa, tivemos que lidar com alguns empecilhos que, de forma direta e indireta, interferiram nos resultados analisados. Uma dificuldade relevante diz respeito à datação dos dados. A grande maioria dos dados apresenta inconsistência com relação às datas. Por isso, tivemos o cuidado de pesquisar e datar corretamente todos os dados relevantes para a nossa pesquisa.

Foram encontradas 1844 ocorrências de “pois não” em contextos de orações complexas no Corpus do Português, ou seja, orações formadas por mais de um predicado, o que se denomina pela tradição gramatical de períodos compostos por coordenação e por subordinação (cf. NEVES, 2016). Tais ocorrências nos permitem analisar os contextos de mudança perpassados pela microconstrução “pois não”.

Em pesquisas sob o viés construcionalista de linguagem, um fenômeno linguístico pode ser analisado a partir das perspectivas: a) diacrônica, que investiga a origem das formas gramaticais, descrevendo os caminhos que essa forma percorre durante o processo de mudança; b) sincrônica, na qual é possível investigar os usos linguísticos do ponto de vista dos padrões fluidos da linguagem, dentro de um

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determinado recorte de tempo; e c) pancrônica, que é a combinação das duas perspectivas anteriores.

Numa análise preliminar, sem maior rigor científico, analisamos dados desde o século XII, entretanto, no desenvolvimento da investigação, nos deparamos com indícios significativos de micropassos de mudança referente à microconstrução “pois não” apenas a partir do século XIX, coincidindo exatamente com o período de implementação do PB. Aliás, o século XIX foi o que se mostrou mais produtivo em resultados em todos os contextos de análise.

Na sincronia atual, nos chamaram atenção os usos já descritos na parte inicial desta introdução mediante os exemplos [1] e [1a]. A partir desses usos, fomos procurar ao longo do período de implementação do Português Brasileiro, que segundo Mattos e Silva (2008) e Guimarães (1996), vai do século XIX ao século XXI, nuances que possibilitassem o entendimento da constituição da microconstrução “pois não”. Nesse sentido, buscamos perceber como a expansão se dá na sincronia atual (século XXI) e o processo de mudança que gerou esses usos.

Isso posto, nesta Tese adotamos uma perspectiva pancrônica de análise já que realizamos tanto a análise diacrônica quanto a sincrônica com o objetivo de compreender e explicar um fenômeno do Português atual.

Tendo em vista todos os usos de “pois não” encontrados no corpus, primeiramente, distinguimos cada ocorrência mediante a análise do efeito de sentido que elas apresentavam. Nesse momento da análise sob a perspectiva da CxGr, procurávamos um macroesquema construcional que pudesse explicar os usos encontrados. Todavia, o que percebemos foi que todas as ocorrências consistiam em uma mesma microconstrução de uso especializado cuja forma favorecia funções semântico-pragmáticas distintas. Esses usos revelaram um processo de mudança que nos levou a especificar uma microconstrução e nos motivou a descrever sua funcionalidade mediante a análise dos construtos instanciados por ela.

O passo seguinte consistiu em “filtrar” todos os usos encontrados a partir do critério de composicionalidade e alocá-los em um cline organizado do mais composicional ao menos composicional. Para aferir a composicionalidade, utilizamos os seguintes critérios:

1) Quebra do padrão oracional básico; 2) Perda de propriedades categoriais;

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Após essa sistematização, percebemos que a microconstrução em estudo tende a se especializar em contextos mais intersubjetivos, o que favoreceu uma análise restrita aos usos mais abstratizados da microconstrução “pois não”. Nesse momento investigativo em particular, com base na discussão realizada por autores como Hengeveld (1997), Mackenzie e Gomes-González (2004, 2005) e Hengeveld e Mackenzie (2008) acerca do nível interpessoal, no âmbito da Gramática Discursivo Funcional, foi possível distinguir as funções semântico-pragmáticas dos construtos instanciados pela microconstrução.

Tendo em vista que o mesmo pareamento forma-função “pois não” se instancia em diferentes construtos, que apresentam peculiaridades semântico-pragmáticas importantes, foi necessário estipular mais um critério de análise na distinção desses construtos: a gradação (inter)subjetiva. Tal gradação foi mensurada considerando-se como critério a relação com o conteúdo comunicado na interação, a partir do pressuposto de que quanto maior a possibilidade de retomada do conteúdo comunicado e quanto mais estreita a relação entre o locutor e o posicionamento do locutor frente a esse conteúdo comunicado, mais subjetivo é o uso. Em contrapartida, quanto maior é a orientação interacional, menor é o foco funcional no sequenciamento de partes do texto e mais intersubjetivo é o uso (cf. RISSO, SILVA e URBANO, 2015). Realizada toda essa análise sobre a constituição e a funcionalidade da microconstrução “pois não”, pudemos elaborar uma rede construcional hierárquica sintetizando todo o processo de mudança e composição de “pois não”. Por fim, detalhamos o status construcional da microconstrução “pois não”, tendo por base parâmetros como esquematicidade, produtividade e composicionalidade, e as características relativas às dimensões das construções. Elegemos esses parâmetros por considerá-los satisfatórios à análise, uma vez que proporcionam delinear a instanciação das construções sob a perspectiva da CxGr.

Com vistas a melhor sistematização, a análise dos dados está dividida em duas partes. Inicialmente, a partir dos usos distinguidos no corpus, traçamos o percurso de mudança que resultou na microconstrução “pois não”, promovendo a caracterização dos contextos típico, atípico, crítico e isolado, nos termos de Diewald (2002, 2006a). Em seguida, nos detemos a descrever os padrões de usos de “pois não” encontrados no corpus já em estágio avançado de construcionalização e em processo de expansão.

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7. Organização dos capítulos da tese

A estruturação desta Tese levou em consideração dois eixos norteadores da pesquisa: a mudança e a expansão. Logo, a formatação dos capítulos buscou demarcar esses eixos. Nesse sentido, a Tese está subdividida em quatro capítulos. No primeiro capítulo, apresentamos as bases teóricas gerais sobre a abordagem construcional que subsidiam a pesquisa. Sendo assim, versamos sobre questões relativas a pressupostos básicos da abordagem cognitiva da língua, aos princípios da Linguística Funcional Centrada no Uso e aos fundamentos da Gramática de Construções.

No segundo capítulo, discorremos sobre questões teóricas relevantes à análise da mudança e da expansão da microconstrução pois não. Em relação à mudança, abordamos os processos de mudanças construcionais e construcionalização, sobre a distinção entre construcionalização gramatical e lexical e sobre tipos de contextos que favorecem à mudança. Quanto à expansão, nos detemos a tratar sobre os marcadores discursivos, considerados a classe hospedeira para a qual a microconstrução pois não expande seus usos. Além disso, expomos alguns postulados da abordagem discursivo-funcional da gramática que subsidiam a análise dessa microconstrução após sua expansão para a classe dos marcadores discursivos.

Nos capítulos 3 e 4, procedemos à análise dos dados e à interpretação dos resultados. O capítulo 3 visa a apresentar, com base nos critérios fundamentados pela CxGr e nos tipos de contexto propostos por Diewald (2006a), os micropassos de mudança pelos quais perpassou a microconstrução pois não até se expandir para a classe dos marcadores discursivos. O capítulo 4 é dedicado a expor a análise dos construtos instanciados pela microconstrução pois não, especialmente no que diz respeito à sua atuação no nível interpessoal de constituição gramatical. Para esse momento de análise, é essencialmente relevante a apropriação das categorias pragmáticas descritas na Gramática Discursivo Funcional (cf. HENGEVELD e MACKENZIE, 2008).

A título de considerações finais, respondemos às perguntas de pesquisa e projetamos possíveis desdobramentos da análise com vias a pesquisas futuras.

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CAPÍTULO 1 – BASES TEÓRICAS GERAIS SOBRE A ABORDAGEM CONSTRUCIONAL

Esta Tese se enquadra teoricamente numa vertente de estudos que incorpora orientações cognitivistas e funcionalistas, a Gramática de Construções (CxGR). Com base nos pressupostos da CxGr, adotamos a concepção de língua como uma rede, em que pares de forma e significado instanciam construções do sistema linguístico, que podem exercer diversas funções durante a interação entre os usuários (GOLDBERG, 2006, 2013; BYBEE, 2010; TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013). Na concepção de língua orientadora da CxGr, focaliza-se a autoconstituição da língua, ou seja, a sua constituição processual como atividade sócio-cognitiva.

Realizamos, no decorrer deste capítulo, breves considerações a respeito de pressupostos cognitivo-funcionais relevantes a esta Tese, fundamentadas em Tomasello (2003), Croft e Cruse (2004), Langacker (2013), dentre outros autores. Amparadas em Croft (2001), Goldberg (2006, 2013), Traugott (2008a, 2012), Bybee (2010), e Traugott e Trousdale (2013) discorremos sobre os fundamentos da CxGr, apresentando concepções que consideramos relevantes para uma análise construcional, tais como a estrutura simbólica de uma construção, as dimensões da construção e os fatores de esquematicidade, produtividade e composicionalidade.

1.1 Pressupostos cognitivo-funcionais

A compreensão da abordagem construcional passa pelo entendimento de princípios cognitivo-funcionais basilares à concepção de construção. A Linguística Cognitiva surgiu em meados da década de 1970 como uma proposta de estudo da linguagem humana diferenciada do paradigma da Linguística Gerativa, proposto pelo linguista norte-americano Noam Chomsky, e contrapondo-se ao cognitivismo clássico, o qual defende, entre outras, a concepção de que a mente humana é um artefato computacional e modular.

Croft e Cruse (2004) apresentam três proposições que guiam a abordagem cognitiva da linguagem:

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1. A linguagem não é uma faculdade cognitiva autônoma; 2. A gramática equivale à conceptualização;

3. O conhecimento e a aquisição das estruturas linguísticas emergem do uso linguístico.

A primeira proposição evidencia que a abordagem cognitiva se opõe ao princípio da Gramática Gerativa a qual compreende a linguagem como uma faculdade cognitiva inata. De acordo com os princípios cognitivistas, a língua é constituída com base em processos cognitivos linguísticos e não linguísticos. Nesse sentido, as habilidades cognitivas humanas, tanto em domínios linguísticos como fora desse domínio, basicamente, não diferem, ou seja, a organização e a recuperação de conhecimentos linguísticos não se distinguem muito da organização e recuperação de outros conhecimentos na mente, tais como conhecimento matemático, musical etc. Nesse primeiro preceito, o conhecimento linguístico, da forma e do significado, é compreendido como uma estrutura conceptual. Esse conhecimento envolve tanto o conhecimento semântico como também o sintático, o morfológico e o fonológico, pois sons e enunciados são produzidos e compreendidos como processos de base cognitiva.

A segunda proposição está consolidada no argumento de Langacker (2013) de que “gramática é conceptualização”, o que implica dizer que a gramática de uma língua é o reflexo de processamentos realizados pelo falante para simbolizar suas experiências da vida cotidiana. Tal afirmação sugere que a linguagem é simbólica em todos os seus aspectos. A gramática, nesse sentido, não é entendida como uma parte integrante da cognição, mas como uma chave que favorece o seu entendimento.

Por fim, segundo a terceira proposição compreende-se que “categorias e estruturas da semântica, sintaxe, morfologia e fonologia são construídas a partir do conhecimento de enunciados específicos em ocasiões específicas de uso” (CROFT e CRUSE, 2004, p. 3-4)4.

Nesse sentido, conforme se pode depreender de Givón (1995), a Linguística Cognitiva entende que, quanto maior a frequência de uso de uma palavra ou construção, menor é o esforço cognitivo requerido para acioná-la ao discurso, ou seja, a rotinização está diretamente relacionada à questão da complexidade cognitiva. E

4 Versão original: “categories and structures in semantics, syntax, morphology and phonology are built up from our cognition of specific utterances on specific occasions of use”.

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assim, quanto maior for a sua complexidade cognitiva, menor será sua frequência e maior será a sua complexidade estrutural.

Sendo assim, o princípio do menor esforço cognitivo, que se baseia na avaliação entre a demanda de elaboração e de processamento de determinada informação, de algum modo, está associado a algumas mudanças que ocorrem na língua, justamente porque o falante tende a substituir estruturas perifrásticas por estruturas mais econômicas (reduzidas, simplificadas), por exemplo (CROFT, 1990). Esse entendimento oferece subsídio teórico para a defesa da hipótese de que a microconstrução “pois não” tenha derivado de uma construção oracional complexa do tipo “pois não haveria de + verbo infinitivo?”, como, “pois não haveria de fazer / dizer / entregar” etc.

Ainda no que tange à distinção entre a Linguística Cognitiva e as demais abordagens formais e funcionais da língua, Langacker (2013, p. 7-8)5 esclarece que

[n]o Funcionalismo, a Linguística Cognitiva se destaca ao enfatizar a função semiológica da linguagem. Ela reconhece plenamente o fundamento da linguagem na interação social, mas insiste que até mesmo sua função interativa é criticamente dependente de conceptualização. Em comparação com as abordagens formais, a linguística cognitiva se destaca por resistir à imposição de limites entre língua e outros fenômenos psicológicos. Na medida do possível, a estrutura linguística é vista como fundamentada em outros sistemas mais básicos e capacidades (por exemplo, a percepção, a memória, a categorização) a partir dos quais ela não pode ser segregada. Em vez de constituir uma entidade autônoma distinta (um “módulo” separado ou “faculdades mentais”), a linguagem é vista como um aspecto integrante da cognição.

Partindo dessa perspectiva, não é produtivo analisar os elementos constituintes de qualquer estrutura linguística de modo isolado uns dos outros, pois a linguagem é inerente ao processo dinâmico de redes neurais reais. Nesse sentido, a língua consiste em um fenômeno de análise complexo cujas representações e notações apenas se aproximam do que realmente ela constitui.

5 Versão original: “Within functionalism, cognitive linguistics stands out by emphasizing the semiological function of language. It fully acknowledges the grounding of language in social interaction, but insists that even its interactive function is critically dependent on conceptualization. Compared with formal approaches, cognitive linguistics stands out by resisting the imposition of boundaries between language and other psychological phenomena. Insofar as possible, linguistic structure is seen as drawing on other, more basic systems and abilities (e.g. perception, memory, categorization) from which it cannot be segregated. Rather than constituting a distinct, self-contained entity (a separate “module” or “mental faculty”), language is viewed as an integral facet of cognition”.

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Em uma abordagem cognitiva da língua, o comportamento linguístico é visto como representação de capacidades cognitivas que dizem respeito “aos princípios de categorização, à organização conceptual, aos aspectos ligados ao processamento linguístico e, sobretudo, à experiência humana no contexto de suas atividades individuais, sociointeracionais e culturais” (CUNHA, BISPO e SILVA, 2013, p. 14).

Em suma, esses princípios subjacentes ao modelo cognitivo de constituição da língua são relevantes para se compreender as bases da Linguística Funcional Centrada no Uso (doravante LFCU), que emerge a partir de uma associação dos postulados do Funcionalismo Clássico com contribuições da Linguística Cognitiva.

Bybee (2010, p. 195) salienta que a Usage-based perspective on language, interface funcionalista que no Brasil foi designada por Linguística Funcional Centrada

no Uso6, corresponde a uma teoria que surgiu diretamente do Funcionalismo

norte-americano. A autora alega que a abordagem da Linguística Funcional Centrada no Uso foi iniciada por Joseph Greenberg na década de 1960, o qual, embora seja mais conhecido por seus estudos em tipologia e universais, mostrou interesse nos efeitos da frequência para auxiliar na explicação dos padrões inter-linguísticos.

A LFCU consiste em uma tendência de pesquisa mais recente resultante do diálogo entre o Funcionalismo Linguístico Clássico e o Cognitivismo. Tanto funcionalistas quanto cognitivistas compreendem que a análise linguística precisa ser realizada observando-se o uso, uma vez que a linguagem está fundamentada em processos cognitivos, sociointeracionais e culturais. Fundamentados em Tomasello (1998, 2003), Traugott (2004), Bybee (2010), entre outros, Cunha, Bispo e Silva (2013) ressaltam que, assim como a abordagem cognitiva, a LFCU rejeita a autonomia da sintaxe, incorpora à análise a semântica e a pragmática, não distingue estritamente léxico e gramática, estabelece relação estreita entre as estruturas das línguas e o uso que os falantes fazem delas nos contextos reais de comunicação, e considera que os enunciados ocorridos no discurso natural são os dados para a análise linguística.

A LFCU, que também é denominada por Tomasello (2003) como “Linguística Cognitivo-Funcional”, propõe o estudo simultâneo do discurso e da gramática, pois entende que ambos estão associados, interagindo e influenciando-se mutuamente. Portanto, segundo essa abordagem, a gramática apresenta uma forma e uma organização fluidas devido ao caráter instável do próprio discurso.

6 Conforme Martelotta (2011), Martelotta e Alonso (2012), Oliveira e Cezario (2012), Cunha (2012), entre outros.

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O princípio básico da LFCU é o de que a estrutura da língua emerge na medida em que é usada. Tendo em vista que a descrição da gramática da língua é ancorada na análise dos usos que o falante faz, considera-se como partes fundamentais dessa análise as situações e os contextos comunicativos em que tais usos são atualizados. Logo, a característica principal dessa abordagem é analisar a língua atentando-se ao contexto linguístico (aparato léxico-gramatical) e à situação extralinguística (dados do contexto interacional).

Segundo Oliveira (2015), atualmente, duas propostas analíticas têm demonstrado coerência e efetividade para abordar o contexto linguístico, que é uma dimensão de grande relevância nessa perspectiva de estudo da língua: 1) a proposta de Traugott (2008a), vinculada à perspectiva da gramaticalização de construções, e aos estudos cognitivistas, com representação especial de Croft (2001) e Croft e Cruse (2004); 2) e a proposta de Diewald (2002), voltada para os ambientes originais de polissemia e consequente mudança linguística. Ambas as propostas serão pormenorizadas na seção 2.3 desta Tese.

Nas análises linguísticas sob a perspectiva da LFCU, portanto, busca-se trabalhar com dados reais da fala e/ou da escrita que compõem contextos efetivos de interação, associados às suas funções no ato comunicativo, e, propõe-se, a fim de favorecer um melhor panorama dos fenômenos em análise, pesquisas envolvendo estudos diacrônicos e sincrônicos. Desse modo, a frequência de determinado uso linguístico é um dado muito relevante nas análises que seguem a perspectiva da LFCU, uma vez que a constância do uso permite ao analista perceber sua legitimidade como estratégia de comunicação em um determinado contexto.

Diferentemente do Cognitivismo, que estuda a construção como algo pronto, o funcionalismo visa estudar como determinada construção foi criada. Nesse sentido, a LFCU busca identificar as motivações discursivo-pragmáticas e semântico-cognitivas implicadas no uso das construções que analisa.

Com o avanço das pesquisas e das abordagens teóricas, pesquisadores funcionalistas passaram a abordar, por exemplo, o estudo da gramaticalização aliado às considerações da perspectiva construcional, alinhando-se a LFCU aos pressupostos teóricos da Gramática de Construções.

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1.2 Fundamentos da Gramática de Construções (CxGr)

O termo Construction Grammar foi utilizado pela primeira vez por Fillmore et al (1988) em seus trabalhos sobre expressões idiomáticas. A CxGr está ancorada no fundamento de que “a unidade preliminar da gramática é a construção gramatical, que pode ser caracterizada por qualquer elemento formal diretamente associado a algum sentido, alguma função pragmática ou alguma estrutura informacional” (MARTELOTTA, 2011, p. 85). Nessa perspectiva, a abordagem linguística não prevê uma dissociação rigorosa entre léxico e sintaxe, pois a língua é concebida como uma rede de construções cuja análise deve considerar a existência de um continuum entre as construções linguísticas. Isso implica dizer que a análise sob essa abordagem teórica considera o sistema linguístico como um repertório de construções que de algum modo apresentam pontos de contato entre si, podendo ora estarem funcionando mais como elementos do léxico, ora como elementos da sintaxe, o que torna inviável a separação estanque entre léxico e gramática.

Nos termos de Goldberg (1995, p. 4)7:

Construções são concebidas como as unidades básicas da língua. Padrões frasais são considerados construções se algo sobre a sua forma ou significado não é estritamente previsível a partir das propriedades de suas partes componentes ou de outras construções. Ou seja, a construção é postulada na gramática, se puder ser demonstrado que o seu significado e/ou a sua forma de composição não é derivada de outras construções existentes na língua.

A convencionalização de construções linguísticas é determinada principalmente pela frequência de uso, que, aliás, pode ser considerada um dos fatores que mais contribuem para a ocorrência da gramaticalização de padrões linguísticos que passam a compor esquemas mentais acessíveis aos falantes.

A CxGr é compreendida como uma gramática que considera a interação entre falantes como o principal fator para a mudança linguística, pois é no contato interativo que os sentidos são negociados e convencionalizados.

7 Versão original: “Constructions are taken to be the basic units of language. Phrasal patterns are considered constructions if something about their form or meaning is not strictly predictable from the properties of their component parts or from other constructions. That is, a construction is posited in the grammar if it can be shown that its meaning and/or its form is not compositionally derived from other constructions existing in the language”.

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Croft (2001, p. 14) ressalta que a Gramática de Construção “representa uma reação ao modelo componencial da organização de uma gramática que é encontrado em outras teorias sintáticas”8 como, por exemplo, a perspectiva gerativa da gramática

que aborda de modo separado as diferentes propriedades de um enunciado.

Traugott (2008a) propõe que as construções sejam descritas e analisadas mediante um conjunto mínimo de níveis composto por macro, meso e microconstruções:

─ Macroconstruções: pareamentos de forma-significado que são definidos pela estrutura e função, por exemplo, partitivos, ou Grau de Modificador de Construções, etc.,

─ Mesoconstruções: conjuntos de construções específicas comportando-se similarmente,

─ Microconstruções: construções-types individuais,

─ Construtos: tokens empiricamente comprovados, que são o

locus da mudança. (TRAUGOTT, 2008a, p. 236)9.

Em trabalho mais recente, Traugott e Trousdale (2013) utilizam dos termos “esquemas” e “subesquemas” para se referirem a “macroconstruções” e “mesoconstruções”, respectivamente. As macroconstruções (ou esquemas) correspondem a níveis mais elevados na hierarquia de análise e as mesoconstruções (ou subesquemas) constituem subfamílias do esquema maior, que podem ou não ocorrer na língua em questão. As microconstruções são unidades instanciadas e se atualizam no uso mediante os construtos, os quais são imbuídos de forte carga pragmática, uma vez que consistem em “instâncias de uso em uma ocasião especial, proferidas por um falante particular (ou escrito por um escritor particular) com um propósito comunicativo particular” (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p. 16)10. Dito

de outro modo, os construtos correspondem, em síntese, ao uso efetivo, àquilo que os falantes/escritores produzem e que os ouvintes/leitores processam. Partindo do entendimento de que construtos consistem nos usos empiricamente atestados, utilizaremos nesta Tese ambas as nomenclaturas como sinônimas (construtos =

8 Versão original: “Construction grammar represents a reaction to the COMPONENTIAL MODEL of the organization of a grammar that is found in other syntactic theories”.

9 Versão original: “– macro-constructions: meaning-form pairings that are defined by structure and function, e.g., Partitive, or Degree Modifier Constructions, etc., //– meso-constructions: sets of similarly-behaving specific constructions, // – micro-constructions: individual construction-types, – constructs: the empirically attested tokens, which are the locus of change”.

10 Versão original: “instances of use on a particular occasion, uttered by a particular speaker (or written by a particular writer) with a particular communicative purpose”.

Referências

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