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Constitucionalismo e profecia em Roberto Campos : o liberal e o liberalismo na constituição de 1988

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Stricto Sensu

Mestrado em Direito Internacional Econômico

CONSTITUCIONALISMO E PROFECIA EM ROBERTO CAMPOS:

O LIBERAL E O LIBERALISMO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Brasília - DF

2011

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MOISÉS ÂNGELO DE MOURA REIS

CONSTITUCIONALISMO E PROFECIA EM ROBERTO CAMPOS: O LIBERAL E O LIBERALISMO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Antônio de Moura Borges.

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Dissertação de autoria de Moisés Ângelo de Moura Reis, intitulada

"Constitucionalismo e Profecia em Roberto Campos: O Liberal e o Liberalismo na Constituição de 1988", apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília, em 21 de dezembro de 2011, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

Prot. Dr. Nelson Juliano Cardoso Matos

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O agradecimento é a memória do coração. É um dever que impõe seja cumprido, antes de tudo.

Os que me auxiliaram na feitura deste trabalho, os filhos Carla, Virginia, Moises e sua mulher, Amanda Reis colega também de mestrado, merecem todo o meu reconhecimento pelo desmedido apoio, sempre que solicitados.

Ao atencioso Professor Doutor Arnaldo Sampaio de Godói, primeiro incentivador à abordagem do tema, com quem refleti sobre as primeiras linhas deste trabalho.

Ao Professor Doutor Antonio de Moura Borges, amigo e orientador, pela desvanecedora consideração.

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Será a história um dia reescrita? Se o for, e quando o for, os heróis da Constituinte de 88 parecerão bandidos anti-sociais, fabricantes de pobreza e fraudadores do desenvolvimento. A única coisa que não se lhes pode negar é terem tido boas intenções. Mas na história, as boas intenções são notas de rodapé; só os “resultados” entretecem a trama principal.

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Referência: REIS, Moisés. Constitucionalismo e Profecia em Roberto Campos: O Liberal e o Liberalismo na Constituição de 1988. 2011. 94 páginas. Dissertação (Mestrado em Direito Internacional Econômico e Tributário) - Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2011.

O presente trabalho objetiva analisar a influência do pensamento político e das ideias defendidas por Roberto Campos durante a reforma da Constituição em 1988, atuando no papel de Senador/Constituinte, economista e defensor do liberalismo econômico. Para tanto, examinar-se-ão as manifestações de sua autoria durante a Assembleia Nacional Constituinte, as previsões de cunho político e econômico contidas em seus inumeráveis artigos publicados em jornais e revistas, bem como os discursos proferidos no Senado Federal, tudo relacionado com o juízo que fazia dos rumos da Constituição Federal em reforma. Em exercício comparativo demonstrar-se-á o que previu, advertiu ou admoestou ao criticar o projeto de reforma em gestação e o que ocorreu depois da aprovação da Constituição de 1988.. Com o perfil de grande polemizador, tinha por hábito pensar o Brasil e defender, alto e bom som, suas ideias, fato que atraía para si um grande número de opositores de seus pensamentos. Durante sua longa trajetória de vida pública, o País sofreu forte influência pela força de suas ideias e atitudes, concretizadas, sobretudo, através de ações administrativas no comando de cargos do Setor público. Sua atuação no cenário nacional como gestor, protagonista político, economista e filósofo ficou marcada, apesar de haver recebido escassa atenção na historiografia brasileira. Possuidor de sólida formação humanista buscou, com muita obstinação, durante a vida inteira, apontar soluções que pudessem garantir ao Brasil do futuro a condição de país desenvolvido. Notabilizou-se pelo seu entusiasmo na defesa do liberalismo e do livre mercado. Convicto de suas ideias, defendidas com grande vigor, inteligência e cultura, criticou duramente o anteprojeto da Constituição de 1988, ao tempo em que formalizou diversas propostas perante a Assembleia Nacional Constituinte, a maioria delas de forte conteúdo privatista. Ao final, não conseguiu lograr êxito, fazendo aprovar suas propostas de ajustes da Constituição, embora advertisse o tempo todo que a nova constituição, como estava sendo reformada, traria muitas dificuldades para o Brasil e que não passava de um festival de loucuras.

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Reference: REIS, Moisés. Constitutionalism and Prophecy in Roberto Campos: The Liberal and liberalism in the 1988 Constitution. In 2011. 94 pages. Dissertation (Master in International Economic Law and Tax) - Catholic University of Brasilia, Brasilia, 2011.

The work aims to analyze the influence degree of political thought and ideas advocated by Roberto Campos during the constitutional reform in 1988 as a Senator, economist and advocate of economic liberalism. To do so, we will examine his manifestations about the theme, the political and economic predictions contained in their articles published in countless newspapers and magazines as well as the speeches in the Senate, all related to the court that made of the direction of reform in the Federal Constitution.In comparative exercise will demonstrate that the predicted, warned or admonished by criticizing the reform project in the making. With the profile of great quarrel, had a habit of thinking about Brazil and defend, loud and clear, his ideas, a fact which draws a large number of opponents of your thoughts. During his long career of public life, the Country was strongly influenced by the strength of their ideas and attitudes, achieved mainly through administrative actions in command positions in the Public Sector. His performance on the national scene as a manager, political player, an economist and philosopher, was marked, despite having received little attention in Brazilian historiography. Possessing solid humanistic sought, with great obstinacy, during the lifetime, point solutions that could ensure the future Brazil developed country status. He was distinguished for his enthusiasm in the defense of liberalism and free markets. Convinced of his ideas, defended with great vigor, intelligence and culture, criticized the draft of the Constitution of 1988, which formalized the time various proposals before the National Constituent Assembly, the majority of strong content privatized. In the end, did not succeed, making adjustments to approve its proposed constitution, although it warned all along that the new constitution, as it was being remodeled, would bring many difficulties for Brazil, behold, no more than a festival of craziness.

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ANC - - Assembléia Nacional Constituinte ARENA – Aliança Renovadora Nacional BNDE – Banco Nacional do Desenvolvimento CGT – Comando Geral dos Trabalhadores CUT – Central Única dos Trabalhadores

FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FHC – Fernando Henrique Cardoso

ICM – Imposto sobre a Circulação de Mercadorias

ICMS – Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços PAEG – Programa de Ação Econômica do Governo

PDS – Partido Democrático Social PFL – Partido da Frente Liberal PL – Partido Liberal

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro PSDB – Partido Social Democrático Brasileiro

PT – Partido dos Trabalhadores PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

TNP – Tratado sobre a não Proliferação de Armas Nucleares UDN – União Democrática Nacional

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RESUMO ... 05

ABSTRACT ... 06

INTRODUÇÃO ... 10

CAPÍTULO I - ANTECEDENTES POLÍTICOS À CONSTITUIÇÃO DE 1988 1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SISTEMA POLÍTICO ... 15

2 O INGRESSO DE ROBERTO CAMPOS NO CENÁRIO NACIONAL ... 19

3 DO REGIME DITATORIAL PARA A DEMOCRACIA REPRESENTATIVA ... 21

CAPÍTULO II - DAS RAZÕES DE ESTADO PARA AS RAZÕES DE MERCADO 1 ROBERTO CAMPOS – O POLICRATA ... 27

2 LIÇÕES DO PASSADO E AS SOLUÇÕES DO FUTURO ... 28

CAPÍTULO III - ROBERTO CAMPOS E A DEFESA DO LIBERALISMO 1 A DOUTRINA DO LIBERALISMO ... 35

2 O LIBERALISMO EM ROBERTO CAMPOS ... 38

CAPÍTULO IV - REFORMA DA CONSTITUIÇÃO – UMA ASPIRAÇÃO NACIONAL 1 O AMBIENTE POLÍTICO ANTES DA INSTALAÇÃO DA CONSTITUINTE ... 45

2 A OPOSIÇÃO DE ROBERTO CAMPOS À INSTALAÇÃO DA CONSTITUINTE ... 47

3 A INSTALAÇÃO DA ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE ... 52

4. A PARTICIPAÇÃO POPULAR NA CONSTITUINTE ... 56

CAPÍTULO V - PROFECIAS E CRÍTICAS DE ROBERTO CAMPOS DURANTE A ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE 1 AS PREVISÕES E ADMOESTAÇÕES ... 59

2. AS CRÍTICAS DE ROBERTO CAMPOS À CONSTITUIÇÃO DE 1988 ... 62

2.1 Um catálogo de utopias ... 62

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2.5 Constituição dirigista-Vitória do nacional obscurantismo ... 67

2.6 O monopólio estatal ... 68

2.7 Um atentado à economia de mercado... ... 70

2.8 Utopias sociais – Uma agressão à falta de liberdade.. ... 73

2.9 Um abandono à lógica econômica ... 75

2.10 Hexágono de ferro ... 76

CAPITULO VI - O VATICÍNIO DE ROBERTO CAMPOS QUANTO AOS DESMONTE DA CONSTITUICÃO DE 1988 ... 79

CONCLUSÃO ... 86

(12)

INTRODUÇÃO

Roberto de Sousa Campos foi um dos mais atuantes e influentes agentes públicos do Brasil, no curso da segunda metade do século XX. Durante o longo espaço de tempo em que atuou como agente político, economista e filósofo, o Brasil sofreu forte influência de suas ideias. Grande pensador, polêmico e contestado, porém jamais desconhecido ou desprezado1, credite-se a ele a responsabilidade por decisões que tiveram enorme repercussão nos campos social, político e econômico do nosso País.

O objetivo central desta dissertação é examinar a influência do pensamento de Roberto Campos, na qualidade de político e defensor do liberalismo econômico, especialmente quando ocupou o mandato de Senador/Constituinte, tempo em que defendeu projetos inovadores, lançados durante a realização da Assembleia Nacional Constituinte, que aprovou a Constituição de 1988. Todo o esforço de Roberto Campos era voltado ao objetivo de inserir na Carta Maior mecanismos que permitissem a adoção de estratégias cuja execução, segundo seu convencimento, permitiria a aceleração do desenvolvimento econômico do Brasil.

Far-se-á estudo comparativo entre as teses que defendeu através de sugestões a serem incluídas no projeto de reforma, carregadas de forte cunho social e econômico e as reformas realmente aprovadas pelo Congresso Nacional. Nesta tarefa serão pesquisadas suas previsões, advertências e admoestações, a fim de identificar-se o que realmente de concreto aconteceu.

O estudo levará em conta, também, a visão de outros constituintes favoráveis ou contrários às pregações vigorosas de Roberto Campos na defesa de dotar a nova constituição brasileira com regras capazes de modernizar o Brasil, habilitando-o a ingressar no mundo da economia de mercado e das finanças internacionais.

Inspirado pelo neoliberalismo que o mundo então vivia, Roberto Campos profetizava, durante a realização da Assembleia Nacional Constituinte, que a Constituição, ora em gestação no País, colocava a nação na contramão do processo de globalização. O excesso de regulamentação e o apego ao Estado de bem-estar

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social alijariam o Brasil da distribuição das benesses que o ambiente de globalização estaria prestes a proporcionar2.

Na onda modernizante por que atravessava o mundo, na década de oitenta, Roberto Campos defendia a tese de que era imperioso privatizar determinados setores então explorados pelo Estado, especialmente o da telefonia. E pregava em vibrantes discursos que, enquanto os países se modernizavam, o Brasil estava desembarcando do mundo, contrariando o princípio constitucional de primazia da iniciativa privada, fazendo planos globais e normatizando a atividade econômica3.

O criador do BNDE, depois de aprovada a reforma da Constituição, denunciava que os constituintes haviam extrapolado o mandato que o povo lhes conferira, avançando em todos os temas da vida nacional, de forma irresponsável e anacrônica, promovendo uma antinomia entre o processo de globalização e a estrutura constitucional brasileira.

Referindo-se aos defeitos das constituições brasileiras, assim disse Roberto Campos, ao tecer uma de suas inúmeras criticas à Constituição de 1988:

Contém preceitos que cobrem as mais variadas áreas de atuação social, como ciência, tecnologia, desportos, lazer, tratamento de indígenas e comunicação social. É o caso de nossa atual lei magna, que seguiu o desastratado modelo português de Constituição dirigente, assemelhando-se a uma plataforma nacional-populista, que se tornou obsoleta com a internacionalização da economia e o colapso do socialismo. As idéias supostamente progressistas se tornaram reacionárias, com surpreendente rapidez. Nesta era de privatização, a defesa dos monopólios estatais é coisa tão excitante com uma festa de urinóis na época da privada patente4·.

A distância que dizia existir entre a realidade e o universo constitucional intrigava o senador Roberto Campos, ao denunciar a utopia que envolvia e emulava o modelo constitucional então em fase de produção. De outro lado, a perspectiva de aprovação de uma nova Carta Magna promovia uma catarse nacional, após o longo jejum que a Era Militar impusera ao País. Roberto Campos percebia certo açodamento na trajetória da Assembleia Nacional Constituinte e provocava os deputados sobre o perigo de se querer colocar na Constituição benefícios sociais que a nação, no futuro, não poderia suportar.

2

CAMPOS, Roberto de Oliveira. A Lanterna na Popa: memórias. Rio de Janeiro: Topbooks, v. 2, 4ª Ed., 2004, p.1069.

3

Ibidem., p. 1281.

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Após a aprovação da Constituição de 1988, Roberto Campos que antes já o fazia, continuou criticando o resultado da nova Carta. Assim é que em 1995, desafiava o Congresso Nacional no sentido de ajustar a recém-aprovada Constituição para retirar-lhes os vícios responsáveis pelo atraso no processo de desenvolvimento da economia, asseverando que:

A Constituição de 88 inventou problemas econômicos literalmente insolúveis. Não nos resta senão emendar os piores pontos do seu texto, solução que, infelizmente, só se dará ao preço de sacrifícios que não teriam razão de ser num país medianamente decente e que recaem pesadamente sobre as camadas mais pobres da sociedade5.

Incansável crítico da Carta Constitucional, quando finalmente o Congresso Nacional resolveu reformá-la, continuou intransigente na defesa dos seus pontos de vista, asseverando: "As 'reformas' que o Congresso está votando não são mais que o desfazimento da 'contra-reforma' utópica e social da Carta Magna de 1988, intervencionista no econômico e híbrida no político”6.

Embora o presente trabalho se proponha a examinar em que amplitude a visão liberal e as ideias do Constituinte Roberto Campos repercutiram na Constituinte Federal de 1988, não se pode fazê-lo sem analisar seu pensamento sobre outros ângulos, tal a diversidade e importância de suas ideias e a necessidade de incluí-las num contexto histórico referente à defesa intransigente do liberalismo econômico e da inserção do Brasil no mercado internacional.

No período em que ocupou posições de comando na administração brasileira, tomou decisões que impactaram a economia nacional, devendo, por tal razão, sua atuação de gestor público ser examinada, posto que muitas de suas ideias defendidas no período anterior à reforma da Constituição de 1988, tiveram repercussão entre os seus pares na Assembleia Nacional Constituinte.

Defendendo teses privatistas, marcadas por ataques ferinos ao pensamento da esquerda brasileira, o economista Roberto Campos foi, no seu tempo, um extraordinário crítico ao poder centralista do Estado e um dos mais combatidos homens públicos, “o mais caluniado, desprezado e aviltado personagem, em meio século de história”7.

5

CAMPOS, Roberto de Oliveira. O Estado do abuso. A grande crise brasileira é política. Tudo mais é derivado. Desemprego, juros malucos, pobreza. Veja, São Paulo, 1995 p. 87 é só isto mesmo? 21/5/95

6

Ibidem, p. 85.

7

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Firme na sua posição liberal, não transigia quando se tratava de defender a diminuição do tamanho do Estado, para o qual reservava um papel secundário, chegando mesmo a sustentar a tese de que era necessário que a instituição fosse reinventada.

Na atuação política, foi senador por Mato Grosso e deputado federal pelo Rio de Janeiro. No Congresso Nacional, impregnado do sentimento de que o certo era o liberalismo econômico, teve atuação destacada e gabava-se de ter sido o único parlamentar na Assembleia Nacional Constituinte de 1988 a defender a economia de mercado. Suas ideias, naquele tempo, não encontraram abrigo desejado entre seus pares.

“Por ter sido um homem que pensa muito, pensa com originalidade e sobretudo diz o que pensa sem nenhuma concessão a patrulhas tropicais”, conforme afirmou Nunes8, nacionalista convicto e dotado de uma grande capacidade analítica, era um conhecedor profundo da realidade brasileira. Por esta razão, este pesquisador sentiu-se motivado a elaborar o presente trabalho, na tentativa de contribuir, despretensiosamente e quanto puder, com o resgate da figura do pensador, político, economista e filósofo, cujas teses, sobretudo no âmbito constitucional, na maioria foram, no passado, tão severamente criticadas e atualmente compreendidas e aceitas.

Sobre a atuação de Roberto de Oliveira Campos, especialmente como embaixador e homem de grande atuação na gestão pública do País, Gilberto Paim, prefaciando livro de Campos, diz o seguinte

Nas condições que continham em si elementos de uma “luta cruel contra o tempo”, ao Sr Roberto de Oliveira Campos foi dada apenas a chance de uma “instrospecção criadora”. Em muitos casos, suas criaturas, entregues a madrastras, andam em busca de uma indentificação com seu destino. Aqueles que nao subestimam a milagrosa capacidade de distorção dos jeitos e trejeitos brasileiros em matéria de politica econômica abrigam fundadas dúvidas em relação à sorte de certos pontos de apoio da renovação após abril de 1964. Nao estão fora de propósito as inquirições sobre orçamento-programa, correção monetária, contas consolidadas do setor público, politica de café e açúcar, programa de eletrificação, endividamento público interno conjugado a crédito externo crescente (...) Tal enumeração apenas indica alguns dos frutos colhidos pelo ex-Ministro do Planejamento em sua rápida imersão no complexo mundo da administração pública brasileira, visando à recuperação das bases de um sitema para

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construir os pilares de uma economia moderna e apta para integrar-se no mercado munidal em ritmo de progresso avassalador9:

A dissertação está dividida em seis capítulos. O primeiro faz um retrospecto da vida política e constitucional do País, para determinar o ambiente político da época anterior ao ano de 1988, a partir da Constituição de 1946, aprovada logo após a deposição do poder do então ditador Getúlio Vargas pelas Forças Armadas. A queda de Vargas marcou o momento em que foram restauradas as liberdades e garantias individuais, antes suprimidas pela ditadura

A partir da redemocratização do País, em 1946, governaram sucessivamente a República os presidentes Eurico Gaspar Dutra, Getúlio Vargas, Café Filho, Juscelino Kubistchek e Jânio Quadros, esses dois, os últimos do período anterior ao estabelecimento do regime de força, em 1964.

O segundo capítulo analisa a mudança ideológica de Roberto Campos, que passou a defender uma retração nos poderes do Estado, valorizando o Mercado.

O terceiro capítulo registra o fortalecimento no Brasil do liberalismo nos anos 90 e o posicionamento de Roberto Campos em defesa de suas ideias liberais. Convencido de que o Estado deveria restringir sua atuação, Roberto Campos defendia um constitucionalismo que exprimia uma ideologia liberalista baseado no governo de leis e não no dos homens. Idealizava um sistema normativo, enfeixado na Constituição, acima dos detentores do poder, inviabilizando que os governantes possam fazer prevalecer seus interesses e regras de condução.

O quarto capítulo, por sua vez, registra as previsões e admoestações de Roberto Campos com relação à nova Carta e as críticas feitas após a aprovação da Constituição

O quinto capítulo retrata o ambiente social e político dominante no Brasil, no período de reforma da Constituição de 1988, e a oposição de Roberto Campos à feitura de uma nova constituição.

Finalmente, no sexto capítulo são indicados os defeitos apontados por Roberto Campos à Constituição de 1988, e suas críticas em favor da desmontagem da Carta Constitucional, fato que se concretizou, através da aprovação, pelo Congresso Nacional, em 15 de agosto de 1995, do primeiro pacote de emendas à Constituição.

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CAPÍTULO I

ANTECEDENTES POLÍTICOS À CONSTITUIÇÃO DE 1988

1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SISTEMA POLÍTICO

É necessário voltar no tempo quatro décadas para recordar o Brasil de anos atrás, a fim de que seja possível compreender a maneira como evoluiu o sistema político do País, que durante longos períodos foi alvo das disputas entre as forças do conservadorismo e as forças do progresso.

A análise da participação de Roberto Campos, na Constituinte de 1988, partindo da sua visão constitucionalista e de suas ideias liberais conservadoras, poderá ser mais adequadamente compreendida, desde que o pensamento político, as aspirações sociais e a quebra de braço entre as forças políticas da direita conservadora e as da esquerda reformista, daquele momento, sejam recuperadas, remoçando lembranças esfumaçadas com o passar de longo tempo.

É o que se pretende.

Com efeito, a partir da Constituição de 1946, quando então foram restauradas as liberdades e garantias individuais, antes suprimidas pela ditadura Vargas, o Brasil finalmente, começou a viver um novo processo político, começando pela devolução dos poderes ilimitados à Constituinte da época, mediante a realização das eleições para Presidente da República e para representantes políticos federais, com poderes constituintes.

Com o nascimento da Terceira República10, através da instalação da Quarta Assembleia Nacional Constituinte, em 1946, o Brasil voltou ao regime

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presidencialista, tendo sido restauradas as liberdades e garantias individuais então suprimidas pela ditadura11.

Neste novo período de ares democráticos governaram sucessivamente a República os presidentes Eurico Gaspar Dutra, Getúlio Vargas, Café Filho, sendo Juscelino Kubistchek e Jânio Quadros os últimos desse período. Getúlio Vargas, Juscelino Kubistchek e Jânio Quadros deixaram seus nomes marcados na história política do País.

Juscelino venceu a eleição para presidente da República recebendo votação correspondente a pouco mais de um terço dos votos dos brasileiros. Durante seu período de governo promoveu grandes realizações, industrializou o País e modernizou a economia. A criação de Brasília foi o grande feito de sua administração. Presidente da República depois do Presidente Vargas, fez um governo marcado, também, por mudanças sociais.

JK, como era conhecido, teve seu mandato cassado e os direitos políticos suspensos em 1964, pelo regime militar. Mesmo sem mandato, continuou na política, juntando-se a João Goulart e Carlos Lacerda, em defesa da redemocratização do País, a estas alturas, nos idos de 1966, já governado pela ditadura militar.

Jânio Quadros, eleito com esmagadora maioria, ao renunciar o mandato, provocou uma das mais sérias crises político-militares no País. A sua brilhante e meteórica carreira política (foi eleito vereador, deputado estadual, prefeito de São Paulo, Governador do Estado, e deputado federal, em curto espaço de tempo), que culminou com a eleição a Presidente da República, e de reiterada manifestação de confiança do povo, não foi, afinal correspondida, diante de sua inesperada renúncia, após apenas sete meses no cargo, sob a alegação de pressão dentro e fora do País, contrária, às reformas que pretendia fazer.

A partir da renúncia de Jânio Quadros, o Brasil retrocedeu na sua posição de país democrático, não obstante a existência de um vice-presidente eleito, o Sr João Goulart, a quem cabia, constitucionalmente, assumir o cargo de presidente. Na ocasião da renúncia de Jânio Quadros, o vice-presidente da República encontrava-se fora do País, e lá permaneceu diante da reação dos militares, contrários à

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ocupação por Jango da titularidade da presidência da República. Assumiu o cargo, interinamente, o presidente da Câmara Federal, o terceiro na linha sucessória12.

Apesar de a renúncia de Jânio Quadros não haver causado qualquer distúrbio interno, os ministros militares, alegando questões de segurança nacional13, reagiram à possibilidade de João Goulart assumir o governo, consistindo este veto no início daquilo que se converteria, depois, definitivamente, no regime ditatorial.

Sob clima de tensão, com os militares se intrometendo na vida política do País, o Congresso Nacional encontrou um meio de atender às Forças Armadas, emendando a Constituição e instituindo o sistema parlamentarista de governo, em 1961, em que ficou estabelecido o exercício do Poder Executivo pelo Presidente da República e pelo Conselho de Ministros, sendo do Conselho a responsabilidade pela política do governo e a direção da administração federal14.

Esta foi a forma encontrada pelos militares para limitar as ações do poder executivo, refletindo, tal mudança, diretamente na diminuição dos poderes de Jango, que finalmente assumiu, em 1961, a vaga gerada pela inesperada renúncia de Jânio Quadros.

O novo regime de governo, recém-aprovado pelo Congresso Nacional, diminuiu sensivelmente a capacidade de governar do presidente da República. João Goulart, então, viu-se quase impossibilitado de aprovar suas propostas com que pretendia governar o Brasil, em razão da falta de apoio político. As grandes questões nacionais, centradas no Plano do Governo de João Goulart, consistente em três metas - o desenvolvimento econômico, o combate à inflação e a diminuição do déficit público, não conseguiram avançar, por causa mesmo do regime parlamentarista15.

A fórmula parlamentarista não vingou no País, sobretudo em razão da campanha de descrédito comandada por João Goulart, ajudado por JK. Submetido à aprovação através de plebiscito, o parlamentarismo foi rejeitado por larga maioria da população, voltando o País para o regime presidencialista. Esta mudança garantiu

12

O Deputado Pascoal Ranieri Mazzilli era o presidente da Câmara.

13

O primeiro ato do presidente interino, Ranieri Mazzilli, foi comunicar ao Congresso Nacional o veto do militares ao então vice-presidente da República: “Tenho a honra de comunicar a V Excia que, apreciando a atual situação política, motivada pela renúncia do senhor presidente Janio Quadros, os ministros militares, na qualidade de chefes das Forças Armadas, responsáveis pela ordem interna, manifestaram-me a absoluta inconveniência, por motivos de segurança nacional, do regresso ao país do vice-presidente da República, o senhor João Goulart” (FERREIRA, 1989, p.45).

14

Ibidem., p.45.

15

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maiores poderes ao presidente João Goulart que, fortalecido politicamente, passou a defender a realização de reformas no País, voltadas, sobretudo, para a promoção da distribuição de rendas

Com a volta do regime presidencialista, o País passou a viver momentos políticos de intensa magnitude, uma vez que as reformas políticas defendidas pelo presidente da República e por movimentos populares (União Nacional dos Estudantes - UNE, Ligas Camponesas e Comando Geral dos Trabalhadores - CGT), significavam um claro desprestígio da classe média, dos grandes proprietários e do empresariado16.

As fortes agitações nos meios operários e estudantis, animadas pelo projeto de reformas de base, incluindo a revisão da Constituição, eram a grande bandeira do presidente Goulart17.

Membros das Forças Armadas que, no passado, alegando motivos de segurança nacional foram contra o regresso de Jango ao País, aliados às elites nacionais e com o apoio dos norte-americanos reagiram, dando início a um processo político de confronto entre a direita conservadora e a esquerda reformista esta apoiada pelo Presidente, o que resultou na deposição de Jango do governo, através do golpe militar.

Com o apoio dos estados da Guanabara, de São Paulo e do Paraná, o Estado de Minas Gerais comandou movimento que culminou com o Golpe de 31 de Março de 1964 para o qual não houve resistência. João Goulart deixa o País, assumindo a presidência, interinamente, o Presidente da Câmara, Ranieri Mazilli18.

A marca primeira da ditadura militar foi a edição dos chamados atos institucionais. O primeiro deles,19 além de haver emendado a Constituição de 1946, atribuiu aos comandantes militares competência para suspender os direitos políticos pelo prazo de dez anos e cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais, sem submeter, tal medida, à apreciação do poder judiciário.

16

FERREIRA, 1989, p.46.

17

Ibidem., p. 46.

18

Ibidem., p. 47.

19

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O início da ditadura militar e a utilização dos atos institucionais resultaram em exagerada perseguição política, em todo o País.

Os atos institucionais, tidos como fruto de um poder constituinte, eram, em verdade, um poder constituinte paralelo:

Daqui resulta o funcionamento simultâneo de dois órgãos constituintes: o órgão que poderemos chamar ordinário, o Congresso Nacional, que opera mediante a revisão da Constituição nos termos por esta estabelecidos mediante emendas, e o órgão extraordinário, que se funda no direito originário da Revolução e se traduz por atos institucionais e que é a santidade considerada representativa do movimento triunfante20.

A bem dizer, a ditadura militar conservou o Congresso Nacional apenas para constar na imagem externa do País, posto que foi esvaziado pela cassação de dezenas de seus membros e teve suas prerrogativas amplamente compelidas.

Sob o comando do Presidente Castelo Branco, foi promulgada a Constituição de 1967. Com a posse de seu sucessor, Costa Silva, os atos institucionais voltaram a ser utilizados, com destaque para o AI nº 5, de dezembro de 1968, que decretou o recesso do Congresso Nacional. A Constituição de 196721 ficou semiviva, uma vez que o presidente da República, durante o recesso do Congresso Nacional, poderia legislar em todas as matérias e exercer atribuições previstas na Constituição22.

Com o passar dos anos, a ditadura militar foi alvo de desgaste, razão pela qual o então presidente Ernesto Geisel concluiu haver chegado o momento de, lenta e gradualmente, promover a abertura do regime ditatorial.

2 O INGRESSO DE ROBERTO CAMPOS NO CENÁRIO NACIONAL

Nesta quadra de grande convulsão política de baixo teor democrático, o Diplomata Roberto Campos, antes de ingressar na atividade política, exerceu papel de grande relevância no comando de cargos importantes dentro e fora do Brasil. Participou de importantes eventos dos quais surgiram instituições de cunho

20

CAETANO, Marcelo apud FERREIRA, 1989, p.47.

21

A Constituição de 1967 seguiu mais ou menos as linhas e os caminhos da Constituição de 1946, exceção feita é claro aos Poderes dos autores do Golpe de 1964, que deixaram indelével sua marca na Constituição como, por exemplo, o artigo 173: Ficam aprovados e excluídos da apreciação judicial os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução de 31 de março de 1964 (Ibidem., p.49).

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internacional e nacional. Merece destacar, no âmbito internacional, sua participação na Comissão de Estudo que criou o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.

Como economista, Roberto Campos integrou o segundo governo de Getúlio Vargas e foi um dos responsáveis pelo Plano de Metas no governo de Juscelino Kubitschek. Apoiando o golpe de 1964, foi nomeado Ministro do Planejamento do governo Castelo Branco, sendo um dos grandes responsáveis pelas reformas de modernização da economia e do Estado brasileiro, com destaque para a elaboração do Programa de Ação Econômica do Governo – PAEG23.

Ainda no Governo Castelo Branco, Roberto Campos foi responsável pela criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o FGTS, da Caderneta de Poupança, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e do Estatuto da Terra, tendo exercido grande influência na reforma fiscal de 1966, quando foi aprovado o Código Tributário Nacional.

Foi, ainda, embaixador do Brasil em Washington, no governo João Goulart e no Reino Unido, no governo Geisel, no período de 1975 a 1982. Na Inglaterra, Roberto Campos foi atento observador da crise econômica daquele País, à época governada pela Ministra Margareth Thatcher, cuja política econômica foi centrada, dentre outros, no processo de privatização das empresas.

Se antes tinha o convencimento de que o poder haveria de estar centralizado no Estado, a política neoliberal de Thatcher o convenceu e ele passou a acreditar que seria, sim, o neoliberalismo o caminho capaz de conduzir o Brasil para um momento novo de crescimento e bem-estar social.

Influenciado pelas iniciativas privatistas do governo do Reino Unido, Roberto Campos cada vez mais se convencia de que as dificuldades econômicas de um país tinham como causa maior o excesso de intervenção governamental na economia.

No próximo capítulo, ainda com o objetivo de contextualizar o momento político nacional, antes da instalação da Assembleia Nacional Constituinte,

23

(23)

se-á a respeito da evolução política do País, rumo ao estado democrático de direito, ver-se-ão os primeiros sinais de mudança de Roberto Campos a caminho da atividade política.

3 DO REGIME DITATORIAL PARA A DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

Com a posse do Presidente Costa e Silva, acreditava-se que, finalmente, o regime ditatorial instalado após o golpe de 1964 estaria chegando ao fim. Ocorre que um conflito entre Governo e Câmara dos Deputados, originado da negativa de conceder licença para que um dos seus membros fosse processado, distanciou os dois Poderes, abrindo espaço para a volta do regime de força.

Em 1968 o Presidente Costa e Silva editou o Ato Institucional nº 5, que entre outras disposições continha a que decretava o recesso do Congresso Nacional, autorizando o Presidente da República (artigo 2º), a legislar em todas as matérias24. O recrudescimento do regime ditatorial ocorreu menos de um ano após a promulgação da Constituição de 1967.

A grave doença do Presidente Costa e Silva, em 1969, resultou na criação de uma Junta Militar, que governou o País até a posse do presidente Geisel, substituído depois pelo novo presidente da República, general João Batista de Figueiredo, que ao tomar posse firmou a promessa de restaurar as liberdades democráticas.

Animados com a promessa do presidente João Figueiredo, movimentos populares, como os da “Diretas Já”, foram ganhando forças, tendo o Deputado Ulisses Guimarães, um dos seus principais protagonistas no comando das ações, aliado a Tancredo Neves.

24

(24)

O movimento denominado “Diretas Já”, foi um dos fenômenos político e sociais de maior participação popular na história do Brasil, no começo do ano de 1983, momento em que o diplomata Roberto Campos já havia se transformado em senador pelo Estado de Mato Grosso. A campanha que se iniciou com o apoio dos partidos PMDB e PDS, logo a seguir obteve o apoio integral da população que foi às ruas para pedir o retorno das eleições diretas. A última eleição direta acontecera em 1960.

Justificando a iniciativa de apresentação da emenda à Constituição, seu autor, o deputado Dante de Oliveira (PMDB – Mato Grosso), dizia:

Durante a campanha, me chamava a atenção que nos debates nas Universidades, nos bairros e mesmo nos comícios e em grandes eventos, a resposta da população era muito forte, quando falávamos em eleger o presidente da República. Aquilo me marcava, era algo muito forte25.

Havia, àquelas alturas, um claro desgaste ao governo de exceção dos militares. Contribuíam para este clima de intolerância da população a inflação elevada, a exagerada dívida externa e o crescimento do nível de desemprego. A crise da ditadura era evidente, encorajando políticos e o povo a partir para o confronto, pela via democrática, visando ao fim do regime de exceção.

Os militares, no poder, depois de tanto tempo, bastante desgastados, pregavam uma transição democrática, só que lenta e gradual, como diziam, ao passo que o povo desejava mudança através de um processo mais rápido e mediante a utilização do voto direto.

A proposta de Emenda à Constituição para o restabelecimento da eleição direta para Presidente e Vice-Presidente da República, derrotada pela maioria que pertencia à Aliança Renovadora Nacional - ARENA26, tinha o seguinte conteúdo:

Apresentamos esta Emenda com o intuito de restabelecer a eleição direta para Presidente e Vice- Presidente da República.

O que se colima é restaurar a tradição da eleição direta, através do voto popular, tradição esta profundamente arraigada não só no Direito Constitucional, como também nas aspirações do nosso povo.

Desde a primeira constituição republicana, a eleição direta do primeiro mandatário da nação foi um postulado que se integrou na vida política do país. E os maiores presidentes que o Brasil já teve, vieram, todos eles, ungidos pelo consenso popular.

25

LEONELLI, Domingos; OLIVEIRA, Dante. Diretas Já: 15 meses que abalaram a ditadura. Rio de Janeiro: Record, 2004, p.78.

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Não só a tradição constitucional ou as aspirações populares militam em favor do restabelecimento do direito do povo de escolher o primeiro magistrado.

Dante de Oliveira, deputado, defendendo a eleição direta, por sua vez, dizia: A legitimidade do mandato surge límpida, incontestada, se sua autoridade for delegação expressa da maioria do eleitorado.

Assim, o presidente passa a exercer um poder que o povo livre e expressamente lhe conferiu. Este passa a ser o mais alto representante desse mesmo povo que não somente o escolheu, mas apoiou suas idéias, seus programas, suas metas.

Difere do que ocorre com outros candidatos escolhidos em círculos fechados, e inacessíveis à influencia popular e às aspirações nacionais. Um presidente eleito pelo voto direto está vinculado ao povo e com ele compromissado. As eleições diretas para presidente da república pressupõem um novo pacto social. Serão as forças vivas da nação, do assalariado ao empresariado, que irão formar a nova base social do poder. Um presidente eleito pelo colégio eleitoral não tem compromisso com o povo. Mas está diretamente vinculado àquelas forças que o apoiaram, no circulo diminuto e fechado que o escolheu.

Ao submetermos esta proposta ao exame do Congresso Nacional, estamos certos de sermos porta-vozes dos anseios da Nação, da imensa maioria do nosso povo que, há muito, acalenta esta aspiração, mais forte agora, após ter ressuscitado politicamente, com a última eleição para governador. A presente proposta de Emenda à Constituição deve ser vista, também, como a única solução à crise econômica, política e social porque passa o país. A nós basta um mínimo de patriotismo, de honestidade e de sentimento humano, para entendermos que é hora de mudar27.

Não obstante a vontade geral da Nação, o Congresso Nacional, pressionado pelos militares, decidiu manter as eleições indiretas28. Foi assim, através da eleição indireta, que o País começou a se libertar do jugo da ditadura. Formou-se, então, a Aliança Democrática mediante a união do PMDB, os dissidentes da ARENA e os demais opositores do governo.

Eleito indiretamente, em janeiro de 1985, Tancredo Neves empunhando a bandeira de reforma da Constituição, através da instalação de uma Assembleia Nacional Constituinte, não chegou a assumir o governo, acometido que fora de grave enfermidade de que veio a falecer, abrindo a vacância para o Vice Presidente José Sarney. Este, uma vez no comando do governo, procurou saldar os compromissos feitos durante a campanha, sendo o principal deles a instalação da “Constituinte”.

27

LEONELLI; OLIVEIRA, 2004, p.80/81.

28

(26)

Já em novembro de 1985, a Mesa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal promulgaram a Emenda Constitucional nº 26, que convocava a Assembleia Constituinte, referindo-se à questão constitucional nos artigos 1º, 2º e 3º29.

A despedida de Roberto Campos das atividades diplomáticas, por força da contaminação do vício da atividade política, foi amadurecida durante longo tempo.

Com efeito, no final dos anos setenta, Roberto Campos começa a dar sinais de que desejava mudar de vida, partindo para a atividade política:

É óbvio que não segui o conselho de Max Weber: “Aquele que procura a salvação das almas, sua e do próximo, não deve procurar nas avenidas da política”. O que prova que depois de sair do seminário, pude resistir a tudo, exceto à tentação.

Quando estava em Brasília, em julho de 1980, fui almoçar com o senador José Sarney no restaurante do senado. Deve estar cansado de Londres -disse-me. A Diplomacia não lhe é mais um desafio. Por que não concorre a Senador Por Mato Grosso? Como presidente do PDS posso facilitar seu ingresso no partido30.

Passado o período de exceção, em que o País viveu tempos de regime de força para depois voltar a conviver com as liberdades democráticas, Roberto Campos que à época (1982) encontrava-se no exercício do cargo de Embaixador do Brasil no Reino Unido, iniciou o caminho de volta para o Brasil, com o pensamento inteiramente centrado na atividade política, como faz crer no seguinte relato:

No começo da década dos anos 80 eu era embaixador em Londres e resignava-me à fatalidade de ingressar na fase desengonçada da terceira idade. Tinha que tomar uma decisão de angústia existencial. Manter-me-ia fiel à vocação diplomática e tecnocrática, ou buscaria, ainda que tardiamente, as avenidas pecaminosas da política, tornando-me um policrata.

A diplomacia não mais me apresentava interessantes desafios. E estava cansado de explicar no exterior as confusas circungirações da política brasileira. Certa vez, exasperado com informações contraditórias sobre nossa política econômica, e com o gritante descompasso entre as diretrizes proclamadas e as políticas praticadas, telefonei ao Delfim Netto, velho amigo e então "czar" da economia, para dizer: "A imagem do Brasil no exterior, Delfim, não pode ser salva pela exibição da verdade, mas talvez possa ser melhorada pela coordenação de nossas mentiras."

29

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 49 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional: “Art. 1º Os Membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal reunir-se-ão, unicameralmente, em Assembléia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional. Art. 2º. O Presidente do Supremo Tribunal Federal instalará a Assembléia Nacional Constituinte e dirigirá a sessão de eleição do seu Presidente. Art. 3º A Constituição será promulgada depois da aprovação de seu texto, em dois turnos de discussão e votação, pela maioria absoluta dos Membros da Assembléia Nacional Constituinte” (BRASIL. Emenda Constitucional n. 26.

Brasília, DF: Senado. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/publicacoes/anais/constituinte/emenda26-85.pdf>. Acesso em: 20.08.2011).

30

(27)

Confidenciei minha intenção de abandonar a diplomacia pela política, a um querido auxiliar, José Guilherme Merquior, extraordinário talento de filósofo e sociólogo, que em Londres era meu conselheiro de embaixada.31

Decidido de vez a ingressar na atividade parlamentar, visando a uma cadeira no Senado Federal, Roberto Campos começou a fazer visitas constantes ao seu Estado natal, Mato Grosso, aproveitando feriados longos para viagens políticas transcontinentais, vindo de Londres a Cuiabá32.

Em agosto de 1982 decide então renunciar à embaixada em Londres com o objetivo de ingressar na atividade política, concorrendo a uma cadeira de Senador, pelo Estado de Mato Grosso.

Sobre a decisão de deixar a embaixada em Londres, para se aventurar nos caminhos incertos da atividade política, Roberto Campos obteve a reação de muitos amigos, contrários a que ele deixasse o conforto do relevante cargo. Abordado sobre a decisão de afastamento, disse em entrevista à revista Manchete, em julho de 1982:

Há duas formas de saber: uma é conhecer. A outra é sentir. O tecnocrata conhece. O político sente. Um conhece os limites do possível. O outro vocaliza as angústias do necessário. E a visão de prioridades é diferente. Aquele pode pensar na próxima geração. Este tem de pensar na próxima eleição. Um privilegia a análise. Outro, a intuição. Quando as duas coisas se aliam surge um estadista, espécime raro e valioso. Estou procurando transformar-me num policrata, buscando experiência política, sem perder a experiência técnica. 33

A partir do momento em que se interessou pela atividade política, Roberto Campos aconselhou-se com diversos políticos, ouvindo do governador de Mato Grosso, à época, a sugestão para que se candidatasse a Senador pela União Democrática Nacional - UDN34.

Estando certa feita com Jânio Quadros, de quem se dizia amigo e o tinha como guru político, perguntou-lhe como conquistar votos e adquirir “cheiro de povo”, indispensáveis no comício, recebeu o seguinte conselho:

“A receita é simples”, disse-me Jânio. “Faça coisas chocantes e inesperadas. Por exemplo: dê caneladas na imprensa bisbilhoteira, maltrate os funcionários públicos que tiranizam os contribuintes e passe pito nos

31

CAMPOS, 2004, v. 2, p. 1063.

32

Ibidem., p.1065.

33

Ibidem., p.1068.

34

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bispos que se metem na política em vez de cuidar das almas. Na televisão, fale com voz escandida, como se fosse dono da verdade” 35.

Contextualizada a situação político-institucional do País, a partir da Constituição de 1946, serão examinadas, no próximo capitulo, as primeiras iniciativas de Roberto Campos, ao deixar a embaixada do Reino Unido para se eleger Senador por Mato Grosso, para o período de 1982 a 199036, já com o intuito de influenciar, mediante a defesa de um constitucionalismo liberal, a futura nova ordem constitucional a ser admitida no Brasil, através da reforma da Constituição.

Roberto Campos voltava ao Brasil, impregnado de ideias liberais, posicionado-se como intransigente defensor das liberdades democráticas e da livre iniciativa, a favor da redução do tamanho e da influência da máquina administrativa do Estado nas atividades produtivas, bem como a favor da modernização das relações entre o Estado e a sociedade.

35

CAMPOS, 2004, v. 2, p.1065.

36

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CAPÍTULO II-

DAS RAZÕES DE ESTADO PARA AS RAZÕES DE MERCADO.

1 ROBERTO CAMPOS, O POLICRATA

Um pouco antes de retornar ao Brasil, Roberto Campos que antes tinha o convencimento de que o poder haveria de estar centralizado no Estado, foi convencido do contrário através da política liberal de Tatcher, que o fez passar a acreditar que seria, sim, o neoliberalismo o caminho capaz de conduzir o Brasil a um momento novo de crescimento e bem-estar social.

Influenciado pelas iniciativas privatistas do governo do Reino Unido, Roberto Campos cada vez mais admitia que as dificuldades econômicas de um país tinham como causa maior o excesso de intervenção governamental na economia.

A partir deste convencimento, entre a crise e a queda do regime militar e o inicio da redemocratização, sedimenta-se em Roberto Campos a mudança do modo de pensar do economista segundo a qual a razão, antes instalada no Estado, há que ser realocada no mercado.

As causas mais prováveis da assunção do projeto liberal por Roberto Campos, segundo Perez foram:

A “experiência londrina” e o movimento de idéias planetário que lá Campos acessa; as crises internacionais e o estado brasileiro, com a conseqüente persistência da instabilidade - cuja manifestação mais visível é a inflação; o esgotamento do projeto militar e de seu “desenvolvimentismo” calcado na substantividade da autoridade; e, finalmente, a retomada democrática pela via da representação e a reemocionalização do mundo político. A defesa do liberalismo econômico indica; a democracia não pode prejudicar a eficiência econômica; a política não deve resultar em desperdício. Em suma: a razão deve prevalecer. A polaridade fundamental no pensamento de Campos nesse momento é liberdade de mercado versus Estado37.

37

(30)

O diplomata passou a se preocupar com outros valores, centralizando seu discurso na ideia de democracia, circundada pela presença efetiva da liberdade política e da cidadania, resguardando o espaço da justiça social.

Na recusa do Estado e em defesa do liberalismo econômico, Campos sustentava as teses da defesa da poupança externa, no uso do capital de risco, em vez de empréstimos externos; antes produzir para depois a prevalência dos direitos em relação aos deveres. Com este modo de pensar, o Diplomata dava lugar ao político, que desejava ingressar na atividade, sem entretanto, perder a experiência técnica, transformando-se no que denominava de policrata

2 LIÇÕES DO PASSADO E AS SOLUÇÕES DO FUTURO

A partir da sua chegada ao Congresso Nacional Roberto Campos defendeu o liberalismo econômico, a livre empresa e a liberdade de empreender. Combatendo a burocracia, denunciou a falta de investimentos na infraestrutura do País para gerar desenvolvimento, defendeu a integração internacional da economia, inclusive na legislação.

Roberto Campos repudiava as premonições a ele atribuídas por alguns amigos, mas era dotado de grande capacidade de ver adiante, tanto que bem antes de muitos vislumbrava a globalização como um fenômeno inexorável38, afirmando:

Eu não sou profeta. Não previ nada. Apenas tive a felicidade de ver antes da maioria das pessoas que o mundo se transformaria numa aldeia global, sem limites físicos, pois o avanço da tecnologia e a universalização dos processos de comunicação, via satélite, não permitiriam o isolamento da Humanidade em compartimentos balizados por idiomas, áreas territoriais e credos religiosos ou políticos39.

A capacidade de antecipar-se à visão geral era qualidade reconhecida. “A gente pode não concordar com tudo o que o Roberto Campos defende. Mas é impossível ignorar suas previsões corretas”40

Não obstante a recusa de aceitar ter visão premonitória, o seu primeiro discurso no Senado Federal, em 1983, analisando os desafios do País, com o titulo

38

LUZ, 2002, p.50.

39

CAMPOS apud LUZ, 2002, p.50.

40

(31)

“As lições do passado e as soluções do futuro”, enfeixando uma síntese de problemas e proposituras de soluções, foi marcado pela antevisão do que ocorreria na vida política do país, durante o período da Assembleia Nacional Constituinte.

As bandeiras que viriam a ser defendidas vigorosamente por Roberto Campos, durante o período da Constituinte, podem ser identificadas na análise socioeconômica e política a que procedeu através de seu discurso na já citada estreia no Senado Federal.

Dividiu sua análise entre “as raízes do mal e as deformações de comportamento”. Nas raízes do subdesenvolvimento brasileiro estavam: a displicência demográfica; a imprevidência energética e a sacralização do profano.

Roberto Campos afirmava que as raízes do subdesenvolvimento brasileiro estavam na ausência de programas tempestivos de planejamento familiar, na imprevidência energética (monopólio da Petrobrás) e no intervencionismo estatal e no desrespeito à hierarquia de leis, referindo-se, especialmente, às reservas de mercado, criadas arbitrariamente, sem base legal, através de decretos e atos normativos, num setor de vertiginosa transformação tecnológica. Era o prenúncio de longa e frustrante batalha contra o isolacionismo informático41.

Naquilo que denominou de anatomia da crise, o diplomata propôs a terapêutica das soluções, apresentando simultaneamente dez projetos de lei que, como disse depois, se adotados à época, teriam contribuído para evitar a década perdida42. Os projetos se dividiam em quatro grupos:

1 – Medidas de flexibilização do mercado de trabalho e assistência ao desemprego:

Projeto de Lei 133 - Reforma do Fundo de Assistência ao desemprego e dispõe sobre o auxilio-desemprego;

Projeto de Lei nº 134 – Estabelece a livre negociação salarial e dá outras providencias;

Projeto de Lei nº 135 – Cria contratos de trabalho simplificados para facilitar novas empresas;

Projeto de Lei nº 137 – Cria nas empresas privadas, como alternativa às despesas do empregador, disponibilidade remunerada e dá outras providencias;

Projeto de Lei nº 140 – Favorece as aposentadorias e a renovação de quadros;

Projeto de Lei nº 141 – Agiliza as reduções da jornada de trabalho e conseqüentes salários, para evitar dispensa de pessoal;

2 – Medida para melhoramento da relação capital-trabalho:

Projeto de Lei nº138 – Dispõe sobre a eventual distribuição de lucros aos empregados;

41

CAMPOS, 2004, v.2, p 1074.

42

(32)

3 – Medidas relativas à privatização de empresas e serviços: Projeto de Lei nº 139 – Institui o programa de repartição de capital;

Projeto de Lei nº 136 – Autoriza a delegação de previdência social às empresas privadas;

4 – Medida de racionalização da estrutura de preços de combustíveis: Projeto de Lei nº 142 – Regulariza, sem aumento de incidências, o Imposto Único sobre Lubrificantes e Combustíveis Líquidos e Gasosos43.

No início da década de 80 o nível de desemprego no País era bastante alto, em razão de agudo processo de recessão, à época, um fenômeno presente na América Latina, em razão dos inchaços dos déficits públicos e as políticas monetárias frouxas44, e ainda recrudescidas pelo segundo choque do petróleo e a crise da dívida.

Roberto Campos, então, no começo do mandato de Senador, sugeriu alterar dispositivos da Constituição de 1967, da qual havia sido um dos artífices, como Ministro do Planejamento, no governo Castelo Branco, quando foi o responsável pela redação básica dos dispositivos sobre a ordem econômica, orçamentação, sistema tributário e educação.

As sugestões propostas pelo então Ministro do Planejamento tinham como objetivo a inserção dos dispositivos que permitissem maior flexibilização no mercado de trabalho, a fim de evitar o que chamou de mal supremo: o salário-zero do desemprego. No Brasil da época, era muito grande a pressão da oferta no mercado de trabalho, devido ao significativo crescimento populacional e à baixa habilitação de mão de obra.

Nesta mesma linha, sugeria a inclusão de dispositivo constitucional que permitisse a participação dos empregados nos lucros das empresas. Defendia o entendimento de que tudo o que o governo deveria fazer era remover obstáculos, a fim de facilitar contratos voluntários, entre empresas e empregados, sem impor regras rígidas, inaplicáveis à imensa variedade de situações empresariais45. Essas proposições, avançadas para o populismo da época não tiveram boa acolhida.

Confirmando a grande capacidade de enxergar mais longe do que a maioria, influenciado pelo pensamento liberal de Hayek46 adquirido nos tempos de

43

CAMPOS, 2004, v.2, p. 1076-1077.

44

STIGLITZ, Joseph. O que aprendi com a Crise Mundial. Folha de São Paulo, 15.04.2000, p.87. Disponível em: <www.rep.org.br/pdf/79>. Acesso em 14 08.2011.

45

CAMPOS, op. cit., p.1078.

46

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embaixador no Reino Unido na condição de atento observador da política privatista do governo de Margareth Tatcher, Roberto Campos, cinco anos antes de instalação da Constituinte, já pregava o redimensionamento do Estado, pela privatização de empresas federais, medida que julgava ser possível, não através da instalação de uma constituinte, mas perfeitamente assegurada através de simples ajustes na Constituição de 1967.

Dentre as sugestões de privatização, de caráter bastante ousado, releve-se aquela a que chamou de privatização juridico-social47, que consistiria na transferência gratuita e imediata da propriedade do capital das empresas federais, por dispositivo legal, aos segurados da previdência social, funcionários públicos e trabalhadores rurais filiados ao Programa de Assistência ao Trabalhador.

O polêmico projeto de lei de privatizar as empresas federais, medida extrema e certamente objeto de intensa crítica, à época, não foi aprovado pelo Congresso Nacional. O Diplomata justificava sua intenção sob o argumento de que a medida seria uma forma de devolver ao setor privado empresas que, no fundo, teriam sido formadas pelas contribuições e impostos do povo brasileiro.

Em suas iniciativas que visavam diminuir a participação do Estado em setores estratégicos, e assim abrir a possibilidade futura de melhor seguridade social em favor dos brasileiros, Roberto Campos apresentou projeto de lei cujo objetivo era privatizar, parcialmente, a previdência social, mediante delegações de determinadas atribuições às empresas privadas, com o consentimento dos trabalhadores, a exemplo do que havia acontecido no Chile.

Dando conta das pretensões de melhorar o que pudesse no sistema de tributação, tentou instituir o imposto único sobre lubrificantes. Com o fim de automatizar e racionalizar a cobrança dessa exação, garantindo também a participação dos estados e municípios no citado tributo. Sobre este tema disse:

Ironicamente, apesar de inimigo do monopólio estatal, era a terceira vez que me empenhava em defender essa empresa de políticas arbitrárias de fixação de preços que lhe infirmaram a rentabilidade em várias ocasiões. Minha primeira contribuição, no governo Kubitschek, fora a conversão do imposto específico sobre importação de petróleo em ad valorem, garantindo para a Petrobrás uma evolução dinâmica de sua fonte de recursos. A segunda fora o decreto-lei nº 61, do governo Castello Branco, que

comportamento representava uma inaceitável ameaça não só às liberdades econômicas dos indivíduos, como também às suas próprias liberdades políticas.

47

(34)

estabeleceu bases racionais para o cálculo da margem de refino e a hierarquização dos preços derivados48.

As sugestões de Roberto Campos, apesar de terem recebido razoável aceitação no Congresso, continuaram sem merecer a aceitação da maioria dos seus pares no Senado, não obstante recebessem simpatias desconfiadas, que, como disse, nunca se traduziram em aceitação entusiasmada porque “feriam alguns tabus demagógicos”49.

Arguto e atento observador ao que se passava em redor, ao chegar ao Senado, Roberto Campos logo percebeu que o ambiente não era muito acolhedor para os que vestiam a camisa do político liberal. Para estes o espaço era diminuto. Notou que a ideologia predominante era o nacional-populismo50·.

Tal conclusão de falta de espaço político para as ideias liberais foi reconhecida, tempos depois, ao analisar sua passagem pelo Senado Federal, quando Roberto Campos afirma que travou uma sucessão de batalhas perdidas, identificando como as principais: a batalha da informática; a batalha contra a ortodoxia do Plano Cruzado e a resultante da moratória e a batalha contra a instalação da Constituinte e, após, contra o modelo desenhado para a Constituição brasileira de 1988:

Minha reabilitação viria somente no fim do mandato, quando o colapso do socialismo e a queda do muro de Berlim me transformaram de herege imprudente em profeta responsável. Às vezes com conotações humorísticas. Num terrível lapsus linguae, um amigo veio me dizer que, com a queda do muro de Berlim e o evidente desastre da política de informática, eu deveria ser parabenizado por minha reabilitação póstuma51.

Bem antes da instalação da Assembleia Nacional Constituinte, advertindo os congressistas52, Roberto Campos profetizava sobre o perigo da “panacéia

48

CAMPOS, 2004, v.2, p.1079.

49

Ibidem., p.1079.

50

Eu sempre detestei esses dois ismos – o nacionalismo e o populismo. Fiz muitos amigos, mas tive poucos aliados. E notei uma coisa curiosa. Vários dos representantes dos estados capitalistas, ou de boa qualidade de vida, como São Paulo e Santa Catarina, cultivavam ideologias basicamente antimercado. Era o caso, por exemplo, dos três representantes de São Paulo – Fernando Henrique Cardoso, Mario Covas e Severo Gomes, todos do PMDB. O dois primeiros se descreviam como sociais democratas, admitindo várias formas de intervencionismo e estatismo, sob o pretexto do controle social do mercado. O último se deixou possuir de um rábido nacionalismo. Os meus mais íntimos amigos eram o saudoso Luis Viana, de institutos liberais mas relutante em acompanhar-me em minhas atitudes de espadachim antiestatizante. Outro era Jarbas Passarinho, uma excelsa figura, de grande dignidade ética, que atravessava uma fase de conversão ao neoliberalismo, sem esquecer seu sotaque estatista de antigo superintendente da Petrobrás. (Ibidem, p. 1080).

51

CAMPOS, loc. cit.

52

(35)

jurisdicista”, receando que o Brasil caísse na doença da “constitucionalite”, transformando a feitura de uma nova constituição, em fórmula de salvação53. Era a favor de medidas voltadas para uma maior liberdade nas atividades econômicas e consequente redução do papel do Estado no setor, através da adoção de medidas simplificadoras.

O diplomata tinha o firme convencimento de que fazer constituição é um esporte perigoso54. Isto porque, afirmava, cada parlamentar é tentado a inscrever no texto constituinte sua utopia particular. E radicalizava o entendimento admitindo que só se justifica logicamente reformar a Constituição quando há uma ruptura das instituições, como aconteceu na proclamação da República ou no fim da ditadura Vargas:

Este esporte perigoso somente se justifica logicamente quando há uma ruptura das instituições, como ocorrera na proclamação da República ou no fim da ditadura Vargas. O mesmo não se pode dizer da Constituição de 1988, que nasceu sem ruptura de regime, no bojo de um processo eleitoral constitucionalmente válido.

Em minha experiência política, participei de dois momentos constituintes. O primeiro quando, como ministro do Planejamento, no governo Castelo Branco, preparei a redação básica dos dispositivos sobre a ordem econômica, orçamentação, sistema tributário e educação, que viriam a figurar no texto da Constituição de 1967. O segundo, em 1987-88, como senador e membro da Assembleia Nacional Constituinte.

Meu ceticismo em relação a texto constitucional é hoje acachapante. Tal como concebida, a Constituição de 1967 foi a mais antiinflacionária e uma das mais privatistas do mundo. O Congresso não poderia aumentar despesas; não haveria investimentos sem projetos e especificação de receita; exigiam-se orçamentos-programa e os investimentos seriam amarrados por orçamentos plurianuais; o governo só poderia intervir no domínio econômico se houvesse desinteresse do setor privado ou necessidade inadiável de segurança nacional. Entretanto, nos vinte e quatro anos que se seguiram àquela Constituição, tanto a inflação como o estatismo continuaram sua marcha impávida. No campeonato mundial da inflação estamos empatando com a Rússia e nossa burocracia estatal não fica muito a dever à burocracia stalinista55.

O ceticismo de Roberto Campos em relação a textos constitucionais apoiava-se, também, no convencimento de que as constituições, quase sempre, não são

principiológicas, ou seja, não se limitam a prescrever os princípios gerais de organização do Estado, de seus poderes e das garantias das liberdades individuais, podendo, neste caso, ser duradouras. Já as constituições de preceito, às quais

fabricação de utopias, características dos momentos constituintes. Cinco anos depois a desastrada Constituição de 1988 documentaria os perigos da constitucionalite (CAMPOS, 2004, v.2, p.1075).

53

CAMPOS, loc. cit.

54

Ibidem., p.1183.

55

(36)

denominava de “constituições de instrumento”, tinham a tendência de refletir a situação de dominação partidária do momento, além de estar influenciadas pelos movimentos sociais vitoriosos em determinados momentos históricos56.

A extraordinária capacidade do diplomata de ver antes dos outros, mais uma vez se materializaria diante do que prenunciou acontecer após a promulgação da Constituição de 1988. É que as críticas de Campos apontavam para a impossibilidade de o País exercitar, no futuro, grande parte das propostas discutidas no Congresso Nacional Constituinte, caso fossem aprovadas. E o que era profecia se transformou em fato concreto, como será visto adiante. As emendas constitucionais que, nos últimos vinte anos, vêm alterando o texto original de 1988, ratificam as previsões de Roberto Campos, reconhecidas por constitucionalistas observadores:

As emendas constitucionais que vêm alterando o texto original de 1988 comprovam que a utopia e o romantismo daquele documento político não resistiram ao sopro efetivo do pensamento neoliberal, marcado pela globalização. Deve-se reconhecer nossa condição periférica, em relação ao capitalismo internacional57.

Cinco anos antes da instalação da Assembleia Nacional Constituinte, Roberto Campos denunciava a dupla tendência do governo brasileiro: a “ambivalência” ao querer investimentos estrangeiros, sem investidores estrangeiros; e o “escapismo”,

através da busca contínua de demônios externos para explicar a incompetência interna58.

Para Campos, não eram as multinacionais e o FMI os agentes maléficos ao País; os problemas do Brasil eram diferentes e estavam representados pela explosão demográfica, a explosão inflacionária e o gigantismo estatal59.

Não obstante a firmeza de seus discursos contra a instalação de uma Assembléia Nacional Constituinte, o País evoluiu politicamente para este objetivo.

56

CAMPOS, 2004, v.2, p.1184.

57

GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Globalização, neoliberalismo e o direito no Brasil. Londrina: Humanidades, 2004, p.36.

58

CAMPOS, op. cit., p. 1073.

59

Referências

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