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TEXTO DE DISCUSSÃO Nº 63

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Setembro de 2014

TEXTO DE DISCUSSÃO Nº 63

IPTU e Finanças Públicas Municipais no Brasil:

Dificuldades e Potencial*

José Roberto Afonso**

Kleber Pacheco de Castro***

(2)

RESUMO

A despeito da elevada carga tributária que o Brasil possui, a tributação patrimonial tem um peso muito pequeno dentro do escopo tributário brasileiro. Estimativas iniciais acerca da carga tributária de 2013 (37,42% do PIB) mostram que este tipo de incidência tributária foi responsável por apenas 3,6% de toda a arrecadação de tributos no ano passado. Sua carga, de aproximadamente 1,3% do PIB, está bem aquém da média dos países mais avançados e que melhor utilizam essa fonte de recursos.

Há uma série de estudos que apontam para as dificuldades de se elevar a tributação patrimonial, especialmente a tributação patrimonial imobiliária – representada no Brasil pelo IPTU e pelo ITR. Pressão política, impopularidade e custos administrativos elevados são os principais motivos apontados, pelos quais os gestores públicos hesitam ao promover alterações nesse tipo de tributo.

O objetivo desta análise é atualizar o diagnóstico sobre o contexto da tributação sobre propriedade no Brasil – com ênfase no caso do IPTU – e tentar contribuir para a introdução da matéria nos debates sobre a reforma tributária. A estagnação do IPTU mostra o quanto o enorme potencial dos tributos patrimoniais tem sido ignorado, a despeito da relevância destes como alternativa para a exagerada tributação do consumo, como promotor de maior equidade tributária e como fonte permanente e confiável de financiamento público em nível municipal.

_________________

* Trabalho apresentado na III Jornadas Iberoamericandas de Financanción Local, organizadas pelo Instituto FHC e o BID, realizadas em São Paulo, em 13-14/8/2014. Bianca Fraga, Felipe de Azevedo e Rafael Lucas deram suporte às pesquisas. Elaborado com base em informações disponíveis até 30/06/2014. Opiniões de exclusiva responsabilidade dos autores.

** Economista, doutor em economia pelo IE/UNICAMP, pesquisador do FGV/IBRE.

*** Mestre em economia pelo PPGE/UFF.

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1. INTRODUÇÃO

Há pelo menos uma década e meia o Brasil tem sido tradicionalmente apontado como uma das economias emergentes que apresentam carga tributária global semelhante ao patamar das economias avançadas. Estima-se que em 2013 esse indicador tenha superado a casa de 37% do produto interno bruto (PIB). Tal cenário poderia sugerir um sistema tributário avançado, com a busca pelos melhores preceitos da teoria econômica. Entretanto, o que se observa é exatamente um oposto: um sistema desequilibrado, que afeta os princípios da neutralidade, da simplicidade e da equidade. A tributação patrimonial no Brasil representou cerca de 1,34% do PIB ou 3,57% do total da carga e essa fraqueza constituiu um dos sintomas da decadência do atual sistema montado há cerca de meio século.

Reflexo da baixa exploração da base patrimonial no Brasil e foco desse estudo, o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) chama a atenção para sua situação de estagnação. Esse tributo, de âmbito municipal, não se aproveitou da imensa onda de valorização imobiliária e de expansão de financiamentos habitacionais, pelo qual passou o país nos últimos anos. São diversas as evidências que apontam para a deterioração relativa do IPTU: desde 2006 sua arrecadação é inferior à do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA); mais recentemente, um grande contingente de municípios (aproximadamente 40% do total) passou a apresentar uma arrecadação de Imposto sobre a Transmissão inter-vivos de Bens Imóveis (ITBI) superior à do IPTU; e a discrepância de sua arrecadação com a do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) tem sido crescente desde o início do século XXI.

A baixa carga de impostos sobre propriedade é consistente com a fraca equidade que caracteriza o sistema tributário brasileiro, a ponto de alguns exercícios apontarem que a já elevada concentração de renda piora depois da cobrança dos tributos. Apesar disso, o debate sobre a equidade fiscal está ausente da cena política e até mesmo técnica no país.

Não tem sido diferente o tratamento do tema nas intensas discussões sobre a reforma tributária. Fracassaram todos os projetos apresentados no passado e, agora, o governo brasileiro optou por propor mudanças pontuais e paulatinas. Mas, infelizmente as atenções continuaram monopolizadas para os chamados tributos indiretos e, particularmente, para o estadual Imposto sobre Circulação de

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Mercadorias e Serviços (ICMS). A tributação patrimonial tem ficado de fora dos projetos de reforma e até mesmo da maioria das discussões sobre o tema.

O objetivo deste trabalho é atualizar o diagnóstico sobre o contexto da tributação sobre propriedade no Brasil, com ênfase no imposto sobre a propriedade imobiliária urbana. Tal tema se torna relevante não apenas por estar conectado à questão da equidade social. Em um complexo cenário fiscal para o governo local no Brasil, com maior pressão por gastos e oscilações no fluxo de transferências oriundas da União, a inserção de um debate em torno de um tributo de administração local se torna uma boa oportunidade para avaliar formas de melhorar o sistema de financiamento local.

2. A TRIBUTAÇÃO BRASILEIRA

Dentre as razões apontadas para se reformar o sistema tributário brasileiro, está o peso da carga tributária. Argumenta-se que ela tem sido demasiado onerosa, principalmente se comparada a outros países em desenvolvimento, e que tem sido uma das responsáveis pelo baixo dinamismo da economia. Outro argumento está relacionado à alta e crescente regressividade dos tributos, predominantemente indiretos e pouco seletivos. A concentração de renda, que já está entre as maiores do mundo, aumenta ainda mais depois da aplicação dos impostos - que contrasta com a experiência da maioria dos países latinos (Rossignolo, 2012), quanto mais das economias avançadas.

O sistema brasileiro é, ainda, considerado bastante complexo, devido à grande quantidade de tributos, alíquotas e leis e regulamentos. Como resultado, em comparações internacionais, o Brasil é disparado o país onde os contribuintes precisam destinar mais tempo ao cumprimento de suas obrigações1 principalmente com impostos sobre consumo, que tomam mais da metade do tempo total, reflexo da predominância de tributos indiretos no país.

Os dados de 2013, na tabela a seguir, apontam uma ligeira melhora na composição da carga tributária por base de incidência em relação à do início da década de 2000, mas ainda bastante concentrada sobre “Bens e Serviços” (41,2% da arrecadação ou 15,4% do PIB), enquanto as bases “Renda, Lucros e Ganhos” e “Patrimoniais”

1 Ver avaliações do Banco Mundial denominadas Doing Business: a empresa brasileira gasta mais de 2,6 mil horas por ano para pagar tributos, a mais alta entre uma e meia centena de países.

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responderam por 19,9% e 3,6% da arrecadação e 7,5% e 1,3% do PIB, respectivamente.

Fundado em 1952 para fornecer crédito de longo prazo para projetos de infraestrutura, o BNDES tornou-se vital para o financiamento dos investimentos de grupos nacionais e estrangeiros que investem no Brasil (Lazzarini et al, 2014;

Oliveira, 2013; Pereira et al., 2011). Nos últimos anos, primordialmente, o BNDES tem experimentado uma significativa ampliação de seu tamanho tanto em relação a seu Ativo quanto em relação a sua atuação (Lamenza, Pinheiro e Giambiagi, 2011).

Devido à grande capacidade de gerar recursos fiscais, os tributos sobre o consumo, mais especificamente o ICMS, têm sido o principal alvo das propostas de reforma tributária, enquanto a tributação sobre o patrimônio tem sido relegada, a despeito das vantagens deste tipo de tributação. Os fatores apresentados nesta primeira parte têm sido os responsáveis pela caracterização do sistema tributário brasileiro como um sistema oneroso, injusto e anticompetitivo. A revisão desta concepção deve necessariamente passar sobre a reflexão sobre a ideal participação dos tributos patrimoniais na carga tributária.

3. EVOLUÇÃO DA TRIBUTAÇÃO SOBRE O PATRIMÔNIO NO BRASIL

O Brasil é um dos únicos países da América Latina que atribui a seus governos locais, os municípios, a responsabilidade pelo estabelecimento de isenções e fixação de taxas, além de poder para exercer com autonomia a administração – cadastro, avaliação, determinação, arrecadação e cobrança - do principal imposto imobiliário do país, o IPTU. Outro imposto patrimonial sob sua competência é o ITBI

Estimativa de Carga Tributária por Base de Incidência - 2013

Base de Incidência R$ Bilhões % PIB % Total Per capita (R$)

TOTAL 1.798,88 37,42 100,00 8.948,21

BENS E SERVIÇOS 741,76 15,43 41,23 3.689,76

SALÁRIOS E MÃO-DE-OBRA 459,52 9,56 25,54 2.285,82

RENDA, LUCROS E GANHOS 357,97 7,45 19,90 1.780,67

PATRIMONIAIS 64,17 1,34 3,57 319,20

COMÉRCIO EXTERIOR 36,71 0,76 2,04 182,60

TAXAS 26,95 0,56 1,50 134,06

TRANSAÇÕES FINANCEIRAS 29,14 0,61 1,62 144,97

DEMAIS 82,65 1,71 4,59 411,13

Fonte: Elaboração própria (Balanço Geral da União, ST N; Confaz; Abrasf; IBGE).

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rurais, o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR); e aos estados competem dois impostos sobre o patrimônio, o IPVA (sobre veículos automotores) e o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCD). Como se vê, alguns tributos incidem sobre a propriedade (IPTU, ITR, IPVA) e outros sobre sua transmissão (ITBI e ITCD).

A evolução da carga dos tributos patrimoniais está ilustrada no gráfico a seguir.

Fonte: Elaboração própria (STN, Confaz, Abrasf, IBGE).

A carga tributária patrimonial total 2 (projetada no eixo esquerdo) cresceu de 1980 a 2013, partindo de 0,27% para 1,06% do PIB. Em termos percentuais, esse crescimento foi de 298%, enquanto a carga tributária total (projetada no eixo vertical direito) cresceu 52,6%. Ainda assim, os tributos sobre o patrimônio continuaram tendo um peso muito pequeno no total da arrecadação (2,8% da receita total, considerando apenas IPTU, IPVA e ITR). Dos 12,9 pontos do PIB que a carga aumentou nesse período, apenas 0,79 se deveram a impostos sobre o patrimônio.

Dentre os impostos que compõem a carga patrimonial, podemos notar a irrisória participação do ITR, cujo melhor desempenho ocorreu em 1997, quando alcançou

2 Nesse caso, a carga patrimonial contemplou apenas três tributos: IPTU, IPVA e ITR. Um conceito mais amplo, proposto pelo FMI, que inclui tributos sobre a mudança de propriedade (ITBI e ITCD) e outros tributos não recorrentes sobre a propriedade (Contribuições de Melhoria), será apresentado adiante.

0 5 10 15 20 25 30 35 40

0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 1,2

Carga Tributária Total -% do PIB

Carga Tributáia Patrimonial -% do PIB

Evolução da Carga Tributária Patrimonial e Total - 1980/2013e

TOTAL PATRIMÔNIO IPTU IPVA ITR

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0,026% do PIB. De 1980 até o ano passado, seu peso no PIB sofreu um decréscimo de 16,1%.

O IPTU foi o maior tributo patrimonial até 1996, sendo superado pelo IPVA no ano seguinte. Até 2005 havia certo equilíbrio na carga destes dois impostos, mas a partir daquele ano o IPVA assumiu participação crescente, enquanto o IPTU decresceu. A carga do IPTU cresceu 169% e a do IPVA 327% desde 1986, ano subsequente à criação desse último imposto. Estes fatos podem ser reflexos, em grande medida, das deficiências presentes na administração do IPTU, além da forte expansão da base tributável (veículos automotores) do IPVA nos últimos anos.

O ITBI também vem crescendo mais que o IPTU. Para ter uma ideia da defasagem, o ITBI gera atualmente quase 40% do IPTU, enquanto rendia apenas um quinto há apenas uma década.

A arrecadação de impostos sobre a propriedade no Brasil, segundo a metodologia de classificação do FMI, conforme a tabela a seguir, tem se concentrado sobre os imóveis (34,8%), inclusive quando de sua transferência – venda, herança e doação – (20%), e sobre veículos automotores, o principal componente da categoria Outros Impostos sobre Propriedade (44,9%).

A abertura destes números pelos impostos existentes no Brasil (parte baixa da tabela) mostra o IPVA como o maior arrecadador dentre os tributos patrimoniais. Em seguida, arrecadam mais o IPTU, o ITBI e o ITCD, nesta ordem. O ITR tem uma participação irrisória de 1,2% da arrecadação patrimonial. Em 2013, os R$ 64,2 bilhões arrecadados pela taxação sobre o patrimônio representaram 1,34% do PIB e 3,7%, apenas, da arrecadação total. O que se observa no Brasil, na prática, é que o ITR é praticamente nulo e que o IPTU tem sido muito pouco explorado e vem perdendo espaço para outros impostos.

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4. COMPETÊNCIA LOCAL

Na história federativa brasileira, nunca os municípios tiveram um peso relativo tão grande na distribuição e na aplicação dos recursos tributários e públicos em geral.

Atualmente dispõem um volume bastante expressivo de recursos e os aplicam com uma razoável autonomia, porque, em poucos outros países, mesmo nos ricos, os governos locais podem elaborar, executar e até controlar o seu próprio orçamento, sem submeter ao crivo de alguma instância superior, legislam e cobram seus impostos, contratam quantos servidores desejaram e sozinhos fixam os seus salários, assumem compromissos e dívidas bancárias observadas apenas condições e limites fixados em leis nacionais. Cresceram tanto de importância nas últimas décadas e anos que já houve quem perguntou: o Brasil estaria virando uma federação de municípios?

Sendo municipal a competência para tributar o patrimônio imobiliário e a sua transferência, é interessante concentrar as atenções em sua arrecadação. O gráfico a seguir relaciona o percentual de municípios cuja arrecadação de IPTU tenha sido maior e menor do que outro imposto recolhido no âmbito municipal, no caso, IPVA, ISS e ITBI3.

Pode-se notar que a maior parte dos municípios arrecada mais IPVA e ISS do que IPTU. O IPVA manteve nos dois anos analisados a dominância em relação ao IPTU

3 Para as análises deste estudo consideramos o dobro da Cota-parte IPVA para comparação com a arrecadação do IPTU, ainda que os recursos tenham ficado com o estado.

Estimativa de Carga Tributária Patrimonial - 2013

Arrecadação (R$ bilhões)

% da Arrecadação

total

% da arrecadação

patrimonial

% PIB R$ per capita

Arrecadação Total 1798,88 100,00% - 37,42% 8.948,21

POR CATEGORIA TRIBUTÁRIA (METODOLOGIA IMF/GFS)

1.1.3 - Impostos sobre Propriedade 64,17 3,57% 100,0% 1,34% 318,19

1.1.3.1 - Impostos Recorrentes sobre Propriedade Imóvel 22,36 1,24% 34,8% 0,47% 111,21 1.1.3.2 - Impostos Recorrentes sobre Riqueza Líquida 0,00 0,00% 0,0% 0,00% 0,00 1.1.3.3 - Impostos sobre Imóveis, Heranças e Doações 12,81 0,71% 20,0% 0,27% 63,71 1.1.3.4 - Impostos sobre Transações Financeiras e de Capital 0,00 0,00% 0,0% 0,00% 0,00 1.1.3.5 - Outros Impostos não Recorrentes sobre Propriedade 0,21 0,01% 0,3% 0,00% 0,00 1.1.3.6 - Outros Impostos Recorrentes sobre Propriedade 28,80 1,60% 44,9% 0,60% 143,27 POR TRIBUTO PATRIMONIAL

Patrimônio 64,17 3,57% 100,0% 1,34% 318,19

IPVA 28,80 1,60% 44,9% 0,60% 143,27

IPTU 21,60 1,20% 33,7% 0,45% 107,47

ITBI 8,85 0,49% 13,8% 0,18% 44,02

ITCD 3,96 0,22% 6,2% 0,08% 19,68

ITR 0,75 0,04% 1,2% 0,02% 3,74

Contribuições de Melhorias (Municípios) 0,21 0,01% 0,3% 0,00% 0,00

Contribuições de Melhorias (Estados) 0,00 0,00% 0,0% 0,00% 0,00

Fonte: Elaboração própria (Balanço Geral da União, ST N; Confaz; Abrasf; IBGE).

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em mais de 93% dos municípios. Já o ISS teve um pequeno aumento no percentual de municípios que o arrecadam mais, de 85,5% para 86,0%. O mais surpreendente é a relação entre IPTU e ITBI, que é um imposto que incide sobre a transmissão de bens (venda ou herança) e deveria ser residual em relação ao IPTU. No entanto, em 42% das cidades ele arrecadou mais do que o imposto sobre a propriedade urbana, em 2011, e este percentual ainda aumentou em mais 1 ponto em 2012, chegando a 43% das prefeituras.

Fonte: Elaboração própria (STN).

O cenário de fragilidade do IPTU é potencialmente mais intenso nos municípios de menor porte, como sugere o gráfico adiante, que relaciona a participação do IPTU na receita corrente municipal com a população local:

93,3% 93,7%

85,5% 86,0%

42,0% 43,0%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

2011 2012 2011 2012 2011 2012

IPVA ISS ITBI

Comparação da Arrecadação por Cidade em % do Total de Municípios: IPTU vs IPVA/ISS/ITBI - 2011 e 2012

IPTU>= IPTU< Ignorados

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Fonte: Elaboração própria (STN).

Sobre as causas do pior desempenho dos municípios menores, Sepulveda e Vazques (2009) apontam a menor base tributável e Afonso, Araújo e Nóbrega (2012) mencionam razões políticas e administrativas4. Especificamente sobre as questões políticas, é razoável supor que quanto menor o tamanho do município, maior pode ser a indisposição dos prefeitos em aumentar o imposto haja vista a maior proximidade com seus eleitores.

Há espaço para evolução do imposto mesmo em cidades de grande porte:

“Analisando brevemente o comportamento de jurisdições que apresentam um desempenho satisfatório no contexto da região, tais como Florianópolis, São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, verifica-se uma continuidade de ações de melhoria de ordem administrativa e de atendimento ao contribuinte. Mesmo estes municípios que superam 1% do PIB em termos de arrecadação possuem uma ampla potencialidade de incrementos de receita, que poderiam ser gerados, por exemplo, pela redução das isenções em São Paulo, reavaliação dos imóveis em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, ou melhoria da eficiência da arrecadação em Florianópolis”, (De Cesare, 2010, p.35).

4 Afonso, Araújo e Nóbrega (2012) destacam as diferentes realidades dos municípios e sua relação com a capacidade tributária.

-5%

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

5 7 9 11 13 15 17

IPTU/Receita Corrente

População (Ln)

IPTU/Receita Corrente Municipal x População - 2012

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Algumas relações podem ser inferidas a partir da análise da tabela anterior, que apresenta os municípios mais populosos dentre aqueles cuja arrecadação de IPTU é menor e maior do que a de IPVA (seções (a) e (d), respectivamente); menor e maior do que a de ISS (seções (b) e (e), respectivamente); e menor e maior do que a de ITBI (seções (c) e (f)). É possível notar, observando a população média dos grupos, por exemplo, que a maior arrecadação de ITBI é mais comum em municípios de menor porte, enquanto naqueles de maior porte a inferior arrecadação de IPTU ocorre em benefício da arrecadação de ISS e IPVA.

UF MUNICIPIO População Dif. % IPTU/IPVA UF MUNICIPIO População Dif. % IPTU/ISS UF MUNICIPIO População Dif. % IPTU/ITBI

BA Salvador 2.710.968 -13% SP São Paulo 11.376.685 -49% PB João Pessoa 742.478 -46%

CE Fortaleza 2.500.194 -32% RJ Rio de Janeiro 6.390.290 -62% MG Uberlândia 619.536 -18%

MG Belo Horizonte 2.395.785 -18% BA Salvador 2.710.968 -62% PB Campina Grande 389.995 -7%

AM Manaus 1.861.838 -61% CE Fortaleza 2.500.194 -61% PE Petrolina 305.352 -21%

PR Curitiba 1.776.761 -28% MG Belo Horizonte 2.395.785 -19% MG Ribeirão das Neves 303.029 -10%

PE Recife 1.555.039 -17% AM Manaus 1.861.838 -84% CE Juazeiro do Norte 255.648 -34%

RS Porto Alegre 1.416.714 -24% PR Curitiba 1.776.761 -53% SP Barueri 245.652 -80%

PA Belém 1.410.430 -56% PE Recife 1.555.039 -60% AL Arapiraca 218.140 -31%

SP Guarulhos 1.244.518 -8% RS Porto Alegre 1.416.714 -54% RN Parnamirim 214.199 -48%

SP Campinas 1.098.630 -23% PA Belém 1.410.430 -79% BA Juazeiro 201.499 -34%

MA São Luís 1.039.610 -68% SP Campinas 1.098.630 -34% MA São José de Ribamar 167.714 -59%

RJ São Gonçalo 1.016.128 -37% MA São Luís 1.039.610 -90% PA Parauapebas 166.342 -84%

AL Maceió 953.393 -35% RJ São Gonçalo 1.016.128 -28% MA Timon 159.471 -20%

PI Teresina 830.231 -67% AL Maceió 953.393 -52% PI Parnaíba 147.732 -18%

RN Natal 817.590 -39% PI Teresina 830.231 -73% PA Abaetetuba 144.415 -78%

RJ Nova Iguaçu 801.746 -25% RN Natal 817.590 -71% BA Barreiras 141.081 -12%

SP São Bernardo do Campo 774.886 -20% RJ Nova Iguaçu 801.746 -46% RJ Queimados 140.374 -8%

PB João Pessoa 742.478 -42% SP São Bernardo do Campo 774.886 -13% GO Valparaíso de Goiás 138.740 -57%

SP Santo André 680.496 -27% PB João Pessoa 742.478 -74% PE Vitória de Santo Antão 129.907 -26%

SP Osasco 668.877 -13% SP Santo André 680.496 -15% CE Crato 123.963 -30%

PE Jaboatão dos Guararapes 654.786 -28% SP Osasco 668.877 -46% PB Santa Rita 121.994 -80%

SP São José dos Campos 643.603 -41% PE Jaboatão dos Guararapes 654.786 -51% CE Itapipoca 119.320 -9%

SP Ribeirão Preto 619.746 -51% SP São José dos Campos 643.603 -46% MA Codó 119.079 -19%

MG Uberlândia 619.536 -78% SP Ribeirão Preto 619.746 -27% CE Maranguape 117.306 -50%

MG Contagem 613.815 -56% MG Uberlândia 619.536 -77% PA Bragança 116.164 0%

SP Sorocaba 600.692 -59% MG Contagem 613.815 -42% RJ Rio das Ostras 116.134 -21%

SE Aracaju 587.701 -13% SP Sorocaba 600.692 -57% ES São Mateus 111.832 -81%

BA Feira de Santana 568.099 -72% SE Aracaju 587.701 -63% RS Bento Gonçalves 109.653 -22%

MT Cuiabá 561.329 -39% BA Feira de Santana 568.099 -77% MG Vespasiano 108.771 -23%

Média 1.095.366 -38% Média 1.645.750 -54% Média 206.742 -35%

Brasil -25% Brasil -52% Brasil 161%

UF MUNICIPIO Populacao Dif. % IPTU/IPVA UF MUNICIPIO População Dif. % IPTU/ISS UF MUNICIPIO População Dif. % IPTU/ITBI

SP São Paulo 11.376.685 27% SP Guarulhos 1.244.518 3% SP São Paulo 11.376.685 319%

RJ Rio de Janeiro 6.390.290 52% MS Campo Grande 805.397 5% RJ Rio de Janeiro 6.390.290 117%

MS Campo Grande 805.397 97% GO Aparecida de Goiânia 474.219 54% BA Salvador 2.710.968 68%

RJ Niterói 491.807 61% SP Mogi das Cruzes 396.468 36% CE Fortaleza 2.500.194 74%

GO Aparecida de Goiânia 474.219 27% SP Diadema 390.980 35% MG Belo Horizonte 2.395.785 125%

SP Santos 419.614 39% SP Carapicuíba 373.358 23% AM Manaus 1.861.838 72%

SP Diadema 390.980 23% SP São Vicente 336.809 147% PR Curitiba 1.776.761 72%

SP São Vicente 336.809 56% PE Caruaru 324.095 0% PE Recife 1.555.039 212%

PE Caruaru 324.095 3% SP Franca 323.307 27% RS Porto Alegre 1.416.714 32%

RJ Petrópolis 297.192 9% SP Guarujá 294.669 96% PA Belém 1.410.430 88%

SP Guarujá 294.669 366% SP Praia Grande 272.390 699% SP Guarulhos 1.244.518 422%

SP Praia Grande 272.390 291% SP Suzano 267.583 34% SP Campinas 1.098.630 361%

RJ Volta Redonda 260.180 32% SP São Carlos 226.322 51% MA São Luís 1.039.610 110%

BA Camaçari 255.238 55% SP Indaiatuba 209.859 33% RJ São Gonçalo 1.016.128 183%

SP Taboão da Serra 251.608 0% SP Rio Claro 188.977 28% AL Maceió 953.393 129%

PE Cabo de Santo Agostinho 189.222 33% RS Passo Fundo 187.298 2% PI Teresina 830.231 84%

GO Luziânia 179.582 6% SP Ferraz de Vasconcelos 172.222 184% RN Natal 817.590 44%

RJ Angra dos Reis 177.101 97% RJ Teresópolis 167.622 26% MS Campo Grande 805.397 506%

RJ Teresópolis 167.622 8% GO Águas Lindas de Goiás 167.477 1288% RJ Nova Iguaçu 801.746 218%

GO Águas Lindas de Goiás 167.477 411% MG Ibirité 162.867 21% SP São Bernardo do Campo 774.886 330%

SP São Caetano do Sul 150.638 27% SP Bragança Paulista 150.023 110% SP Santo André 680.496 276%

SP Bragança Paulista 150.023 0% RJ Maricá 135.121 3% SP Osasco 668.877 509%

GO Valparaíso de Goiás 138.740 29% SP Jaú 133.900 11% PE Jaboatão dos Guararapes 654.786 276%

RJ Maricá 135.121 34% SP Atibaia 128.914 49% SP São José dos Campos 643.603 198%

BA Porto Seguro 131.642 6% RS Bagé 117.090 23% SP Ribeirão Preto 619.746 117%

SP Cubatão 120.293 48% SP Ribeirão Pires 114.361 1% MG Contagem 613.815 39%

SP Santana de Parnaíba 113.945 13% SP Catanduva 113.873 56% SP Sorocaba 600.692 89%

SC Balneário Camboriú 113.319 124% SP Barretos 113.338 68% SE Aracaju 587.701 47%

RJ Itaguaí 113.182 127% SC Balneário Camboriú 113.319 141% BA Feira de Santana 568.099 67%

Média 851.348 72% Média 279.530 112% Média 1.669.471 179%

Brasil -25% Brasil -52% Brasil 161%

Fonte: Elaboração própria (ST N).

Diferença entre IPTU e Outros Tributos por Municípios mais Populosos - 2012

(a) (b) (c)

(f) (e)

(d)

(12)

Ou seja, há motivos para acreditar que a debilidade da arrecadação de IPTU nos municípios pequenos seja ainda maior do que nos grandes, pois esta sequer alcança a arrecadação do ITBI5.

Além disso, a tabela ainda revela uma grande dispersão no padrão de arrecadação de IPTU, com cidades do mesmo grupo populacional não apresentando um padrão de recolhimento. A desigualdade entre cidades na arrecadação do IPTU é tão grande que em 2012 “os municípios das capitais arrecadaram R$ 9,910 bilhões, que correspondia a 49,75% do IPTU arrecadado pelo conjunto dos municípios do país”, (Bremaeker, 2014, p.3). Ou seja, apenas 27 cidades respondem pela metade da arrecadação do imposto no país.

Com o objetivo de dimensionar a magnitude da defasagem do IPTU com outros impostos no âmbito municipal, uma simulação foi elaborada para apurar quais seriam os impactos na arrecadação do IPTU caso ele fosse igual à arrecadação do IPVA ou igual à arrecadação do ITBI nos municípios em que esses impostos são mais arrecadados do que o IPTU. As conclusões podem ser vistas na tabela a seguir.

Se a arrecadação de IPTU fosse igual à arrecadação do IPVA, nos municípios em que fora menor, o país teria um aumento de 48,2% no recolhimento de IPTU, o que significa que a carga tributária do imposto sobre a propriedade urbana seria de 0,616% do PIB em 2011, em vez de 0,414%. Em 2012, o IPTU alcançaria 0,646%

do PIB, em vez de 0,447%. Para o ITBI, o impacto seria menor, pois o número de municípios em que essa arrecadação supera a do IPTU é pequeno diante dos quase 94% do caso do IPVA.

5 Os municípios menores precisariam promover maior esforço fiscal do que os maiores para administrar eficientemente impostos sobre a propriedade, pois os ganhos em arrecadação não seriam proporcionais ao seu custeio, devido à sua menor base tributável. Os dados mostram que 39,5% dos municípios brasileiros têm arrecadação do IPTU inferior à dos três impostos e eles têm população média de 27.118 habitantes.

Simulação de Arrecadação de IPTU em Relação ao IPVA e ITBI - 2011 e 2012

2011 2012 2011 2012

% Municípios em que IPTU é menor 93,3% 93,7% 42,0% 43,0%

Aumento da arrecadação (R$ milhões) 7.927 9.259 304 430

Aumento da arrecadação (%) 45,2% 48,2% 1,7% 2,2%

Carga tributária 0,616% 0,646% 0,431% 0,445%

Fonte: Elaboração própria (ST N).

IPTU=IPVA IPTU=ITBI

(13)

Nessas comparações entre impostos se conclui que não cabe a justificativa da falta de dinamismo econômico e social de uma cidade para explicar a apatia na cobrança do IPTU porque, afinal, a natureza dos tributos cotejados é semelhante. Poderia ser previsto que o IPTU correspondesse a uma proporção mínima e crescente daqueles outros dois impostos, até que se chegasse a um referencial que poderia ser no mínimo igual ao IPVA e também ao menos igual ao triplo do ITBI (a proporção ideal seria cinco vezes na hipótese de que 10% dos imóveis sejam transacionados por ano e as alíquotas médias sejam de 1% sobre a propriedade e 2% sobre a transmissão, mas se opta aqui por uma hipótese conservadora).

Uma rápida simulação para obter o “IPTU Potencial”6 (ou “IPTU Mínimo”) a partir da arrecadação do IPVA e do ITBI mostra como o ganho seria expressivo. A conta foi feita considerando as hipóteses do parágrafo anterior: igualou-se a arrecadação do IPTU à do IPVA (Cota-Parte do IPVA multiplicada por 2) nas cidades que o imposto sobre a propriedade urbana ficou abaixo do imposto estadual; igualou-se a arrecadação do IPTU à 3 vezes a arrecadação do ITBI nas cidades em que a arrecadação do IPTU foi inferior à do outro imposto. O resultado da simulação pode ser observado no gráfico a seguir:

Fonte: Elaboração própria (STN).

6 Afonso, Araújo e Nóbrega (2013) fazem rápido um exercício para verificar o potencial tributário do IPTU. Porém, o objetivo não foi encontrar um número agregado, mas chegar a conclusões gerais a partir da comparação entre cidades. Por exemplo: “cidades de portes semelhantes, mas localizadas em regiões com grau de desenvolvimento distinto, não são comparáveis. Por outro lado, as diferenças

7.623

19.771

26.504

32.649

0 5.000 10.000 15.000 20.000 25.000 30.000 35.000

ITBI IPTU IPVA IPTU Potencial

R$ Milhões

Arrecadação: ITBI x IPTU x IPVA x IPTU Potencial - 2012

(14)

Assim, se o IPTU fosse explorado adequadamente (até um limite referenciado em outros dois tributos patrimoniais), ele teria recolhido R$ 32,6 bilhões em 2012 – cerca de R$ 12,9 bilhões a mais (ou um aumento de 65%) no ano. O aumento é tão significativo que no mesmo ano as transferências voluntárias da União não chegaram a 60% desses R$ 12,9 bilhões, como mostra o gráfico abaixo:

Fonte: Elaboração própria (STN).

Outro imposto administrado pelas prefeituras, o ISS, é responsável, junto com o IPTU, pela maior parte das receitas próprias dos municípios7. Com efeito, conforme ilustrado no gráfico a seguir, o ISS vem superando cada vez mais o IPTU desde a década de 1980. Particularmente a partir de meados de 2003, o ISS apresentou forte aceleração em termos do PIB, enquanto a carga tributária do IPTU decresceu, ainda que em menor magnitude.

7 Para uma análise sobre a correlação entre os principais impostos municipais, ver Afonso e Mello (2012). A principal conclusão foi de que os municípios menores tendem a verter mais esforços na arrecadação do ISS em detrimento do IPTU.

7.401

12.878

0 2.000 4.000 6.000 8.000 10.000 12.000 14.000

Transf.Voluntária União-Municípios Incremento do IPTU (IPTU Potencial - IPTU)

R$ Milhões

Transferência Voluntária x Aumento do IPTU - 2012

(15)

Fonte: Elaboração própria (STN).

A maior e crescente importância de impostos sobre serviços no financiamento dos seus municípios, além de demonstrar claramente o aumento do peso dos serviços na atividade econômica moderna, lança luzes sobre dois pontos importantes sobre a estrutura tributária brasileira: a competição fiscal entre municípios e a falta de equidade.

O primeiro ponto diz respeito à existência de competição fiscal entre municípios brasileiros no âmbito do ISS, que afeta a alocação das firmas prestadoras de serviços e reduz a arrecadação global do imposto. A tributação de imóveis tem como vantagem em relação à tributação sobre serviços o fato de sua base ser relativamente imóvel, o que evita que os governos locais entrem numa disputa destrutiva pela manutenção das firmas em sua jurisdição em troca de menores alíquotas ou benefícios fiscais específicos (Sepulveda e Vazques, 2009).

O segundo ponto, a falta de equidade, é majorada pela forte presença de impostos sobre serviços, que, por natureza, não fazem acepção entre contribuintes, tendendo a ser regressivos ou, na melhor das hipóteses, neutros8. Como se não bastasse, o IPTU está incidindo de forma regressiva entre as diferentes faixas de renda (IPEA, 2009), o que vai contra a concepção de impostos sobre o patrimônio, principalmente

8 Paes e Bugarin (2006) encontram alíquotas efetivas crescentes para o ISS em estudo a partir de despesas da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) 2002/2003, mas a justificativa estaria no

0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0

% do PIB

Evolução da Arrecadação de ISS e IPTU em % do PIB - 1980/2013e

ISS IPTU

(16)

num país carente de políticas fiscais de cunho social, ou seja, que contribuam para a redução de desigualdades.

Desde a Emenda Constitucional nº 29 de 2000, a incidência progressiva do IPTU está autorizada e pode ser usada como instrumento de política urbana e equidade tributária, mas ainda enfrenta dificuldades, que afetam, inclusive, a questão que acabamos de expor, a equidade, ou a falta dela.

Os impostos imobiliários, se bem administrados, se mostrariam como uma boa alternativa para um sistema tributário que se pretenda razoavelmente equitativo, tanto por reduzir os efeitos das competições entre municípios como por ser a tributação direta a ferramenta que permite distinguir as distintas capacidades contributivas. Por isso se mostra importante diagnosticar a defasagem do IPTU, identificada através da análise dos dados aqui feita, de modo a estimular e fomentar reformas que o incluam em sua pauta.

5. O ESQUECIDO IMPOSTO PATRIMONIAL URBANO

A dificuldade em se aumentar a arrecadação do IPTU reside em várias questões. A primeira e principal delas é apontada por vários estudos sobre o tema: os custos políticos e administrativos do imposto. A pressão política de grupos com grande influência e a impopularidade do imposto para a população em geral podem ser uma barreira a qualquer tentativa do município de aumentar a arrecadação (Carvalho Jr., 2006).

Bahl (2009) afirma que, mesmo que seja admitido que são as falhas na administração do um imposto sobre a propriedade a maior causa de baixa arrecadação em países em desenvolvimento, tanto eleitores como governantes têm certa relutância em promover melhorias neste campo. Isto porque estariam associadas ao fim de práticas como a subavaliação do patrimônio, isenções e relaxamento das sanções a devedores. Além disso, os custos de uma reforma nestes tributos são geralmente vistos como altos em relação à receita gerada pelo imposto, enquanto o retorno de uma melhor administração de impostos sobre o consumo, por exemplo, seria muito mais alto. Por isso é importante ter noção do quanto a receita patrimonial pode ser aumentada, de forma que o peso dos custos da reforma sejam reduzidos, e das vantagens da ênfase neste tipo de tributação.

(17)

Os custos administrativos da arrecadação do IPTU se devem à necessidade de manutenção de cadastros imobiliários atualizados e com bom grau de cobertura, já que a base de cálculo do imposto, o valor venal do imóvel, não é declaratória (como IR e ICMS), mas deve ser aferida pelo governo municipal.

Revisões periódicas das informações são extremamente importantes, pois só assim o coletor poderá monitorar a expansão urbana e as mudanças no uso do solo9 já cadastrado e, consequentemente, poderá adotar políticas públicas para otimização do uso do espaço urbano. Cada cidade possui o seu chamado Cadastro Imobiliário Municipal, mas a realidade é que nem sempre a prefeitura possui os recursos (financeiros e humanos) em escala suficiente para um bom controle desse serviço.

O recente descompasso entre a expansão acelerada do ITBI e a estagnação do IPTU é mais uma expressão do antigo problema: os valores dos imóveis nos cadastros não são revisados com frequência suficiente e a preços de mercado de forma que a cobrança do imposto pudesse acompanhar a valorização imobiliária dos últimos anos. A arrecadação do IPTU ficou estacionada, enquanto o ITBI, baseado no valor da transação, sofreu o devido “reajuste”.

O ISS, em contraposição, é um imposto mais fácil de ser cobrado e administrado, o que tem determinado o aumento de sua participação nas receitas próprias dos municípios. Por ser um imposto indireto o seu ônus é socializado, embora regressivamente. A despeito de sua regressividade, o imposto enfrenta menor desgaste político, afinal seu pagamento não é tão visível quanto o do IPTU. E dois fatores determinam a facilidade no seu recolhimento: a concentração da base tributária em grandes contribuintes, o que facilita o trabalho de fiscalização e o nível de arrecadação, e a determinação direta e automática da base de cálculo, que é o preço do serviço cobrado pelos contribuintes. Ademais, práticas recentes adotadas por algumas prefeituras de conceder descontos no IPTU para incentivar o aumento da arrecadação de ISS (via nota fiscal eletrônica) só contribuíram para acentuar o desequilíbrio entre os dois tributos e a iniquidade da tributação (Cialdini, 2014).

Além dos aspectos políticos e administrativos que rodeiam o IPTU, outros obstáculos a uma melhor arrecadação são apontados por De Cesare (2012). A

9 Morales-Schechinger (s/d) faz interessante investigação sobre o mercado imobiliário latino-americano

(18)

desigualdade de renda, que atinge tanto a famílias que não terão condições de pagar o imposto, como a municípios que não terão recursos para manter um fisco eficiente. O alto grau de informalidade verificado em grandes áreas de ocupação irregular, principalmente nas grandes cidades, que dificultam a universalização do tributo e a manutenção de cadastros. A heterogeneidade de tipos de ocupação e posse, que aumentam as chances de erro de avaliação. E, por último, a falta de transparência tanto das informações fiscais como do mercado imobiliário.

O que se argumenta no final das contas, é que há espaço para aumentar a arrecadação de impostos sobre o patrimônio imóvel sem necessariamente aumentar alíquotas, investindo na melhoria da qualidade da tributação, investindo em tecnologia e capital humano. No entanto, citando Bahl (2009), um aumento efetivo da receita exige que todos os aspectos da reforma sejam implementados, caso contrário se corre o risco de que o gasto realmente não tenha valido a pena. E estes aspectos são: elaboração de cadastro de todas as propriedades, atualização constante das informações cadastrais e das avaliações imobiliárias e aplicação de mecanismos eficazes de cobrança e punição judicial a devedores. Afonso, Araújo e Nóbrega (2012) seguem na mesma linha ao afirmar que o investimento na melhoria do sistema de cadastro e de avaliação por si só não tem efeitos certos, pois alguns municípios podem se deparar com outros fatores que estejam afetando a arrecadação. Os frutos de uma reforma, no entanto, iriam além de aumento de receitas, incluindo a correção de outro aspecto negativo do atual sistema que é a alta regressividade do IPTU.

Para entender a regressividade do IPTU vamos destrinchar um pouco mais o processo de arrecadação do imposto. Existem dois instrumentos de controle: o Cadastro Imobiliário Municipal e a Planta Genérica de Valores (PGV). O primeiro contém o registro das características dos imóveis, como tamanho, localização, padrão de construção e a identificação dos contribuintes. Manter estas informações atualizadas depende de uma equipe técnica especializada e de recursos tecnológicos sofisticados, como imagens via satélite para georreferenciamento da zona urbana da cidade. A alta informalidade, ou seja, existência de inúmeros imóveis irregulares decorre da dificuldade de acessar as áreas marginalizadas da cidade. Mas, a irregularidade não se restringe a edificações de baixa renda.

Geralmente os cadastros estão defasados em relação à situação real dos imóveis e têm baixo grau de cobertura.

(19)

A PGV, por sua vez, deve informar o valor do metro quadrado onde estão inseridos os imóveis da cidade e será usada como referência pelo fisco para determinar a base de cálculo do IPTU. Para que a progressividade do imposto seja garantida, é fundamental que o valor venal dos imóveis esteja o mais próximo possível do seu preço de mercado, cujo valor sofre influência de fatores dinâmicos e exige revisão periódica, caso contrário pode causar impactos distributivos significativos.

Estudos apontam para uma tendência a avaliações imobiliárias regressivas. Uma das razões disso é a ausência de aplicação de critérios técnicos, o que torna a revisão de valores das plantas uma decisão meramente política. De Cesare e Marín (2008) mostra a desigualdade nas avaliações imobiliárias como uma das duas fontes de regressividade no imposto imobiliário, de natureza administrativa. A outra fonte é da natureza intrínseca ao imposto. A autora cita trabalhos que explicam a regressividade intrínseca ao imposto pelo fato de não necessariamente o valor do patrimônio ser proporcional à renda da família. Na verdade, geralmente as famílias mais pobres devem fazer um esforço financeiro maior para adquirir o imóvel próprio do que as famílias mais ricas, o que quer dizer que há um distanciamento maior entre a renda da família e o valor do imóvel nas camadas mais pobres da população.

O uso de taxas progressivas pode amenizar a regressividade intrínseca do imposto, mas não será capaz de corrigir distorções de origem administrativa.

As avaliações imobiliárias costumam ser distorcidas do ponto de vista distributivo pelos seguintes fatores apontados por Carvalho Jr. (2006): a) a possibilidade de omissão de variáveis que geram externalidades positivas, que vão além da análise do padrão de construção; b) tendência a estabelecimento de arrecadação piso e teto por imóvel, geralmente para cobrir custos administrativos; e c) a maior capacidade de exercer pressão política de determinados grupos com poder econômico (proprietários de imóveis mais caros) e conseguir benefícios individuais como isenções, ou mesmo de contestar judicialmente as cobranças.

A qualidade da elaboração e a periodicidade da revisão do Cadastro Imobiliário Municipal e da Planta Genérica de Valores operariam no sentido da minimização, quiçá da extinção, destes problemas. Mas o quadro atual destas informações no Brasil ainda inspira preocupações, a despeito da boa evolução recente, inclusive nos municípios menores. Dados de Garson (2007), de 2006, mostram que 20% dos 3970 municípios com menos de 20.000 habitantes não tinham cadastro imobiliário

(20)

informatizado, mas em 1999 eram 48%. Já dentre os 1.594 municípios com mais de 20.000 habitantes, 9% não o tinham, mas em 1999 eram 26%.

Dentre as preocupações ainda presentes está o fato de a revisão dos valores venais na PGV depender de aprovação legislativa, o que a torna uma decisão política e bloqueia mudanças que deveriam ter teor técnico. A cobrança de débitos em atraso também enfrenta dificuldades administrativas e políticas que precisam ser revistas no sentido de combater a evasão fiscal (Garson, 2007).

Há ainda a tradicional discussão em torno do financiamento municipal no atual cenário do federalismo fiscal brasileiro. O crescente ganho de participação dos municípios no fluxo de transferências intergovernamentais (da União e dos Estados) desde a Constituição de 1988, fazendo com que este ente hoje tenha sua maior participação histórica na receita disponível do setor público, pode ser considerado como um dos grandes desincentivos para o investimento na eficiência da arrecadação do IPTU por parte das prefeituras (Smolka e Furtado, 1996).

De forma a fortalecer a receita do IPTU sem perder o foco na equidade fiscal, Guedes (2008) sugere várias ações, sendo elas no campo da ação legislativa e administrativa. Num primeiro momento, o objetivo se concentra na promoção da progressividade do imposto, que implica na reordenação do sistema de isenções, de mensuração da capacidade contributiva e reestruturação das alíquotas em função do valor venal. Administrativamente, muitas orientações seguem na linha já comentada, mas há uma ênfase maior na importância da gestão dos créditos tributários, devido ao alto grau de inadimplência verificado, e na insegurança jurídica que ainda rodeia as tentativas de reavaliações imobiliárias, apesar da EC 29/2000.

Mudanças sem dúvida se mostram necessárias, afinal, a substituição da tributação sobre o consumo, que não leva em consideração a capacidade contributiva do consumidor, por uma eficiente tributação sobre o patrimônio, pode ser uma maneira de reduzir a regressividade da carga tributária, significativa no Brasil. Apesar dos benefícios para a equidade e para aumento da arrecadação local, é forçoso reconhecer que não tem havido o menor interesse dos diferentes projetos do governo federal de reforma tributária em propor mudanças para os tributos patrimoniais. Os debates políticos têm evitado ao máximo as mudanças que atinjam as competências municipais.

(21)

A despeito dessa pouca mobilização federal para propor uma reforma no âmbito municipal, há uma pressão indireta desse mesmo ente para que as prefeituras promovam seu esforço tributário. A constante delegação de funções, os reajustes sobre o funcionalismo público e as transferências restringidas pelas desonerações, são alguns indícios desse movimento. Assim sendo, o governo federal poderia aproveitar a maior cobrança do esforço tributário das prefeituras para ajudar a atender tal objetivo, ofertando de forma mais ostensiva os programas de financiamentos para modernização das administrações fazendárias e melhor eficiência do gasto, já existentes no BNDES (o PMAT10) e também no Ministério da Fazenda, com recursos do BID (o PNAFM11). A procura por tais projetos pode ser considerada tímida diante da disponibilidade de recursos e do potencial de inversões por realizar.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS: REFORMA E PERSPECTIVAS

As cidades e seus cidadãos demandam cada vez mais, melhores e novos serviços públicos, porém, a sua prestação pelos governos, sobretudo os locais, e a forma de financiamento continuam presos a modelos antigos e relativamente limitados. E mesmo isso não pode ser considerado que venha sendo realizado há contento pelas prefeituras brasileiras, como uma regra geral. Há ainda um enorme potencial de geração própria de recursos por explorar na maioria das cidades brasileiras, ainda mais em torno dos impostos sobre a propriedade.

Cobrar o IPTU de forma minimamente compatível com os demais tributos brasileiros, inclusive os patrimoniais, não deve ser privilegiado apenas como maior potencial de receita por explorar, como pode e deve ser usado em caráter regulatório para fins da política urbana, de cada cidade. Até emenda à Constituição da República já previu e autorizou que o imposto seja aplicado de forma progressiva, o que reforça o seu componente de justiça social, devendo punir a posse de terrenos vazios quando há um enorme déficit habitacional e podendo taxar proporcionalmente mais aqueles imóveis das regiões que mais se valorizaram, inclusive quando beneficiadas por intervenções governamentais para ampliar a oferta de bens públicos ou melhorar seus serviços.

10 Estudos do BNDES indicam que os resultados do programa são positivos, explicando significativamente o aumento da arrecadação do IPTU nos municípios apoiados. Página do programa:

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