UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Disciplina QFL 5925
Prática de Ensino de Química e Bioquímica
TUTORIAL COM AS REGRAS DE NOMENCLATURA DE
COMPOSTOS ORGÂNICOS
Ricardo Bentini
1. Introdução
Durante a Idade Média os produtos químicos foram nomeados de acordo com sua origem, propriedades ou aplicação. Quando o número de compostos orgânicos cresceu, a necessidade de uma nomenclatura sistemática foi evidente. Os esforços dos pesquisadores produziram avanços; no sistema resultante da nomenclatura de estrutura foi a base para a identificação, classificação, e nomenclatura químicai,ii. As regras de nomenclatura IUPAC são um tema central nos cursos de química. Nomenclatura química é fundamental para a ciência da transformação de matéria desde que o estudo das reações químicas e os seus mecanismos é reconhecidamente difícil sem um bom conhecimento das estruturas químicas. Além disso, o uso extensivo de nomes sistemáticos e triviais em cursos de química orgânica complica a nomenclatura. A aplicação das regras de nomenclatura correta facilita a comunicação global desde as estruturas podendo ser consideradas as linguagens da química.
Os livros didáticos utilizados para o ensino de cursos de graduação estabelecem regras básicas e exemplos de nomes compostos monofuncionais. No entanto, os alunos de cursos mais avançados de química orgânica e estudantes de pós-graduação lidam com moléculas mais complexas necessitando de um conjunto de regras e diretrizes adicionais para identificar os compostos polifuncionais. O seguinte tutorial contendo os princípios gerais também pode ser útil para os instrutores. A formação do nome sistemático de um composto orgânico envolve várias etapas, a serem tomadas, na medida em que forem aplicáveis, na ordem em que segueiii.
2. Objetivo
O presente trabalho tem o objetivo de servir como uma ferramenta complementar a alunos de graduação e pós-graduação para os estudos das disciplinas de orgânica fornecendo um conhecimento básico das regras de nomenclatura IUPAC de forma simples e objetiva.
3. Material e método
Neste trabalho foi usado um tutorial com as regras básicas de nomenclatura IUPAC. O tutorial foi analisado por cinco alunos matriculados na disciplina de estrutura e propriedades de compostos orgânicos (QFL 2340) para dar sugestões e opiniões sobre o mesmo.
TUTORIAL (Regras de nomenclatura IUPAC) Passo 1:
Determinar o grupo funcional principal no composto. Quando o mesmo possuir mais de um grupo na Tabela 1, o grupo principal é aquele que tem a mais alta prioridade. Este grupo principal será citado como um sufixo; todos os outros grupos serão citados como prefixos. Passo 2:
Determinar o hidrocarboneto principal (cadeia principal ou sistema de anel principal): (a) Se o grupo principal está presente na cadeia, a cadeia é selecionada como:
(i) A cadeia contendo o grupo funcional de mais alta prioridade como sendo o principal:
OH
2-(propan-1-il)pentan-1-ol
(ii) Se mais de uma escolha for possível, selecione a cadeia com o número máximo de ligações múltiplas.
2-(hexan-1-il)buta-1,3-dieno
(iii) Se (i) e (ii) não estão juntos, então escolha a cadeia de maior comprimento.
(iv) Se duas cadeias de mesmo comprimento são possíveis, escolha aquela que contém o número máximo de substituintes.
H O
2-(butan-1-il)-4-metilhexanal A cadeia principal aqui contém seis átomos de carbono.
Tabela 1: Ordem de prioridades da maioria dos grupos funcionais
Grupo funcional Sufixo de mais alta prioridade Prefixo de baixa prioridade
-(C)OOH acido -oico -
-COOH ácido -carboxílico carboxi-
-SO2OH ácido -sulfonico sulfo-
-C(O)OC(O)- anidrido -óico -
-(C)OOR -oato alquil alcoxi-oxo
-COOR carboxilato alquil -
-(C)OHal haleto -oil halo-oxo-
-COHal haleto carbonil halocarbonil
-(C)ONH2 -amida amino-oxo
-CONH2 -carboxiamida aminocarbonil
-(C)ΞN -nitrila -
-C ΞN -carbonitrila ciano-
-(C)HO -al oxo-
-CHO -carbaldeído formil-
>(C)=O -ona oxo-
-OH -ol hidroxi-
-SH -tiol sulfanil-
-NH2 -azano(-amina) azanil- (amino-)
>NH -azano(-imina) azanilideno- (imino-)
>C=C< -eno *
-C Ξ C- -ino **
-X, -R, -OR *** halo-, alquil-, alcoxi-
-Ar, -NO2 *** aril-, nitro
-NO, -N3 *** nitroso-, azido-
=N2, - SR *** diazo-, (R)-sulfanil
(b) Se o grupo funcional principal estiver presente em um sistema cíclico, o sistema formado é o principal.
OH
2-(octan-1-il)ciclohexanol 3-(hexan-1-il)ciclopentano
Passo 3:
Nomeie a estrutura principal e o grupo funcional(s). Dê o mesmo nome, como se fosse um alcano, mas substitua o sufixo –ano característico pelo grupo funcional de prioridade mais alta (Tabela 1). Observação: Múltiplas insaturações nos hidrocarbonetos é indicado pelo prefixo numérico: di, tri, etc. Em cada caso, entretanto, o final –ano do alcano principal é substituito pelo –adieno, -atrieno, etc. deixando o a no radical alcano sempre que a primeira
letra é uma consoante para deixar o nome mais fácil para pronunciar. Deste modo, nós mantemos alcadienos, alcatrienos, alcadiinos, etc.
Passo 4:
Completando a numeração:
(a) Numere os átomos de carbono consecutivamente do fim da cadeia até o início da cadeia que possui o grupo funcional de mais alta prioridade.
O
1
2
3
4
5
6
4,5-dimetilhexan-3-ona
(b) Se o mesmo número de grupos funcionais de alta prioridade está presente nas duas direções, o nome correto IUPAC é aquele que contém o número de substituinte mais baixo.
1
2
3
4
5
6
2,4-dimetilhex-3-eno
O primeiro substituinte tem número 2. Se nós numerássemos a cadeia do outro lado, o primeiro substituinte teria número 3.
(c) Se o primeiro substituinte estiver a uma distância na mesma extremidade de cada cadeia, numere a partir do segundo substituinte mais próximo.
(E)-2,3,5-trimetilhex-3-eno 1 2 3 4 5 6
(d) Se a numeração dos dois lados der a mesma localização, numere a partir do substituinte que vier primeiro em ordem alfabética.
Cl
1
2
3
4
5
6
2-cloro-5-metilhex-3-eno
(e) Em cicloalcanos monosubstituídos e derivados do bezeno, o carbono o qual o substituinte é ligado será sempre o número 1. Se houver somente um substituinte a localidade 1 é omitida. Entretanto, ela é necessária em composto polisubstituídos.
OH
ciclopentanol
CH3 Cl 1-cloro-2-metilciclohexano NO2 Br I 2-bromo-4-iodo-1-nitrobenzeno (f) Em compostos cíclicos polisubstituídos, o ponto de início e a direção da numeração são escolhido de acordo com a localização mais baixa, considerando sucessivamente a ordem listada abaixo até a decisão ser alcançada.(i) O grupo funcional principal nomeado como sufixo é sempre colocado nas mais baixas numerações. Quando a numeração é predeterminada pela natureza do hidrocarboneto principal, como em compostos policíclicos e heterociclicos, as mais baixas numerações ainda estão na regra.
1 2 3 4 6 5 NO2 OH IUPAC: 3-nitrobenzen-1-ol Aceito: 3-nitrofenol N 1 2 3 4 5 6 3-metilazabenzeno 3-metilpiridina
OH Br 1 2 3 4 5 6 7 8 7-bromonaftaleno-2-ol 7-bromo-2-naftol
Observação: Quando um heteroátomo está presente no anel, a numeração “1” é atribuída ao heteroátomo. Se dois ou mais tipos de heteroatomo estão presentes no mesmo anel, a numeração começa do heteroátomo citado primeiramente na seguinte ordem: O, S, Se, N, P, As, Sb, Si, Ge, Sn, Pb, B e Hg. Outros heteroátomos darão numeração baixa.
O IUPAC: oxole Aceito: furano 1 2 3 4 5 O S
1,2-oxatiolano
1
2
3
4
5
N N N 1,3,5-triazino 1 2 3 4 5 6(ii) Numeração baixa para compostos cíclicos de múltiplas ligações.
Cl CH3 5-cloro-3-metilciclohexano 1 2 3 4 5 6 OH CH3 6-metilciclohex-3-en-1-ol 1 2 3 4 5 6
Observação: Nomeando um cicloalqueno, a dupla está localizada entre C1 e C2, e o “1” é frequentemente omitido no nome. O anel é numerado no sentido horário ou no sentido anti horário para dar ao substituinte a numeração mais baixa. Entretanto, quando um grupo funcional de alta importância está presente, o carbono ligado ao grupo se torna C1 e então as ligações múltiplas estarão entre as possibilidades mais baixa.
(iii) As mais baixas numerações para um primeiro substituinte (ou primeiro ponto de diferença). Cl OH CH3 4-cloro-2-metilciclohean-1-ol 1 2 3 4 5 6 Cl CH2CH2CH3 CH3
4-cloro-2-metil-1-(propan-1-il)ciclohexano
1
2
3
4
5
6
(iv) Se os mesmos números resultarão nas duas direções, dar-se-á a numeração mais baixa ao substituinte citado primeiro.
CH3 CH2CH3 1 2 3 4 2-etil-3-metilnaftaleno Br O Cl 1 2 3 4 5 6 3-bromo-5-clorociclohexanona Passo 5
Numera-se o grupo alquila, haletos, e outros substituinte e determina-se suas posições na cadeia pela numeração estabelecida no passo 4.
Passo 6
Atribuí-se a estereoquímica para os átomos de carbono quiral (estereocentro) e as duplas ligações da seguinte maneira:
(a) Alquenos disubstituídos devem ser numerados de duas formas: (i) usando os termos cis- e trans- ou (ii) usando termos (E) ou (Z). Observação: o uso de (E-Z) é preferido. Entretanto, os termos cis-trans ainda são aceitos.
(E)-pent-2-eno ou
trans-pent-2-eno
(Z)-hex-3-eno ou
cis-hex-3-eno
(b) Alquenos tri- e tetra- substituídos devem somente ser nomeados usando o sistema (E-Z). 1 2 3 4 5 6 (E)-2,3,5-trimetilhex-3-eno
(c) Cicloalcanos disubstituídos devem ser numerados usando os termos cis-trans ou (R-S).
CH3 Cl
cis-1-cloro-4-metilciclohexano
sistema (R-S) não é aplicado aqui
CH3 H H OH
trans-3-metilciclopentanol
(1R, 3R)-3-metilciclopentanol
(d) Átomos de carbono quiral são atribuídos a designação (R) ou (S).
OH H (S)-5-metilhexan-3-ol COO -H NH3+ OH H (2S, 3R) ácido 2-amino-3-hidroxibutanóico trivial: tionina
(e) Quando ambos estéreo descritores (R-S) e (E-Z) estão presente, eles são colocados em parênteses seguido pelo hífen; cada estéreo descritor é imediatamente precedido pela mais baixa numeração e eles são arranjados em ordem numérica.
OH H (3S, 4E)-6-metilhept-4-en-3-ol CH3 Cl (2Z, 4E, 6R)-6-cloro-6-metilocta-2,4-dieno N OH NH2 NH2 CH3 NH2 OH O OCH3 O O IUPAC: azabenzeno Trivial: piridina IUPAC: 1,2-dihidrobenzeno Trivial: benzina IUPAC: benzenol Trivial: fenol IUPAC: fenilazano, benzenamina Trivial: anilina IUPAC: Trivial: o-toluidina 2-metilfenilazano, 2-metilbenzenoamina IUPAC: naftalen-2-ilazano, naftalen-2-amina Trivial: 2-naftilamina
IUPAC: ácido benzenocarboxílico Trivial: ácido benzóico
IUPAC: metil benzenocarboxilato Trivial: metil benzoato
IUPAC:1-fenilpropan-1-ona Trivial: propiofenona
Figura 1: Alguns exemplos de nomenclatura da IUPAC de compostos conhecidos
Passo 7
Compostos com dupla e tripla ligação têm os seguintes sufixos: adieno, adiino, -atrieno, -atetraeno, etc. Especifique a localização de cada ligação múltipla colocada entre –a e –dieno, -diino, -trieno, etc.
(E)-2-etilhexa-1,4-dieno ou (E)-2-etil-1,4-hexadieno
Passo 8
Compostos com ambas, dupla e tripla ligação, são chamados de eninos. Comece a numeração dos compostos com ambas, dupla e tripla ligação no começo da primeira ligação múltipla. Quando a dupla ligação está na mesma distância que a ligação tripla, atribua à ligação dupla a numeração mais baixa.
2 3 4 5 6 7 1 (E)-hept-5-en-1-ino (E)-oct-2-en-6-ino 1 2 3 4 5 6 7 8 Passo 9
Escreva o nome completo dos compostos como uma palavra única, com a localização correta para todos os substituintes que estão listados em ordem alfabética. A estereoquímica é indicada colocando o prefixo apropriado entre parênteses seguido pelo hífen em frente ao nome. O 1 2 3 4 5 6 (E)-3,5-dimetilhex-3-en-2-ona
Os prefixos di-, -tri, -tetra-, etc. não alteram a ordem alfabética dos substituintes.
O
4-etil-2,5-dimetilhexanal
(a) Os números indicando a localização dos substituintes estão separados por vírgula. (b) As letras e os números estão juntos por hífens.
Passo 10
Quando há um substituinte complexo começamos a numeração pelo hidrocarboneto principal e nós damos a este substituinte o sufixo Il e colocamos seu nome em parênteses quando o nome completo do composto é dado.
SH Br
2-(bromometil)benzenotiol
HO OH OH 1 2 3 1 2 3 4 3-(4-hidroxiciclohexil)propano-1,2-diolObservação: Há muitos nomes tradicionais aceitos pela IUPAC e mantidos por causa do seu amplo uso em orgânica, bioquímica, e polímeros. Alguns exemplos são: tolueno, estireno, fenol, anilina, acetona, acetileno, ácido acético, ácido benzóico, e ácido ftálico (Figura 1).
Outros nomes são mantidos referindo-se a somente composto insubstituíveis. Compostos derivados dos mesmos por substituição devem ser nomeados sistematicamente. Por exemplo, os nomes ácido butanóico (sistemático) e ácido butírico (mantido) são aprovados pela IUPAC para os ácidos insubstituíveis. Entretanto, BrCH2CH2CH2COOH devem ser nomeados
sistematicamente como ácido 4-bromobutanóico. Entre outros exemplos de nomes mantidos para compostos insubstituíveis estão incluso, ácido lácteo, toluidina, anisol, glicerol, ácido propiônico, isopreno, cumeno, pinacol, e outros mais.
4 – Resultados
O tutorial foi entregue para cinco alunos matriculados na disciplina de estrutura e propriedades de compostos orgânicos (QFL 2340), os mesmos avaliaram o trabalho da seguinte forma.
Aluno 1
“O tutorial está bem organizado e didático. Porém ainda existem algumas dúvidas em relação à nomemclatura, geralmente quando tratam-se de casos especiais. Como o caso em que se tem um ciclo ligado à uma cadeia carbônica simples e a nomemclatura depende do número de carbonos. De forma geral, o tutorial abrange os conceitos elementares de nomemclatura de maneira instrutiva”.
Aluno 2
“Eu gostei do tutorial, achei bem auto-explicativo e didático.”
Aluno 3
“Está bem demonstrado e possui bons exemplos, inclusive a tabela de prioridade que é bem útil”.
Aluno 4
“Muito bem explicado, com ótimas figuras. Achei muito bom o fato da cadeia principal estar destacada, facilita bastante a compreensão.”
Aluno 5
“Adorei, muito bem explicado, a grande quantidade de exemplos foi muito útil e ajuda na compreensão de casos mais complicados.”
i
Chang, R. Química, 2nd ed.; McGraw Hill: México City, 1997.
ii
Cram, D.; Hammond, G. S. Organic Chemistry; McGraw Hill: New York, 1980.
iii