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A participação do Banco Mundial no mercado de terras no Brasil e no mundo

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Academic year: 2018

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O

A Participação do

Banco Mundial no Mercado de

Terras no Brasil e no Mundo

DE ESTUDOS DA

Alexandra Maria de Oliveira

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Universidade Federal do Ceará – UFC Reitor

Prof. Jesualdo Pereira Farias Vice-Reitor

Prof. Henry de Holanda Campos

Editora UFC Diretor e Editor

Prof. Antônio Cláudio Lima Guimarães Conselho Editorial

Presidente

Prof. Antônio Cláudio Lima Guimarães Conselheiros

Profa. Adelaide Maria Gonçalves Pereira Profa. Angela Maria R. Mota de Gutiérrez Prof. Gil de Aquino Farias

Prof. Italo Gurgel

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A Participação do Banco Mundial no

Mercado de Terras no Brasil e no Mundo

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Impresso no Brasil / Printed In Brazil

Todos os Direitos Reservados

Editora da Universidade Federal do Ceará – Edições UFC Av. da Universidade, 2932 – Benica – Fortaleza – Ceará CEP: 60.020-181 – Tel./Fax: (85) 3366.7766 (Diretoria) 3366.7499 (Distribuição) 3366.7439 (Livraria)

Site: www.editora.ufc.br – E-mail: editora@ufc.br

Coordenação Editorial

Moacir Ribeiro da Silva

Revisão de Texto

Carmen Dolores Saraiva de Sousa Rogeria de Assis Batista Vasconcelos

Programação Visual

Luiz Carlos Azevedo

Diagramação

hiago Nogueira

Capa

Valdianio Araújo Macedo

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Apresentação ...7

Introdução ...11

1 A Questão Agrária no Brasil ...17

1.1 As Origens da Legislação de Terras ...17

1.2 A Formação do Mercado de Terras ...29

1.3 Os Movimentos Sociais de Luta pela Terra e o Regime Militar ...41

1.4 A “Nova República” e a Questão Fundiária ...51

2 A Reforma Agrária de Mercado do Banco Mundial ...59

2.1 O Projeto Novo Mundo Rural Brasileiro do Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) ...59

2.2 A Reforma Agrária de Mercado do Banco Mundial no Brasil ...69

2.3 A Reforma Agrária de Mercado do Banco Mundial na América Latina, África e Ásia ...117

2.3.1 América Latina ...117

2.3.2 África ...126

2.3.3 Ásia ...136

2.4 A Política de Contrarreforma Agrária do Banco Mundial ...146

Considerações Finais...173

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Apresentação

A leitura do espaço geográico brasileiro na totalida-de é algo complexo e requer a compreensão dos movimentos geo-históricos, os quais vão deixando marcas profundas que deinem contextos amplos em que estão contidas as especiici-dades, as subtotaliespeciici-dades, sejam espaciais ou territoriais. O que estou a fazer é ler sobre a questão da terra, mercado de terra, reforma agrária no Brasil e no mundo como parte do espaço geopolítico nacional e internacional.

Ao receber o convite, a incumbência de ler e escrever a respeito do trabalho produzido pela professora Alexandra Oliveira sobre a geopolítica dos mercados de terra, políticas de ordenação e reordenação, distribuição e redistribuição das terras no Brasil e no mundo, iquei grato, porém veio a preocu-pação em fazer uma leitura do trabalho que contribuísse com as relexões geográicas expostas no livro.

Ao iniciar a leitura fui percebendo que o livro traz à tona as políticas internacionais e nacionais que determinam as for-mas e os conteúdos das terras devolutas, indígenas, posses e propriedades privadas, sendo as últimas as que impõem as es-truturas econômicas, político-ideológicas e de poder do Esta-do diante das outras formas de acesso à terra.

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O trecho referido é apenas um pequeno sinal do que re-presentaram os poderes delegados pelo Estado português aos responsáveis pela implantação do sistema colonial no mundo e em especial nas Américas, diga-se Brasil. É importante desta-car que esse anúncio do rei, feito em 1530, não faz referências aos povos indígenas que habitavam estas terras e tinham a for-mação econômica e social dissonante do que estava sendo im-plantado. Sabe-se que o etnocídio e genocídio foram práticas que eliminaram o modo de vida, o modo de produção/extra-ção das populações preexistentes, os diversos grupos étnicos espalhados em vários pontos das “Terras brasilis”.

Fica evidenciado no livro A participação do Banco Mundial no mercado de terras no Brasil e no mundo que a mercantilização tem início naquele momento com a distribuição e as negociatas que eram feitas usando como instrumento de troca as sesmarias.

A autora mostra no livro que o projeto de colonização em-preendido por Portugal tinha por base o uso da natureza humana e física, as quais foram transformadas em mercadorias exportáveis. Esse processo se deu com a utilização das forças produtivas coman-dadas pelo capital comercial que se expandia, construindo a geo-política de dominação do espaço-mundo comandada por alguns Estados europeus que consolidavam o poder.

Nessa perspectiva, o livro vai dando conta da abordagem que revela a questão agrária nacional brasileira como decorren-te dos acordos políticos indecorren-ternacionais que envolveram a Igreja Católica Romana e os governos de Portugal, Espanha e Inglater-ra. Foram acordos que deram suporte político e econômico aos projetos mercantilistas colonizadores, estruturantes das formas de extração depredadora, apropriação, exploração das terras, tornando-as legais e ilegais, públicas, devolutas e privadas.

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intuito de usar e explorar as terras na busca de riquezas mine-rais e vegetais. Com essas ações do Estado português, as terras vão obtendo valor agregado pelo trabalho, implantando-se o mercado de terra na colônia.

O livro deixa claro para o leitor que as atividades econô-micas empreendidas na colônia necessitam de mais força de tra-balho, portanto, entra em ação o tráico negreiro, que captura, escraviza seres humanos da África e os transforma em mercado-ria a ser comercializada em diversos espaços colonizados.

Resta evidente para o leitor que esse mecanismo faz com que os fazendeiros da colônia explorem os escravizados tanto no uso da força de trabalho como na venda dos mesmos obje-tivando obter mais renda. Percebe-se, assim, que a geopolítica empreendida passa a ser a triangulação entre os espaços da África, Europa e colônias. No caso especíico do Brasil colônia, a maior concentração da riqueza continua a ser transferida para a metrópole portuguesa, no entanto, alguns fazendeiros, comerciantes da colônia, tornam-se acumuladores, formando a elite agrária com poderes de mando local.

A professora Alexandra mostra em seu livro que a po-pulação camponesa brasileira, que teve origem nos processos de apropriação e dominação das terras coloniais, hoje compõe os sem-terra, posseiros, quilombolas, ribeirinhos, faxineiros, fundos de pastos, pescadores, catingueiros, vaqueiros e tantos outros despossuídos ou com pouca terra. São esses que vão ser usados pelos programas de reforma agrária do Banco Mundial.

José Levi Furtado Sampaio

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Introdução

Este livro tem como proposta discutir os liames teóri-cos e prátiteóri-cos que compõem a política da reforma agrária de mercado implementada no Brasil pelos governos estadual e federal, em parceria com o Banco Mundial, entre 1996 e 2004.

O momento histórico priorizado foi a última metade dos anos 90 do século XX que esteve deinitivamente marcada pelas ações do governo Fernando Henrique Cardoso (1995- -2002). No Brasil, esse governo enfatizou o contra-ataque aos movimentos socioterritoriais pela reforma agrária. A pressão política de movimentos sindicais, do Movimento dos Trabalha-dores Rurais Sem Terra (MST) e da Comissão Pastoral da Ter-ra (CPT) provocou a resposta do Estado com ações de governo que sinalizaram a direção da implantação de uma política de desenvolvimento rural em consonância com a elite agrária. A análise das ações do governo Fernando Henrique Cardoso não pode ser descolada da política neoliberal de ataque à ação do MST de mobilização do campo através de marchas, ocupação de terras, estradas, prédios públicos, entre outras no país.

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entre proprietários dispostos a vendê-las e camponeses sem-terra ou com pouca terra interessados em adquirir terra para trabalhar.

A eleição do presidente Luís Inácio Lula da Silva, em 2002, trouxe esperanças para os movimentos sociais e a socie-dade civil organizada de reversão da política agrária desenvol-vida no governo anterior com o apoio do Banco Mundial. As críticas oriundas dos movimentos sociais e das representações camponesas, em especial a CPT e o MST, unidos no Fórum Social pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, foram sem-pre incisivas na questão do cumprimento da reforma agrária no Brasil.

Mas o Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF), apresentado em 2003 pelo governo Lula da Silva, fez perdurar o descontentamento dos movimentos sociais na luta pela re-forma agrária. Isso porque o programa preservou o incentivo à aquisição de terra via processo de compra e venda no mercado, deixando de lado o instrumento da desapropriação de terras. Desse modo, o PNCF do governo Lula da Silva negligenciou a luta camponesa pela reforma agrária e manteve uma política agrária de valorização do mercado, e não do Estatuto da Terra (BRASIL, 1964) como instrumento legal de acesso à terra, o que garantiu a continuidade da reforma agrária de mercado do Banco Mundial no Brasil.

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foi criado em 1944 com a missão de inanciar a reconstrução dos países devastados pela Segunda Guerra Mundial e tem no Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) seu embrião.

A pesquisa foi desenvolvida por meio de estudo trans-versal realizado em oito assentamentos criados no decorrer do programa de reforma agrária de mercado no Ceará. A seleção dos assentamentos levou em consideração as áreas prioritárias para a instalação dos primeiros assentamentos – os municípios de Acaraú e Canindé. Os asssentamentos Almécegas (1997), Ana Veríssimo (1997), Campos do Jordão (1998), Cauassu (1997), Feijão (1998), Juá (1998), Santa Rita (1997) e São Feli-pe (1998) abrigam famílias originárias de grupos de campone-ses sem-terra das regiões litoral oeste e sertão central cearense.

A expressão reforma agrária de mercado surgiu no con-texto da crítica feita pelos movimentos sociais ao programa Cédula da Terra, parte constitutiva da política agrária do Ban-co Mundial aplicada nos países em desenvolvimento. Depois passou a ser utilizada pelo discurso de intelectuais envolvidos com a luta camponesa pela reforma agrária. O curioso é que em seguida foi assumida pelo Banco Mundial, que a colocou no centro de sua parceria política com o governo brasileiro, procurando, assim, desqualiicar o conteúdo crítico da expres-são, presente em sua origem.

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se envolver no jogo político local, revelando novos caminhos para a luta pela terra. Ao mesmo tempo, é uma reforma agrária de merca-do, porque o processo de aquisição da terra rural se deu sob a lógica do mercado, ou seja, a terra foi negociada como uma mercadoria capaz de gerar renda capitalizada para os proprietários rentistas, e, sobretudo, essa política impõe e defende a lógica da propriedade privada da terra.

A relexão sobre a política de contrarreforma agrária do Banco Mundial e os camponeses, neste trabalho, passará por uma discussão acerca das políticas de assentamento rural no Brasil. Le-vanta, assim, questões pertinentes à análise na geograia agrária. A matriz teórica da pesquisa é a teoria social de Marx, estuda-da em autores como Shanin (1983), Martins (1986, 1995, 1999) e Oliveira (1981, 1986, 1990a, 1991, 1999, 2001), intelectuais que desenvolveram, com base na dialética materialista marxista, um conjunto de trabalhos de importância fundamental para a com-preensão da questão camponesa no interior do movimento con-traditório do desenvolvimento do capitalismo no campo.

O livro está dividido em dois capítulos com quatro itens cada um. O primeiro faz uma relexão acerca da questão agrá-ria à luz da discussão sobre o caráter rentista da terra no Brasil. Nele foi possível realizar uma análise da questão da legislação rural brasileira e da lógica da propriedade privada.

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A Questão Agrária no Brasil

1.1 As origens da legislação de Terras

A legislação de terras no Brasil tem sua origem no pró-prio processo de formação do Brasil contemporâneo, marcado pela contradição entre a aplicação da legislação portuguesa à colônia e o papel desempenhado por essa legislação como pro-dutora escravista de mercadorias para os países europeus.

De acordo com Prado Jr. (1953, p. 25), “o trabalho es-cravo e o acentuado caráter mercantil foram elementos consti-tuintes de uma sociedade original”. Assim, a colonização foi se revelando uma vasta empresa comercial destinada a explorar os recursos naturais do território em proveito do comércio eu-ropeu, sendo esse, portanto, o verdadeiro sentido da coloniza-ção tropical, de que o Brasil é resultado.

A produção colonial foi parte da produção internacio-nal do capital, realizada através da relação de produção e de trabalho não especiicamente capitalista, o tráico negreiro e o trabalho escravo. A formação e acumulação da riqueza iam se convertendo em capital na transição do feudalismo para o capitalismo europeu.

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[...] de um lado, o fundamento do trabalho escravo es-tava no tráico negreiro, era no comércio escravista e não na fazenda escravista que a escravidão se recriava. Por outro lado, essa situação tinha o seu sentido, já que permitia aos traicantes de escravos fazer do cativo, renda capitalizada, extrair renda da colônia já antes da produção colonial, ao invés de extraí-la por meio de monopólio e renda territoriais.

O período escravista no Brasil apresentou componentes geográicos importantes: o tráico negreiro, os mercados de es-cravos e o trabalho escravo. O tráico escravagista revelou que o trabalhador negro, antes de trabalhar de fato, já era uma merca-doria. Por isso, a mercadoria escravo, também, deve ser compre-endida como renda capitalizada antecipada do tráico negreiro. Além dessa condição de mercadoria, o trabalhador escravo pro-duzia a mercadoria açúcar. Portanto, para o senhor de escravos, concordar com o im da escravidão seria aceitar perder parte de seu patrimônio aplicado na compra da mercadoria escravo.

O escravo, entendido como renda capitalizada, viabi-lizada pelo tráico e pela formação dos mercados negreiros, apareceu como o elemento fundante do período colonial. Esse fato resultou em um processo de acumulação de riqueza no território brasileiro. Cidades como Rio de Janeiro e Salvador tornaram-se verdadeiros bolsões de acumulação de riqueza gerada pelo comércio de escravos no país.

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E acrescenta na análise ao introduzir a tese do escravo como renda capitalizada.

Em outra vertente teórica, adotada por Cirne Lima (1954, p. 11), “a história territorial do Brasil começa em Por-tugal. É no pequeno reino peninsular que vamos encontrar as origens remotas de nosso regime de terras”. Salienta esse autor que, embora a base legal da distribuição de terras no Brasil tenha sido a Lei das Sesmaria, lei portuguesa de 1375, sua apli-cação e resultados no país foram inteiramente diferentes da-queles da Metrópole.

Os primeiros documentos das sesmarias no Brasil fo-ram três cartas régias concedidas a Martim Afonso de Souza, por conta de sua expedição de 3 de dezembro de 1530. A primeira o autorizava a tomar posse das terras que descobris-se, a segunda lhe conferia os títulos de capitão-mor e gover-nador das terras do Brasil e a última lhe permitia conceder sesmarias das terras aproveitáveis que encontrasse. Desta úl-tima, seguem os seguintes trechos:

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aprovei-te a sua e que se no dito aprovei-tempo assim não izer, as po-derá dar a outras pessoas para que as aproveitem, com a dita condição [...] dada na villa do Crato da Ordem de Christo, a 20 de novembro. Francisco da Costa a fez, anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1530 annos. Rei (apud CIRNE LIMA, 2002, p. 36-37).

Do trecho transcrito nota-se que para fazer uso das sesmarias no Brasil, Portugal, implicitamente, desconsiderou qualquer ocupação indígena e entendeu as terras brasileiras como desocupadas.

O regime de sesmarias se constituiu a partir da doação de títulos de concessão de terras a proprietários individuais sob o encargo de serem cultivadas. A concessão das terras pertencia aos governadores e capitães-gerais, que represen-tavam a Coroa no país. Não poderia obter concessão de ses-maria quem tivesse já logrado concessão anterior. Cada uma devia ter no máximo a extensão de três léguas e, ainda, era preciso que o pretendente juntasse provas de suas possibi-lidades quanto ao aproveitamento das terras. Dessa forma, concedia-se apenas o uso, pois todas as terras da colônia con-tinuavam pertencendo à Coroa portuguesa.

Conforme Marés (2003), o estatuto de propriedade pri-vada da terra no Brasil tem sua raiz na Lei das Sesmaria, uma legislação completamente regida como instrumento de con-quista, mas também de garantia aos capitalistas mercantilis-tas de que sua mão de obra, escrava ou livre, não viria a ser proprietária de terras vagas. Se as terras estivessem à disposi-ção de quem as ocupasse e tornasse produtivas, os capitalistas mercantilistas icariam sem trabalhadores livres.

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estabe-lecimentos semelhantes também teve por objetivo a formação da aristocracia da sociedade colonial. Nesse contexto, quem não fosse homem de sangue limpo, não comprovasse possuir escravos, estava excluído da concessão.

Para Martins (1995, p. 32),

A interdição da propriedade alcançava não só o índio reduzido à condição de peça e escravo, nas fazendas e nos aldeamentos organizados e administrados pelos padres e pelas câmaras, como alcançava também o i-lho de branco sem pureza de sangue.

O que restava aos excluídos desse grupo era abrir pos-ses. Muitos dos camponeses abriram posses nos espaços entre uma sesmaria e outra, em sesmarias abandonadas e, ainda, agregavam-se como “morador de favor” nas fazendas ou enge-nhos de açúcar no Nordeste.

Martins (1995) defendeu a ideia de que a concessão de sesmaria teve impacto legal sobre direitos de posseiros. Não era raro o fazendeiro encontrar, no território de que se tornara sesmeiro, posseiros instalados com suas roças e seus ranchos. Dependia do fazendeiro aceitar ou não a permanência desses posseiros como agregados. Desse modo, longe de ser um pro-cesso tranquilo, a presença de posses no interior das sesmarias revelou na economia colonial a desigualdade de direitos pre-sentes na legislação vigente na colônia.

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que se conigurava era uma relação de dominação do senhor sobre a mercadoria escravo; no outro caso, o que se conigura-va era uma relação de troca.

A troca variava de serviço e produtos a favores. O ato de defesa das terras do sesmeiro era utilizado na troca pela moradia. Assim, ao defender as terras do sesmeiro, o agregado também defendia seu direito de estar lá, de trabalhar na terra. “Mas não podia defender o direito de estar na terra, sem fa-zer dessa terra propriedade do seu fazendeiro. A sua luta era luta do outro” (MARTINS, 1995, p. 36). Dessa condição veio a concepção de “morador de favor”, que existia e existe, ain-da, em grande número no Nordeste e em outras regiões do país. A morada de favor envolveu e envolve, portanto, relações pautadas na lógica das trocas. A concepção de favor abrange a produção material, mas também relações estabelecidas com base em um código moral com a outra parte. A lealdade, a coniança, o apadrinhamento e a proteção foram e são práticas morais pautadas em um código costumeiro irmado entre o fazendeiro e o agregado.

Para Martins (1995, p. 36),

A natureza da troca envolvida e embutida na concep-ção de favor evoluirá com o desenvolvimento econômi-co brasileiro para se deinir mais econômi-concretamente econômi-como relação de arrendamento: terra em troca de renda em trabalho (como é o caso do cambão no Nordeste), em espécie (como é o caso da parceria em todas as regiões do país) e em dinheiro (como é o caso particularmente do arrendamento de terras no sul e no sudeste).

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proprietário da terra como pagamento pela autorização para cultivá-la. A troca de favores concebida com base no código costumeiro evoluiu e agregou elementos presentes nas trocas comerciais. No entanto essa evolução será diferente para o fa-zendeiro e para o agregado.

De acordo com Martins (1995, p. 38-39), o camponês era duplamente excluído das relações de propriedade: primeiro da condição de proprietário de terras e, segundo, da condição de es-cravo. Porém, não era excluído do trabalho na propriedade. Essa foi uma contradição vivida pelo camponês em todo o perío do dominado pela economia capitalista de produção escravista de mercadorias. Assim, “cabia ao agregado funções ao mesmo tem-po complementares e essenciais numa economia baseada no tra-balho escravo”. No caso de São Paulo, nesse processo de transição,

O agregado foi empregado na abertura de novas fazen-das, na derrubada da mata, no preparo da terra. [...] o camponês incumbia-se da abertura de uma fazenda e im-plantação do cafezal em troca do direito de plantar entre os cafeeiros gêneros de que necessitasse, como milho, fei-jão, arroz, algodão. Formado o cafezal, recebia um peque-no pagamento em dinheiro correspondente ao número de cafeeiros formados. [...]. O fazendeiro não pagava ao lavrador, mas recebia sob forma de renda em trabalho o cafezal formado, em pagamento pelo direito do campo-nês produzir no terreno os gêneros de que necessitava.

Na realidade, no sistema de colonato, os camponeses acabavam por contrair dívidas que inviabilizavam completa-mente suas saídas das fazendas de café.

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Os senhores-de-engenho, por não poderem adquirir escravos devido ao alto custo, para suprir a necessida-de necessida-de braços, facilitaram o estabelecimento necessida-de mora-dores em suas terras, com a obrigação de trabalharem para a fazenda. Esses trabalhadores tinham permissão para derrubar trechos de matas, levantar choupanas de barro ou de palha, fazer pequeno roçado e dar dois ou três dias de trabalho semanal por baixo preço, ou gra-tuito, ao senhor-de-engenho.

A abordagem de Martins (1995, p. 39) complemen-ta essa análise. O autor airma que a maior importância do agregado nas fazendas de cana-de-açúcar, restritas à Zona da Mata, esteve relacionada à produção de gêneros alimentícios. “Só excepcionalmente o escravo se dedicava a outra coisa que não fosse a produção de açúcar. Aí os agregados ou moradores encontraram a função econômica principal”.

Não somente os agregados constituíam o campesinato da época,

Também havia os posseiros e os sitiantes. Ambos às vezes se confundiam, porque a condição de posseiro dizia respeito à relação jurídica com a terra, quando o camponês tinha a posse, mas não tinha o domínio. O sitiante era o pequeno agricultor independente, dono de um sítio, um lugar na terra, e não de uma sesmaria. Agregados e moradores eram também, no entanto, ti-dos como sitiantes, já que sua área de roça no interior da fazenda também era deinida como sítio, ou roçado (MARTINS, 1995, p. 40).

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organizado ou disciplinado pelo poder público da época, mas decorrente da resistência e luta das populações pobres que, não dispondo de recursos materiais ou de outras formas para obter terras via Lei das Sesmarias, tinham como única opção a ocu-pação simples das terras, mesmo que considerada clandestina e ilegítima, não apropriadas de fato pelo latifúndio. Embora o latifúndio procurasse sempre ampliar as terras apossadas.

Conforme Cirne Lima (1954, p. 46),

Apoderar-se de terras devolutas e cultivá-las tornou--se cousa corrente entre nossos colonizadores, e tais proporções essa prática atingiu que pôde, com o correr dos anos, vir a ser considerada como modo legítimo de aquisição do domínio, paralelamente a princípio, e, após em substituição ao nosso tão desvirtuado regime das sesmarias. Os dois processos chegavam a ter-se por equivalentes [...]. Depois da abolição das sesma-rias – então, a posse passou a campear livremente [...]. Era a ocupação, tomando o lugar das concessões do poder público, e era, igualmente, o triunfo do colono humilde, do rústico desamparado, sôbre o senhor de engenhos ou fazendas, o latifundiário sob o favor da Metrópole. A sesmaria é o latifúndio, inacessível ao lavrador sem recursos. A posse é, pelo contrário – ao menos, nos seus primórdios –, a pequena propriedade agrícola, criada pela necessidade, na ausência de pro-vidência administrativa sôbre a sorte do colono livre, e vitoriosamente irmada pela ocupação.

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A promulgação da Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850, chamada Lei de Terras, estabeleceu a base jurídica da proprie-dade privada da terra no Brasil. A Lei de Terras, em seu artigo 1º, proibiu a aquisição de terras devolutas por outro título que não seja o de compra. No artigo 4º, revalidou as sesmarias que se achavam cultivadas; e, em seu artigo 5º, legitimou as posses mansas e pacíicas adquiridas por ocupação primária. De acor-do com o Decreto nº 1.318 de 30 de janeiro de 1854, que regu-lamentou a Lei de Terras, as sesmarias e as posses tinham um prazo máximo de dois anos para ser medidas e registradas nos livros das casas paroquiais. Com esse procedimento legal, as ses-marias e as posses passaram a ser reconhecidas juridicamente. E a aquisição de terras devolutas passou a ser proibida por outro mecanismo que não fosse a compra e venda em hasta pública.

A partir da Lei de Terras, portanto, as terras devolutas passaram a ser obtidas apenas por compra e venda. Para Mar-tins (1986, p. 34), isso foi

[...] o começo de um período em que a terra não era só um instrumento para explorar o trabalho do outro e extrair um excedente, mas era também uma base de acumulação capitalista – a conversão da renda da terra em capital.

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renda capitalizada da terra. Preparava-se, assim, a substituição da propriedade privada do escravo pela propriedade privada da terra. A terra tornava-se equivalente de mercadoria.

De acordo com Martins (1986, p. 32-33),

A terra transformada em mercadoria tem efeitos bem diferentes das outras mercadorias que se caracterizam por serem produtos do trabalho humano. A terra é uma mercadoria completamente distinta das demais. A diferença está em que a terra não é produto do traba-lho, é inita e imóvel. É uma mercadoria que não circu-la; em seu lugar circula o seu representante, o título de propriedade. O que se compra e vende não é a própria coisa, mas o seu símbolo. Todas as verdadeiras merca-dorias se realizam na sua utilidade e na sua utilização; elas se realizam nas mãos de quem as possui e usa. A terra não é propriamente mercadoria, mas equivalente de mercadoria. Para que possa produzir renda – que é o seu uso capitalista – a terra não exige que o ter e o usar estejam juntos. Nas outras mercadorias, o ter é condição do usar e o usar é a realização do ter; no caso da terra, na sociedade capitalista (e é dela que estamos falando), não é necessário que estejam juntos.

Assim, com a Lei de Terras de 1850, separou-se de vez o domínio da posse de fato. O título, domínio da terra, pas-sou a ser superior à posse efetiva. Alguém que abre a posse da terra não tem, automaticamente, direito de propriedade sobre ela. Mas alguém que tem o título da terra, seu domínio portanto, mesmo sem nunca tê-la ocupado de fato, tem o di-reito de propriedade privada sobre ela.

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agregados, camponeses desterrados que, na crise do trabalho escravo, tiveram seu trabalho subjugado ao cativeiro da terra.

Ao analisar a crise no trabalho escravo e a sua substitui-ção pelo trabalho livre, Martins (1981, p. 32) explicou a meta-morfose da renda capitalizada gerada no período colonial. De acordo esse autor,

[...] a renda capitalizada no escravo transformava-se em renda territorial capitalizada: num regime de terras livres, o trabalho tinha que ser cativo; num regime de trabalho livre, a terra tinha que ser cativa.

Em outras palavras isso quer dizer que, se as terras do país estivessem livres, os camponeses, assim como os homens livres que aqui chegassem, necessariamente, iriam se estabe-lecer nos territórios ainda não ocupados pelas grandes fazen-das. Ao mesmo tempo as fazendas icariam despovoadas sem possibilidades de expansão, sem força de trabalho. Por isso, a elite dominante instituiu o cativeiro da terra, como forma de subjugar o trabalho dos camponeses sem-terra e dos homens livres que fossem atraídos para o Brasil.

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1.2 A Formação do Mercado de Terras

A formação do mercado de terras no Brasil tem sua ori-gem no pacto das elites estabelecido na Lei de Terras de 1850 e retiicado com a Constituição republicana de 1891, a partir da qual as elites reivindicaram para si o direito de titular as terras devolutas. Com a Constituição de 1891, portanto, as eli-tes estaduais passaram a transformar terras devolutas em pro-priedades privadas, via ação discriminatória feita pelos órgãos competentes nos estados.

De acordo com Martins (1995, p. 43),

Com a primeira Constituição republicana, de 1891, as terras devolutas são transferidas para os Estados e co-locadas nas mãos das oligarquias regionais. Cada Es-tado desenvolverá sua política de concessão de terras, começando aí as transferências maciças de proprie-dades fundiárias para grandes fazendeiros e grandes empresas de colonização, interessados na especulação imobiliária. Esse processo caracterizou principalmente os Estados do sul e sudeste.

Se antes as terras devolutas eram terras mantidas sob o domínio da União, com o pacto republicano, elas passaram para o domínio dos governos estaduais. Iniciou-se, assim, uma ampla confusão sobre o entendimento do que seria terra pública e terra devoluta.

Na leitura oicial, de acordo com Cirne Lima (2002, p. 73),

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constitucionalmente aplicado a dados usos públicos, são as reservadas pelo art. 64 da Constituição de 1891, para a defesa das fronteiras, fortiicações, construções militares e estradas de ferro federais [...].

Conforme Marés (2003, p. 69), as terras públicas, portan-to, seriam ocupadas para uso público da Coroa ou do governo local através de praças, escolas, prédios, entre outros. Essas ter-ras teriam que estar sendo usadas conirmando a ideia de que a propriedade pública tem seu assento no uso e na destinação.

E são terras devolutas

1) as que não se acharem no domínio particular por qualquer título legítimo, nem forem havidas por ses-marias ou outras concessões do governo geral ou pro-vincial, não incursas em comisso, por falta de cum-primento das condições de medição, conirmação e cultura; 2) as que não se acharem dadas por sesma-rias ou outras concessões do governo, que, apesar de incursas em comisso, forem revalidadas pela lei; 3) as que não se acharem ocupadas por posses, que, apesar de não se fundarem em título legal, forem legitimadas pela lei; 4) as que não se encontrarem aplicadas a al-gum uso público nacional, provincial ou municipal

(art. 3º) (CIRNE LIMA, 2002, p. 70-71).

A interpretação oicial está pautada na lógica da domi-nação que negou a presença da ocupação indígena, airmando que as terras no Brasil encontravam-se desocupadas.

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público. Mesmo que a terra estivesse ocupada por trabalha-dores, índios, quilombolas, pescatrabalha-dores, camponeses, entre ou-tros, sem o consentimento do Estado, não perdia sua quali-dade jurídica de devoluta. E é exatamente aqui que se encontra a sutileza do sistema:

O que recebe a concessão, não necessitava sequer co-nhecer a terra, nem mesmo demarcá-la; escolhia a ter-ra correspondente quando quisesse e passava a ter o direito de retirar dela todos os que ali viviam, porque a situação dos não-beneiciários passava a ser ilegal. Para “limpar” poderia usar sua própria força ou a cha-mada força pública, isto é, a política do Estado, como até hoje ocorre (MARÉS, 2003, p. 70).

Dessa forma, as terras devolutas existem desde a Inde-pendência e podem ser entendidas, também, como parte da terra pública, não titulada e sem o competente título de pro-priedade registrado em Cartório de Registro de Imóveis (CRI). Sobre as terras devolutas, ninguém possui título, mas pode possuir a posse, legalizada ou não. Confundir terras devolutas com terras públicas ou, ainda, “terras de ninguém” é, no mí-nimo, querer reproduzir a ideologia que argumenta a favor da disponibilidade do país para a apropriação privada da terra.

O grande alvo das políticas estaduais, pós-Constituição republicana de 1891, foram as terras devolutas tidas como “terras de ninguém”. Nesse processo, foi desenvolvida a cons-tituição de um mercado de terras no Brasil, muito embora o processo de institucionalização da propriedade privada da ter-ra seja algo mais assentado na Lei de Terter-ras de 1850.

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pri-meiras décadas do século XX, retratou a rapidez com que a formação de fazendas de café transformou-se em um negócio lucrativo de grupos especializados na especulação de terras.

A valorização do café como produto de exportação, a abertura para a imigração estrangeira, a busca de novas terras, a abertura de fazendas e a rápida ocupação de terras (ainda não absorvidas pela lógica do mercado) forneceram o estímulo para que a venda de terras na franja pioneira paulista se tornasse um negócio lucrativo para os fazendeiros e capitalistas rentistas.

Assim, nas primeiras décadas do século XX, os governos estaduais, com São Paulo à frente, e as companhias particula-res iniciaram um vigoroso processo de colonização estrangeira nas fazendas de café no Sudeste do país.

Com a Revolução de 1930 houve, consequentemente, o afastamento dos setores até então dominantes, em especial a elite agrária de São Paulo. O governo Getúlio Vargas (1930- -1945) começou, portanto, a dar os primeiros estímulos à cria-ção de projetos de colonizacria-ção nas áreas de fronteira com a chamada Marcha para o Oeste.

Foweraker (1982), ao analisar a luta pela terra nas regiões de fronteira do Paraná, do Mato Grosso e do Pará, encontrou uma história legal com resultados distintos.

No caso do Paraná, após a Constituição republicana de 1891, o governo do estado assumiu o direito legal das terras devolutas e as titulou. No entanto sua autoridade permaneceu apenas como pano de fundo para as ações dos principais pro-tagonistas: a rede ferroviária e as companhias colonizadoras, que foram agraciadas com extensas concessões de terra dentro da faixa de fronteira.

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vez que ele titulava terras na faixa de fronteira, área de atua-ção federal, ignorando os procedimentos legais para expedir os títulos. Além disso, muitas vezes, os títulos eram expe-didos uns sobre os outros. Esses confrontos foram se avolu-mando e, à medida que a terra adquiriu preço, os interesses privados buscavam o seu controle legal.

Nesse processo, para Foweraker (1982), o governo fede-ral deixou o caminho aberto para a atuação livre dos capitais privados e grupos econômicos que se deslocaram para a linha de frente na batalha pela terra nos estados.

No caso do Mato Grosso, o reduzido papel político do estado contribuiu para que uma única companhia (a compa-nhia Mate Laranjeiras) monopolizasse as terras no sul do es-tado e, por muitos anos, dominasse o governo estadual. Essa situação modiicou-se após os anos 1940, quando Vargas re-futou o poder político da companhia Laranjeiras, fundou o território federal de Ponta Porã, em 1943, e, um ano depois, anulou os direitos da companhia dentro do território. A inten-ção, implícita na fundação desse território, era de estimular o desenvolvimento das regiões de fronteira mediante a coloniza-ção dentro da faixa de fronteira, e o resultado principal dessa intervenção foi a liberação das terras no sul do estado.

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Conforme Foweraker (1982), o povoamento, entendido como uma questão política, revelou que tanto os políticos do norte como os do sul tinham pretensões especulativas sobre a terra. Dessa forma, a maioria das pressões políticas exercidas se dava não em função das rivalidades regionais, mas com i-nalidades lucrativas.

No estado do Pará, após os anos 1930, com o declínio da borracha, o interesse pelas terras públicas estaduais se restringia a uns poucos casos de arrendamento das reservas de castanha.

O impacto da chegada da estrada Belém-Brasília, no inal dos anos 1950, dinamizou a região sul de Belém, cau-sando um rápido desenvolvimento, uma subida dos preços da terra e uma fusão de problemas fundiários no estado. A estrada trouxe com ela uma onda de grileiros e especulado-res de terras. Vastas áreas de terras públicas existentes foram vendidas sem nenhum rigor.

Nos anos 1960, o governo federal criou a Amazônia Le-gal, deinindo a área prioritária da Amazônia a ser beneiciada com programas federais de desenvolvimento e de incentivos iscais e creditícios à entrada do capital privado. Já na déca-da seguinte, anos 1970, o governo federal, por intermédio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), passou a controlar diretamente toda a terra até cem quilôme-tros de cada lado de todas as estradas construídas, em constru-ção ou projetadas dentro da área da Amazônia Legal.

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au-toridades não estão claramente deinidos e os objetivos das duas autoridades podem divergir (FOwERAkER, 1982).

A história legal da terra na fronteira quase sempre levou aos conlitos fundiários, conlitos muitas vezes derivados da autoridade dual que se reproduz, na realidade concreta, de for-ma violenta e ininita, entre indígenas, posseiros e camponeses de um lado e proprietários de terra, companhias madereiras e de colonização e seus pistoleiros alugados do outro lado.

Conforme Oliveira (1997), a abertura de novas frentes de ocupação na Amazônia trouxe consigo a lógica contraditória do desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro. Por-tanto, o mesmo processo que levou os capitalistas a investirem na fronteira contém o seu contrário, a necessária abertura dessa fronteira aos camponeses e demais trabalhadores do campo.

Para o autor, a etapa recente da ocupação da Amazônia se expressa na fase monopolista do capitalismo. Isso quer dizer que a lógica do desenvolvimento está ditada pela ação dos mo-nopólios privados (nacionais e internacionais) e públicos. Não há mais disputa no e pelo mercado. Há tão somente a imposi-ção dos monopólios. A mercadoria que comanda o processo de ocupação é a propriedade privada da terra.

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do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) para projetos agrope cuários na Amazônia.

Desse modo, segundo Oliveira (1997), o processo de ocupação recente do norte mato-grossense, assentado na abertura dos projetos agropecuários e nos projetos de coloni-zação privados, teve sua base na grilagem das terras indígenas e na expropriação dos camponeses posseiros. No processo de expansão, os latifúndios (com as empresas agropecuárias) desconsideram os direitos dos posseiros e dos índios sobre as terras, instalando as condições para os conlitos. A luta veio em diferentes formas de resistência indígena e de pos-seiros. Portanto, no processo de ocupação recente do norte mato-grossense e da Amazônia, houve o aprofundamento da concen tração fundiária (na fronteira agora ocupada) com grandes latifúndios. Contraditoriamente, houve o crescimen-to e a participação signiicativa dos posseiros nessa região.

Martins (1980, p. 74-75) revelou com clareza e objeti-vidade a constituição do processo de ocupação na Amazônia.

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do território – é a grande fazenda, o banco, a casa de comércio, a ferrovia, a estrada, o juiz, o cartório, o Es-tado. É nessa frente que surge o que em nosso país se chama hoje, indevidamente, de pioneiro. São na verda-de os pioneiros das formas sociais e econômicas verda-de ex-ploração e dominação vinculadas às classes dominan-tes e ao Estado. Essa frente pioneira é essencialmente expropriatória porque está socialmente organizada com base numa relação fundamental, embora não ex-clusiva, que é a de compradores e vendedores de força de trabalho. Quando se dá a superposição da frente pioneira sobre a frente de expansão é que surgem os conlitos pela terra.

No caso do Nordeste, conforme Chandler (1981), após a Constituição republicana de 1891, houve o fortalecimento de uma forma política no sertão que procurou garantir um único objetivo, o voto. Portanto, a Constituição de 1891 e o Códi-go Civil que a ela se seguiu mantiveram o sistema de acesso à terra em condição restritiva aos pobres, embora a proprie-dade das terras devolutas, agora transferida da União para os estados, tenha fortalecido o jogo político que se instalou nos sertões para garantir que o coronel local votasse a favor do go-verno do estado. Na relação, os coronéis tinham assegurada a não interferência em seus domínios. A força local de polícia sob controle do governo do estado, geralmente, dava apoio aos coronéis. Com isso, os coronéis conseguiam dominar efetiva-mente muitas comunidades sertanejas, embora houvesse algu-mas que fugissem à regra. Os moradores que não obtinham a proteção de um patrão estariam fadados a perambular pelo sertão, dedicando-se ao banditismo ou ao messianismo.

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entre famílias, as rivalidades políticas, os conlitos fundiários eram resolvidos conforme a “lei dos coronéis”, executada às escondidas. Portanto, o sistema político de justiça estava atre-lado ao poder dos coronéis na região dos sertões nordestinos.

Conforme Martins (1999, p. 72), foi no governo de Ge-túlio Vargas que se

[...] estabeleceram as bases para um pacto político tá-cito, ainda hoje vigente, com modiicações, em que os proprietários de terra não dirigem o governo, mas não são por ele contrariados. [...]. A Constituição de 1946 não alterou substancialmente esse pacto, antes o reforçou. [...] uma garantia essencial da ordem era o dispositivo constitucional que estabelecia como res-trição às desapropriações de terra para ins sociais (inclusive, pois, a reforma agrária) a obrigatoriedade da indenização prévia e em dinheiro ao proprietário. Esse dispositivo tornava a reforma agrária economi-camente inviável [...].

Assim, o governo preferiu não interferir diretamente nas relações de trabalho na área rural, embora tivesse melho-rado substancialmente as condições de vida dos trabalhadores urbanos. Consequentemente, manteve-se na área rural um iel eleitorado que se alimentou continuamente de relações cor-ruptas com o clientelismo político.

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in-tensificação dos conflitos no campo fez com que, a partir de 1960, fosse criada a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e a colonização passasse a ser frente prioritária de ação governamental.

Para Andrade (1964, p. 233), admitindo a existência do problema agrário no Nordeste, a Sudene apresentou como so-lução a ampliação da oferta de terras, a partir da abertura de novas frentes agrícolas no Maranhão e no sul da Bahia. Nesse processo, a teoria sucumbiu à realidade, e

[...] os nordestinos não esperaram a abertura do vo-luntariado por parte da SUDENE, se transferiram por conta própria, nas condições as mais precárias possí-veis, para a propalada Canaã Maranhense.

Com a abertura das estradas Brasília e Belém--São Luís, essa migração camponesa se expandiu para a região Norte. Conforme Ianni (1979), o crescente desloca mento de trabalhadores rurais e seus familiares, principalmente para o sul do Pará, o norte de Goiás, o norte do Mato Grosso, Rondônia e Acre, signiicou, na prática, um processo de co-lonização espontânea, uma reforma agrária de fato, realizada pelos trabalhadores rurais, sem interferência de governan tes, burocratas ou técnicos.

A colonização na área de fronteira, em grande parte, se deu via migração espontânea de camponeses sem-terra empobre cidos que buscaram nos projetos de colonização e nos projetos agropecuários inanciados e estimulados pelas agên-cias de desenvolvimento Sudene e Sudam a possibilidade de sua reprodução social.

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deci-siva para que empresas da região Sudeste, sobretudo de São Paulo, instalassem fazendas nas regiões Norte e Nordeste, pro-movendo o desmatamento, a plantação de pastagens, o enqua-dramento dos trabalhadores rurais em projetos de colonização dirigida e o aumento dos conlitos fundiários. Muitos desses conlitos foram decorrentes da instalação de empresas do Su-deste e do próprio NorSu-deste em terras de posseiros, em terras de índios e em terras de mata, conigurando uma situação na qual o mercado de terras se fundiu com a reforma agrária e os conlitos na fronteira.

Segundo Andrade (1964), a expansão das grandes em-presas em empreendimentos fundiários foi justiicada pela facili dade de aquisição de terras a baixo preço, pela facilidade de obtenção de recursos governamentais para a aplicação dos projetos agropecuários e pela utilização de mão de obra barata, às vezes até em regime de semiescravidão. Porém, a grilagem de terras e a violência organizada, atingindo camponeses, índios e posseiros, eram noticiadas diariamente pela imprensa do país.

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Na relação mercado e política de terras, segundo Reydon e Ramos (1996), o Estado teve um papel importante, sobre-tudo ao expedir leis de terras que reforçaram a propriedade privada e permitiram que esta fosse perdendo o papel social que teve nas sociedades antigas, para transformar-se na pro-priedade privada da sociedade moderna. Apesar de todo esse processo, a terra não chegou a ser totalmente uma mercadoria como outra qualquer. A terra foi transformada em uma mer-cadoria especial, elemento central da propriedade privada, à qual somente se pode ter acesso mediante o mercado. Por ou-tro lado, a ideia da terra como propriedade social também se desenvolveu nos intentos do socialismo e na própria concep-ção camponesa da terra.

A reestruturação do poder que ocorreu com a Revolu-ção de 1930 e a sua reairmaRevolu-ção na ConstituiRevolu-ção de 1946 re-forçaram e reatualizaram o pacto político dos militares com as oligarquias regionais, mantendo e ampliando a exclusão dos camponeses das políticas sobre terra do Estado. Todo esse movimento político se deu em consequência do avanço e da organização dos movimentos sociais no campo.

1.3 os Movimentos sociais de luta pela Terra e o Regime Militar

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De acordo com Oliveira (2001), Palmares, Canudos, Contestado, greves nos cafezais paulistas são exemplos de luta na história dos trabalhadores e dos rebeldes. São eventos nos quais as classes subalternas foram forjando movimentos so-ciais de luta pela terra e pela dignidade humana.

Nesse processo de luta, o século XX, além de intensii-car os exemplos das lutas camponesas pela terra, trouxe duas componentes novas:

De um lado, a tentativa de resgate da condição de cam-ponês autônomo frente à expropriação, representada pelos posseiros e sua luta contra os fazendeiros gri-leiros. De outro, o movimento originado na luta dos camponeses parceiros ou moradores contra a expro-priação completa no seio do latifúndio, que os trans-formava em trabalhadores assalariados (OLIVEIRA, 2001, p. 18).

Os conlitos no campo brasileiro durante todo o sécu-lo XX tiveram um componente essencial, a luta travada pesécu-los camponeses a favor da renda justa. Foram exemplos desses conlitos a revolta de Trombas e Formoso, no Centro-Oeste, a guerrilha de Porecatu, no Sul, e a formação das Ligas Campo-nesas, no Nordeste brasileiro.

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A guerrilha de Porecatu, no Paraná, ocorreu num con-texto em que “as lutas pela terra passaram pelas relações en-tre latifundiários e o Estado e as muitas falcatruas realizadas pelos governantes no exercício do poder contra os campone-ses posseiros” (OLIVEIRA, 1999, p. 20). Escampone-ses conlitos vão conter, como se viu em Trombas e Formoso, a participa ção do Partido Comunista do Brasil.

Mas, segundo Oliveira (1999, p. 22),

[...] foi com as Ligas Camponesas, nas décadas de 50 e 60, que a luta camponesa no Brasil ganhou dimensão nacional. Nascidas muitas vezes como sociedade be-neicente dos defuntos, as Ligas foram organizando, no Nordeste brasileiro, a luta dos foreiros, morado res, arrendatários, pequenos proprietários e trabalhado-res da Zona da Mata contra o latifúndio.

Embora o movimento das Ligas Camponesas tenha sido regional, ele deve ser entendido como uma manifestação nacio-nal, porque revelou para o país o estado de tensão e injustiça a que estavam submetidos os trabalhadores do campo brasileiro.

Para Oliveira (1999, p. 24),

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Desse modo, a Ultab tinha a função de articular e orga-nizar, via Partido Comunista, o processo de luta dos campone-ses no país, uma luta que, teoricamente, deveria caminhar para uma revolução democrático-burguesa, pensada como uma etapa necessária à revolução socialista. Entretanto, as cisões ocorridas no interior do PCB, depois do primeiro Congresso de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas no Brasil, em 1961, marcaram o início das divergências entre os movimentos da Ultab e das Ligas Camponesas, que apresentaram a proposta de realização da reforma agrária radical no país.

Ao dar voz aos camponeses, o movimento das Ligas quebrou o silêncio do sofrimento. E, com isso, ganhou corpo e deu forma à organização camponesa na luta pela terra, provo-cando o contra-ataque dos militares. A voz do movimento das Ligas Camponesas foi silenciada com o golpe de 1964; quando os militares assumiram o controle do país e instauraram a per-seguição das lideranças do movimento das Ligas Camponesas, sua desarticulação foi inevitável.

Desse modo, o espaço de tempo que antecedeu o golpe militar de 1964 esteve marcado pelo início de várias organiza-ções camponesas na luta pela terra. Nesse momento, a reforma agrária se tornou uma demanda ampla, disputada por diferen-tes grupos sociais que buscavam traduzir, com ações políticas, a luta pela terra existente em diversos pontos do país.

Segundo Martins (1999, p. 73),

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exportação [...] tudo isso enim modiicou profun-damente as condições sociais do País. [...]. O Partido Comunista era a favor da reforma agrária, a Igreja Ca-tólica exigia que o dispositivo da Constituição de 1946 sobre a indenização em dinheiro fosse cumprido [...]. Nesse mesmo tempo as Ligas Camponesas falavam em uma reforma agrária radical, se diferenciando dos dois grupos outros.

No Congresso Nacional, por sua vez, as elites passaram a pensar em uma composição política mais sensível às reformas sociais, e a reforma agrária passou a ter um lugar privilegiado nesse debate. No fundo, o que entrava em discussão era a ques-tão da propriedade da terra e as relações políticas alicerçadas na manutenção do monopólio da propriedade privada da terra.

O golpe militar delagrado em 1964 trouxe consigo a criação da Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (Contag) e o começo do processo de reforma agrária. Conse-quentemente, estabeleceu-se um quadro de impasses entre o governo militar e os grandes proprietários de terra.

Para Martins (1999, p. 78), isso aconteceu porque

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A proposta de reforma agrária dos militares postergou o problema dos conlitos fundiários, calando a boca das lideranças dos movimentos sociais, e conquistou o apoio dos latifundiários, garantindo ambiguidades na legislação do Estatuto da Terra.

A Lei nº 4.504 de 30 novembro de 1964, chamada de Es-tatuto da Terra (BRASIL, 1964), foi a primeira lei construída com o intuito de rea lizar a reforma agrária no Brasil. O Estatuto da Terra introduziu novos conceitos que indicavam diferentes tipos de propriedades da terra: o minifúndio, os latifúndios por extensão e por exploração e a empresa rural. Os critérios de desa propriação foram precisos, ou seja, seriam desapropriados minifúndios e latifúndios que não cumprissem com sua função social, sem direito a contestação judicial pelo proprietário, a não ser em termos de valores indenizatórios. A desapropriação foi prevista mediante pagamento da prévia e justa indenização em títulos de dívida agrária (TDA), resgatáveis no prazo máxi-mo de vinte anos e tendo em vista a função social da terra.

A terra devia ser utilizada: a) de modo que houvesse uma exploração que favorecesse o bem-estar do proprietário e das famílias que nela labutavam; b) de forma que mantivesse níveis satisfatórios de produtividade; c) de modo que respei-tasse o meio ambiente; e d) de forma que cumprisse a legisla-ção trabalhista. Combinados esses quatro itens, o proprietário estaria dando à terra sua função social.

Desse modo, o regime militar estabeleceu sua proposta de reforma agrária, muito embora a clareza dessa proposta de-saparecesse na interpretação dos conceitos operacionais cria-dos para sua execução.

De acordo com Martins (1999, p. 78-79),

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operacional de latifúndio e estabelecer, portanto, uma distinção entre terras desapropriáveis e terras não de-sapropriáveis. O duplo conceito de latifúndio, por ex-tensão e por exploração, no fundo era mais radical do que o vago conceito de latifúndio usado pelas esquer-das antes de 1964, porque incluía como latifúndios terrenos não tão extensos, porém, mal explorados. Ao mesmo tempo, incluía entre as terras desapropriáveis os minifúndios, ou ao menos os incluía nas terras pe-nalizáveis pela taxação, que era o principal instrumen-to da reforma. A lexível categoria de empresa rural recebia as simpatias do Estado e escapava da possibili-dade de ser incluída nas desapropriações. O que indi-ca, em princípio, uma reforma agrária orientada para a mecanização econômica e para a aceleração do desen-volvimento capitalista na agricultura.

Assim, a intervenção militar não foi para fortalecer a organização política dos camponeses, tampouco para fazer a reforma agrária, pois isso representaria o im do pacto irmado entre as elites desde a Lei de Terras. A opção pela moderniza-ção dos latifúndios trouxe consigo a possibilidade da repro-dução ampliada do capitalismo no campo brasileiro.

Conforme Oliveira (2001, p. 186), a ideia da chamada mo-dernização da agricultura presente no Estatuto da Terra

[...] não vai atuar no sentido da transformação dos la-tifundiários em empresários capitalistas, mas, ao con-trário, transformou os capitalistas industriais urbanos – sobretudo do Centro-Sul do país – em proprietários de terras, em latifundiários.

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proprie-tários de imensos latifúndios no Brasil. Essa aliança, contrária aos camponeses e aos movimentos sociais, favoreceu a con-solidação da propriedade privada da terra. Tal relação é parte constitutiva do caráter rentista do capitalismo no Brasil.

As décadas de 1970 e 1980 foram marcadas pela política territorial do governo militar voltada para a formação da em-presa rural a partir dos incentivos iscais doados aos capitalis-tas, que se tornaram também proprietários de terra rentiscapitalis-tas, e por projetos de colonização, tidos como política alternativa à reforma agrária.

No caso do Nordeste, um dos instrumentos mais utili-zados para promover a modernização da agricultura foi o Pro-grama de Redistribuição de Terras e Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste (Proterra).

De acordo com Oliveira (1988), o Proterra teve por objetivo promover o mais fácil acesso do homem à terra, criar melhores condições de emprego, de mão de obra, e fomentar a agroindústria nas áreas da Sudam e Sudene. O plano inicial se restringiu apenas a algumas zonas da região considerada como prioritária para a realização de reforma agrária: zona da mata e agreste pernambucano, zona do bre-jo paraibano e sertão cearense.

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prévia e justa indenização em dinheiro pelas terras, que seriam vendidas a pequenos agricultores pelo Banco do Brasil.

Para Oliveira (1988, p. 82), os recursos para promover essa “reforma” seriam provenientes de cotações orçamentárias, do Programa de Integração Nacional (PIN) e do sistema de incentivos iscais.

Com isso, criava o governo do General Médici um programa que simplesmente contrariava o Estatuto da Terra, que previa a desapropriação através de pa-gamento com “Títulos da Dívida Agrária”. [...]. Através do PROTERRA, passava esta desapropriação a ser fei-ta “mediante prévia e jusfei-ta indenização em dinheiro” (alínea “a” do artigo 3). Estava estabelecido mais um elo da “contra-reforma agrária”, ou seja, uma “reforma a favor dos latifundiários”.

Com o golpe de 1964, veriica-se que o Estado encon-trou formas de atenuar a força política dos movimentos cam-poneses. A instalação da ditadura militar esgotou de vez a possibilidade da reforma agrária e promulgou o Estatuto da Terra, reconhecendo, portanto, a necessidade de mudanças na questão da propriedade fundiária no país. Embora o estatuto tenha sido um documento sério, tenha apresentado um caráter progressista e mostrado uma real preocupação com os inte-resses dos trabalhadores do campo, foi antes de mais nada a “reforma agrária dos militares”.

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que trouxe consigo a proposta da reforma agrária ampla e plural com respeito, dignidade e projeto de construção da cidadania no campo. Foram as organizações camponesas fundamentais no encaminhamento da luta pela terra e pela reforma agrária, tam-bém, durante o período que se convencionou chamar de “Nova República”, como veremos adiante.

A luta pela terra, nesse período, intensiicava-se e os conlitos no campo colocavam para índios, posseiros e campo-neses a necessária organização coletiva pela terra.

Abriram-se, então, frentes de apoio à luta dos campone-ses. A entrada da Igreja Católica em defesa dos índios e possei-ros, via Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Comissão Pastoral da Terra (CPT) e por intermédio de padres e agentes identiicados com a Teologia da Libertação, deu maior visibi-lidade à questão agrária no conjunto da sociedade. Denúncias públicas, reuniões e leituras bíblicas fortalecendo o combate e a resistência foram ações que deiniram uma nova dinâmica na política dos conlitos fundiários a favor dos camponeses.

Outras frentes de luta foram as organizações campone-sas. No período do regime militar surgiram organizações so-ciais como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS). Esses movimentos trouxeram a necessidade de novas discussões sobre a reforma agrária e o questionamento sobre o pacto político e econômico mantido entre o governo e a elite latifundiária.

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De acordo com Oliveira (2001), criado no início dos anos de 1980, o MST tem como binômio de ação a lógica acampamento seguido de assentamento. Conhecer o MST é entender o processo de luta pela terra calcado nos acampa-mentos, portanto, nas ocupações e na luta nos assentamentos. Assim, o MST articula, de forma contraditória, a espacializa-ção da luta à sua própria territorializaespacializa-ção nos assentamentos.

O MST e a CPT têm desenvolvido, nas ocupações e nos assentamentos, práticas humanísticas e culturais e ações polí-ticas fundamentais no processo de construção da consciência da luta do campesinato brasileiro.

1.4 A “Nova República” e a Questão Fundiária

As mobilizações populares pelo im do regime militar e a ampliação do número de conlitos no campo, denunciados publicamente, trouxeram novas esperanças para a sociedade civil de realização da reforma agrária. O governo da “Nova Repú blica” assumiu a elaboração do primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). O Incra, então, passou a elaborar o I PNRA, no qual foi previsto o assentamento de 1,4 milhão de famílias ao longo de cinco anos.

De acordo com Oliveira (2001), ao ser anunciado o I PNRA em um congresso de trabalhadores rurais, iniciou--se movimentação contrária de setores ruralistas que faziam parte do governo da “Nova República” visando impedir a im-plementação da reforma agrária.

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orientação à “militarização” dos latifúndios, visando combater as ocupações de terra com a violência armada e, assim, im-pedir a implantação do PNRA. Desse modo, a reação latifun-diária intensiicou a violência no campo e uma força política contrária à realização do I PNRA se fez presente no Congresso brasileiro, a UDR praticamente centrou seu trabalho na crítica à proposta do I Plano Nacional de Reforma Agrária. Como consequência disso, o I PNRA sofreu mudanças que inviabili-zaram a concretização das metas previstas.

Conforme Pinto (1996), quando o plano foi encaminha-do para ser aprovaencaminha-do, as pressões se multiplicaram e mudanças radicais foram permitidas. O autor destacou duas: a que deixa os latifúndios (por dimensão e por exploração) cumpridores de sua função social não passíveis de desapropriação e a que torna as áreas com alta incidência de arrendatários e posseiros não desapropriáveis. A primeira criou a igura do latifúndio produtivo, e a segunda negou o artigo 20 do Estatuto da Terra que discorre sobre as áreas prioritárias às desapropriações.

Toda a mobilização política implementada pela UDR desarticulou completamente a organização pensada para a implantação do plano. Dessa forma, o governo José Sarney (1985-1990) deixou como saldo um número extremamente reduzido de beneiciários do I PNRA.

Apenas 8% das terras previstas foram desapropriadas e 10% das famílias assentadas. Assim, o sonho de 1,4 mi-lhões de famílias assentadas, que havia sido anunciado em 1985, icou reduzido a pouco mais de 140 mil (OLI-VEIRA, 2001, p. 200).

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in-teresse social de terras ociosas. Contando com o apoio dos se-tores conservadores, ligados aos proprietários de terra, a UDR conseguiu, num contexto de elaboração de uma Constituição considerada moderna e avançada, articular manobras políti-cas, fazendo prevalecer seus interesses imediatos. Tudo o que se incorporou à Constituição Federal em termos de função so-cial da terra e desapropriação foi anulado com a introdução do inciso II do artigo 185, que diz ser a propriedade produtiva não suscetível de desapropriação para ins de reforma agrá-ria, não deinindo, portanto, o que se entende por proprieda-de produtiva. Tal dispositivo abriu margem a graves conlitos fundiários no campo brasileiro.

Conforme Silva (1989, p. 199, 201), qualquer proposta de avaliação dos trabalhos ocorridos na Assembleia Nacio-nal Constituinte (ANC) precisa levar em conta o patamar em que ela colocou o segmento dos trabalhadores rurais sem--terra. Isso porque

[...] a nova CF não diminuiu o terrível fosso que separ a o s em-terra acampado debaixo de uma lona do seu algoz da UDR. Pelo contrário, a Carta de 1988 aprofundou o buraco da desigualdade, impedindo, deinitivamente, que a questão agrária brasileira pu-desse ser resolvida por via pacíica [...]. Ao manter o malfadado inciso que isenta de desapropriação a cha-mada “propriedade produtiva”, a ANC retrocedeu aos idos de 1946 e do ET e desdourou-se quando compa-rada à Carta outorgada pelos três ministros militares em 17 de outubro de 1969.

O autor continua mais adiante,

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uma deformação conceitual e uma improprie dade se-mântica, escondendo uma armadilha legal e uma tática latifundiária. Consegue também, com esses artifícios, reduzir consideravelmente a área de terras destinadas à realização da RA [Reforma Agrária] no Brasil.

Silva (1989) chamou a atenção para dois pontos cruciais: primeiro, o fato de que, depois dos resultados da Constituição Federal de 1988, a reforma agrária só poderá ser pensada se houver movimentos sociais na luta pela terra. As chances de negociação pacíica se perderam no “buraco negro” da Cons-tituição. Segundo, a opção governamental pactuada com os la-tifundiários da manutenção de ambiguidades conceituais para se inverter a lógica de desapropriação, inserindo armadilhas contrárias à reforma agrária e, portanto, aos trabalhadores ru-rais brasileiros.

Para Martins (1999, p. 90), na elaboração da Constitui-ção Federal de 1988,

[...] os precários avanços na legislação fundiária da ditadura militar foram praticamente anulados pelos constituintes. A utilização dos conceitos de “proprie-dade produtiva” e de “proprie“proprie-dade improdutiva” in-troduziu uma ampla ambigüidade na deinição das propriedades sujeitas a desapropriação para reforma agrária, praticamente anulando as concepções relati-vamente mais avançadas do ET.

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De acordo com Oliveira (2001, p. 200),

[...] no governo Collor, a UDR praticamente assumiu o controle da Reforma Agrária no Brasil, portanto, pro-moveu o abandono completo da Reforma Agrária. A queda de Collor e a ascensão de Itamar Franco pra-ticamente nada mudou [...]. Até 1994, o resultado da ação do Estado referente aos assentamentos rurais foi: de 1927 a 1963 foram assentados em projetos de co-lonização no Brasil, oicialmente, 53 mil famílias; de 1964 a 1984, entre colonização e assentamentos, 162 mil famílias; de 1985 a 1994, foram assentadas 140 mil famílias. Estes dados permitem airmar que a partir das políticas do Estado brasileiro nunca se implantou uma política de acesso à terra aos camponeses.

Como se o descaso do Poder Executivo não bastasse, na re-lação entre a legisre-lação e o Poder Judiciário, há sérias contradições que diicultam o processo da desapropriação. Exemplo disso é o artigo 185 da CF de 1988 e a Lei nº 8.629 de 25 fevereiro de 1993, segundo os quais as pequenas e médias propriedades, assim como as propriedades produtivas, independentemente de seu tamanho, são propriedades não suscetíveis de desapropriação.

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decidir se a propriedade é ou não improdutiva, portanto, pas-sível ou não de desapropriação.

A Lei Agrária apresenta dois sérios problemas: primei-ro, ao reairmar a insusceptibilidade da desapropriação para ins de reforma agrária da pequena e média propriedade rural, contribuiu para o desmembramento de grandes propriedades improdutivas em várias outras propriedades pequenas e mé-dias (improdutivas), como uma forma de burlar a lei. Segundo, ao conceituar a propriedade produtiva como aquela que, ex-plorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamen-te, graus de utilização da terra e de eiciência na exploração (BRASIL, 1993), tornou o conceito de propriedade produtiva ininteligível, dando margem para complexas e demoradas dis-putas judiciais. Além disso, ainda, a lei de rito sumário, que possibilita aos proprietários ações contestatórias, reduz e com-promete toda a eiciência do instrumento de desapropriação de terras.

Desse modo, o grande obstáculo na legislação que tem diicultado o processo de desapropriação de terras para ins de reforma agrária, nos dias de hoje, é resultado da própria Cons-tituição Federal de 1988 e de sua legislação ordinária.

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produ-tiva” como critério. Com isso, instalou-se uma contradição na legislação, pois, se antes a “terra produtiva” que não cumpria com a legislação trabalhista poderia ser desapropriada, passou a não ser mais. Assim, o Estatuto da Terra de 1964 nos critérios de desapropriação para ins de reforma agrária é muito mais progressista que a Constituição Federal de 1988.

Para a realização da reforma agrária, o Estatuto da Terra e a Constituição Federal de 1988 se referem, especialmente, à desapropriação. No caso do estatuto, as desapropriações recai-riam sobre os minifúndios e os latifúndios que não cumpris-sem a função social. Depois, a Constituição Federal de 1988 determinou que pequenas e médias propriedades não podem ser desapropriadas, propriedades produtivas também não. Mesmo assim, o Incra tem uma trajetória que incorporou ou-tros procedimentos que passou a chamar de reforma agrária, como, por exemplo, a distribuição da terra pública via projeto de colonização, regularização fundiária, titulação e arrecada-ção de terras. Considerando que a terra é pública e, portan-to, com sua distribuição não ocorre mudanças na estrutura fundiá ria, isso não é reforma agrária de fato.

A expressão reforma agrária remete a uma estrutura fun-diária existente e a uma relação da sociedade capitalista com ela. Mas essa é uma polêmica no seio do debate sobre legislação fun-diária e política de reforma agrária no Brasil. Ao agilizar o aces-so à terra via mercado de terras, o governo colocou em xeque o Estatuto da Terra de 1964 e a Constituição Federal de 1988, que legitimam a reforma agrária a partir da lógica da desapropriação de terras que não cumprem com sua função social. Algo bem di-ferente de quando se pensa a reforma agrária como uma política de acesso à terra sob a lógica do mercado.

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re-trocedendo na possibilidade de constituição da reforma agrária e, segundo, reairmando a propriedade privada da terra como sendo parte constitutiva da produção do capitalismo brasileiro rentista.

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2

A Reforma Agrária de Mercado do Banco

Mundial

2.1 o Projeto Novo Mundo Rural Brasileiro do Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002)

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) exerceu dois mandatos seguidos: o primeiro de 1995 até 1998 e o segundo de 1999 até 2002. No primeiro mandato, deu ênfase à política de estabilidade econômica e ao combate à inlação, componentes do Plano Real, que deram o tom dos primeiros meses de governo. Entretanto, a realidade dos conlitos no campo não tardou a se apresentar, alterando substancialmente o quadro de “estabilidade” desse governo.

No primeiro ano do governo FHC, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, juntamente com outros movi-mentos sociais e entidades de representação dos camponeses, retomou ações de acampamento e ocupação de terra. Mas fo-ram os massacres de Corumbiara e de Eldorado dos Cara jás que explicitaram a violência policial nos estados.

Referências

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