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Introdução à anestesiologia

p a r t e

I

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Talvez por inveja ou comodismo, gostemos de imaginar as gran- des descobertas e invenções como frutos do acaso. Teria sido assim com Arquimedes, Newton e a lei da gravidade, Fleming e a penici- lina? Maior que o acaso é a determinação de mentes curiosas na busca de respostas para suas indagações. Victor Hugo, o francês, escreveu que o gênio tem um pé no presente e outro no futuro.

Jorge Luis Borges, o argentino, afirmou que existem momentos que justificam uma existência. E alguém disse que escrevemos para alguém ou contra alguém.

O momento de Morton foi em uma manhã de outubro de 1846, dia 16, sexta-feira, quando tinha apenas 27 anos. William Thomas Green Morton nasceu em 9 de agosto de 1819, em uma fazenda, em Charlton, Massachusetts. Com a falência do pai, aos 16 anos de idade, já decidido a estudar medicina, foi obrigado a abandonar a escola e trabalhar para comer. Aos 21 anos, recebeu uma pequena quantia em dinheiro de uma tia, juntou algumas economias e casou. Sempre pensando em ser médico, iniciou e concluiu a formação no Baltimore College of Dental Surgery em 1842, com 23 anos, para trabalhar, sustentar a família e os futuros estudos de medicina. Seu consultório em Boston fez rápido sucesso.

E faria mais sucesso se a dor no tratamento de raízes e coloca- ção de coroa nos dentes, técnica por ele desenvolvida, não espan- tasse os pacientes. Tendo identificado o problema, perseguiu a solução: como eliminar a dor dos pacientes?

Que um dentista, e não um médico, fosse enfrentar a dor, não é surpresa, se lembrarmos que a medicina ocupava-se três ou quatro vezes mais com pacientes morrendo de pneumonia, difteria, malária e febre tifóide do que com dor. E os pacientes procuravam os dentistas por causa da dor.

Em 1799, Humphry Davy descreveu o alívio que o óxido ni- troso trazia para suas dores de cabeça e de dente. “Uma vez que o óxido nitroso, na sua abrangente ação, parece capaz de destruir a dor física, ele pode, provavelmente, ser usado com grande vanta- gem durante cirurgias nas quais não ocorra grande perda de san- gue.”

Em 1839, o cirurgião Velpeau escreveu: “Evitar a dor em cirur- gias é uma quimera que não é possível perseguir nos dias de hoje.

‘Bisturi’ e ‘dor’ em cirurgia são duas palavras sempre inseparáveis no espírito dos pacientes, e a necessária associação deve ser aceita”.

No dia 11 de dezembro de 1844, o Dr. Horace Wells, de quem Morton fora sócio em odontologia, assistiu a uma apresentação dos efeitos do gás hilariante, como era conhecido o óxido nitroso, realizada por Gardner O. Colton, em Hartford. Sob o efeito do gás, Samuel Cooley bateu fortemente a perna, com lacerações abaixo do joelho, mas mostrou-se indiferente à dor. Wells notou o fato e ficou impressionado. Daí, solicitou a John Riggs que lhe extraísse um dente que o incomodava enquanto inalava óxido nitroso. “Uma nova era na extração dentária!” – exclamou. “Não doeu mais que uma espetada de agulha. É a maior descoberta feita até agora!”

Em janeiro de 1845, na Universidade de Harvard, Wells tentou uma demonstração do novo método para extração sem dor. O paciente era grande e forte, e Wells não dominava a farmacologia nem a administração do óxido nitroso (que não é anestésico sufi- ciente). O paciente gritou de dor e o fracasso foi completo, como Morton testemunhou, muito envergonhado.

Desencorajado, Wells voltou para Hartford dizendo aos amigos que não se podia confiar naquele gás, que não produzia o mesmo efeito em todos os casos. Abandonou os experimentos e acabou deixando a odontologia. A trajetória de Wells não foi feliz: viciou- se em clorofórmio, viajou pelo país com um grupo de atores e foi preso por jogar ácido sulfúrico em uma prostituta em Nova York.

Por fim, suicidou-se na prisão após cheirar éter e seccionar a artéria femoral direita, com uma tesoura.

De Wells, com quem obteve alguns conhecimentos em odonto- logia, Morton usou o fracasso da apresentação para duas conclu- sões: em primeiro lugar, mais pessoas andavam tentando desco- brir o alívio da dor, e, em segundo lugar, devia-se buscar alterna- tivas para o óxido nitroso (ver nomes e fatos relacionados à intro- dução da anestesia no Anexo 1.1). Uma terceira lição poderia ser levantada: ter persistência, mas esta já era de sua natureza ou a aprendera em sua dura adolescência.

Em 1275, o alquimista, filósofo e missionário espanhol de Majorca, Raymundus Lullius, autor de obras sobre o cristianismo,

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A história da anestesiologia

Paulo Ernani Evangelista

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converteu-se ao islamismo. Os árabes, que trouxeram a química à Espanha, o influenciaram. Ele descreveu a ação do óleo do vi- tríolo (ácido sulfúrico) sobre o álcool para produzir o vitríolo doce.

Em 1540, na Suíça, Paracelso, professor de química e de medici- na na Basiléia, e que seria chamado de Lutero da medicina por William Osler, descreveu a destilação de uma mistura de ácido sulfúrico e álcool. Ele escreveu que essa mistura “acalmava todo sofrimento sem nenhum dano e aliviava toda dor e extinguia todas as febres”. No mesmo ano, Valerius Cordus, sócio e aluno de Paracelso, descreveu o preparo e os usos do vitríolo doce que, em 1730, receberia o nome de éter, pelo cientista alemão W. G.

Frobenius.

Em 1818, Michael Faraday, que trabalhava com Humphry Davy no Instituto Real de Londres, notou muitas semelhanças entre a inalação de óxido nitroso e éter. Diferentemente do óxido nitroso, todavia, Faraday advertiu sobre a necessidade de cuidados maiores ao usar-se éter.

Henry Hill Hickmann, que não conseguia suportar os gritos de dor dos pacientes durante as operações que realizava, experi- mentou, em 1823, insensibilizar animais usando gás carbônico para operá-los. Em 1824, escreveu para T.A. Knight relatando seus experimentos com cirurgia sem dor em animais mediante uso desse gás.

Como se pôde observar, óxido nitroso e éter já eram conheci- dos dos dentistas, médicos e do público. Os médicos já usavam éter como substância terapêutica, por via oral, para doenças pul- monares crônicas, debilidade geral, febre tifóide e asma. Ele era aplicado localmente para dor de cabeça, hérnia inguinal estrangu- lada e em lacerações dolorosas dos dedos. As pessoas, por sua vez, divertiam-se com essas substâncias nos espetáculos com o gás hilariante e nas ether-parties.

A primeira anestesia só poderia ter sido geral, e não regional, pois não havia anestésicos locais, nem a agulha metálica oca, que surgiria somente em 1853, com Alexander Wood, de Edimbur- go. E a anestesia geral não poderia ser venosa, pois o primeiro anestésico venoso só seria usado muito mais tarde.

O primeiro anestésico só podia ser o éter, escreveu Nicholas Greene, pois era de fácil síntese, de fácil estocagem, conhecido, potente, podia ser administrado com ar atmosférico e assegurava analgesia com baixas concentrações sem causar hipoxemia. Tinha que ter baixo ponto de ebulição para que, em temperatura ambien- te, fosse obtida uma pressão de vapor suficientemente grande para permitir a inalação de concentrações efetivas. O éter tem um ponto de ebulição de 34oC com pressão de vaporização de 440 mmHg a 20oC. Vaporizando tão prontamente, pode ser administrado do modo mais simples: deixando-o pingar sobre um lenço ou pano que cubra a boca e o nariz do paciente.

O primeiro anestésico não poderia ter sido um gás, pois seriam necessários cilindros metálicos, válvulas redutoras, fluxômetros para administração exata, válvulas direcionais e absorvedores de gás carbônico, sem mencionar fabricação, purificação, estocagem e outros aspectos.

O primeiro anestésico tinha como pré-requisito a segurança.

Na metade do século XIX, segurança significava reversibilidade, ausência de depressão respiratória, ausência de depressão do siste- ma cardiovascular e falta de toxicidade tecidual.

Provalvelmente seria administrado por um dentista, e não por um médico, pois, em primeiro lugar, o número de cirurgias era mínimo (no Hospital de Massachusetts, entre 1821 e 1846, foram realizadas apenas 333 cirurgias, pouco mais que uma por

mês) e, em segundo lugar, porque a dor não era preocupação dos médicos, mas, sim, dos dentistas.

O primeiro anestésico inalatório tinha de ser suficientemente potente para produzir níveis adequados de anestesia ao ser inala- do, sem provocar hipoxemia. Wells fracassou porque o óxido ni- troso não é potente como o éter e facilita a hipoxemia.

Na verdade, em 1842, Crawford Long, médico da cidade de Atenas, no Estado da Geórgia, realizou várias cirurgias em que empregou o éter para eliminar a dor, mas a comunicação foi feita anos depois.

Morton, como estudante de medicina, assistiu ao cirurgião John Collins Warren referir-se à necessidade de prevenção da dor.

Outro professor, no mesmo ano, discorreu sobre estimulantes ce- rebrais e, entre eles, mencionou o éter.

Em julho de 1844, a Sra. Parrott procurou seu consultório e Morton não conseguiu operá-la por causa de suas reclamações de dor. Aplicou-lhe cloreto de etila na parte afetada, como faziam os dentistas. Em sucessivas consultas, depositou cloreto de etila na cavidade dentária, selando-a com cera, até a próxima aplicação.

Após várias aplicações – para surpresa sua – notou, ao explorar a cavidade dentária, que os tecidos vizinhos estavam insensíveis e não havia dor no local.

“A idéia ocorreu-me quase instantaneamente – contou Morton – que se eu conseguisse obter algum modo de submeter o sistema inteiro à influência do éter, seria uma forma valiosa de aliviar a dor mais intensa ou mais difusa.”

Pelos livros, Morton soube que o éter era considerado um veneno; que Sir Benjamin Brodie aplicara éter em cobaias e elas morreram; que uma jarra com éter quebrara em um apotecário e uma funcionária morrera ao inalar os vapores; que professores de medicina, tanto ingleses como americanos, proibiam seus alu- nos de inalar os vapores de éter, nem que fosse para divertimento.

Assim, foi para a fazenda de seu cunhado em Connecticut aplicar cloreto de etila em pássaros e pequenos quadrúpedes – vítimas anônimas da ciência –, de onde voltou desapontado.

Dos textos de medicina, aprendeu que o éter podia ser usado, se diluído em ar atmosférico, para tratar pessoas que inalaram gás clorídrico e portadoras de várias outras doenças; que a inalação do éter provocava uma sucessão de acontecimentos idênticos aos obtidos com o gás hilariante; e que geralmente ocorria estupefa- ção, enquanto apoplexia era observada eventualmente.

Então, pensou Morton, o éter, em pequenas quantidades, poderia ser inalado com segurança, embora não sem desconforto.

Suas questões iniciais eram onde e como começar, como descobrir a quantidade certa e suas limitações.

Sua primeira experiência foi colocar éter, morfina e ópio em uma retorta que foi envolvida em uma toalha quente. Escondido, sem que ninguém soubesse de suas atividades, seguiu o destino.

Consciente das batidas do coração, cheio de expectativa, ansioso pela vida e pelos resultados, aproximou-se cautelosamente da retorta contendo a mistura improvisada e inalou-a, pouco a pouco, sentindo nas narinas, na boca e na garganta a passagem forte dos vapores. O resultado foi uma tremenda dor de cabeça e um amortecimento que aumentava com o suceder das inalações.

Na primavera da 1846, Morton ficou sabendo que um estudan- te do laboratório inalava éter puro, sem misturas, freqüentemente, sem nenhuma complicação. Conversou também com um químico de Boston, que relatou ter acompanhado várias pessoas que inala- vam éter para obter seus efeitos hilariantes; e falou até com um homem que, durante a agitação provocada pelo éter inalado, ba-

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tera a cabeça fortemente, nada sentira, nem lembrava do acidente, e que recuperada a consciência, só tomou conhecimento do ocorri- do quando lhe foi chamada a atenção para o ferimento. A im- pressão geral era de que, usado em grandes quantidades, os efeitos do éter poderiam ser perigosos, prolongados e até fatais.

Avançando na conspiração, Morton embebeu algodão com éter e aplicou-o no cachorro de sua esposa, Elizabeth. O cachorro ficou no chão como morto e, durante dois ou três minutos, ignorou empurrões e beliscões. Nem reagiu quando lhe foi retirado um pedaço de sua orelha. No entanto, em menos de cinco minutos estava brincando como se nada tivesse ocorrido.

Como precisasse de pacientes, Morton ofereceu cinco dólares aos assistentes William P. Leavitt e Thomas B. Spear para que encontrassem um homem que inalasse o éter e o deixasse extrair- lhe um dente. Sua procura foi em vão.

Os assistentes foram então convencidos a inalar o éter coloca- do no lenço. Porém, em cada um deles, a sensação inicial de tontu- ra passou com rapidez, deixando-os violentos. Os resultados ines- perados intrigaram Morton, que acabou descobrindo que, diferen- temente das outras vezes, o éter usado continha 25% de álcool.

Pela primeira vez, Morton compartilhou suas expectativas com Francis Whitman, seu cunhado, com o Dr. Hayden, seu assistente, e com R. H. Dana Jr., seu consultor jurídico. Era junho de 1846.

Na primeira verificação real do éter em seres humanos, Morton foi sujeito e objeto. A descrição desta experiência pode ser encon- trada nas memórias que ele apresentou para a Academia de Artes e Ciências, em Paris:

“Segurando o tubo e o frasco, sentei-me na cadeira de dentista e comecei a inalar. Notei que o éter era tão forte que sufocou-me parcialmente, mas sem produzir efeito definido. Então, saturei meu lenço e inalei o éter. Olhei para meu relógio e logo perdi a consciência. Enquanto recuperava-me, sentia um amortecimento nos membros e uma sensação como de pesadelo, e teria dado o mundo para que alguém chegasse e me acordasse. Pensei por alguns momentos que eu deveria morrer naquela situação e que o mundo teria apenas piedade ou ridicularizaria minha loucura.

A seguir, senti um leve formigamento na ponta do terceiro dedo e fiz uma tentativa para tocá-lo com o polegar, mas sem sucesso.

Em um segundo esforço, consegui tocá-lo, mas parecia não ter nenhuma sensibilidade. Gradualmente, levantei meu braço e be- lisquei minha coxa, mas podia notar que minha sensibilidade era imperfeita. Tentei levantar-me da cadeira, mas não consegui.

Aos poucos, recuperava as forças nos membros e a completa cons- ciência. Imediatamente olhei para meu relógio e notei que estivera insensível entre sete e oito minutos. Maravilhado com o sucesso de meu experimento, logo anunciei o resultado para os emprega- dos de meu estabelecimento e esperei com impaciência por al- guém para que pudesse fazer um teste completo.”

Naquela mesma noite, a campainha da casa tocou e um ho- mem entrou suplicando que lhe extraíssem um dente. Receoso da cirurgia e ansioso, perguntou se Morton poderia hipnotizá-lo.

“Eu não disse exatamente que poderia fazê-lo – contou Morton – nem disse que não poderia, pois eu estava muito ansio- so por um paciente.”

Preparativos feitos, o éter foi derramado sobre um lenço. Ante a solicitação de inalar, o paciente obedeceu como uma criança e quase imediatamente perdeu a consciência. Enquanto o Dr.

Hayden segurava a lâmpada, Morton extraiu um dente de raízes vigorosas. Breve foi a alegria. Após a extração, o paciente empali- deceu e deslizou da cadeira para o chão.

Morton afirmou: “Nunca vi um corpo com respiração parecer tanto um cadáver”. Imaginando uma tragédia, suando na testa, Morton agarrou o paciente pelo colarinho e ergueu-o. O homem continuou imóvel, Morton perdeu as forças e o paciente caiu na cadeira com uma pancada que inflou seus pulmões e como que iniciou a circulação. Recuperadas as cores do rosto, o paciente gritou “Glória!”.

“E eu queria gritar Glória Aleluia com ele – disse Morton – mas não havia um fio seco em mim; estava completamente apavo- rado, supondo que ele estivesse morto.”

Na manhã seguinte, bem cedo, o paciente Eben Frost, já nas suas atividades de padeiro, chamou seu salvador para dizer: “É um grande modo de arrancar dentes, doutor. Vou mandar todos os meus amigos para o senhor”. Era fim de setembro de 1846.

Mais experiências com pacientes foram realizadas, o que aju- dou a definir melhor as quantidades e os limites. Chegou então o momento de provar para o meio médico e científico suas idéias e experimentos. Morton escolheu o Massachusetts General Hospi- tal, em Boston, e esperou convite e permissão do cirurgião Dr.

John Collins Warren para uma demonstração ao mundo médico, depois de ter explanado o que deveria ocorrer. Deixou o escritório do Dr. Warren com a impressão de que seus argumentos haviam sido pouco convincentes. Mais estudos e experimentos foram feitos.

Dias depois, em 14 de outubro, o Dr. C.F. Heywood, cirurgião do hospital, recebendo ordens do Dr. Warren, comunicou que Morton estava autorizado a aplicar seu preparado em um paciente do hospital na sexta-feira seguinte, às 10 horas da manhã.

Aproximando-se a data, Morton mal conseguia comer ou dor- mir. Ele temia efeitos desconhecidos e imaginava os cirurgiões tirando o paciente de suas mãos. Estudou mais, procurou melho- rar seu instrumento, e buscou antídotos para usar em caso de resultado infeliz.

À época, enorme era o impacto nos que recebiam indicações de cirurgia. Uma paciente de Velpeau, ao ser comunicada sobre a necessidade de cirurgia, suicidou-se.

Chegou o dia, e aproximava-se a hora. O impressor Edward Gilbert Abbott tinha um tumor vascular na mandíbula esquerda, do qual queria se livrar.

A hora chegou, passou, e Morton não apareceu. O Dr. Warren levantou-se e disse: “Como o Dr. Morton não chegou, presumo que tenha outro compromisso”. A assistência ainda ria e Warren erguia o bisturi, quando irrompeu Morton, trazendo o inalador, vindo diretamente do artesão, onde haviam trabalhado desde as quatro horas da manhã. Seu primeiro olhar foi para o paciente, e o segundo, para a enorme assistência, composta de representantes de todas as profissões, inclusive médicos e estudantes de medici- na. Não encontrou nenhuma expressão de simpatia; apenas incre- dulidade franca e, quando muito, curiosidade neutra. “Bem, se- nhor, o paciente está pronto”, atropelou Warren.

Morton acalmou o paciente e iniciou a administração de seu preparado. Nenhum som. Os olhares iam para Morton ou para o paciente. Após cinco minutos, com o paciente dormindo, notou a assistência atônita e interessada.

Havia entre os homens interesse, curiosidade, inveja, admira- ção, medo, ansiedade, entusiasmo, ambição, desconfiança, in- credibilidade, fé e indiferença. Ninguém sabia, mas ali estavam reunidas as dores e as esperanças dos homens.

“O paciente é seu, senhor”, disse Morton a Warren, que ergueu o bisturi lentamente, temeroso de assustar o paciente. As cordas

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estavam prontas para agir se o paciente reagisse. O bisturi cortou vários centímetros. Para Morton, parecia que o cirurgião operava com deliberada calma e que nunca iria terminar.

Narrou o cirurgião Bigelow, que estava presente: “Durante a operação, o paciente resmungou, como em um estado semicons- ciente, e depois disse que a dor fora considerável, embora mitiga- da; nas suas próprias palavras, como se a pele tivesse sido arranha- da com uma enxada. Houve, provavelmente, neste momento, algum defeito no processo da inalação”.

“Senhores – diz o Dr. Warren –, isto não é uma farsa.“

“Fiz uma cirurgia interessante no hospital, esta manhã, en- quanto o paciente estava sob a influência do preparado do Dr.

Morton para evitar a dor. A substância empregada era o éter sulfú- rico” – escreveu Warren no seu diário, à noite. O preparado usa- do era chamado de Letheon, o “rio do sono” da literatura grega.

Era éter misturado com perfumes e corantes colocados para con- fundir, pois Morton pretendia comercializar o produto.

Em artigo publicado no The Boston Medical and Surgical Journal, em dezembro de 1846, o Dr. Warren escreveu: “Interrogado ime- diatamente após, se doera muito, ele (Abbott) disse que sentira como se seu pescoço tivesse sido arranhado; mas, subseqüente- mente, interrogado por mim, seu depoimento foi de que não senti- ra dor, embora sabendo que a cirurgia estava sendo realizada”.

O Dr. Bigelow descreveu o novo método de inalação: “Um pequeno globo de vidro com duas pequenas extensões contém o vapor, junto com esponjas que aumentam a superfície de evapora- ção. Uma das extensões permite a entrada de ar para o globo que, quando cheio de vapor, é levado aos pulmões pela segunda extensão. O ar inspirado passa, assim, pelo vidro, mas a expiração é eliminada por uma válvula para o ar ambiente, evitando o acú- mulo do vapor administrado”.

“Naquelas poucas horas – contou Elizabeth, a esposa de Mor- ton – entendi o significado da agonia do suspense. Eu seguida- mente ouvia predições de que ele mataria alguém com suas experiências.” E prosseguiu: “Minha mente recuava com horror de tais pensamentos, mas era forçada a conviver com eles”. Sobre o dia 16 de outubro, disse: “Eu não sabia em qual momento chega- ria um mensageiro com a informação de que meu marido estava preso por assassinato. Quando ele retornou, havia algo em sua face contando-me, antes que abrisse os lábios, que tinha triunfa- do”.

As reações em Boston e no mundo foram de incredibilidade e, depois, de hostilidade. Por três semanas, o uso do éter foi inter- rompido no hospital.

Os cirurgiões não concordavam em pagar pelo Letheon, já que Morton registrara a patente. Eles também não queriam que seus pacientes fossem anestesiados. Morton era chamado por lei- gos e por médicos de charlatão.

Por interferência do Dr. Bigelow, foi liberado para anestesiar a paciente Alice Mohan, de 20 anos de idade, com doença no joelho e que precisava amputar a perna para sobreviver.

O cirurgião J. F. Flagg escreveu um artigo criticando a defesa de Morton publicada por Bigelow no The Boston Medical and Surgical Journal. Afirmou que os argumentos eram fracos. O que estava sendo patenteado: “Uma força? Um princípio? Um efeito natural?

O uso de uma droga bem conhecida”?

Os jornais, leigos e médicos, deixaram passar algumas sema- nas antes que qualquer notícia sobre o dia 16 de outubro apareces- se. Então vieram as denúncias de fraude, da última maravilha, de algo “que cedo desceria ao fundo do grande abismo onde estão

soterradas muitas das inovações anteriores”. “Nós não deveríamos considerar digno de notícia alguma – escreveu um importante jornal médico da Filadélfia – mas por um jornal de Boston, perce- bemos que destacados membros da profissão foram envolvidos em sua rede.” Em Paris, o anúncio da descoberta foi recebido com quase indiferença. Velpeau, Roux, Magendie e outros recusa- ram-se a usá-la. Em Zurique, o uso de éter foi proibido pelas autoridades. Até novembro de 1847, no Hospital Pensilvânia, de Boston, um dos maiores do continente, não fora realizada uma anestesia sequer.

Muitos sermões contra o uso do éter foram feitos nas igrejas.

A dor era conseqüência do pecado original e não devia ser evitada.

Outros juravam que a dor era salutar. Um eminente fisiologista duvidava ser de todo vantajoso eliminar a dor: “Sofrer é um assun- to trivial – afirmava – e uma descoberta cujo objetivo é evitar a dor tem pouco interesse”.

Cartas do mundo inteiro chegavam até a casa de Morton, com censuras por ter divulgado uma trapaça. Acadêmicos de Paris criticavam o anúncio prematuro de sua descoberta.

Os dentistas de Boston reuniram-se e uma comissão de 12 cérebros foi composta para fazer um protesto formal contra a anestesia de Morton. Os colegas dentistas promoveram grande publicidade nos jornais alertando a população sobre acidentes, informando que pessoas saíram delirantes do consultório de Mor- ton, permanecendo assim por vários dias, com sangramento nos pulmões, melancolia e outros males.

A administração de éter estava ameaçada de processo. Morton foi denunciado na polícia por um médico que atendeu um menino que havia sido anestesiado e que tinha engolido sangue durante a extração de um dente. Tal médico fora chamado à casa do meni- no quando este havia vomitado sangue: tendo detectado o cheiro de éter, declarou que o menino tinha sido envenenado. Cartas ameaçadoras de advogados eram constantes.

O filósofo Emerson publicou um artigo em que, mesmo reco- nhecendo ter ligações familiares com Charles Jackson, resumiu sua posição citando a frase de Morrill Wyman: “Em relação a esta grande descoberta da eterização, o Dr. Jackson foi o cérebro e Morton, a mão”.

Charles Jackson era médico, químico e geólogo. Estudara na Europa também. Entrou na disputa pela descoberta da anestesia e foi uma sombra maligna na vida de Morton, até precisar ser internado em um hospício. Quando Samuel Morse era saudado pela invenção do telégrafo, Jackson também quis dividir as hon- ras, alegando que, durante uma viagem de navio, encontrara Morse, e que este recebera informações suas que acabaram culmi- nando na descoberta do telégrafo.

O médico William Osler também foi literário, porém direto:

“Morton revelou a anestesia para o mundo”.

Tendo chegado tão longe, Morton não recuaria agora. Ensinou jovens médicos a aplicar o éter e eles partiram para vários locais dos Estados Unidos, Londres, Paris e São Petersburgo, para divul- gar a anestesia. Às suas próprias custas, transformou a casa em hospital, e ofereceu cirurgias gratuitas, solicitando apenas que os pacientes testemunhassem que haviam sido anestesiados. Ele passou a fabricar éter puro, oferecendo-o ao governo para que fosse usado nos soldados feridos na guerra contra o México. O governo norte-americano recusou sua oferta.

Aos representantes de Morton, os cirurgiões diziam que não encaminhariam pacientes para “o vale da sombra da morte“, com a perspectiva de que ficassem incapacitados de retornar. Morton

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propôs então levar pacientes a hospitais de outras cidades para anestesiá-los. Encontrado o hospital, ofereceu 50 ou 100 dólares por paciente que lá tratasse os dentes. Conseguiu, enfim, pacien- tes, obteve êxito e recebeu elogios.

Mais tarde, uma paciente, após algumas inalações de éter, acabou morrendo. Os cirurgiões intimaram Morton para que vies- se ver os caprichos deste agente. “Tomei o primeiro trem para Nova York” – disse Morton. “Em New Haven encontramos o trem de Nova York – continuou ele – e os jornaleiros gritavam: “Morte pelo éter”.

“Comprei um jornal e li que uma paciente fora enviada ao hospital por violenta dor de cabeça e que uma hora após a admis- são algumas inalações de éter lhe foram administradas, quando suas unhas ficaram escuras, seus lábios roxos e ela morreu.”

“Um caso claro de morte pelo éter”, diziam os cirurgiões à minha chegada. Eu lhes disse ‘não’ e insisti em um exame post- mortem. Não havia concordância com o exame. A lei era clara: é crime o exame sem autorização. Mesmo assim, fui em frente, pois estava convicto de que não fora o éter e que a causa poderia ser identificada. Em menos de uma hora de exame foi encontrado, no lobo inferior do cérebro, um tumor com cerca de dois terços do tamanho de um ovo de galinha.”

Assim foram seus dias. Por um artigo em jornal, pagou 1.600 dólares. Segundo testemunho de R. H. Dana Jr., “O Dr. Morton dificilmente teve uma noite completa de sono ou uma refeição regular durante três meses”. Absorto na defesa e divulgação da descoberta, gastando muito dinheiro pessoal, deixando de lado a clínica dentária que lhe rendia quase 20 mil dólares por ano, seus amigos preocuparam-se tanto que entraram em juízo para que lhe fosse nomeado um tutor.

Registrou sua esposa Elizabeth Whitman Morton: “O grande feito de meu marido, dedicado ao bem-estar da humanidade, acabou sendo uma maldição para ele e para sua família”.

Em 15 de julho de 1868, Morton foi a Nova York responder a um artigo agressivo escrito por Jackson em uma revista mensal.

O dia estava especialmente quente e ele se dirigiu ao Central Park para arejar e se acalmar. No caminho, sentiu tonturas e fraqueza;

na entrada do parque, freou a carruagem e caiu inconsciente nos braços de sua esposa. Foi levado ao St. Luke‘s Hospital, onde morreu de insuficiência vascular cerebral.

Perto de Boston, no Mount Auburn Cemetery, há uma ins- crição no túmulo de Morton, feita pelo Dr. Jacob Bigelow e ofereci- da por amigos:

William T. G. Morton

Inventor e revelador da Anestesia Inalatória Antes dele, em todos os tempos, a cirurgia era agonia Por ele, a dor na cirurgia foi evitada e anulada Depois dele, a ciência tem o controle da dor.

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A história da Anestesia é reflexo do homem na busca de uma vida melhor: se não se pode ser feliz, que ao menos a dor seja domada. Nos milhares de anos, saltam do anonimato nomes que foram pavimentando uma longa estrada em busca do controle da dor.

460-377 a.C. – Hipócrates usa a “esponja soporífera”, impregnada com uma mistura de ópio, mandrágora e outras substâncias. Dizia que “uma vez identificada a lesão, o cirurgião devia preparar adequadamente o campo, colocar-se em lugar bem-iluminado, ter as unhas curtas e ser hábil no ma- nejo dos dedos, principalmente com o indicador e o polegar”.

50 d.C. – Dioscórides, médico grego também chamado de Pedânio, usa a palavra anestesia no seu significado moderno. Ao descrever os efeitos da mandrágora, usou a palavra exatamente como se usa hoje.

1275 – Raymundus Lullius descobre o éter e chama-o vitríolo doce.

1298 – 24 de dezembro: Morre Theodorico de Lucca, médico italiano e bispo.

Ele desenvolveu as “esponjas” soporíferas saturadas com ópio e mandrágora, para alívio da dor cirúrgica.

1540 – Valerius Cordus descreve a síntese do éter.

1543 – Vesalius realiza as primeiras dissecções humanas. Ele escreveu um livro clássico, o “De humani corporis fabrica”, onde são descritas a intubação endotraqueal em animais e a respiração artificial.

1564 – Ambroise Paré aplica a congelação ou o esfriamento na zona operató- ria como anestésico.

1616 – William Harvey estuda e descobre a circulação sangüínea.

1632 – 20 de outubro: Christopher Wren nasce em Londres.

1637 – 8 de setembro: Morre Robert Fludd, médico inglês, filósofo e inventor.

Foi um dos primeiros médicos a contar o pulso.

1656 – Wren injeta vinho em um animal usando pena de ave e uma bexiga de porco.

1660 – Wren testa a transfusão sangüínea entre animais.

1665 – Wren relata suas experiências nas Philosophical Transactions of the Royal Society de Londres.

1665 – Segismund Elsholtz injeta solução de ópio para produzir insensibilida- de à dor.

1666 – 14 de novembro: Samuel Pepys relata a primeira transfusão de sangue, em cachorros.

1667 – 15 de junho: Embora a data exata seja discutida, acredita-se que o médico e astrólogo parisiense, Professor Jean-Baptiste Denis (1640?-1704), tenha realizado a primeira transfusão de sangue envolvendo um ser huma- no. O paciente era um jovem febril em quem outros médicos tinham em- pregado sanguessugas 20 vezes; depois que Denis o transfundiu com vári- as mililitros de sangue de cordeiro, ele “recuperou-se rapidamente da le- targia”. Denis usou um método semelhante para curar um louco, e mais alguns experimentos de outros cientistas na França e em Londres tiveram êxito. Contudo, depois que um paciente morreu, Denis foi julgado por as- sassinato. Foi inocentado – porque se provou que a esposa do paciente tinha usado veneno –, mas as transfusões sangüíneas logo foram proibi- das na Europa. Passou-se um século antes da primeira tentativa de trans- fusão entre humanos.

1712 – 8 de março: O médico inglês John Fothergill nasce em Wensleydale, Yorkshire. Entre muitas outras realizações, este quacre devoto foi o primei- ro a descrever enxaquecas com precisão, e reconheceu que o endureci- mento das artérias poderia causar dor torácica.

1733 – W.G. Frobenius muda o nome de vitríolo doce para éter.

1733 – 13 de março: Joseph Priestley nasce na Inglaterra. Foi ministro unitarista, autor e químico.

1744 – Fothergill publica um relato de ressuscitação boca a boca para reavivar os aparentemente mortos.

1771 – Joseph Priestley descobre o oxigênio.

1772 – Priestley sintetiza o óxido nitroso aquecendo nitrato de amônia a 240oC em uma retorta de ferro.

1774 – Priestley, no seu livro “Experiments and observations on different kinds of airs – vol. 1:228”, descreve pesquisas sobre gases. Em função do apoio às revoluções francesas e americanas, Priestley foi forçado a fugir para a América do Norte.

1776 – Antoine Laurent Lavoisier, da França, identifica o oxigênio, chamando a atenção para sua importância na composição do ar e junto ao nitrogênio.

Destacou a importância de respirar este gás. Propôs “oxigênio“ como nome da substância que Priestley isolara e chamara de ar deflogisticado. Lavoisier é conhecido como o pai da química moderna. Atribuem-se a ele as teorias

da combustão, a criação de um novo sistema de nomenclatura química e a autoria do que é considerado o primeiro livro moderno de ensino de quími- ca.

1778 – 17 de dezembro: Nasce Humphry Davy.

1791 – 22 de setembro: Nasce Michael Faraday, químico inglês.

1792 – Curry, utilizando o tato, realiza intubação traqueal pela primeira vez.

1793 – 28 de novembro: Antoine Lavoisier rende-se ao governo revolucionário francês. É preso e executado na guilhotina em 1794. “A República não pre- cisa de cientistas” – disse Robespierre, condenando-o à morte.

1794 – Thomas Beddoes funda o Pneumatic Medical Institute, na Inglaterra.

1799 – 6 de dezembro: Morre o grande químico escocês, Joseph Black, que isolou o gás carbônico. Entre muitos outros, Black ensinou Thomas Beddoes quando este era um estudante de medicina na Universidade de Edimbur- go, por volta de 1780.

1799 – Em Bristol, Inglaterra, Davy se torna a primeira pessoa a respirar óxido nitroso. Em 1800, ele publicou um livro volumoso sobre laboratório, ani- mais e experiências humanas que ele, Beddoes e outros realizaram no Beddoes’ Pneumatic Medical Institute.

1800 – Humphry Davy produz óxido nitroso e sugere seus efeitos analgésicos para cirurgia, porém misturado ao oxigênio. Livrou-se das dores de dente e de cabeça ao inalar óxido nitroso.

1804 – 6 de fevereiro: Joseph Priestley morre em Northumberland, Pensilvânia.

1809 – 29 de agosto: Nasce o médico americano e autor Oliver Wendell Holmes.

1811 – 7 de junho: James Young Simpson nasce em Bathgate, perto de Edim- burgo, Escócia.

1815 – 21 de janeiro: Horace Wells nasce em Hartford, Vermont.

1815 – 5 de março: Morre o médico alemão Franz Mesmer, que desenvolveu o que hoje se chama hipnotismo. O “mesmerismo” era extensamente usado para alívio da dor cirúrgica antes de 1845.

1815 – 1º de novembro: Crawford W. Long nasce em Danielsville, Geórgia.

1818 – Michael Faraday, grande químico e físico inglês do eletromagnetismo, aluno de Davy , escreve: ”inalando-se uma mistura de éter com ar, obtêm- se efeitos iguais aos observados com o óxido nitroso”.

1823 – O jovem médico inglês Henry Hill Hickmann, que não suportava os gritos dos pacientes sendo operados, inicia experimentos para levar ani- mais ao estado de inconsciência pela inalação de gás carbônico.

1824 – 21 de fevereiro: Henry Hill Hickmann escreve carta para T.A. Knight, na qual relata as experiências com cirurgia indolor em animais.

1828 – J. L. M. Poiseuille inventa o manômetro de mercúrio, destinado a medir as pressões em diferentes artérias. Realizou seus estudos clássicos sobre resistência ao fluxo e estabeleceu a lei que recebe seu nome.

1829 – 15 de fevereiro: Nasce Silas Weir Mitchell, cirurgião americano, neuro- logista, novelista e poeta que explora a relação entre dor e tempo e tensão ocular com as dores de cabeça.

1829 – 12 de abril: O Dr. Jules Cloquet realiza mastectomia em paciente ador- mecida pela hipnose.

1830 – 5 de abril: Morre Henry Hill Hickmann. Cientistas da França e Inglater- ra, inclusive Humphry Davy, não reconheceram os trabalhos de Hickmann.

“Não obstante, ele merece o crédito de ter sido o primeiro dos investigado- res modernos a provar mediante experimentação em animais que a dor de operação cirúrgica poderia ser abolida pela inalação de um gás.” KEYS, T.E. The history of surgical anesthesia. New York: Krieger, 1978. p.19.

1831 – Samuel Guthrie (EUA), Eugene Souberrain (França) e Von de Justus Liebing (Alemanha) sintetizam o clorofórmio.

1832 – 1º de setembro: Nasce Ephraim Cutter, médico americano e inventor do laringoscópio.

1836 – Lafarge, da França, inventa o primeiro trocar oco para injetar morfina.

1840 – John Hutchinson mede a capacidade vital pulmonar pela primeira vez.

1842 – Janeiro: Em Rochester, Nova York, o médico William E. Clarke adminis- tra éter em uma toalha para a Sra. Hobbie, para que o dentista Elijah Pope pudesse extrair-lhe um dente.

1842 – 30 de março: Crawford Long, médico na Geórgia rural, administra anestesia de éter para remoção de um tumor do pescoço de James M.

Venable. Foi a primeira administração conhecida de uma droga para alívio da dor cirúrgica. Long não publicou o fato até 1849.

1842 – 26 de agosto: Nasce o médico alemão Heinrich Irenaeus Quincke, introdutor da punção lombar.

1844 – Dr. Smile, de Derby (New Hampshire), administra uma mistura de éter e ópio a um sacerdote tuberculoso que padecia de violentas crises de tosse.

Anexo 1.1 Nomes e fatos ligados à introdução da anestesia

(8)

1844 – 10 de dezembro: Horace Wells, durante uma demonstração dos efeitos do gás hilariante, feita por Gardner Quincy Colton em Hartford, Connecticut, observa que um dos que inalaram este gás bateu e machucou a perna sem sentir dor. No dia seguinte, Colton administrou óxido nitroso para que o dentista John M. Riggs extraísse um dente de Wells.

1845 – Segunda quinzena de janeiro: Horace Wells tenta demonstrar as pro- priedades do óxido nitroso e fracassa, em Boston.

1845 – 12 de março: Francis Rynd é o primeiro a introduzir fluidos no corpo por injeções subcutâneas usando seringa.

1846 – 7 de setembro: Gilbert Abbott consulta o cirurgião John Collins Warren sobre um tumor na mandíbula.

1846 – 30 de setembro: O dentista William Thomas Green Morton, de Boston, anestesia o paciente Eben Frost para tratamento dentário.

1846 – 16 de outubro: Primeira demonstração pública de anestesia para cirur- gia, realizada por William Morton, em Gilbert Abbott.

1846 – 17 de outubro: No Massachusetts General Hospital, o cirurgião George Hayward remove um tumor grande do braço de uma paciente anestesiada com éter. Esta é a segunda demonstração pública do “Letheon”, de Morton.

1846 – 7 de novembro: O cirurgião George Hayward executa uma amputação de perna e remove um tumor de mandíbula no Massachusetts General Hos- pital.

1846 – 9 de novembro: Henry J. Bigelow, cirurgião do Massachusetts General Hospital, relata os quatro casos anestesiados por Morton para a Boston Society for Medical Improvements.

1846 – 12 de novembro: A carta patente número 4848 é emitida por Charles T.

O. Jackson e William T.G. Morton para receber 10% de todos os lucros no uso de éter em operações cirúrgicas. Por causa da resistência violenta da comunidade médica e odontológica contra esta atitude, a descoberta foi divulgada e seu uso liberado.

1846 – 18 de novembro: Um artigo de H. J. Bigelow é publicado no The Boston Medical and Surgical Journal, divulgando a anestesia com éter ao mundo.

1846 – 21 de novembro: Em carta para Morton, Oliver Wendell Holmes propõe a palavra “anestesia“ para descrever o estado mental produzido pela inala- ção de vapor de éter.

1846 – 15 de dezembro: Anestesia com éter é administrada em Paris, na França, por Francis Willis Fisher, jovem médico de Boston, para a excisão de um grande câncer no lábio inferior de um homem de 59 anos. Fisher, formado em 1845, na Harvard Medical School, morou em Paris de novembro de 1846 até fevereiro de 1847. O relato da anestesia com éter em Paris foi publicado no The Boston Medical and Surgical Journal em 1847, v. 36, p. 109-13.

1846 – 19 de dezembro: J. Robinson, em Londres, extrai um dente sob anestesia com éter.

1846 – 21 de dezembro: O cirurgião inglês Liston realiza duas cirurgias de grande porte com anestesia pelo éter.

1847 – O Dr. Roberto Haddock Lobo administra a primeira anestesia no Rio de Janeiro, Brasil. O paciente, Francisco de Assis Paes Leme, recebeu éter.

1847 – Simpson descobre as propriedades anestésicas do clorofórmio.

1847 – 19 de janeiro: Em Edimburgo, James Young Simpson usa éter pela primeira vez para aliviar dor de parto.

1847 – 25 de janeiro: A primeira cesariana com anestesia geral é executada no St. Bartholomew’s Hospital, em Londres. O cirurgião foi Skey e o anestesista Tracy [Lancet, v. 1, p. 139-40, 1847].

1847 – 28 de janeiro: John Snow começa a administrar éter em cirurgias prin- cipais no St. George’s Hospital, em Londres.

1847 – 7 de abril: O dentista e médico Nathan Cooley Keep administra a primeira anestesia geral para obstetrícia nos Estados Unidos. A paciente era Fanny Longfellow, esposa do poeta Henry Wadsworth Longfellow. Com o uso do éter, Fanny não perdeu a consciência, mas não sentiu dor durante o nasci- mento da filha.

1847 – 8 de novembro: Em Edimburgo, Escócia, James Young Simpson intro- duz o clorofórmio na prática clínica. A paciente era Wilhelmina Carstairs, filha de um médico.

1848 – 28 de janeiro: Uma paciente em Newcastle, Inglaterra, Hannah Greener, torna-se a primeira fatalidade sob ação do clorofórmio.

1848 – 19 de outubro: Morre Samuel Guthrie, químico americano que descobriu o clorofórmio ao mesmo tempo que os europeus Soubeiran e Justus Liebig.

1849 – 1º de setembro: A erupção de cólera na bomba de água de Broad Street inicia uma epidemia em Londres. A epidemia seria investigada pelo anestesista John Snow.

1851 – Charles Gabriel Pravaz inventa a seringa na França.

1853 – Alexander Wood melhora a recém-inventada seringa hipodérmica, mencionando-a em seu livro ”O novo método para o tratamento das neu- ralgias, aplicando opióides diretamente nos pontos dolorosos”.

1853 – 7 de abril: O Dr. John Snow administra clorofórmio à rainha Vitória para o nascimento do príncipe Leopoldo.

1854 – Wood inventa a agulha metálica oca.

1856 – 12 de abril: O Dr. Marshall Hall (1790-1857) descreve a respiração artifi- cial em The Lancet.

1856 – 10 de novembro: No London’s King’s College Hospital, John Snow faz a primeira administração clínica de amileno, um gás que havia investigado extensivamente em animais. Em julho de 1857, abandonou o uso do gás depois que dois dos seus pacientes morreram.

1857 – 26 de junho: O médico John G. Orton, de Binghamton, Nova York, é o primeiro a usar amileno nos Estados Unidos.

1857 – 3 de dezembro: Carl Koller nasce. Em 1880, ele estudou os efeitos fisiológicos da cocaína e, em 1884, descobriu as propriedades de anestési- co local da droga.

1858 – 16 de junho: John Snow morre. Em 1853 e 1857, ele administrou clorofór- mio para a rainha Vitória nos nascimentos do príncipe Leopoldo e da prin- cesa Beatriz; estas anestesias foram fundamentais na promoção do alívio da dor em obstetrícia, na Inglaterra.

1865 – 19 de julho: Nasce Charles Horace Mayo, co-fundador, com o irmão W.J, da Clínica Mayo. Foi uma das pessoas mais jovens conhecidas por administrar anestesia; segundo seu irmão, Charles, aos 12 anos de idade, anestesiava pacientes na clínica cirúrgica de seu pai.

1868 – Julho: Em Paris, T.W. Evans liquidifica óxido nitroso para armazenamento e conservação em cilindros de metal.

1868 – 15 de julho: William T.G. Morton morre em Nova York.

1870 – 6 de maio: James Young Simpson morre.

1873 – 1o de fevereiro: Primeira morte documentada após inalação de óxido nitroso na Inglaterra, registrada em The Lancet.

1874 – 9 de fevereiro: Ore administra a primeira anestesia geral intravenosa em humanos nos tempos modernos.

1878 – 16 de junho: Crawford Long morre.

1884 – 15 de setembro: O Dr. Carl Koller, junto com Sigmund Freud, relata para o Congresso de Oftalmologia de Heidelberg o uso de cocaína como anestésico local.

1887 – 27 de abril: George Thomas Morton, filho de Morton, executa sua pri- meira apendicectomia.

1894 – 30 de novembro: Harvey Cushing e Amory Codman, no Massachusetts General Hospital, desenvolvem a primeira ficha de anestesia.

1898 – 16 de agosto: O Dr. August Bier, cirurgião alemão, realiza o primeiro bloqueio subaracnóideo.

1898 – Abril: Henry Hillard descreve a indução e manutenção de anestesia com óxido nitroso com máscara.

1908 – 22 de fevereiro: D. C. Waller descreve o aparelho na reunião da Physiological Society, em Londres. Foi o primeiro aparelho para uma leitura contínua e quase instantânea da concentração de vapor recebido pelo pa- ciente.

1909 – 7 de junho: Virgínia Apgar nasce em Westfield, New Jersey. Em finais de 1940, Apgar começou a desenvolver o sistema de pontos para avaliação dos recém-nascidos que recebeu seu nome.

1922 – 7 de setembro: Morre o cirurgião americano William Stewart Halsted, um dos fundadores da Johns Hopkins Medical School. O primeiro par de luvas cirúrgicas de borracha foi fabricado por sua orientação. Halsted foi um dos primeiros cirurgiões americanos a pesquisar a cocaína como anes- tésico local, e a auto-experimentação levou-o à dependência.

1930 – 23 de março: O cirurgião russo Sergei Yudin realiza a primeira transfu- são de sangue de cadáver em um ser humano.

1934 – 8 de março: Em Wisconsin, Ralph M. Waters emprega tionembutal pela primeira vez.

1939 – 23 de setembro: Sigmund Freud morre em Londres aos 83 anos de idade.

Nomes e fatos ligados à introdução da anestesia

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