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Academic year: 2021

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ARQUITETURA PARA INVISUAIS A Experiência Estética da Habitação

Ana Sofia Melo das Neves

Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura sob orientação do Professor Doutor Armando Rabaça Departamento de Arquitectura, FCTUC, Fevereiro 2016

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ARQUITETURA PARA INVISUAIS: A Experiência Estética da Habitação

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Nota à edição:

A presente dissertação segue o novo Acordo Ortográfico, por decisão da autora.

As citações transcritas em português referentes a edições de língua não portuguesa foram sujeitas a uma tradução livre.

A norma das referências bibliográficas é a Chicago Manual of Style 16th edition full note.

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Ao Professor Armando Rabaça, orientador da presente dissertação, por me ajudar a encontrar um caminho e por sempre ter mostrado dedicação.

Aos meus pais, irmãos e avós, mas particularmente à minha mãe, que durante o meu percurso foi a minha maior apoiante.

Ao Tiago, por toda a paciência e amor principalmente nesta fase.

A todos os amigos, mas especialmente à Joana, ao Luís, à Rita, à Patrícia, à Rita Gomes e ao Renato por me terem ajudado até ao fim, com muita dedicação e amizade.

Por fim, ao António, ao Armindo e ao Danny, por terem sido sempre grandes amigos.

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1 Resumo 3 Abstract 5 INTRODUÇÃO

21 CAPÍTULO I - Como se constrói uma experiência estética para invisuais?

23 1.1 A Experiência Estética e a Teoria da Arquitetura 43 1.2 A Experiência Estética e a Literatura por Invisuais

59 1.2.1 Tato

85 1.2.2 Olfato

107 1.2.3 Audição

131 1.2.4 Movimento do Corpo no Espaço 155 CAPÍTULO II - Três projetos, três arquitetos

157 2.1 Glass House 2001 for a Blind Man 171 2.2 Instalação Balnear da Lourinhã 183 2.3 Polytrauma and Rehab Centre 195 2.4 Nota Final

211 CAPÍTULO III - Habitação Manuel Duarte da Silva

213 3.1 Desenhos de Projeto 217 3.2 Memória Descritiva 225 CONSIDERAÇÕES FINAIS 237 Bibliografia

259 Anexos

261 Entrevista a Manuel Duarte da Silva 275 Fotografias da Maquete

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A presente dissertação pretende refletir sobre como é possível construir uma experiência estética para um invisual. Tendo em conta que vivemos rodeados de espaços construídos e de objetos físicos, é imperativo perceber se a relação que temos com os mesmos enfraquece significativamente na supressão da visão, ou se, pelo contrário, esta relação se torna apenas diferente. Neste sentido, este tema é analisado no presente trabalho com o intuito de despertar no arquiteto a sua intrínseca, mas suprimida, consciência relativamente ao mesmo. Posto isto, enfatiza-se a necessidade de pensar sobre o que é a experiência estética e o que se altera na perceção da Arquitetura quando a visão deixa de existir. Decorrente desta ideia, são explorados quatro componentes da experiência: três sentidos não-visuais - ou seja, o tato, a audição e o olfato – e o movimento do corpo no espaço.

Como outras formas artísticas os exploraram de forma mais assertiva que a Arquitetura - como a Escultura e a Arte Performativa - recorre- se às mesmas para compreender a influência destes componentes na experiência estética. Por fim, eles são analisados em três projetos destinados a invisuais, com o intuito de compreender como podem ser aplicados na Arquitetura. A investigação teórica e a análise prática destes projetos tem como fim a elaboração de um projeto de uma habitação unifamiliar para um invisual e respetiva família.

Palavras-Chave: Experiência estética, Sentidos Não-Visuais, Tato, Olfato, Audição, Movimento do Corpo no Espaço.

Resumo

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This dissertation aims to reflect on how we can build an aesthetic experience for a blind person. Given that we live surrounded by the built environment and physical objects, it is imperative to understand whether the relationship we have with them weakens significantly in the suppression of vision, or if, on the contrary, this relationship becomes just different. Thus, the issue analyzed in this work has the intention of awakening the architect for its intrinsic, but suppressed, awareness of this subject. With this in mind, it emphasizes the need to think about what is the aesthetic experience and what changes in the perception of architecture when the vision ceases to exist.

Resulting from this idea, this dissertation explores four components of experience: three non-visual senses – touch, hearing and smell – and body movement in space. Given that other artistic areas exploited them more assertively than Architecture – as Sculpture and Performance Art – this essay resorts to them to understand the influence of these components in the aesthetic experience. Finally, they are analyzed in three projects for blind people, in order to understand how they can be applied in Architecture. The theoretical research and practical analysis of these projects aim to draw up a project of a house for a blind man and his family.

Keywords: Aesthetic Experience, Non-Visual Senses, Touch, Smell, Senses, Hearing, Body Movement in Space.

Abstract

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Introdução

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Introdução 7

Na cultura ocidental, a visão tem sido considerada o sentido dominante desde a ideologia Clássica Grega, cujo pensamento era baseado na visão e na visibilidade. Segundo Heráclito, os olhos eram testemunhos mais exatos do que os ouvidos.1 Aristóteles, por sua vez, considerava a visão o sentido mais nobre porque aproximava o intelecto em virtude da imaterialidade relativa do seu conhecimento.2

Desde a cultura grega, todos os ensaios começaram a conter metáforas visuais, até ao ponto em que o conhecimento se tornou análogo à visão clara e a luz se tornou uma metáfora de verdade.

A Alegoria da Caverna, escrita por Platão, é uma exemplificação de como nos podemos libertar da escuridão que nos aprisiona, associada à ignorância, através da luz, associada à verdade. Neste ensaio, Platão discutiu a teoria do conhecimento, da linguagem e da educação na formação do Estado Ideal.

Durante o Renascimento, os cinco sentidos formavam um sistema hierárquico, no qual a visão era o ponto mais alto e o tato a base. O sistema renascentista relacionava-se com a imagem do corpo cósmico; a visão era associada ao fogo e à luz, a audição ao ar, o olfato ao vapor, o paladar à água e o tato à terra.3

A invenção da perspetiva colocou o olho no ponto central

1 Heráclito citado por Juhani Pallasmaa, The Eyes of the Skin: Architecture and the Senses (West Sussex, Inglaterra: John Wiley & Sons Ltd, 2005), pág. 15

2 Platão citado por ibid.

3 Ibid., pág. 16.

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Introdução 9

do mundo percetivo e a representação perspetivada tornou-se ela própria uma forma simbólica, que não só descreve mas condiciona a perceção.

David Michael Levin considera que é apropriado desafiar a hegemonia da visão – o ocularcentrismo da nossa cultura4 e necessário examinar de forma crítica o carácter da visão que predomina no mundo atual.

A perda de plasticidade e a primazia da visão na Arquitetura são decorrentes do pensamento clássico, mencionado anteriormente, e da teoria da Arquitetura ocidental, particularmente dos ensaios de Leon Battista Alberti, que se dedicou às questões relativas à percepção visual, à harmonia e à proporção. A predominância do sentido visual também foi fortemente abordada nos ensaios modernistas. A declaração de Le Corbusier, que defende que a arquitectura é o jogo magistral, correto e magnífico de massas reunidas sobre a luz,5 define claramente o papel da visão no pensamento modernista. Porém, o arquitecto suíço revelou um grande talento artístico no que diz respeito aos restantes sentidos, motivo pelo qual a sua arquitectura não caiu numa apatia sensorial.

Segundo Pallasmaa, a desumanidade da Arquitetura e cidades contemporâneas pode ser compreendida como uma consequência da negligência do corpo e dos sentidos, um desequilíbrio no nosso sistema sensorial.6 Os sentimentos de exterioridade, solidão e distanciamento no mundo atual podem ser relacionados com uma certa patologia dos sentidos não-visuais. A Arquitetura enquanto arte do olhar produziu estruturas provocadoras a nível teórico, mas não facilitou o enraizamento do Homem no mundo. O facto de o idioma modernista não ter penetrado a superfície do gosto popular e dos valores locais parece ser decorrente do seu ênfase visual. Segundo o autor, a maioria do desenho modernista abraçou o intelecto e o olhar, mas deixou o corpo e os outros sentidos, assim como as suas memórias, imaginação e sonhos sem abrigo.7 Apesar desta declaração não reduzir a importância do espírito modernista - no qual podemos salientar os mármores e pilares de aço de Mies van der Rohe, a planta-livre e os pilares de betão de Le Corbusier, a experimentação da Bauhaus e os Palácios de Cristal – coloca a dúvida de habitabilidade e de atribuição de significados na Arquitetura do mesmo.

4 David Michael Levin citado por ibid., pág. 17.

5 Le Corbusier citado por ibid., pág. 27.

6 Ibid., pág. 17 e 19.

7 Ibid., pág. 19.

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Introdução 11

A Arquitetura, como é óbvio, tem uma componente visual muito forte, perpetuada pelas revistas, pelas fotografias e, até mesmo, pela disciplina de projeto, através da execução de maquetes e desenhos que agradam ao olhar. Quase todos os aspectos da disciplina empregam a visão e excluem os outros sentidos. Michael Benedikt8 propôs que este posicionamento da Arquitetura pode ser o resultado da sua ténue posição no mundo das Belas Artes. Segundo o autor, para manter este estatuto, a Arquitetura deve ser visual, porque o sentimento decorre da visão.9 Porém, à medida que a profissão se torna cada vez mais informatizada e o ambiente construído se torna cada vez menos sensorial, aumenta o perigo do campo visual dominar por completo as nossas experiências. Pallasmaa revelou-se preocupado relativamente à atual tendência visual e supressão dos outros sentidos na maneira como a Arquitetura é concebida, ensinada e criticada e ao desaparecimento das qualidades sensoriais e sensuais das Artes e da Arquitetura.10

Objetivos

A presente dissertação tem como base a preocupação de Pallasmaa e examina a experiência estética dos invisuais para refutar que a Arquitetura é uma arte retinal. Além disso, pretende sublinhar alguns valores leccionados particularmente no primeiro ano do curso, durante o qual os livros Architektur Denken (Pensar a Arquitetura, 2006) e Atmosphären (Atmosferas, 2006), de Peter Zumthor, são referidos frequentemente. Segundo Zumthor,

Todos os trabalhos de projeto do primeiro curso anual de arquitectura partem desta sensualidade corporal, objectiva das arquitectura, da sua materialidade. Experimentar concretamente a arquitectura, isto é tocar; ver; ouvir; cheirar o seu corpo. Descobrir estas qualidades e ocupar-se conscientemente delas – isto são os temas das aulas.11

Portanto, a escolha do tema reside na defesa de uma Arquitetura multissensorial, mas também na resolução de um problema concreto, que é o de projetar uma habitação para uma família, da qual faz parte um invisual. Posto isto, o objetivo principal da investigação teórica

8 Michael Benedikt é professor na Austin School of Architecture na University of Texas, onde lecciona a cadeira de Urbanismo. Além disso, ele é o dirigente do The Center for American Architecture and Design e do Graduate Program in Interdisciplinary Studies.

9 Michael Benedikt citado por «Architecture and the Non-Visual Senses», Perspectives - The Journal of the Ontario Association of Architects, 2010, pág. 5.

10 Pallasmaa, The Eyes of the Skin: Architecture and the Senses, pág. 10.

11 Peter Zumthor, Pensar a Arquitectura (Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2009), pág. 66.

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Introdução 13

é o desenho de uma habitação, que suscite em Manuel Duarte da Silva uma experiência arquitetónica que estimule os seus sentidos remanescentes. Para isso, é necessário perceber quais os componentes da experiência dos invisuais e como é que os estudantes de Arquitetura e os arquitetos os podem trabalhar.

Metodologia

Como método de trabalho, inicialmente foi realizada uma entrevista a Manuel [ver em anexo] para clarificar a sua condição e perceber as potencialidades espaciais que podem ser exploradas para estimular a experiência estética do mesmo. Numa segunda fase, a investigação passou por uma forte recolha bibliográfica de vários autores fenomenológicos e de autores cegos para desconstruir o conceito de experiência estética e perceber como esta pode ser estimulada na ausência da visão. Os componentes que constituem a experiência estética dos invisuais são ilustrados através de obras de vários âmbitos disciplinares, como a Escultura e as Artes Performativas, para compreender como estes conseguem construir uma experiência estética sem recorrer à imagem visual.

Estes componentes são analisados em três projetos arquitetónicos destinados a invisuais, para compreender como podemos transportá- los das outras Artes para a Arquitetura. Por fim, esta investigação teórica e análise prática culmina no desenho de uma habitação para Manuel e respetiva família.

Organização da Dissertação

Na primeira secção do primeiro capítulo, A Experiência Estética e a Teoria da Arquitetura, pretende-se, inicialmente, perceber no que consiste a experiência estética, através da leitura de autores fenomenológicos reconhecidos, como Bruno Zevi, que refere a importância da experiência direta na perceção da Arquitetura e refere conceitos importantes como o deslocamento do corpo;

de Christian Norberg-Schulz, que constrói um discurso sobre a experiência estética em torno do espaço existencial; de Steen Eiler Rasmussen, que se refere à experiência arquitetónica como uma ação e nos fornece ferramentas que nos permitem compreender as propriedades percetivas da Arquitetura; de Alberto Saldarriaga Roa, que, com base na investigação teórica de Gaston Bachelard, considera que a experiência está associada ao prazer do momento;

e de John Dewey, que refere a importância do tempo e da memória

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Introdução 15

no decorrer dessa experiência. Apesar de todas estas abordagens do conceito serem muito diferentes, a leitura do conjunto fornece-nos uma noção muito completa da essência da experiência estética e dos seus componentes.

Tendo em conta que estes autores não referem o que se altera na experiência estética quando os estímulos visuais são suprimidos, tornou-se importante recorrer a relatos autobiográficos de autores cegos, que nos descrevem as suas experiências do seu quotidiano.

Desta forma, na segunda secção, John Hull, John Milton, Jorge Luís Borges e Jacques Lusseyran fornecem-nos informações essenciais para compreendermos quais são os principais componentes da experiência estética dos invisuais, entre os quais podemos constatar a ausência da memória e, obviamente, da visão. Posto isto, nas quatro secções que se seguem são tratados os principais componentes da mesma, ou seja, três sentidos não-visuais – tato, olfato e audição – e o deslocamento do corpo no espaço.

Cada um destes componentes é analisado sob a perspetiva de outras Artes, como foi referido anteriormente.

O Tato é assumido como a fonte primária de informação dos cegos. Para ilustrar a importância do tato na experiência invisual, são mencionados os trabalhos do escultor Constantin Brancusi e da escultora Louise Bourgeois. A escolha destes dois artistas decorre do facto de terem executado obras destinadas a invisuais. A Sculpture for the Blind (1916) de Brancusi e a Blind Man’s Buff (1984) são duas obras que explicitam a importância da forma, da textura, da materialidade e da temperatura nas Artes, e consequentemente, na Arquitetura.

O Olfato é considerado uma importante ferramenta de orientação dos cegos. Por isso, faz-se referência ao trabalho de Joseph Beuys e de Peter de Cupere. A referência a Joseph Beuys justifica- se pela intensidade olfativa das suas obras, às quais é impossível ficar indiferente, e à base teórica do seu trabalho; e a Peter de Cupere, por ter dedicado todo o seu trabalho à arte olfativa e, em última instância, à forma como o odor pode ajudar os invisuais a orientarem-se. Posto isto, são mencionados os trabalhos mais conhecidos de Beuys, como a Fat Chair (1964), e dois trabalhos de Peter de Cupere, Invisible (SCENT) Paintings (2014) e Blind Smell Stick (2012).

A Audição fornece aos invisuais uma atmosfera tridimensional, ou seja, a reverberação permite-lhes ter informações sobre a

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Introdução 17

dimensão dos espaços. Para ilustrar a importância do som na perceção espacial, são mencionadas as obras de John Cage e de Harry Bertoia. A menção a John Cage justifica-se pelas suas composições com todos os todos os sons possíveis, particularmente na peça ‘4’ 33’’ (1952), e a Harry Bertoia, pelas suas experiências com esculturas sonoras.

O Movimento do corpo no espaço é o culminar destas secções porque engloba-as todas, ou seja, quando nos movimentamos dentro de um edifício somos despertados pelos estímulos sensoriais do tato, do olfacto e da audição. No caso dos invisuais, este deslocamento é mais lento e inseguro, devido à ausência da visão. Por isso, importa perceber os conceitos orientação e mobilidade. As fotografias da série Blind Walk (2011), do fotógrafo Florian Bong-Kil e a atividade Generator (2014), de Marina Abramovic, são ilustrativas da importância destes dois conceitos quando se considera a experiência estética dos invisuais.

No segundo capítulo, Três projetos, três arquitetos, é feita uma análise sensorial de três projetos destinados a invisuais, nos quais são analisados os componentes mencionados nas secções do capítulo anterior. A Glass House 2001 for a Blind Man, dos arquitetos Penezić e Rogina, foi o meio de entrada da dupla de arquitetos para a Central Glass International Architectural Design Competition, no qual exploraram as qualidades audio-tácteis do vidro para estimular uma experiência arquitetónica em todos os utilizadores, mas especialmente nos invisuais. A Instalação Balnear da Lourinhã, do arquiteto Carlos Mourão Pereira, foi desenhado com o intuito de permitir que as pessoas com deficiências possam ter contacto com o mar, sem receio. Por fim, o Polytrauma and Blind Rehab Centre, desenhado pelos ateliers The Design Partnership e Smith Group com a colaboração de Christopher Downey, é um centro de reabilitação, como o próprio nome indica, para invisuais que perderam recentemente a visão e pessoas com diversos traumas. O conceito principal do projeto era criar um ambiente que ajudasse os alunos a lidar com a súbita deficiência visual, sem que isto implicasse que o edificio fosse fácil de percorrer. Como todo o edifício faz parte do programa de treino de mobilidade e orientação, precisava de ser uma boa representação do mundo exterior. Aos três subcapítulos mencionados, é adicionado outro, intitulado Nota Final, no qual os arquitetos responsáveis pelos projetos fazem observações sobre os projetos de Arquitetura destinados a invisuais, fornecendo

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desta forma informações importantes para posterior execução do projeto da habitação unifamiliar para Manuel Duarte da Silva.

O último capítulo é dedicado ao projeto da habitação, objetivo principal da presente dissertação. Este contém os Desenhos de Projeto e a respetiva Memória Descritiva, que por sua vez é acompanhada por imagens alusivas ao mesmo. Na última secção, é feita uma alusão às condições impostas por Manuel e às opções projetuais tomadas.

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I. Como é que se constrói uma

experiência estética para um invisual?

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1.1 A Experiência Estética e a Teoria

da Arquitetura

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1.1 A Experiência Estética e a Teoria da Arquitetura 25

Dado o seu caráter existencial, a experiência da Arquitetura pode ser analisada sob várias perspetivas: filosóficas, culturais, psicológicas, antropológicas, sociológicas, estéticas, entre outras.

Porém, levanta-se a questão se é possível descrever uma experiência em condições meramente arquitetónicas. Alguns autores fenomenológicos tentaram dar resposta a esta questão.

Em 1948, foi publicada a primeira edição do livro Saper vedere l’architettura (Saber ver a arquitetura), do arquiteto e crítico italiano Bruno Zevi. Podemos considerar que o título do livro parece afirmar a importância da perceção visual na apreciação da Arquitetura, mas o conteúdo revela o interesse da parte do autor em compreender a espacialidade, enquanto o vazio criado pelos elementos materiais da Arquitetura. O parágrafo seguinte expressa precisamente isso:

A definição mais precisa que se pode dar hoje sobre a Arquitetura é aquela que tem em conta o espaço interior. A Arquitetura bela, será a Arquitetura que tem um espaço interno que nos atrai, nos eleva, nos subjuga espiritualmente; a Arquitetura “feia” será aquela que tem um espaço interno que nos incomoda e nos repele. Mas o importante é estabelecer que tudo o que não tem espaço interno não é Arquitetura.1 Quando Zevi escreve sobre aquilo que [...] nos atrai, nos eleva,

1 Bruno Zevi, Saber ver la arquitectura (Buenos Aires: Poseidón Editora, 1951), pág. 26.

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1.1 A Experiência Estética e a Teoria da Arquitetura 27

nos subjuga espiritualmente [...] nos incomoda e nos repele, o historiador refere-se indiretamente à experiência arquitetónica. Porém, a palavra experiência é empregada várias vezes ao longo do texto.

Uma referência muito concreta pode ser encontrada no parágrafo seguinte:

Quem se quiser iniciar no estudo da Arquitetura tem, antes de mais, que compreender que uma planta pode ser asbtratamente bela [...] e, apesar disso, o edifício pode ser arquitetonicamente pobre. O espaço interno, aquele espaço que [...] não pode ser representado completamente de forma nenhuma, nem apreendido nem vivido senão através da experiência direta, é o protagonista do feito arquitetónico. Apropriar-se do espaço, saber vê-lo, constitui a chave de entrada para a compreensão dos edifícios. 2

Desta forma, torna-se evidente que, para Zevi, o espaço arquitetónico só pode ser apreendido através da experiência direta.

Neste sentido, o autor revela-se contraditório nas suas asserções;

tendo em conta que o espaço é o protagonista da Arquitetura, Zevi devia falar em sentir o espaço e não em vê-lo. O historiador parece privilegiar a perceção visual em relação a outros componentes da experiência arquitetónica, uma suspeita que pode ser sustentada pelo facto de a visão perspetiva das três dimensões ser um dos seus pontos de apoio. Mas esta visão tem que estar associada a um movimento, um deslocamento do corpo no espaço. A este respeito, Zevi fala sobre como um pintor cubista representou vários pontos de vista da mesma caixa, permitindo que se percebe-se não só a totalidade da sua forma externa, mas também a sua constituição interna. Posto isto, Zevi defende que

[...] a realidade do objeto não se esgota nas três dimensões da perspetiva; para representá-la integralmente, teria que fazer-se uma quantidade infinita de perspetivas a partir de infinitos pontos de vista. Há, portanto, outro elemento, além das três dimensões tradicionais, e é precisamente o deslocamento sucessivo do ângulo visual. Assim, foi batizado o tempo de “quarta dimensão”. 3

O deslocamento do ângulo visual, a que Zevi se refere, implica

2 Ibid., pág. 20.

3 Ibid., pág. 24.

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movimento corporal e a experiência direta da Arquitetura, porque um corpo em movimento tem uma percepção totalmente diferente de um corpo imóvel. Desta forma, Zevi associa este deslocamento ao tempo, ou seja, à duração da vivência do espaço e assume-a como quarta dimensão. A este respeito, Zevi refere que:

[...] toda a obra de Arquitetura, para ser compreendida e vivida, requer tempo, [...] a quarta dimensão.

Resumidamente, Zevi destaca o espaço como componente principal da Arquitetura e consequentemente da experiência da mesma. Entende por espaço, o vazio que resulta da construção da Arquitetura, quer seja uma rua ou um recinto. Privilegia o papel da visão, ou seja, da imagem como agente dessa experiência, que só é possível graças à mudança de pontos de vista. Posto isto, podemos concluir que Zevi considera que a experiência da Arquitetura é uma experiência visual dinâmica da espacialidade, especificamente do espaço interior ou vazio da Arquitetura. Mas nisto reconhece implicitamente o papel do corpo na construção da experiência.

O arquiteto e teórico norueguês Christian Norberg-Schulz tratou em vários dos seus livros o tema da experiência arquitetónica, a partir da noção do espaço existencial, ao qual atribui um papel preponderante. A primeira frase do capítulo The system of spaces, do livro Existence, Space & Architecture (1971), é ilustrativo desta noção.

O interesse do Homem no espaço tem raízes existenciais.

Decorre de uma necessidade de compreender as relações vitais no seu ambiente, de atribuir significado e ordem a um mundo de eventos e ações. Basicamente, o Homem orienta-se para os

“objetos”, ou seja, ele adapta-se fisiologicamente e tecnologicamente às coisas físicas, interage com outras pessoas, e agarra as realidades abstratas, ou “significados”, que são transmitidos através das várias línguas criadas para o propósito da comunicação.. 4

Após uma revisão de carácter histórico no âmbito de diferentes disciplinas - como a Filosofia e a Geometria -, Norberg-Schulz concluiu que até ao momento podiamos dividir o conceito de espaço em cinco categorias diferentes:

4 Christian Norberg-Schulz, Existence, Space & Architecture, Praeger Paperbacks (Nova Iorque:

Third Printing, 1974), pág. 9.

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1.1 A Experiência Estética e a Teoria da Arquitetura 31

[...] O espaço pragmático da ação física, o espaço percetivo da orientação imediata, o espaço existencial que forma a imagem estável que o Homem tem do seu ambiente, o espaço cognitivo do mundo físico e o espaço abstracto das relações lógicas puras.

O espaço pragmático integra o Homem no seu ambiente natural e “orgânico”, o espaço percetivo é essencial para a sua identidade como pessoa, o espaço existencial faz com que ele pertença a uma totalidade social e cultural, o espaço cognitivo significa que ele é capaz de pensar sobre o espaço, e o espaço lógico, finalmente, oferece a ferramenta para descrever os outros. A série mostra uma abstração crescente desde o espaço pragmático, no nível “mais baixo”, até ao espaço lógico, no topo, ou seja, um conteúdo crescente de

“informação”. [...] desta forma, a série é controlada a partir da parte superior, enquanto a sua energia vital surge a partir do fundo. 5

Esta hierarquia de tipos de espaço torna-se cada vez mais abstrata, desde o espaço pragmático, que se localiza no nível mais baixo e que integra o Homem no seu ambiente natural, até ao espaço lógico, que se localiza no topo e serve como ferramenta para descrever os outros. Entre ambos, encontra-se o espaço percetivo, que lhe permite orientar-se e é extremamente importante para a formação da sua personalidade, o espaço existencial, que lhe permite integrar-se socialmente e culturalmente, e o espaço cognitivo, que lhe permite pensar sobre o mesmo. A estes cinco, Norberg-Schulz acrescentou outra categoria espacial, que está acima do espaço cognitivo na hierarquia.

Porém, um aspeto básico ainda está omitido. Desde tempos remotos, o Homem não agiu apenas no espaço, espaço perceptível, ele existiu no espaço e pensou no espaço, mas ele também criou espaço para expressar a estrutura do seu mundo como uma “imago mundi” real. Podemos chamar a esta criação, espaço expressivo ou artístico, e o seu lugar na hierarquia é ao pé do topo, juntamente com o espaço cognitivo. Assim como o espaço cognitivo, o espaço expressivo precisa de uma construção mais abstrata para a sua descrição, um conceito de espaço que sistematiza as propriedades possíveis dos espaços expressivos. Podemos apelidá-lo de espaço

“estético”.A criação do espaço expressivo tem sido desde sempre

5 Ibid., pág. 11.

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1.1 A Experiência Estética e a Teoria da Arquitetura 33

tarefa de pessoas especializadas, ou seja, construtores, arquitetos e urbanistas, enquanto o espaço estético tem sido estudado pelos críticos arquitetónicos e pelos filósofos. 6

Norberg-Schulz definiu uma grande amplitude de experiências do mundo físico, desde a pura ação até à pura abstração e à estética.

A importância que atribui ao espaço existencial é justificada posteriormente na ideia de que o espaço arquitetónico [...] pode ser definido como uma concretização do espaço existencial do Homem.7

Apesar de tanto Zevi como Norberg-Schulz definirem a arquitetura como a arte do espaço, o último considera que Zevi não define a natureza do espaço de que fala.8

Em 1959, foi publicada a segunda edição, em inglês, do livro Experiencing Architecture do arquitecto Steen Eiler Rasmussen. A utilização do verbo experiencing em vez de um substantivo experience revela uma mudança significativa no conteúdo do livro, porque qualifica-se a experiência não como um acontecimento singular, mas como uma ação. O objetivo de Rasmussen é fornecer aos leitores uma ampla série de instrumentos que lhes permitam compreender e apreciar a Arquitetura. Ele enumera e descreve as propriedades arquitetónicas que se experimentam ao estar presente nela, ao percorrê-la e ao analisá-la: os sólidos e os vazios, os planos de cor, a escala e a proporção, o ritmo, as texturas, a luz do dia, a cor e o som.

O seguinte parágrafo é ilustrativo desta ideia:

Compreender a Arquitetura, desta forma, não é o mesmo que ser capaz de determinar o estilo de um edifício através de determinadas características exteriores. Não é suficiente ver a Arquitetura; devemos experimentá-la. Devemos observar como ela foi projetada para um propósito especial e como ela está em sintonia com todo o conceito e ritmo de uma época específica.

Devemos habitar as suas salas, sentir como elas se fecham em si, observar como somos naturalmente levados de umas para a outras. Devemos estar cientes dos efeitos texturais, descobrir porque é que apenas aquelas cores foram usadas, como a escolha dependeu da orientação das salas em relação às janelas e ao sol.

Dois apartamentos, um por cima do outro, com salas exatamente com as mesmas dimensões e com as mesmas aberturas, podem ser

6 Ibid.

7 Ibid., pág. 12.

8 Ibid., pág. 12.

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completamente diferentes simplesmente por causa das cortinas, do papel de parede e do mobiliário. Devemos experimentar o que as grandes diferenças acústicas fazem na nossa conceção do espaço: a maneira como o som atua na enorme catedral, com os seus ecos e as suas reverberações de tons longos, comparativamente à pequena sala com painéis, acolchoada com tapeçarias, tapetes e almofadas.9

Neste parágrafo, Rasmussen define muitos aspetos interessantes na experiência da Arquitetura, nomeadamente a observação das suas propriedades e a consciência de alguns aspetos, como a luz e o som. Da mesma forma, existe ao longo do texto um ênfase notório nas propriedades percetivas da Arquitetura, fortemente marcado pelas sensações produzidas por massas e planos construídos. Porém, Rasmussen parece centrar a experiência nas sensações e ignorar a importância de outras dimensões da mesma, principalmente aquelas que são derivadas dos afectos, das vivências e da memória.

As propostas de Zevi, Norbert-Schulz e Rasmussen, ainda que válidas, instruem o leitor sobre os aspetos que deve compreender sobre as propriedades da arquitetura quando a experimenta, mas não investigam as consequências dessa mesma experiência.

De acordo com Alberto Saldarriaga Roa, em La Arquitectura como experiencia: espacio, cuerpo y sensibilidade (2002), a leitura dos livros de Zevi e Rasmussen orienta a compreensão da arquitetura em si mesma, como objecto capaz de ser apreendido sensorial e intelectualmente, mas não aprofunda aquilo que o sujeito experimenta quando encontra um espaço arquitectónico. 10

Segundo Roa, a Arte tem sido assumida como um meio de representação do irrepresentável. Além disso, considera-se, juntamente com a Ciência, uma das máximas criações do intelecto humano. Mas a Arte é também uma categoria de mercado e um rótulo inerente a algumas obras, independe da sua experiência. A experiência estética nem sempre é de ordem artística, a sensação de agrado ou de prazer é de ordem omnívora, abarca muitos campos. É o mundo do agrado, do prazer e este mundo é ilimitado.11

Neste sentido, Roa apoia-se no livro do filósofo francês Gaston Bachelard, Le Poétique de L’ Espace ( 1958). De acordo com Roa,

9 Steen Eiler Rasmussen, Experiencing Architecture, MIT Press (Cambridge: Twenty Seventh Printing, 1999), pág. 33.

10 Alberto Saldarriaga Roa, La Arquitectura como experiencia: espacio, cuerpo y sensibilidad (Universidade Nacional da Colômbia, 2002), pág. 45.

11 Ibid., pág. 54.

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1.1 A Experiência Estética e a Teoria da Arquitetura 37

existem dois temas centrais no livro de Bachelard: a imaginação poética e a presença da imagem. A imagem é, em certa medida, uma síntese da experiência, aquilo que fica quando tudo acaba.12 Quando menciona uma imagem, Bachelard não se refere a uma imagem singular mas a uma construção de imagens. Posto isto, a experiência da Arquitetura tem dois momentos significativos, o da vivência e o da imagem dessa vivência que fica retida na memória. Enquanto o primeiro requer presença física e movimento corporal, o segundo requer afastamento e atividade mental. Ou seja, a experiência, no momento da vivência, invoca sensações, memórias, imaginação e emoções. Não consiste apenas em ser vivida; a experiência consiste em reunir num momento tudo aquilo que é importante para quem experimenta.

Baseado na leitura do livro de Bachelard, Roa conclui que se existem dois tipos de experiência estética, a distraída e a consciente, pode então pensar-se em dois tipos de imagem, uma que é o fundo, e uma que é a forma da experiência. Na primeira, há representações habituais, imagens familiares que não requerem atenção. A segunda refere-se a tudo aquilo que constitui a experiência consciente das circunstâncias, da atmosfera, das formas, das nuances de um lugar. É algo, ao mesmo tempo, sensual e intelectual. Não é um simples exercício de um hábito, é o prazer do momento.13

Apesar de todos os livros mencionados anteriormente tratarem questões importantes, fornecerem hipóteses de definição de experiência estética e facultarem informações sobre como devemos interagir com a Arquitetura, nenhum deles define se a experiência estética pode ser considerada um acontecimento de ordem afetiva ou intelectual. Para clarificar esta questão, tornou-se necessário recorrer a uma fonte documental de natureza não-arquitetónica:

o livro Art as Experience (1934), da autoria do filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey.

Ao longo do livro, Dewey apresenta de forma detalhada a sua conceção de experiência artística, da qual se podem retirar alguns elementos para descortinar a experiência da Arquitetura. Uma das suas primeiras e maiores contribuições encontra-se no seguinte parágrafo, onde o autor define e caracteriza a experiência.

A experiência, na medida em que é experimentada, é vitalidade elevada. Em vez de significar encerramento dentro das

12 Ibid., pág. 62.

13 Ibid., pág. 63.

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1.1 A Experiência Estética e a Teoria da Arquitetura 39

próprias sensações e dos sentimentos, significa um comércio ativo e alerta em relação ao mundo; significa [...] completa interpenetração entre mim e o mundo dos objetos e dos acontecimentos. Em vez de significar submissão ao capricho e à desordem, proporciona a nossa única demonstração de uma estabilidade que não é estagnação, mas ritmo e desenvolvimento. Tendo em conta que a experiência é a realização de um organismo nas suas lutas e conquistas dentro de um mundo de coisas, é arte em germe. Mesmo nas suas formas rudimentares, contém a promessa dessa perceção deliciosa que é a experiência estética.14

Recorrendo a esta ideia de que a experiência significa uma completa interpenetração entre mim e o mundo dos objetos, podemos assumir que a experiência da Arquitetura é uma interpenetração entre o Ser Humano e o ambiente construído. A ideia do comércio ativo e alerta em relação ao mundo permite descrever esta relação entre ambos, no plano do consciente. Da mesma maneira, a sugestão de Dewey de uma presença latente da experiência estética em toda a experiência humana, pode ser transportada para o campo da experiência da Arquitetura.

Segundo Dewey, a experiência arquitetónica deve ser compreendida como um todo; ou seja, para o autor, não é possível diferenciar uma experiência puramente emocional, intelectual ou prática. No momento em que acontece, a experiência deve ser considerada um fenómeno unificado pela emoção. Os seus caracteres prático e intelectual contribuem apenas para lhe dar sentido, mas é a parte afetiva que a torna uma totalidade.15

Além disso, Dewey considera que todas as experiências têm uma forma, que se inicia, desenvolve e completa. Têm uma organização dinâmica e crescente, e consequentemente necessitam de tempo para se completarem. A experiência acontece, portanto, quando existe uma interação entre esta organização dinâmica e a memória, que Dewey refere como uma experiência anterior.16

Todas estas formulações discutem ideias úteis, como a relevância do deslocamento do corpo e da memória para o decorrer de uma experiência.

No entanto, não respondem a algumas questões importantes para compreender o espaço não-visual da Arquitetura. Na supressão da visão,

14 John Dewey, El Arte como Experiencia (México: Fondo de Cultura Económica, 1949), pág.

15 Ibid., pág. 51.

16 Ibid., pág. 52.

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1.1 A Experiência Estética e a Teoria da Arquitetura 41

o que se altera na perceção de um espaço? Quais os elementos que podemos trabalhar para estimular uma experiência arquitetónica num invisual? Será que ainda podemos contar com as memórias visuais ou, pelo contrário, elas deixam de existir? Para responder a estas questões, na secção seguinte estão presentes relatos autobiográficos de autores que ficaram cegos, nos quais descrevem experiências do quotidiano.

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1.2 A Experiência Estética e a

Literatura por Invisuais

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1.2 A Experiência Estética e a Literatura por Invisuais 45

Despojaram-no do mundo diverso

Dos rostos, que não são o que eram antes.

Das ruas próximas, hoje distantes, E do côncavo azul, ontem profundo.

Dos livros, guarda apenas o que lhe deixa A memória, essa forma de esquecimento Que retém o formato, o sentido,

E os meros títulos que reflete.

O desnível aproxima-se. Cada passo Pode ser uma queda. Sou o lento Prisioneiro de um tempo sonolento.

Jorge Luís Borges, excerto do poema «El ciego», em Antología Poética 1923-1977 (Madrid: Alianza Editorial, 2004).

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Imagem 1 Sophie Calle , La Couleur Aveugle, 1993

Eu fui convidada por Suzanne Page do ARC para uma exposição que ela chamou Histoires de Musee. Fui ao museu com um amigo cego, Bachir Kerouni. Quando lhe descrevi as imagens, e nós estávamos á frente da tela monocrómica de Alan Charlton, ele disse-me: “Este cinzento é a minha tela quotidiana.”

Sophie Calle perguntou a diversas pessoas cegas questões relacionadas com percepção e imaginação e comparou as suas respostas com reflexões de artistas monocromáticos que conseguem ver. O resultado foi uma combinação perfeita entre forma e conteúdo - ou seja, entre as telas cinzentas e os textos em Braille - que revela que uma investigação sobre a cor coincide estranhamente com a percepção que os invisuais têm do mundo.

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John Hull,17 apesar de não ser um crítico de Arquitetura, escreveu obras que são essenciais para compreender o tema abordado, devido à detalhada descrição fenomenológica do ambiente construído que contêm. O que Hull acrescenta ao nosso conhecimento sobre a Arquitetura multissensorial, são as informações que nos fornece do ponto de vista de um invisual.

Nos livros Touching the Rock (1990) e On Sight and Insight (1997), Hull fornece-nos relatos autobiográficos do processo da cegueira e como isso alterou a sua perceção do ambiente construído. Apesar do autor não rotular explicitamente desta forma este processo, a maneira como analisa a transição de perda da visão até ficar completamente cego assemelha-se a uma análise fenomenológica. As suas descrições altamente detalhadas da experiência desta mudança tomam tanto o seu corpo como o ambiente em consideração.18

No livro Touching the Rock, Hull descreve como a perda de uma das suas modalidades sensoriais mudou a sua perceção do mundo, passo por passo. Com 18 anos, perdeu a visão num dos olhos; 30 anos mais tarde, depois de um processo gradual de perda da visão no outro olho, ficou completamente cego. Mas, mesmo na época que já

17 John Hull foi um professor da Universidade de Birmingham e autor de uma série de livros no âmbito da educação religiosa, que ficou cego durante a sua carreira.

18 O livro de Hull também discute o impacto que a cegueira teve na sua vida pessoal e as consequências teológicas de tornar-se cego, mas estas não são muito importantes para a presente dissertação.

Imagem 1

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Imagem 2 Sophie Calle, Aveugle au lever de soleil, da série Derniére Image, 2000

Para a execução de Derniére Image, que combina texto e fotografia, Calle foi para Istambul, com o intuito de conhecer pessoas cegas que tinham perdido a visão recentemente e perguntar-lhes qual era a sua última memória visual.

Cada obra é um conjunto que inclui geralmente três elementos: uma fotografia da pessoa que ficou cega, uma fotografia que retrata a última memória visual e a descrição da mesma. Tal como Hull refere, os invisuais retratados - como perderam recentemente a visão - ainda conseguem fazer descrições de imagens visuais bastante complexas.

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1.2 A Experiência Estética e a Literatura por Invisuais 49

não conseguia distinguir nenhuma luz, Hull não se considerava cego, mas uma pessoa com visão que não pode ver. Nos primeiros anos, as memórias visuais de lugares que visitou e de pessoas que conheceu, formavam uma grande parte da sua experiência quando revisitava esses mesmos sítios e encontrava essas mesmas pessoas. Mas ao longo do tempo, essas memórias desapareceram e outras começaram a surgir. Como ele descreve no livro,

[As memórias de um adulto cego] focam-se no que o seu corpo experimentou, ou foi submetido. Isto é muito diferente de uma memória visual, porque o corpo não sente o que o olho vê. 19

O seu corpo mudou, mas ainda tinha que aprender a interagir com o ambiente que o rodeava, que no processo também se alterou. Este processo de aprendizagem precisa de tempo, o tempo que Hull precisava para se tornar cego. As alterações no corpo de Hull, e também na maneira como ele percebia o ambiente, não se resumiram apenas à perda gradual da visão, mas também à incorporação gradual da bengala.

É normal as pessoas considerarem uma bengala branca uma espécie de bengala normal. Ela é vista como algo que dá apoio.

Não é imediatamente considerada um instrumento de perceção sensorial, uma maneira de reunir informações sobre o mundo. 20

O processo de aprendizagem, consequente da perda da visão, foi uma reação às alterações que o seu corpo sofreu, mas o mundo que o rodeava parecia também ter-se alterado. Uma grande parte dele, a parte visual, simplesmente desapareceu. Não é como se de repente se tivessem apagado as luzes; ele simplesmente desapareceu.

Quando uma pessoa que vê fecha os olhos, os objetos que compõem a sua realidade visual ainda estão presentes na memória dessa pessoa.

Para Hull, esses objetos desapareceram e outros surgiram; ou então a perceção que tinha dos mesmos objetos é que mudou. Por exemplo, relativamente à temperatura do ambiente, ele refere que:

O vento tomou o lugar do sol, e um bom dia é um dia quando há uma brisa suave. Isto reaviva todos os sons no

19 John M. Hull, Touching the rock. An experience of blindness (Reino Unido: The Sheldon Press, 1990), pág. 138.

20 Ibid., pág. 38.

Imagem 2

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Imagem 3 Sophie Calle, Voir la Mer, 2000

Para a execução de Voir la Mer, uma peça de vídeo que ocupa 14 ecrãs, a artista, em conjunto com a diretora de fotografia Caroline Champetier, filmou pessoas que eram cegas desde nascença, e que foram convidadas a ver o mar pela primeira vez.

Nos vídeos, podemos ver as diferentes reações perante aquela experiência e ouvir as observações feitas relativamente à mesma.

As descrições são extremamente ricas, porque apelam a quase todos os sentidos, excepto a visão.

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1.2 A Experiência Estética e a Literatura por Invisuais 51

ambiente. 21

As qualidades aurais e tácteis começaram a compor o seu mundo. Mas foi novamente necessário algum tempo para aprender a perceber este novo mundo e toda a sua potencialidade. No início, a grande variedade de sensações visuais em locais diferentes - mais concretamente em espaços de escritório - aparentemente não traduzia a mesma variedade no que diz respeito às qualidades tácteis e aurais. Mais tarde, Hull descobriu que certos lugares causavam- lhe uma impressão mais marcante, como podemos verificar na detalhada descrição de uma obra que visitou. Nesta descrição, ele menciona os sons dos passos, o vento que sentiu na pele, o caminho que percorreu, as dimensões do local, os corrimões que tocou, etc.

Quanto mais Hull aprendia sobre este novo mundo, mais facilmente conseguia distinguir locais diferentes e até mesmo julgar se estes eram agradáveis, como ele resume numa das secções posteriores intitulada O toque é bonito.22

A cegueira de Hull mudou um aspeto muito importante do mundo que o rodeava: o seu tamanho. A maior parte do seu mundo era composto por aquilo que estava ao alcance do seu corpo, quer isto inclua a bengala ou não. Através do seu sentido háptico, ele ainda conseguia olhar para as coisas, com a ajuda das memórias das suas posições anteriores. Apesar de dentro de um ambiente sonoro, Hull ainda conseguir focar a sua atenção em padrões sonoros dentro do todo, quando os objetos paravam de emitir sons - porque o vento parava ou porque ele parava de andar e de fazer sons com a bengala e os sapatos - eles pareciam desaparecer. Cada ponto era um ponto de atividade. Onde nada acontecia, havia silêncio. Então, essa pequena parte do mundo morria, desaparecia.23 Portanto, a chuva revela a parte auditiva do mundo de uma forma que lembra o mundo visual, de acordo com Hull. O som que as gotas de água fazem cria uma paisagem sonora, na qual cada objeto tem o seu contorno e posição específicos, todos ao mesmo tempo.

Para resumir, Hull comparou o processo temporal de perder a visão a um bolo:

Não devemos pensar na vida de uma pessoa cega como um bolo, que teve uma fatia retirada. Em vez disso, é como um pequeno

21 Ibid., pág. 16.

22 Ibid., pág. 175.

23 Ibid., pág. 82.

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bolo. A experiência mantém-se intacta, apesar de o âmbito da atividade se ter tornado de várias formais mais pequeno. 24

Apesar de inicialmente experimentarem um grande sentimento de perda quando ficam cegos, algumas pessoas, como Hull, descobriram uma grande força criativa e identidade na cegueira. Por exemplo, John Milton,25 que começou a ficar cego por causa de um glaucoma aos 13 anos, produziu a sua belíssima poesia depois de ter ficado completamente cego, doze anos depois. Milton fez reflexões muito interessantes sobre a cegueira e a forma como a perda da visão exterior pode fazer surgir uma visão interior, em Paradise lost: a poem written in ten books (1667), em Samson Agonistes (1671), e num soneto muito pessoal, On His Blindness (1974).

Jorge Luís Borges, outro poeta que ficou cego, escreveu sobre os efeitos variados e paradoxais da sua própria cegueira; também se questionou como teria sido para Homero, que, de acordo com a imaginação de Borges, perdeu o mundo visual mas ganhou uma noção muito mais profunda da passagem do tempo e, com isto, um poder épico sem precedentes.

No Poema de los Dones (1958), Borges relata a experiência de andar na Biblioteca Nacional da República da Argentina, depois de ter ficado cego.

Este poema é particularmente importante na obra de Borges.

Como assumiu na palestra pública La Ceguera (1977), durante a sua vida recebeu várias menções honrosas, mas a que o deixou mais feliz foi ser nomeado diretor da Biblioteca Nacional da Argentina.26 Nesse mesmo ano, por ironia do destino, o médico informou-o que ele ficaria completamente cego, o que o iria impedir de voltar a ler e escrever sozinho. A quadra mais importante do poema é aquela em que ele se dirige a Deus e diz que [...] esta declaração da maestria / de Deus, que com magnífica ironia / deu-me a um só tempo os livros e a noite.27 Apesar de o discurso de Borges ser marcado por um negativismo relativamente à sua situação, é bastante elucidativo para o leitor sobre a experiência de conhecer novamente o que para Borges já era familiar.

24 John M. Hull, On Sight and Insight: a Journey into the World of Blindness (Oxford: Oneworld Publications, 1997), pág. xii.

25 John Milton foi um importante poeta e ministro das Línguas Estrangeiras da Comunidade de Inglaterra, um governo republicano que exerceu o poder no Reino Unido entre 1649 e 1660.

26 Jorge Luís Borges, «Blindness», em Seven Nights, trad. Eliot Weinberger (Nova Iorque: New Directions, 1984), pág. 109–110.

27 Jorge Luís Borges, Poesía, trad. Josely Vianna Baptista (São Paulo: Companhia das Letras, 2009).

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Imagem 4 Sophie Calle, Chez moi da série Les Aveugles, 1986

A minha casa é linda. Eu fiz tudo sozinha. Escolhi os candeeiros, as carpetes, os quadros, os objetos, os espelhos, as plantas. Pensei na disposição do mobiliário. Eu queria um teto azul no meu quarto: é mais intimo , mais quente. Combinei-o com o tapete. As cores foram as únicas coisas para as quais pedi conselhos. Eu não quero que seja feio.

Para a execução deste trabalho, Sophie Calle conheceu pessoas que sempre foram cegas e perguntou-lhes qual era a sua imagem de beleza.

Em termos compositivos, esta série assemelha-se muito à Derniére Image. Porém, na primeira, as fotografias da última memória visual são substituídas por imagens que os invisuais associam a beleza. Os textos que acompanham as fotografias revelam que o tato se torna a fonte primária de informação, na supressão da visão, e que mesmo os cegos de nascença conseguem criar um mundo visual imaginário.

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Jacques Lusseyran foi um soldado da Resistência Francesa cujas memórias, compiladas em And There Was Light (1963), relatam maioritariamente as suas experiências na luta contra os Nazis e mais tarde em Buchenwald, mas também incluem várias descrições sobre a sua adaptação à cegueira. Lusseyran ficou cego num acidente quando tinha oito anos, uma idade que ele sentiu ser ideal para esta eventualidade, porque, apesar de ele já ter uma experiência visual muito rica, os hábitos de um rapaz de oito anos ainda não estão formados, nem o seu corpo nem a sua mente. O seu corpo é infinitamente flexível.28

Lusseyran relata como rapidamente começou a perder as memórias visuais no seguinte parágrafo.

Pouco tempo depois de ter ficado cego, esqueci-me das caras da minha mãe e do meu pai e das caras da maior parte das pessoas que amava… Deixei de me preocupar se as pessoas eram morenas ou loiras, com olhos azuis ou verdes. Senti que as pessoas que viam perdiam demasiado tempo a observar estas coisas vazias… Eu já nem pensava nelas. As pessoas parecem já não as possuir. Ás vezes, na minha mente, os homens e as mulheres apareciam sem cabeças ou dedos. 29

Esta descrição é muito semelhante a uma feita por Hull, que escreveu,

Cada vez mais, não tento nem imaginar como as pessoas se parecem… Estou a achar cada vez mais difícil perceber que as pessoas se parecem com nada, atribuir algum significado à ideia de que elas têm uma aparência.30

Porém, quando começou a abandonar o mundo visual e as suas várias categorias, Lusseyran começou a construir e a usar um mundo visual imaginário. Posto isto, ele começou a considerar-se um cego visual.

A experiência de Hull e de Borges, de completa cegueira, diferem muito da experiência de Milton e de Lusseyran, que conseguiram construir um mundo visual interior, no qual estavam presentes uma sensação de luz, radiação e forma. A explicação para este fenómeno pode ser encontrada no córtex visual - o olho interior

28 Oliver Sacks, «The Mind’s Eye: What the Blind See», The New Yorker, Julho de 2013, pág.

214.

29 Ibid.

30 Ibid.

Imagem 4

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1.2 A Experiência Estética e a Literatura por Invisuais 57

- que pode ter sido ativado, de forma a construir uma tela na qual eles projetam o que pensam e desejam ver.31

Através da leitura destes relatos, podemos concluir que, durante os primeiros anos de cegueira, as memórias visuais ainda têm um grande impacto na experiência de um lugar conhecido. Porém, essas memórias vão desaparecendo e dando lugar a outras que se relacionam com o corpo, como Hull refere.32 É assumido pelos autores que à medida que o tempo passa, o conceito de aparência deixa de existir. A supressão gradual da visão permite que seja dada uma maior atenção aos outros sentidos, e consequentemente aos elementos naturais também. O tato é assumido como o sentido mais importante para reunir informações sobre o mundo, e neste sentido a bengala torna-se uma ferramenta essencial. A audição, por sua vez, permite que os invisuais tenham uma noção tridimensional do espaço. O som dos passos, das atividades diárias e dos elementos naturais permitem que o invisual construa um mapa mental sobre o espaço. Na ausência de som, esta construção é impensável.

Após a leitura de hipóteses de caracterização de experiência estética - escritas por autores fenomenológicos - e de relatos autobiográficos de escritores cegos, podemos concluir que os principais componentes da experiência estética dos invisuais: os três sentidos não-visuais - o tato, o olfato, a audição - e o movimento do corpo no espaço.

Posto isto, nas seguintes secções, estes componentes vão ser explorados a partir de outros âmbitos disciplinares -como a Escultura, a Arte Performativa, a Pintura e a Fotografia- porque estas áreas exploraram a questão dos sentidos não-visuais e do deslocamento do corpo de forma mais assertiva que a Arquitetura. Esta investigação pode contribuir para compreender posteriormente a relação destes elementos com a experiência estética da Arquitetura.

31 Ibid., pág. 215.

32 As memórias que Hull menciona não são muito desenvolvidas em nenhum dos livros, deixando em suspenso várias questões sobre as mesmas.

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1.2.1 Tato

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A pele lê a textura, o peso, a densidade e a temperatura da matéria. A superfície de um objecto antigo, polido até à perfeição pela ferramenta do artesão e pelas mãos assíduas dos seus utilizadores, seduz a caricia da mão.

[...] A maçaneta é o aperto de mão do edifício. O sentido táctil conecta-nos com o tempo e a tradição: através das impressões tácteis, apertamos a mão a inúmeras gerações.

Pallasmaa, The Eyes of the Skin: Architecture and the Senses, pág. 58.

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O filósofo irlandês do século XVIII, George Berkeley, foi um dos primeiros autores a relacionar a visão ao toque. Ele acreditava que o tato é o inconsciente da visão, porque lhe fornece informação tridimensional sobre os corpos materiais.

A visão precisa da ajuda do toque, que fornece sensações de solidez, resistência e saliência; a visão, separada do toque, não conseguia ter nenhuma noção nem de distância, nem de exterioridade, nem de profundidade, e consequentemente, nem de espaço nem de corpo. 1

À semelhança de Berkeley, alguns autores consideram que a visão e o tato têm uma relação muito próxima. Outros, como Juhani Pallasmaa, consideram que todos os sentidos, incluindo a visão, são extensões do tato [...], porque a pele é considerada o maior órgão do corpo humano e em todos os pontos tem a capacidade de sentir na sua totalidade. 2

Para a maioria das pessoas, as experiências tácteis são experiências secundárias, porque estabelecem contato visual antes do contato material. No caso dos invisuais, na ausência da visão, o tato

1 George Berkeley citado por Peter Lord e Duncan Templeton, The Architecture of Sound:

Designing Places of Assembly (Londres: The Architectural Press, 1986), pág. 4.

2 Pallasmaa, The Eyes of the Skin: Architecture and the Senses, pág. 10.

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1.2.1 Tato 65

torna-se a fonte primária de informação.

Apesar de podermos considerar que as mãos são os olhos dos cegos, segundo John Hull, existe uma diferença crucial entre a visão e o tato, que reside no facto de o espaço visual ser experimentado todo ao mesmo tempo, enquanto o espaço táctil é experimentado aos poucos.3

Apesar de os cegos não conseguirem sentir a Arquitetura como um todo, conseguem ter muito mais noção dos pormenores que compõem esse todo, através do tato. No livro On Sight and Insight:

A Journey into the World of Blindness, Hull descreve a visita a uma catedral que ilustra muito bem esta ideia.

Numa catedral, tenho muito pouca noção da Arquitetura como um todo. As janelas, o rendilhado dos tetos, a proporção geral dos pilares, tudo isso perde-se. Apenas dêem-me alguns minutos para explorar com os meus dedos alguns dos entalhes na tela ou percorrer com as palmas das minhas mãos a rugosidade da pedra, e notar as diferentes texturas e temperaturas e algo muito vívido é recuperado. Não me devo contentar em apenas caminhar sobre pavimentos, mas devo inclinar-me e explorar os azulejos ou as linhas dos degraus de pedra com os meus dedos. É isso que me dá uma sensação de conhecimento real.4

Apesar de as mãos serem a ferramenta mais importante para os cegos conhecerem o espaço que os rodeia, o tato não se reduz às mesmas. Na impossibilidade de as utilizar, os cegos utilizam outras partes do corpo, como os pés, ou elementos que os auxiliem, como a bengala. Os pés, particularmente quando estão descalços, são uma importante fonte de informação sobre as características do pavimento.

Em Plastik: Einige Wahrnehmungen über Form und Gestalt aus Pygmalions bildendem Traume (Escultura: algumas observações sobre a forma e a figura a partir do sonho plástico de Pigmalion, 1778), Herder desafia a visão tradicional de que a beleza é restrita a objetos que estimulam a visão, afirmando pelo contrário que há um conceito específico de beleza acessível ao sentido do tato, que é muito diferente do conceito de beleza relativo às coisas que são vistas. Utilizando o exemplo da perceção de objetos pelos cegos, ele argumenta que estes

3 Hull, On Sight and Insight: a Journey into the World of Blindness, pág. 183.

4 Ibid., pág. 21.

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Referências

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