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Mesa 3. Casos Clínicos Músico-centrados: Edward

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Academic year: 2021

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Casos Clínicos Músico-centrados: Edward

MT Gregório Pereira de Queiroz 1

Resumo

O artigo apresenta o “caso Edward” como um dos fundamentos para o Músico-centramento. O gesto clínico musicoterápico construído a partir de: considerar musicalmente o que vem do paciente, a relação terapêutica se estabelecer na música, o desenvolvimento na música é igualmente desenvolvimento do ser humano.

Palavras-chave: gesto clínico musicoterápico, vínculo terapêutico,

desenvolvimento humano na música, caso clínico

Abstract

This article aims to present the clinical case "Edward" as one of the Music-centered Music Therapy foundations. The intention is to discuss the so-called Music Therapy clinical gesture used based on: considering, musically, what comes from the patient; relationship therapeutic established in the music and finally, the understanding that the musical development is compared to the Human being development.

Keywords: Music Therapy clinical gesture, therapeutic relationship, human

development in music

Meu primeiro contato com os princípios puramente musicais aplicados a Musicoterapia ocorreu ao escutar a explicação e o áudio do “caso Edward”, tratado pelos musicoterapeutas Paul Nordoff e Clive Robbins. Este caso foi porta de entrada para meu profundo interesse pela abordagem Nordoff-Robbins e, em seqüência, para o Músico-centramento 2.

1 Gregório Pereira de Queiroz – Arquiteto, formado pela FAUUSP; especialista em Educação Musical

com área de concentração em Musicoterapia, pela Faculdade de Música Carlos Gomes; especialista em Musicoterapia, pela Faculdade Paulista de Artes.

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Ao ouvir a gravação do áudio daquela criança chorando e, em resposta ao choro, Paul Nordoff improvisando ao piano, a primeira impressão foi de alumbramento pelo óbvio: a música podia dialogar com um comportamento humano, sem que se tenha que passar por análises, julgamentos psicológicos, psicanálises ou racionalizações de qualquer tipo. Uma ação musical sem qualquer pensamento que não aquele estritamente musical: a criança ao chorar emite sons com certas alturas, em certas notas, o piano soa nestas notas e estabelece comunicação (ou comunhão, seria a palavra que passaria a considerar mais adequada) com a criança. A partir deste encontro, com base em um dado puramente musical (a altura das notas) tem início o processo musicoterápico, no qual o musicoterapeuta responde ao choro da criança, improvisando ao piano.

Este é o primeiro gesto que descobri ao ouvir Paul Nordoff: considerar musicalmente o que vem do paciente – mesmo que o que venha do paciente não seja, a princípio, “música”.

Nenhuma interpretação, racionalização, explicação ou proposição intelectual para o comportamento da criança. Nenhuma tentativa de conter o choro, de “educar” mesmo que terapeuticamente ou de desviar a criança de seu choro, propondo a ela colocar outra coisa no lugar dele.

Não há julgamento; há, diante do fato “choro”, o fato “nota musical”.

A terapia se dá na relação entre dois eventos do mundo exterior: comportamento da criança (dele sendo percebido o que há de musical) e música feita em proporção a esse comportamento. O que veio da criança foi considerado exclusivamente como um dado musical, como sendo expressão da musicalidade da criança, de sua music child.

O vínculo terapêutico se estabelece através da música e na música. O musicoterapeuta dialoga musicalmente com a criança, com os elementos que a criança traz em seu comportamento, sejam eles quais forem. Nada pode aparentar ser mais anti-musical do que o choro gritado forte e sustentado de Edward. Nada é mais eloqüente, enquanto gesto clínico musicoterápico, do que a resposta de Paul ao piano.

Edward chora nas alturas Sol#, Dó# e Fá#, retornando a Dó natural. Paul toca ao piano, em oitavas, Dó#, Dó#, Si e Ré#. O terapeuta repete frase similar em oitava mais alta. Após breve silêncio, Edward chora-canta as notas tônica e dominante, uma oitava mais alta: Sol#, Fá# e Dó# 3 (Nordoff e Robbins, 1977, p. 25). Neste diálogo musical

3 Segundo os autores, estavam nesta improvisação clínica usando o modo dórico em Fá#. Contudo, se

tomarmos apenas as notas utilizadas neste trecho, Si, Dó#, Ré# , Fá# e Sol#, temos uma escala pentatônica, bastante utilizada por estes musicoterapeutas no diálogo com a musicalidade da criança.

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nasce a relação terapêutica. Aqui está a semente do vínculo terapêutico neste caso: um jogo de espelhamento e repetição musical entre Edward e musicoterapeutas 4.

A relação terapêutica se estabelece a partir de um encontro na música. Com Edward, este encontro se dá, de início, entre o choro (e as notas nele contidas e captadas pelo ouvido musical de Paul Nordoff, e sua capacidade de ouvir música em tudo o quanto via e ouvia) e as notas emitidas pelo piano do musicoterapeuta. O diálogo é musical. A confiança estabelecida é essencialmente musical. A acolhida é musical. O vínculo terapêutico é musical.

As ferramentas terapêuticas usadas neste processo passam ao largo dos processos de transferência e contra-transferência, próprias à psicanálise e à psicologia. A ferramenta terapêutica é a música e sua natureza inerente, a de dissolver as barreiras e levar as pessoas a experimentar um encontro, uma unicidade, em seu fazer musical conjunto.

Se quisermos pensar a respeito da ferramenta terapêutica utilizada neste caso em termos da psicologia, teremos que esta ferramenta se aproxima daquela utilizada por Jacob Moreno, criador do Psicodrama, a qual ele denominou de tele, “a capacidade de se perceber de forma objetiva o que ocorre nas situações e o que se passa entre as pessoas” (Gonçalves, Wolff e Almeida, 1988, p. 49). Ou ainda, nas palavras do próprio Moreno, a “percepção interna mútua entre dois indivíduos” (citado à p. 49).

É válido falar de tele, de uma percepção entre os dois indivíduos, na relação musicoterápica entre Paul e Edward, pois ambos percebem o que o outro faz, ambos respondem ao que o outro faz, ambos estabelecem uma relação musical a partir de perceberem de forma objetiva o que ocorre na situação e entre os dois.

O fator tele “permite a experiência subjetiva profunda entre pessoas e pode ser observado por um terceiro (é objetivo). Este fator supera o afastamento entre sujeitos que se relacionam” (1988, p. 50). Esta poderia ser uma descrição bastante exata do que se passa no encontro musical aqui descrito. Ao ouvir os registros em áudio de Paul e Edward ouvimos o encontro, a “experiência subjetiva profunda”, que ocorre entre eles. O afastamento dos sujeitos, em especial de Edward, criança autista, é superado, é dissolvido. A separação dá lugar a um encontro 5.

4 Na abordagem Nordoff-Robbins, os musicoterapeutas atuam sempre em dupla: o terapeuta principal ao

piano, ou outro instrumento preferencialmente harmônico, e o co-terapeuta atuando mais próximo à criança.

5

Esta é a natureza da música, a experiência que o ser humano tem por meio da música, segundo Victor Zuckerkandl (1976, p. 75)

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A partir desse encontro, a proposição fundamental é o desenvolvimento musical do paciente. Paciente e musicoterapeuta juntos fazem música, uma música intencionada e produzida pelo musicoterapeuta para que o paciente se desenvolva na música, amplie a expressão de sua musicalidade, adquira novas habilidades expressivas e relacionais na música.

O sentido terapêutico do desenvolvimento musical, segundo os pioneiros da abordagem Nordoff-Robbins, tem por base dois princípios: primeiro, que o desenvolvimento musical equivale ao desenvolvimento da própria pessoa; segundo, que o acionamento da musicalidade inata da pessoa estimula o self a se manifestar e este, ao se manifestar, redimensiona toda a personalidade.

O primeiro princípio afirma que quando uma pessoa ordena sua maneira de fazer música, de tocar um instrumento, de cantar, ela organiza a si mesma. A ordem na expressão musical organiza aquele que faz a música. Ao fazer música e fazer uso de sua musicalidade, a criança aciona a “organização das capacidades receptivas, cognitivas e expressivas que podem se tornar centrais para a organização da personalidade na medida em que uma criança pode ser estimulada a usar estas capacidades com um alcance significante de auto-envolvimento” (Nordoff e Robbins, 1977, p. 1).

O segundo princípio afirma que musicalidade inata ao ser humano é um meio altamente eficiente para acionar o self, a “vontade diretiva interior” (Robbins e Robbins, 2000, p. 78). O fazer musical que realmente envolve aquele que faz a música leva a musicalidade a “responder às questões colocadas pela música, e em fazendo isso, comunica o self” (p. 79). O núcleo sadio do self é assim nutrido, se desenvolve e reorganiza o conjunto da personalidade.

Estes dois princípios ativos no processo musicoterápico músico-centrado são totalmente diferentes do proposto pelas terapêuticas de cunho discursivo. Não se trata de análise e entendimento da situação, nem de descoberta das causas primárias, nem de re-organização do pensamento e da visão de mundo. Trata-se de um acionamento musical e direto da personalidade e de suas funções, desenvolvendo-as; e da nutrição e estímulo musical para que o self se manifeste mais ativamente e, com seu poder criativo, recrie internamente os processos que geram e sustentam a personalidade.

O resultado da atuação destes dois princípios pode ser ouvido na gravação da nona sessão de Edward, na qual este já não grita e chora, mas responde à música feita pelos musicoterapeutas entoando seu nome, cantando e propondo pequenas frases e melodias musicais, rindo alegre diante do jogo de desafios vividos na música. O estágio

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de organização e capacidade expressiva que foi alcançado por Edward em nove sessões é didaticamente ilustrativo do poder terapêutico da música – quando utilizada como feito por Paul Nordoff e como proposto pelo músico-centramento.

Em resumo, a seqüência de passos desta proposição é: primeiro, responder musicalmente ao comportamento do paciente; segundo, encontrar-se no encontro musical, ali permanecer; terceiro, desenvolver a musicalidade e a expressão musical do paciente.

À superfície, estes passos poderiam parecer não mais do que diversão musical, prazer estético, recreação refinada. Contudo, tais passos conduziram e conduzem crianças e adultos incapazes de sequer falar a articularem suas vozes, seus gestos e suas personalidades de maneira mais organizada, de modo humanamente mais pleno. Estes três passos são uma das chaves-mestra para a atuação musicoterapêutica músico-centrada.

Referências Bibliográficas

NORDOFF, P. e ROBBINS, C. Creative Music Therapy. New York: The John Day Company, 1977.

ROBBINS, C. e ROBBINS, C. Auto-comunicação em Musicoterapia Criativa, in: Case Studies in Music Therapy. Gilsum: Barcelona Publishers, 2000.

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