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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE DIREITO CAIO VICTOR PAIXÃO DOS SANTOS

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE DIREITO

CAIO VICTOR PAIXÃO DOS SANTOS

O CONCEITO DE MODERNIDADE NO DISCURSO LEGISLATIVO REFORMADOR:

UMA ANÁLISE DA REFORMA TRABALHISTA NO BRASIL

BRASÍLIA 2018

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CAIO VICTOR PAIXÃO DOS SANTOS

O CONCEITO DE MODERNIDADE NO DISCURSO LEGISLATIVO REFORMADOR:

UMA ANÁLISE DA REFORMA TRABALHISTA NO BRASIL

Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília

Orientador: Prof. Dr. Guilherme Scotti

BRASÍLIA 2018

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CAIO VICTOR PAIXÃO DOS SANTOS

O conceito de modernidade no discurso legislativo reformador: uma análise da Reforma Trabalhista no Brasil.

Monografia apresentada como requisito obrigatório para obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília – UnB

Data da defesa: 03/12/2018 Resultado:

COMISSÃO AVALIADORA

_______________________________

Prof. Dr. Guilherme Scotti (Orientador – Presidente)

_____________________________

Prof. Dr. Menelick de Carvalho Netto (Membro)

_______________________________

Profª. Drª. Noemia Porto (Membro)

_______________________________

Profª. Drª. Gabriela Delgado (Suplente)

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Ao Dr. Claudecy Pereira dos Santos, e à Dra.

Rosileide Paixão dos Santos, meus amados pais e primeiros professores, cujo brilhante magistério familiar me permitiu ter uma vida digna. Mesmo errando, agradeço por terem me dado as asas que eu precisava para voar.

Aos meus irmãos, Frederico Guilherme e Letícia Evelyn, companheiros desta jornada que é a vida, por me emprestarem seus ouvidos – mesmo contra a vontade – madrugada adentro.

À Laura Rodrigues, por ter compartilhado comigo parte de seu tempo e de sua esperteza.

Ao amigo Elias Lopez, o maior galego da Galícia.

Que sempre está comigo, mesmo do outro lado do Atlântico.

À gentil Ludimila Mamedes, à sempre empolgada Luma Teixeira e à carinhosa Nailah Veleci, cujas sinceras amizades tornam minha vida feliz.

À querida Rose,

e à Elda Barbosa, por terem me ajudado a encontrar todas as peças do quebra-cabeça de minha mente, quando eu achava que as tinha perdido. Obrigado.

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho poderia se tornar demasiadamente penoso, e mesmo desinteressante, se não fosse a atenção e o carinho dispensado a mim pelo meu orientador e companheiro intelectual Guilherme Scotti. Agradeço aos professores Menelick de Carvalho Netto e Noêmia Porto, por aceitarem prontamente o convite para compor a minha banca. Agradeço, outrossim, a professora Érica Fernandes e ao professor Paulo Blair pelas críticas e sugestões que me permitiram pensar e desenvolver este trabalho.

Aos meus mestres, com carinho.

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“O trabalho dignifica o homem, e o homem o seu trabalho”.

(Francis Cirino)

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RESUMO

A vigência da Lei 13.467, de 2017 (a dita Reforma Trabalhista no Brasil) alterou mais de cem dispositivos do principal diploma regulador das relações de trabalho no Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), alterando, por conseguinte, a própria dinâmica de mercado estabelecida há décadas no país. A referida reforma legislativa, contudo, também foi capaz de suscitar profundos impactos na vida da classe trabalhadora, uma vez que se alterou amplamente a dinâmica contratual e se flexibilizou – como nunca antes visto – os objetos possíveis de livre negociação entre patrão e empregado.

A flexibilização promulgada sob a alcunha da modernização, acabou por tangenciar o núcleo duro dos direitos sociais e individuais do trabalhador, os quais são garantidos e protegidos não apenas pelo conjunto do ordenamento jurídico brasileiro, mas também por normativas internacionais pertinentes que a ele, também, se integram. Assim, o presente trabalho busca investigar o sentido conceitual de modernidade e de moderno dos quais se valeu o discurso legislativo reformador que motivou e justificou as específicas alterações das normas justrabalhistas no país; bem como analisar se tais mudanças apresentam-se, de fato, como uma perspectiva de modernidade possível, adequada e desejada ao Direito do Trabalho na contemporaneidade.

Palavras-chave: Trabalho. Direito do Trabalho. Reforma. Flexibilização.

Modernidade. Moderno. Habermas. Discurso. Interpretação. Conceito interpretativo. Dworkin.

Pós-positivismo. Neoconstitucionalismo. Princípios. Dignidade Humana. Direitos fundamentais. Direitos sociais trabalhistas.

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ABSTRACT

The validity of Law 13.467 of 2017 (the so-called Labor Reform in Brazil) changed more than one hundred provisions of the main labor regulations regulator in Brazil, the Consolidation of Labor Laws (CLT), thus altering the dynamics established in the country for decades. The aforementioned legislative reform, however, was also capable of provoking profound impacts on the life of the working class, since the contractual dynamics changed considerably and, as never before, the possible objects of free negotiation between employer and employee became more flexible.

The flexibilization promulgated under the nickname of modernization, ended up touching the hard core of social and individual rights of the worker, which are guaranteed and protected not only by the Brazilian legal system as a whole but also by pertinent international norms that, integrate with it. Thus, the present work seeks to investigate the conceptual sense of modernity and of modernity that was used the reformist legislative discourse that motivated and justified the specific changes of the norms justrabalhistas in the country; as well as to analyze whether such changes are, in fact, as a possible, adequate and desired modernity perspective to contemporary Labor Law.

Key words: Labor. Labor Law. Reform. Flexibilization. Modernity. Modern.

Habermas. Speech. Interpretation. Interpretative concept. Dworkin. Post-positivism. Neo- constitutionalism. Principles. Human dignity. Fundamental rights. Labor social rights.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...10

2 O ADVENTO DA MODERNIDADE ... 11

2.1. Antecedentes históricos ... 11

2.2. A Modernidade como um conceito interpretativo. ... 14

2.3. Superação do sistema de regras na atual modernidade ... 23

3 A MODERNIDADE NO DIREITO DO TRABALHO ... 29

3.1. Contexto Histórico. OIT e Declaração de Filadélfia. ... 29

3.2. As fontes do ordenamento jurídico-trabalhista e o sistema principiológico atual. ... 35

3.3 O Princípio da Dignidade Humana como norte de toda produção jurídico-legislativa trabalhista ... 45

4 A MODERNIDADE NO DISCURSO LEGISLATIVO REFORMADOR ... 51

4.1 Discursos de “modernidade” ... 51

4.2. Reforma Trabalhista: análise das principais alterações com flagrante afronta a Dignidade Humana moderna ... 55

4.2.1. Proteção da Maternidade ... 56

4.2.2. Flexibilidade de condições da insalubridade ... 59

4.2.3. Terceirização ... 60

4.2.4. Teletrabalho ... 64

4.2.5. Flexibilização da jornada de trabalho e das verbas salariais ... 67

5 A REFORMA TRABALHISTA E AS NORMAS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS ... 69

6 CONCLUSÃO ... 70

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 72

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1 INTRODUÇÃO

Quanto tempo tem a modernidade? Habermas constantemente enfatiza em seus trabalhos que está é uma questão discutível, mesmo sem solução. Não há um consenso sobre seu início ou sua extensão. Não há acordo sequer sobre quais eventos devem necessariamente ser datados ou tomados como marco temporal para caracterizar a “era moderna”, em consequência disto, mais impreciso ainda se torna descrever “aquilo que é moderno”, quais instrumentos e procedimentos são capazes de definir o status moderno.

As diversas inovações científicas, estéticas e religiosas que se desenrolaram ao longo dos séculos XIV-XVIII, no contexto do Renascimento Cultural europeu, romperam com a tradição dos valores medievais para inaugurar uma nova cultura, aonde a humanidade tomou para si o controle dos desígnios até então manipulados exclusivamente pelo divino, e se tornou o motivo pelo qual – e para o qual – toda a empresa [capitalista] e burocracia do Estado deveriam servir. E o espírito irrequieto desta nova cultura – espectro tanto criador quanto destruidor – desde então passou a percorrer a quase totalidade do globo terrestre e a incorporar cada vez mais o agir e o intelecto dos indivíduos das sociedades que operavam o progresso modernizador.

As manifestações que descrevem o início, ou melhor, o estabelecimento, das sociedades modernas, apesar de serem, como já observado, diversas e imprecisas em suas estruturas, têm seus conteúdos bastante determinados, unificados sob um mesmo objetivo amplo a ser alcançado. Muito embora o SER moderno seja de difícil precisão – sobretudo quando estamos diante de decisões que precisam ser tomadas dentro dos sistemas político e administrativo – quanto aos meios e procedimentos mais aptos a transformar a sociedade, a impulsioná-la à modernidade; o DEVER-SER moderno resta claro, em seu papel de direcionar a sociedade sempre para o futuro, implicando, lógica e necessariamente, em um constante aperfeiçoamento de seus próprios conteúdo e estrutura.

Este DEVER-SER de futuro é bastante perceptível nos discursos legislativos, especialmente nos discursos de cunho reformador, a exemplo dos que justificaram a aprovação da Lei 13.467, de 2017, a dita “Reforma Trabalhista” no Brasil. A todo o momento, o que se viu, leu e ouviu nos variados espaços onde o tema foi apreciado, foi o desejo de encaminhar a sociedade para uma nova era, um outro nível de desenvolvimento e relações sociais mais

“avançados”. Fórmulas e instrumentos foram propostos sob a afirmação de serem eficazes em

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levar a sociedade a um estágio superior, a um “futuro moderno”. “Precisamos modernizar a legislação”, diziam uns. “Vamos modernizar o trabalho”, diziam outros.

O discurso oficial do Governo – quando da sanção do referido diploma legislativo – 1 foi, inclusive, divulgado como “Discurso do Presidente da República, Michel Temer, durante a cerimônia de sanção da Lei de Modernização Trabalhista”.

Nessa senda, mostra-se relevante analisar as origens histórica e conceitual-filosófica da própria modernidade, bem como a utilização do termo e seus derivados em alguns dos referidos discursos legislativos, a fim de saber se os motivos pelos quais se deu a propositura da referida Reforma, expressados nos diversos discursos parlamentares e nas justificativas oficiais do Projeto de Lei proposto e aprovado no Congresso Nacional, adequam-se ao atualmente moderno e possível conceituário interpretativo de modernidade. Diante disso e contudo, surge a necessidade de também se analisar o texto do referido diploma legal – tal como será feito especificamente no capítulo III deste trabalho – a fim de investigar, por meio de análise comparativa, se as específicas alterações levadas a cabo na vigência da referida lei também estão em consonância com o ideário amplo e cumulativo de modernidade que será aqui defendido.

Assim, o objetivo deste trabalho será investigar se a nova perspectiva de aplicação e interpretação das relações de trabalho promovida pela vigência da lei da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) – que alterou amplamente a dinâmica e as possibilidades dos termos contratados entre patrão e empregado, bem como das condições de proteção e direitos do trabalhador – mostra-se, de fato, como uma perspectiva de modernidade possível, adequada e desejada na contemporaneidade.

2 O ADVENTO DA MODERNIDADE

2.1. Antecedentes históricos

O movimento da Renascença fez a Europa experimentar diversas transformações evidenciadas na cultura, nas ciências, na economia, na política e na religião. Entre os séculos

1 Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-planalto/discursos/discursos-do-presidente-da- republica/discurso-do-presidente-da-republica-michel-temer-durante-cerimonia-de-sancao-da-lei-de-

modernizacao-trabalhista-palacio-do-planalto>. Acesso em 17 set. 2018.

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XIV-XVIII, as sociedades europeias viram surgir uma série de mudanças que caracterizou a progressiva transição do feudalismo para o capitalismo e, desse modo, a transição da rígida estrutura medieval, para um novo período de efervescência artística e intelectual, que acabou por abalar a antiga homogeneidade tradicionalmente imposta e, assim, abrandar o forte dogmatismo religioso que predominava sobre a cultura e a sociedade ocidentais.2

Tal movimento manifestou-se primeiramente em regiões da Itália3 e Países-Baixos, famosos por seus portos marítimos ao longo do Mar Mediterrâneo e Mar do Norte, respectivamente, por onde diversos produtos faziam suas rotas e cujas dinâmicas comerciais faziam circular cada vez mais mercadorias, serviços, pessoas e saberes para praticamente todos os países do continente. As cidades passaram a se desenvolver sob um aspecto funcional e integrativo, tornando os centros urbanos, rapidamente, no palco principal dos mais importantes eventos sociais, incrementando assim a vida urbana que cresci e se desenvolvia com o comércio e com as – cada vez mais sofisticadas – relações internacionais.4

No campo das artes, pintores e escultores experimentavam em suas obras novas perspectivas de cores, luminosidade e proporcionalidades geométricas que representavam verdadeiros e detalhados estudos sobre o espaço, a natureza, a vida e a anatomia humanas. Em âmbito religioso, os movimentos protestantes incendiaram os corações tanto de fiéis quanto de monarcas, que ansiavam por meios de afastar a autoridade universal da Igreja Católica que insistia em impor sua ingerência sobre assuntos que não apenas os de ordem divina; cujas guerras confessionais fizeram operar, no campo do pensamento político e filosófico, reflexões profundas em relação à teologia tradicional e às estruturas e funcionamento dos Estados

2RODRIGUES, Antônio e FLACON, Francisco. Tempos Modernos: Ensaios de História Cultural. p. 245-249.

HABERMAS. Jurgen. Discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 9.

3 Jacob Burckhardt exalta nas cidades italianas à época do quattrocento e início do cinquecento o incrível

“dinamismo econômico e riqueza, sofisticada culturas e regimes republicanos, altamente complexos”, destacando inclusive que Veneza “foi a primeira a presentar por completo uma porção significativa do moderno aparelho estatal”. Cf. BURCKHARDT, Jacob. A cultura do Renascimento na Itália. São Paulo: Cia. das Letras, 1991.

4 Sobre isso, relevante a análise feita por Felipe de Andrade Abreu e Lima, na qual se evidenciou, em algumas concepções teóricas de cidade, por intermédio de diversas cartas e tratados de arquitetura de autores à época do Renascimento, transformações e intervenções nas cidades medievais, que passaram a conformar-se às novas técnicas e conhecimentos geográficos de um novo fenômeno urbano e cultural que introduziu nelas “fatores especificamente moderno” do ponto de vista funcional, tais como “estradas, aquedutos, espaços públicos, portos, edifícios públicos, monumentos, política e comércio”.Cf. LIMA, Fellipe de Andrade Abreu e. A Ideia de cidade no renascimento. 2012. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. doi:10.11606/T.16.2012.tde-19022013- 151933. Acesso em: 20 set. 2018.

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absolutistas, que passariam então a concentrar seu próprio poder e administração, em oposição ao establishment anterior, no qual o poder de governar estava altamente distribuído.5

Deste caldeirão de eventos, movimentos e manifestações, dois se destacam no tempo como os principais guias desta “grande revolução” que transformou e continua a transformar o mundo inteiro, o que o historiador Eric Hobsbawn se referiu conjuntamente como sendo uma

“dupla revolução”: A Revolução Francesa de 1789, eminentemente política, e a Revolução Industrial (de origem inglesa).6 A partir delas, vários países, inclusive os de além-mar, sentiram as consequências responsáveis por moldar o que o mundo veio a ser hoje e para onde ele, em certa medida, ainda se dirige, uma vez que o movimento deste caldeirão revolucionário repercutiu não apenas no surgimento de uma nova organização de Estado, uma nova economia ou no aparecimento de uma nova classe de empresários privados (a “burguesia liberal”) dedicados a lucrar internacionalmente.7 A principal consequência foi, antes, o surgimento de uma nova visão de mundo, um novo ideal de pensamento que passaria a determinar a “essência”

dos amplos projetos de desenvolvimento empenhados pelas sociedades a partir de então.

Deste modo, nota-se que esta tal essência revolucionária foi responsável por mudanças radicais na organização do conhecimento, o que, com o passar do tempo e somando à crescente participação das pessoas (tornadas cidadãos) com os problemas da vida pública, lançou as bases do desenvolvimento de concepções políticas e jurídicas responsáveis pela construção e estabelecimento das democracias contemporâneas. Percebe-se, assim, que as consequências desta nova visão de mundo operou uma revolução não apenas das estruturas físicas das instituições sociais estabelecidas na era medieval, as quais restaram então, superadas nesta nova era; mas também operou uma genuína revolução no modo de viver das pessoas, suas expectativas no agir cotidiano; revolução no modo de agir dos governantes, seus desejos e suas realizações; revolução no parâmetro de conquista e de progresso.

Projetos e planejamentos de futuro passaram a ser uma constante na visão de mundo que agora exige não mais a manutenção de uma ordem superior dada e imutável, mas sim a construção de algo sempre melhor, mais avançado, nem que para isso se tenha que destruir a realidade posta, para que se possa moldar uma melhor. O avançar e o progredir da humanidade passou a ser alvo universalmente almejado num futuro glorioso. A crença de que o ser humano,

5 FLORENZANO, Modesto. Sobre As Origens e o Desenvolvimento do Estado Moderno no Ocidente. Lua Nova, São Paulo, 71: 11-39, 2007, p. 17-18. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ln/n71/01.pdf>. Acesso em: 20 set. 2018.

6 HOBSBAWM, E. J. A era das revoluções. 35ª.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015, p. 15.

7 Ibidem, p. 15.

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através da razão, poderia ser o dono de seu próprio destino, poderia vencer as barreiras da natureza para moldar o mundo à sua imagem e semelhança; forjar novas relações sociais;

destruir aquilo que não mais lhe servisse, e reformar ou construir o que de fato precisasse ou desejasse; inaugurou uma nova era de desenvolvimento intelectual e científico sem precedentes na Europa, que culminou sobretudo numa revolução de costume e estilo de vida, e de organização social cuja influência, com o passar dos séculos, iria romper barreiras geográficas para se tornar mundial. A confusão e confluência de todos esses movimentos, espaçados, mas interligados, fez surgir, assim, a modernidade.8

2.2. A Modernidade como um conceito interpretativo.

O conceito de modernidade coincide e cruza-se, frequentemente, com discursos de estética, arte ou literatura, desse modo, com uma cronologia quase sempre bem datada nos livros de história; com nomes de artistas bem definidos; e lugares precisamente localizados, aptos a representar um período que parece, assim, ter um claro início, um meio e um fim. A descrição deste período – qual seja: o “período”, a “idade” ou a “era moderna”, ou mesmo, como preferimos tratar neste trabalho, a “modernidade” – frequentemente é vinculada a poucos eventos que não conseguem, de maneira suficiente, demonstrar sua total essência e extensão.

Nessa senda, não há acordos bem definidos na historiografia tampouco na academia sobre quais eventos devem necessariamente ser datados ou tomados como marco para descrever a modernidade.

Os impactos da efervescência cultural e intelectual ocorrida no continente europeu – conforme descrevemos acima –, esta, responsável pela superação dos ideais do medievo, encadearam-se, nos séculos posteriores ao Renascimento, numa série de acontecimentos mais ou menos homogêneos e compassados pelos quais foram se manifestando a modernidade9 e que culminou no desenvolvimento de novas formas e campos de conhecimento, à exemplo da ótica e da astronomia nos estudos de Copérnico e Galileu; em grandes revoluções políticas, tal como a Revoluções Francesa (1789) e em grandes progressos científico-tecnológicos que permitiram

8 GIDDENS, A. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 1991, p. 8. Os historiadores Franscisco Falcon e Antônio Rodrigues também descreveram esta confusão: questões econômicas, políticas, sociais e outras mais que confluíram para surgimento do mundo moderno, cf. FALCON, Francisco e RODRIGUES, Antonio Edmilson. A formação do mundo moderno. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.

9 FALCON, F. e RODRIGUES, Antônio. Tempos Modernos: ensaios de história cultural. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2001.

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o rápido incremento do poder produtivo das sociedades humanas por meio de homens, mercadorias e serviços, tal como possibilitado pela Revoluções Industriais inglesa (1780).10

A observação destes acontecimentos, contudo, é capaz de descrever tão somente alguns movimentos da modernidade. Mas a modernidade em si, aquilo que é moderno, resta ainda difícil precisar. Diante disso, a única coisa que se pode concluir é que a modernidade e aquilo que é moderno, ainda que difíceis de conceituar em suas formas, são mais claramente definíveis em suas substâncias. Conceituar a modernidade para além de seus eventos cronológicos, portando deveras limitados, parece-nos útil a fim de analisar qual o sentido de modernidade que está sendo utilizado para justificar – e mesmo orientar – as recentes propostas de reformas legislativas levadas a cabo no Brasil, em especial aquela que ficou conhecida como “Reforma Trabalhista”, e se este sentido se mostra adequado a alcançar os legítimos anseios de progresso e desenvolvimento que as complexas sociedades contemporâneas desejam e necessitam. Neste sentido, os estudos que o filósofo alemão Jürgen Habermas desenvolveu em sua tentativa de reconstruir passo a passo o discurso filosófico da modernidade muito servem ao propósito.

Observar a modernidade e seus efeitos apenas pela ótica evolucionista, isto é, de um padrão de desenvolvimento linear de ganhos e melhorias estruturais efetuados em dada sociedade, mostra-se como uma análise demasiadamente simplista, pois tenta resumir os processos modernizantes meramente a métodos objetivos de racionalização, aplicáveis por sua vez, e na maior parte dos casos, à específicos contextos de investimento econômico e aumento de força produtiva. Ora, é demasiadamente simplista pensar que a superação das formas e estilos de vida tradicionais foi possibilitada pura e simplesmente pela construção de edifícios mais altos, pontes ousadamente mais longas ou máquinas gigantes. Ou, mesmo pela mera (e agora potencializada) possibilidade de lucrar no sistema capitalista, esta é a noção de modernidade concebida por Weber, isto é, o mundo racionalizado da economia capitalista.11

Ora, para que tudo isso fosse materialmente possível, foi necessário, antes, uma profunda reflexão sobre a realidade vigente, suas bases abstratas de apoio; reflexão sobre as coisas que socialmente se precisava e individualmente se queria.

Ainda que os materiais produzidos pelo homem possam informar, por si só, muito sobre sua própria identidade – na senda da compreensão de que o homem constitui sua identidade no

10 HOBSBAWM, E. J. A era das revoluções. 35ª.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015, p. 59.

11 WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Trad. José M. M. de Macedo. 13ª impressão. São Paulo: 2013. WEBER apud HABERMAS, 2002, p. 4.

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trabalho, ou seja, ele é o que ele produz e como ele produz12 – importa-nos muito mais entender e identificar os motivos que o leva a produzir e, desse modo, saber não apenas o que ele deseja produzir, mas antes o porquê o quer produzir e com que objetivo. A modernidade dotou o homem com um agir visando sempre o futuro, um estágio sempre mais avançado daquele que atualmente se encontra. Noutra sorte, a modernidade dotou o homem também da consciência de que tal estágio elevado não se pode alcançar da noite para o dia, sendo o resultado de um conjunto de mudanças e processos cumulativos. Assim, o conceito de modernidade mais teria a ver com essa consciência de constante transformação, a qual impõe – e pressupõe – por parte da humanidade, uma constante reflexividade; ao que Habermas associou o surgimento de uma consciência temporal, que confronta o moderno ao passado, mas que se projeta a um só tempo para um futuro amplo e aberto (Habermas, 1992).13 Desse modo, Habermas concebe a modernidade como um projeto de constante aprendizagem e que, por isso, não se pode encerrar.

Percebe-se que a consciência temporal habermasiana passa necessariamente pela compreensão de que os processos que levaram a modernização, pelo menos nos últimos 500 anos, não se deram de maneira pontualmente aplicada ou planejada, tampouco por um sujeito ou cultura específica; mas sim na correria de um agir comunicativo desconcentrado e diversificado, tal como se observou na formação dos capitais e mobilização de recursos; no desenvolvimento das forças produtivas e aumento da produtividade no trabalho; no estabelecimento dos Estados e das identidades nacionais; na expansão dos direitos de participação política, nas formas urbanas de vida e formação escolar formal; na secularização de valores e normas etc. Nessa senda, Habermas nos informa que o conceito de modernização se refere a um conjunto de processos cumulativos e de reforço mútuo, o que faz com que o filósofo conceba a modernidade no sentido de uma abstração plena de consequências, onde se nos revela um ininterrupto processo de desenvolvimento social em geral.14

Neste ponto, importante a distinção feita por Habermas entre processos de modernização e modernidade cultural. Para ele os referidos processos referem-se às experiências que são comuns a todos os atores da vida cotidiana, incluindo-se a língua, costumes e tradição partilhada por todos no “mundo vivido”; ao passo que a modernidade cultural refere-se a estrutura (ou sistema) responsável pela reprodução material e institucional

12 Permitimo-nos aqui interpretar livremente as Teses sobre Feuerbach, escritas por Karl Marx em 1845.

Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ma000081.pd>. Acesso em: 27 nov. 2018.

13 HABERMAS, J. Modernidade – um projeto inacabado. In: ARANTES, O., ARANTES, P. Um ponto cego no projeto moderno de Jürgen Habermas. São Paulo: Brasiliense. 1992.

14 HABERMAS. J. Discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 5.

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da sociedade15. Nessa perspectiva de diferenciação, podemos imaginar nas sociedades contemporâneas um sistema representado pelo Estado (ou pela economia), que muitas vezes não consegue acompanhar as experiências do mundo vivido, estas a cada dia mais complexas e diversificadas (pelos referidos “processos cumulativos e de reforço mútuo”). Pois bem, tendo- se em mente a clássica definição de modernidade relativa à historiografia, a modernidade nos surge meramente como premissas preenchidas por certos eventos localizados no tempo e no espaço, capazes de caracterizar o atingimento de uma previsível modernidade cultural. Quanto a isso, Habermas, comentando o filósofo e sociólogo alemão Arnold Gehlen, apresenta-nos a imagem de uma modernidade que estaria saturada, visto já ter preenchido as referidas premissas e realizado os elementos essenciais para o atingimento do status da modernidade estabelecida.

Atingida estaria uma modernidade “em estado de cristalização”.16

Contudo, Habermas nos oferece uma outra perspectiva, a quebrar a referida representação de uma modernidade cristalizada, justamente através dos processos de modernização, os quais são capazes de realizar ininterruptamente a modernização social, evitando assim que a própria modernidade se torne obsoleta. Desse modo, libertando-a de um conceito rígido, limitado e fadado ao auto-esgotamento: “A irresistível velocidade dos processos sociais aparece, então, como o reverso de uma cultura saturada, em estado de cristalização”.17 Nessa senda, nota-se o advento da modernidade possibilitado por variados processos de aprendizado, de problemas teóricos mas também de cunho prático e moral, que serviram para constituir as bases modernas da sociedade e que manifestou-se claramente pelo desenvolvimento das ciências empíricas, das artes tornadas autônomas e das teorias morais e concepções jurídicas fundamentadas em princípios, estas, marcantes na atualidade.

Os processos de modernização, embora diversificados, encadearam-se ao longo dos séculos por uma tal essência, por um “espírito” de visão de mundo – tomando-se emprestado a expressão empregada pelo sociólogo Max Weber em sua investigação da ética protestante18. Este espírito tornou-se universal, e em sua universalidade estilizou-se na busca de um padrão abstrato de consequências. Tal espírito tornou-se também atemporal, e em sua atemporalidade se fez sempre atual na busca por alcançar novos padrões abstratos de consequências, os quais surgiam naturalmente no decorrer do tempo e nas diferentes sociedades.

15 Ibidem.

16 Ibidem, p. 5-6.

17 Ibidem, p. 6.

18 WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Trad. José M. M. de Macedo. 13ª impressão. São Paulo: 2013.

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Desse modo, tem-se a universalidade e a atemporalidade como as características mais marcantes dos processos modernizadores, por meio das quais a modernidade se fez constante, pois assim seria capaz de adaptar-se aos anseios de futuro e às pretensões de progresso de novos tempos; e desse modo chegou aos dias atuais.

A modernidade se fez – e ainda hoje se faz - constante por sempre se renovar a si própria e, mais que isso, pela sua necessária capacidade de adequação. Em cada sociedade ela se manifestou no “agir para o progresso” vinculado então às específicas necessidades e demandas das culturas nas quais estava inserida; e, por conseguinte, deu-se por caminhos e planos distintos nos diferentes países em que atuou, adaptando-se às distintas necessidades e ao compasso próprio de variados tempos. Não obstante a isso, o referido encadeamento destes vários processos de modernização nos permite perceber que, ainda que tais processos tenham-se procedido de maneira heterogênea ao longo do tempo e do espaço, os mesmos revelaram uma essência (ou espírito) modernizante, de certa maneira, bem homogênea.

Ora, todo o agir material e esforço intelectual empenhados na realização moderna originou-se, tomou forma, obteve fôlego e assim moveu-se pelo mesmo animus. Esta essência moderna, que se compartilhou reciprocamente entre as sociedades europeias, num primeiro momento, e depois entre as sociedades de além-mar, impulsionou e orientou transformações sociais no mundo reciprocamente vivido e compartilhado pelas pessoas, cujas experiências e valores cada vez mais se homogeneizavam na convergência dos processos de globalização.

Assim, poder-se-ia agora questionar: “qual é, afinal, esta essência da modernidade? Como descrevê-la?” Isso parece estar já bastante claro. A modernidade mostra-se como um ideário de valores, modos de vida cultural e político; uma visão [ampla] de mundo que tem plena consciência da realidade em que se vive, e que deseja sempre alcançar outra ainda mais superior, que se sabe ainda mais avançada e melhor que aquela em que se encontra. Não há condição natural ou realidade social que não se possa aprimorar. Não existe conhecimento ou saber absoluto que não possa ser questionado. Não há época ou status suficientes que não possam se tornar obsoletos.

A essência da modernidade está no sentimento de potência social, individual e coletivo;

a vontade de sempre avançar e alcançar o progresso, o desejo de se atingir o futuro, que se projeta sempre melhor e evolutivamente cumulado. Esta essência esteve presente em toda a gama de eventos, movimentos e processos que se pretenderam modernizadores ao longo da história. Esta mesma essência inspirou e encadeou cada agir material, força produtiva e esforço intelectual dirigidos a alcançar as consequências da modernização.

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O grande feito das atuais teorias da modernização, desenvolvidas após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), foi o de separar a modernidade de suas origens, qual seja, do período específico da História da Europa – a Europa dos tempos modernos – para estiliza-la em um padrão, neutralizado no tempo e no espaço, de processos de desenvolvimento social em geral.19 Assim, o conceito de modernidade refere-se, atualmente, muito mais a uma abstração plena de consequências almejadas do que a cronologia de uma Idade Moderna traçada num linha reta, evolutiva, marcada por um começo, um meio e um fim. Quanto a isso, o sociólogo americano James Coleman viu a vantagem de não mais sobrecarregar o conceito de modernização, com a ideia de um acabamento evolutivo da modernidade, que desemboca num estado final, ao qual segue-se então desenvolvimentos que hoje se discutem como “pós-modernos”20

Neste ponto, pedimos licença para fazer nossas as palavras dos professores Menelick de Carvalho Netto e Guilherme Scotti, relativamente ao fim que teria chegado a modernidade, conforme defende alguns pensadores contemporâneos:

Na companhia de Niklas Luhmann e Jurgen Habermas, no entanto, preferimos reconhecer nossos tempos como mais modernos do que aqueles dos homens que cunharam esse termo para designar a sua época, exatamente por não mais acreditarmos naquela racionalidade mítica, na ciência como saber absoluto.

Acreditamos que vivemos sim, em uma época ainda moderna, em uma modernidade tardia, que pode ser mais sábia mais moderna, do que a própria modernidade que a antecedeu, em razão do que fomos capazes de aprender com as próprias vivências. A modernidade revela-se assim como um projeto inacabado.21

Habermas, discorrendo sobre o conceito de modernidade empregado por Hegel em seus estudos, analisa a compreensão contemporânea dada à expressão “tempos modernos”, registrando que sua utilização perdeu o sentido puramente cronológico, assumindo a significação de uma época enfaticamente “nova”.22 Compreende-se hoje que, com o passar do tempo, as novas experiências de progresso desenvolveram-se na sociedade a partir de acontecimentos não simultâneos, mas que guardavam entre si uma forte relação lógica de simultaneidade, acelerados e dependentes entre si. O presente passou a ser recheado com as maravilhas do futuro e com as expectativas que o anunciava. O presente passou a estar vinculado simultaneamente ao futuro, à suas realizações. E porque o futuro é moderno, o

19 HABERMAS. J. Discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 5.

20 Modernization. In: Encycl. Soc. Science, vol. 10, pp. 386 ss.

21 CARVALHO NETTO, Menelick; SCOTTI Guilherme. Os direitos fundamentais e a (in)certeza do direito: a produtividade das tensões principiológicas e a superação do sistema de regras. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p.

25-26.

22 HABERMAS. J. Discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 9.

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presente também o é. A época presente se abre para o novo, para o futuro que já começou e, por conseguinte, para um futuro ainda mais moderno que há de vir. E é justamente por isso que a modernidade se revela mesmo como um projeto inacabado – não fadado ao fim –, porque constantemente renovado.

A modernidade, na estética de Baudelaire é o transitório, o efêmero, o contingente.23 E os processos modernizantes são aqueles que ligam a atualidade ao futuro – sempre mais moderno que o presente que passou, que por sua vez era já mais moderno que o presente que lhe antecedera. Assim, tem-se que a modernidade se lança para o futuro num novo presente que sempre se consome a si próprio, para então lançar um novo futuro, que se tornará presente e também se consumirá a si próprio. Eis o ciclo constante da modernidade, no qual as complexas sociedades na atualidade estão imersas. E neste ciclo, é fácil perceber como processos modernizantes, por exemplo, as reformas políticas levadas a cabo no âmbito do Poder Legislativo, a citar as recentes discussões políticas no Brasil de alteração nas legislações tributária, previdenciária e trabalhista. O processo modernizador [proposições e projetos de aperfeiçoamento debatidos e aprovados sob o rito do processo legislativo previsto na CF/88]

pretendeu alterar a ordem estabelecida [a moderna atualidade, em comparação com a ordem já superada] com fins a alcançar e estabelecer uma nova ordem jurídico-social [o futuro, que é moderno].

Bem, quanto a isso, trataremos com mais profundidade no capítulo 3 deste trabalho, onde será analisado especificamente o teor discutido e promulgado na lei 13.467/2017, a chamada Reforma Trabalhista no Brasil. Por ora, importante é perceber que os processos que dizem respeito à modernidade – e o que nos possibilita melhor identificá-la – relacionam-se a condutas de movimento, por assim dizer, cujas expressões são hoje em dia famigeradas:

“revolução”, “progresso”, “reforma”, “emancipação”, “desenvolvimento”, “crise” etc. Estas são expressões sem as quais não é possível se imaginar a modernidade.24

Pois bem.

Agora que parece bastante claro identificar a essência da modernidade e, assim, o modo como ela age, impulsiona-se e movimenta-se nas variadas práticas sociais ao longo do tempo e na atualidade, continuaremos a discussão tópica acerca do conceito da modernidade. Neste ponto, os trabalhos do filósofo do direito norte-americano Ronald Dworkin muito nos servirão

23 BAUDELAIRE, Ch. “Der Maler des modernen Lebens”. In: Ges. Schriften ed. M Bruns (Melzer). Darmstadt, 1982, v. I. (trad., Sobre a modernidade. São Paulo, Paz e Terra, 1996, p. 25).

24 KOSELLECK, R. “Erfahrungsraum und Erwartungshorizont” (Campo de experiência e horizonte de expectativa). In: KOSELLECK, 1979, pp. 349 ss.

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ao propósito. Na busca pelo conceito de direito, Dworkin elabora em seus trabalhos a distinção entre conceitos que ele classifica como sendo criterial, de tipo natural e interpretativo, sendo este último o mais relevante para a ideia de modernidade aqui sustentada.

O filósofo observa que alguns países, à exemplo dos Estados Unidos, possuem Constituições que podem ser corretamente encaradas como instâncias que impõem limites [morais] a quaisquer leis que possam ser validamente criadas neste ou naquele país.25 Dworkin também alerta que o texto de uma lei pode parecer suficientemente claro por vezes, contudo é capaz de um resultado surpreendente quando interpretado literalmente.26 Nessa senda, a ideia do filósofo vai ao encontro da necessidade de se analisar os processos de modernização – dentre os quais, o texto de uma lei é exemplo – tendo em vista os referenciais paradigmáticos estabelecidos ao seu próprio tempo e realidade.

O agir moderno não se manifesta como um agir isoladamente determinado, pois sempre consciente de si mesmo, relaciona-se a um simultâneo encadeamento de consequências e transformações que são projetadas nas práticas sociais modernizantes. Assim, tomar o conceito de modernidade como interpretativo é permitir uma definição flexível, capaz de se adequar as próprias transformações da realidade que se quer operar, ao mesmo tempo em que estimula a reflexão conceitual em relação aos próprios paradigmas de modernidade vigentes. Não se está aqui defendendo uma interpretação criativa, no sentido de que o conceito de modernidade ou do próprio direito seja o resultado do desejo pessoal ou da imaginação fértil de um qualquer jurista ou ator social. Mas sim uma interpretação como um ato que se autoreferencie ao passo em que busque completar seu sentido dentro do próprio paradigma em que está imerso, e que se oriente também por padrões referenciais projetados num futuro externo ao seu, mas a ele igualmente pertinente.

Este ato de interpretação permite determinar um conceito adequado tanto a atualidade em que se encontra quanto ao futuro que se quer inaugurar. Tomar o conceito de modernidade como um conceito interpretativo é permiti-lo como um ato aberto, que exige uma constante reflexão de caráter cumulativo e agregador, a qual serve muito mais ao espírito da modernidade que qualquer outro conceito engessado em literalidades gramaticais, silogismos criteriais ou postulados de tipos naturais, conforme também concluiu Dworkin em seus estudos de interpretação conceitual.27 Nessa senda, é possível se conceber uma modernidade que se

25 DWORKIN, R. A justiça de Toga. São Paulo: wmf Martins Fontes, 2010, p. 10-11.

26 Ibidem, p. 11.

27 DWORKIN, Ronald. Justiça para Ouriços. Coimbra: Almedina, 2012.

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consume a si própria e se reconstrói numa eticidade reflexiva no tempo.28 Quanto a isso, os sociólogos Anthony Giddens, Ulrich Beck e Scott Lash, acreditam que as sociedades modernas encontram-se em um momento em que se estão obrigadas a refletir sobre si e, ao mesmo tempo, desenvolvem a capacidade de refletir retrospectivamente sobre si29 e, nesse sentido, Caroline Luvizotto analisando nossa contemporânea modernidade tardia:

A modernidade tardia indica uma mudança no modo de vivenciar as relações, a partir da identificação da razão como o elemento ordenador que produz confiança e elimina ou minimiza os riscos. Ao indivíduo moderno, cabe confrontar seus exageros, assumir-se como objeto de reflexão e exercer uma crítica racional sobre o próprio sistema, tornando-se um tema e um problema para si. Esse indivíduo reflete sobre o mundo em que vive e exerce uma análise racional das consequências de fatos passados, as condições atuais e a probabilidade de perigos futuros, procurando, assim, minimizar os perigos à medida que esse futuro vai se tornando presente.30

Num mundo globalizado, valores morais de política e de modos pessoais de viver são necessariamente compartilhados entre as pessoas. Mesmo se tratando de diferentes culturas, com relevantes distinções no modo de vida e especificidades internas de interação social, o fenômeno moderno da globalização acaba por universalizar uma visão ampla de mundo, e projetar um futuro mais ou menos comum – aquele “padrão de consequências abstratas” ao qual nos referimos anteriormente. Dworkin lança um exemplo neste sentido ao dizer que as pessoas fãs da lute de boxe, compartilham o conceito [abstrato] de vencer um assalto ainda que muitas vezes não estejam de acordo sobre os meios ou critérios mais adequados que deveriam ser utilizados para se decidir tal questão.31

Pode-se imaginar que as pessoas nesta atual “modernidade tardia” acabaram por desenvolver uma grande diversidade de valores morais – tais como a razoabilidade, honestidade, decência, responsabilidade, crueldade, mesquinhez, insensibilidade, engano e brutalidade – e políticos – tal como a legitimidade, justiça, liberdade, igualdade e democracia

28 HABERMAS, J. A inclusão do outro – estudos de teoria política. São Paulo: Loyola, 2002. CARVALHO NETTO, Menelick; SCOTTI Guilherme. Os direitos fundamentais e a (in)certeza do direito: a produtividade das tensões principiológicas e a superação do sistema de regras. Belo Horizonte: Fórum, 2011.

29 GIDDENS, A. Risco, confiança e reflexividade. In: Beck, U., GIDDENS, A., LASH, S. Modernização reflexiva. São Paulo: Editora UNESP, 1997.

30 LUVISOTTO, Caroline. As tradições gaúchas e sua racionalização na modernidade tardia. Disponível em:

<https://repositorio.unesp.br/handle/11449/109139>. Acesso em: 29 nov. 2018.

31 DWORKIN, R. A justiça de Toga. São Paulo: wmf Martins Fontes, 2010, p. 17-18.

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–. E cada um desses valores foi desenvolvido, no decorrer do tempo, por meio de interpretações acerca do que é do que é ser honesto, razoável ou mesmo cruel.32 Os conceitos foram – e ainda são – interpretados segundo as necessidades e desejos de sua própria época. Os mesmos são definidos, referenciados e balizados segundo os paradigmas vigentes e adequados à sua própria modernidade. Do que se conclui que admitir um conceito de modernidade rigidamente estilizado é incompatível com a essência própria da modernidade, que exige constante mutação, atualização, destruição e renovação. A modernidade admitida como um conceito interpretativo na atualidade permite compartilhar a plena essência moderna, homogeneamente projetada num futuro moderno, ainda que buscado e realizado de maneira heterogênea.

A modernidade admitida como um conceito interpretativo se abre a uma plena esfera de inclusão de novos sentidos, novas acepções e novas realidades que devem, em coesão, ampliar cada vez mais o âmbito da modernidade em nossa época, em consonância com o desenvolvimento das sociedades atuais cada vez mais complexas. Ora, se na pujança da atualidade as complexas sociedades globalizadas discutem, debatem, contratam e decidem por meio de valores e princípios compartilhados reciprocamente – tais como os direitos fundamentais e seus desdobramentos –, e tendo em vista que muitos deles foram racionalmente formulados em acordos e convenções internacionais –, é no mínimo incoerente pensar em formas de processos de modernização ou mesmo modo de decidir no direito nacional que se pautem tão somente em regras literais e de seu próprio ordenamento interno, e se ignore aquela gama de valores compartilhados, sobretudo porque muitos deles entraram mesmo no ordenamento jurídico nacional pela recepção de diplomas internacionais como legislação.

Diante de todo o exposto, uma vez assentada a essência que se faz homogênea no agir modernizador, e uma vez conceituado a modernidade como um conceito interpretativo, parece lógico perceber, a partir de agora, a incompatibilidade de processos de modernização que se fundem em concepções positivistas de direito. Dito de outro modo: parece lógico perceber que a essência da modernização e o conceito interpretativo de modernidade adequam-se melhor às concepções pós-positivistas de direito, como se verá no tópico a seguir.

2.3. Superação do sistema de regras na atual modernidade

32 DWORKIN, R. Justiça para ouriços. Coimbra: Almedina, 2012, p. 165.

(25)

Os vários períodos modernos perceberam, historicamente, o desenvolvimento de várias teorias e concepções jurídicas, de ordem teórica e prática, dentre as quais se destacam: o formalismo jurídico, o positivismo normativista, o realismo jurídico, o jusnaturalismo, o ceticismo jurídico e, por fim, o que atualmente se chama de neo-constitucionalismo ou pós- positivismo.33

A concepção Positivista, que considera, em síntese, o direito como sendo um conjunto de normas coercitivas, sistematizadas e aplicadas segundo critérios alheios à moral, foi, nas palavras do prof. Manuel Atienza,34 “provavelmente a concepção mais difundida na teoria do Direito do século XX” e que ainda hoje influencia o estudo contemporâneo do Direito. Esta concepção empenhava-se no desenvolvimento de ideias e de conceitos dogmáticos tomados com total objetividade e rigor “científico”, que determinariam assim a “ciência do direito”, segundo a qual se acreditava que de maneira análoga ao que, em tese, ocorre no universo das ciências exatas, o rigor metodológico e o formalismo deveriam ser aplicados também aos processos de criação e execução das normas jurídicas. O direito reduzia-se, assim, a um conjunto de normas autossuficientes, de certo modo, um dogma em vigor.

Ao fim da Segunda Guerra Mundial, diante da enorme destruição de civilizações, milhares de mortos e as formas sem precedente de atrocidades que foram levadas a cabo entre os anos de 1939-1945, o mundo viu surgir a insatisfação ideológica com ordenamentos jurídicos que fossem indiferentes a valores éticos e de proteção à dignidade humana.35 A busca pela plena racionalidade e objetividade científica haviam se tornado, em épocas passadas, a principal característica da modernidade então em vigor, a qual inspirou e orientou o desenvolvimento de sistemas político-institucionais que afastou o Direito, por assim dizer, de reflexões filosóficas de justiça, e acabou por sedimentar condutas autoritárias por parte do próprio Estado moderno, à exemplo do que ocorreu na Alemanha nazista de Hitler, à qual foi tomada por importantes setores da mídia global da década de 1930 como exemplo de progresso civilizatório.36

Hoje, não restam dúvidas de que toda essa racionalidade e esclarecimento científico levou a humanidade, pelo contrário, a caminhos mais irracionais e menos esclarecidos que se poderia em teoria imaginar, a partir do que se concluiu a extrema necessidade de se forjarem novos processos de modernização com paradigmas que fossem capazes de proteger plenamente

33 BARROSO, L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo. 1ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

34 ATIENZA, Manuel. Curso de argumentação – 1ª Ed. v. 1. Curitiba: Alteridade, 2017.

35 BARROSO, L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo. 1ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 242.

36 O filósofo polonês Zygmunt Bauman lembra-nos da Edição de 1938 da Revista Time que elegeu Adolf Hitler como o “Homem do Ano”. Cf.: BAUMAN, Zygmunt. Teoria da Ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.

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a visível diversidade de crenças, opiniões e ideal de “vida boa” existentes nas sociedades do século XX. O fracasso político do positivismo, associado historicamente a derrota do Nazismo na Alemanha e do fascismo na Itália, abriu terreno para que a ética e valores universais retornassem ao ambiente jurídico, através de reflexões amplas acerca do que é o Direito, sua função social e interpretação. A partir da segunda metade do século XX uma nova postura foi tomando forma, novos ensaios doutrinários e jurisprudência assumiram a roupagem do que atualmente se insurge como o pós-positivismo, uma concepção pautada na afirmação normativa de valores e princípios constitucionais que permeiam todo o ordenamento jurídico- administrativo do Estado, e que, portanto, pugna pela análise agora ampla e sistemática não apenas do texto da rígida forma da lei, mas também seu conteúdo e a eficácia dos objetivos que as mesmas desejam realizar37, pois afinal, afirma o Eminente ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso: "A Constituição [leia-se, aqui, o Direito] não é só técnica. Tem de haver, por trás dela, a capacidade de simbolizar conquistas e de mobilizar o imaginário das pessoas para novos avanços".38

O positivismo coroou o estabelecimento do Estado Constitucional, surgido com a promulgação das cartas políticas nacionais após a Segunda Guerra. A adoção de uma Constituição, isto é, a formalização de um documento - ou conjunto de leis fundamentais em suas variantes - que se sobressai a toda gama de legislação e que passa a condicionar a atuação do Estado [processos de modernização] para a realização de fins e objetivos [modernidade] nele estabelecidos, caracterizou o novo padrão do estágio civilizatório legal e social almejado pelas sociedades cada vez mais globalizadas. Caracterizou - e ainda caracteriza - as ambições de uma cultura cada vez mais complexa, diversa e plural, que na atualidade se insurge pelo acelerado compartilhamento de informações e valores e princípios que se sedimentaram como sendo muito caros a toda a humanidade, dentro os quais se destaca o da dignidade humana.

No Brasil, as bases dessa nova modernidade, vigente na atualidade, foram lançadas com a promulgação da Constituição da República de 1988. A constituinte representou, na história política nacional, um momento até então nunca entes visto de interação entre Estado e sociedade civil, e uma incrível possibilidade de intervenção de diversos grupos e minorias políticas e sociais que bradavam por inclusão expressa e eficaz no ordenamento jurídico. Nos diversos debates e convenções à nível nacional que ocorreram tanto no Congresso Nacional como em outros espaços públicos regionais, entidades representativas de mulheres, negros, indígenas,

37 Ibidem, BARROSO, p. 242-248.

38 Ibidem, BARROSO, p. 246-247.

(27)

estudantes e trabalhadores, para citar apenas alguns importantes setores da sociedade, marcaram forte presença no estabelecimento da substância da Constituição que acabaria por agregar, assim, a miscelância de valores e objetivos de um pacto social mais amplo e mais "justo".

A nível internacional, este novo pacto social de modernidade também esteve antenado às recomendações de organismos e convenções internacionais no que diziam respeito a questões de justiça social e proteção da dignidade do ser humano através da promoção plena dos direitos fundamentais, buscando-se expressar no texto constitucional princípios e valores éticos que pudessem garantir e orientar o pleno desenvolvimento socioeconômico e político no país, conforme o amplo e inclusivo padrão moderno então compartilhado pelas nações nesta nova modernidade. Petrificou-se o paradigma dos direitos fundamentais aos quais a prática jurídica e todo e qualquer processo regulamentar, político e institucional deverá observar na busca por sua concretização. Assim restou estabelecido no art. 5º §§1º, 2º e 3º da CF/88:

Art. 5º.

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (GRIFOU-SE)

Os grifos acima destacam a enorme importância normativa dada agora a sistemática principiológica fundada em torno do paradigma dos modernos direitos humanos [positivados sob a alcunha de direitos fundamentais na CF/8839, e outros que dele logicamente decorram, cuja força normativa já foi afirmada e reafirmada pelo nosso Supremo Tribunal em diversos julgados. Sobre o conceito interpretativo da atual modernidade, construiu-se uma nova Teoria do Direito voltada à concretização dos direitos fundamentais adequados a abrigar as desejadas consequências desta nova modernidade.

39 Para a diferença entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, cf.:

<https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1477308/qual-a-diferenca-entre-direitos-humanos-e-direitos- fundamentais>. Acesso em: 20 set. 2018.

(28)

Os processos de modernização não podem, sob este novo prisma, ignorar os paradigmas principiológicos frutos do amplo debate coletivo da comunidade internacional, que compartilha valores de proteção e um padrão mais ou menos comum de objetivos de progresso e desenvolvimento econômico e social. Neste sentido, é o magistério do professor Luís Roberto Barroso acerca dessa nova sistemática incorporada ao âmbito jurídico:

Para poderem beneficiar-se do amplo instrumental do Direito, migrando do plano ético para o mundo jurídico, os valores morais compartilhados por toda a comunidade, em dado momento e lugar, materializam-se em princípios, que passam a estar abrigados na Constituição, explícita ou implicitamente.

Alguns, nela já se inscreviam de longa data, como a liberdade e a igualdade, sem embargo da evolução constante de seus significados. Outros, conquanto clássicos, sofreram releituras e revelaram novas sutilezas, como a democracia, a República e a separação de Poderes. Houve, ainda, princípios cujas potencialidades só foram desenvolvidas mais recentemente, como o da dignidade da pessoa humana e o da razoabilidade.40

A constitucionalização desses valores morais compartilhados pela comunidade internacional impõe a adoção de uma nova postura por parte dos atuais operadores e intérpretes do Direito, exigindo-se que realizem uma interpretação ampla e sistemática do ordenamento jurídico à luz de gama de princípios explícitos e implícitos aos quais ele está vinculado, interna e externamente por meio de tratados e convenções internacionais aos quais se adere, conforme nos informa os §§1º e 2º do supracitado art. 5 da CF/88.

Neste ponto, vale a pena analisar, ainda que muito brevemente, a estrutura de funcionamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência da Organização das Nações Unidas fundada em 1919 com o objetivo de promover a paz e a justiça social nas relações de trabalho, que a cada novo dia mais se expande e se torna ainda mais complexa e necessária à modernidade.41 A OIT possui uma estrutura tripartite na qual representantes de governos e de organizações tanto de empregadores quanto trabalhadores de 183 Estados- membros (incluindo o Brasil) participam em situação de plena igualdade na discussão de diversos temas como emprego, proteção social, recursos humanos, estímulo a produtividade, saúde e segurança no trabalho, trabalho marítimo, atuação sindical etc. Segundo dados

40 BARROSO, L. Curso de direito constitucional contemporâneo. 1ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.250.

41 Cf.: <https://nacoesunidas.org/agencia/oit/>

(29)

divulgados pelo escritório da OIT no Brasil, desde a sua criação, seus membros já adotaram 188 Convenções Internacionais de Trabalho e 200 Recomendações de ações políticas e civis relacionadas ao desenvolvimento econômico e social de seus países, chegando a aprovar, em 1988, a Declaração dos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho,42 na qual 4 princípios fundamentais se destacam:

a) a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva;

b) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório;

c) a abolição efetiva do trabalho infantil; e

d) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.

A OIT, em suas diversas instâncias, elabora profundos estudos sobre temas gerais que permeiam seus debates e Recomendações, como o Trabalho Descente e o Trabalho Escravo, cuja relevância na atual modernidade vale a pena aqui destacar:

Trabalho Decente

O trabalho decente resume as aspirações das pessoas em suas vidas profissionais. O conceito engloba oportunidades de trabalho produtivo com remuneração justa, segurança no local de trabalho e proteção social para as famílias, melhores perspectivas de desenvolvimento pessoal e integração social, liberdade para as pessoas expressarem suas preocupações, se organizarem e participarem das decisões que afetam sua vidas, além de igualdade de oportunidades e de tratamento para todas as mulheres e homens43.

Trabalho escravo e forçado

O trabalho forçado pode assumir diferentes formas, incluindo a servidão por dívidas, o tráfico e outras formas de escravidão moderna. As vítimas são os mais vulneráveis - mulheres e meninas forçadas a se prostituírem, migrantes presos na servidão por dívida e trabalhadores de fazendas ou oficinas de costura obrigados a trabalhar através de táticas claramente ilegais e recebendo pouco ou nada por isso.44

42 Disponível em: <https://www.ilo.org/public/english/standards/declaration/declaration_portuguese.pdf>.

Acesso em: 29 set. 2018.

43 Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-decente/lang--pt/index.htm. Acesso em 29 nov.

2018.

44 Disponível em: <https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-escravo/lang--pt/index.htm>. Acesso em: 29 nov.

2018.

(30)

De todo o exposto acima, e após analisar a dinâmica de atuação de um organismo internacional na promoção do progresso e do pleno desenvolvimento no âmbito da quase totalidade dos países existentes no mundo (contabilizando-se os Estados membros da OIT)45, é fácil – e lógico – perceber que qualquer processo de modernização que se pretenda levar a cabo na atual modernidade deve refletir sobre um conceito de modernidade fundado numa interpretação sistemática das regras internas do ordenamento jurídico, mas, ainda mais no bojo de princípios surgidos e universalizados no próprio avançar da modernidade a que se quer chegar. A força normativa desses valores e princípios é o norte a guiar o avançar adequado e eficaz rumo à modernidade que hoje se faz sentir.

3 A MODERNIDADE NO DIREITO DO TRABALHO

3.1. Contexto Histórico. OIT e Declaração de Filadélfia.

Pode-se dizer que a extinta Liga das Nações46 foi bem sucedida em dois principais aspectos. O primeiro, de caráter histórico, se refere à sua admirável capacidade de ter mobilizado mais de 40 países numa organização internacional de caráter voluntário, universal e de bases permanente, com o objetivo principal de instituir um sistema de segurança coletiva, promover a cooperação e assegurar a paz, tudo isso num contexto de destruição, cansaço e desconfiança deixado pelo término da 1ª Guerra Mundial (1914-1918).47 O segundo, a que chamaremos de caráter modernizador, diz respeito à inédita compreensão, em termos diplomáticos, de que a solução dos graves conflitos e disputas que até ali se fizeram sentir por incontáveis guerras, e a almejada “paz duradoura” não deveria ser buscada somente pela via do desarmamento. A compreensão das nações ali reunidas não se deteve apenas a olhar para as causas do passado, mas preocupou-se, antes, em projetar soluções num futuro que se pudesse compartilhar, uma futuro moderno e consensualmente desejado. Esta nova compreensão

45 A ONU possui 193 países-membros, dos quais 183 são membros da OIT. Cf.:

https://nacoesunidas.org/conheca/paises-membros/. Acesso em: 29 nov. 2018 e

<https://nacoesunidas.org/agencia/oit/>. Acesso em: 29 nov. 2018.

46 Ou “Sociedade das Nações”, do francês Société des Nations.

47 Cf. artigo de Eugênio Vargas para a Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas, disponível em:

<https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-

republica/LIGA%20DAS%20NA%C3%87%C3%95ES.pdf>. Acesso em: 29 nov. 2018.

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