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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP. Welder Lancieri Marchini

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Welder Lancieri Marchini

Descolonizando um concílio europeu

A Revista Eclesiástica Brasileira e a recepção do Vaticano II

Doutorado em Ciência da Religião

São Paulo

2018

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Welder Lancieri Marchini

Descolonizando um concílio europeu

A Revista Eclesiástica Brasileira e a recepção do Vaticano II

Doutorado em Ciência da Religião

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em Ciência da Religião, na área de concentração Estudo Sistemático da Religião, sob a orientação do Prof. Dr. Wagner Lopes Sanchez.

São Paulo

2018

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BANCA EXAMINADORA ________________________________________ ________________________________________ ________________________________________ ________________________________________ ________________________________________

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A parte que não será nos desperta a ausência. Mas a parte que foi nos leva à memória e reverência.

Ao professor Afonso Maria Ligorio Soares, por sua colaboração no começo desta pesquisa, por aquilo que representou e representa para a Ciência da Religião e para a Teologia no Brasil, por aquilo que representou a mim como estudante e pesquisador, mas sobretudo pela convivência e exemplo de pessoa.

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O presente trabalho foi realizado com apoio da Fundação São Paulo (FUNDASP) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 88887.150318/2017-00.

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Agradeço aos professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências da Religião pelo profissionalismo e competência que sempre demonstraram; Ao meu orientador, professor Wagner Lopes Sanchez. Poucas pessoas são humanas e cordiais como ele. Acessível desde o início da pesquisa, sempre valorizou aquilo que por mim foi feito e pensado, mesmo que não tivesse muita serventia. Suas contribuições foram de grande valia.

Aos professores João Décio Passos e Enio José da Costa Brito que participaram da banca de qualificação e deram importantes contribuições para a continuidade de minha pesquisa;

Ao professor João Décio Passos, também agradeço pelas várias contribuições no decurso do caminho. Muitas mudanças ocorreram desde o início da pesquisa e sem as ideias oferecidas por ele, a continuidade da pesquisa haveria sido mais difícil;

À secretária do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciência da Religião, Andréia Bisuli de Souza, pela prontidão e simpatia.

Muitas pessoas e instituições auxiliaram para que a pesquisa fosse realizada em tempo hábil e para que eu tivesse acesso a documentos e materiais necessários.

Agradeço de forma muito especial ao ITF, que sempre abriu sua biblioteca à pesquisa. Em especial, agradeço à bibliotecária Érica D’Azevedo, por sua simpatia, prontidão e auxílio.

Também agradeço ao ITESP, em especial às bibliotecárias Margareth Rodrigues da Cunha e Francisca Teixeira da Silva,

que em muito facilitaram o meu acesso aos livros. À Margareth agradeço também pelo constante esclarecimento de dívidas sobre formatação.

Agradeço à Editora Vozes, na qual desempenho a função de editor de teologia. Associar os trabalhos editoriais com a pesquisa de doutorado

só foi possível graças à dinâmica empregada na editora. Meu agradecimento aos que comigo trabalham, Aline dos Santos Carneiro, João Batista Kreuch, Karina Rempto, Samuel Rezende,

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que constantemente participaram do trabalho escutando pacientemente minhas ideias e oferecendo auxílio e informações com pesquisas e traduções.

Também agradeço aos amigos Teobaldo Heidemann e Isabel Cestari, sempre companhias agradáveis e disponíveis como poucas pessoas o são.

Algumas pessoas deram contribuições que possibilitaram abordagens mais originais e completas. Em especial agradeço aos teólogos e pesquisadores Ludovico Garmus, Volney Berkenbrock e Leonardo Boff. Eles auxiliaram não somente no conteúdo, mas com informações de testemunhas oculares, ou mesmo sujeitos, da história da recepção e da REB e dos franciscanos em Petrópolis.

Meu especial agradecimento ao prof. Fernando Altemeyer Júnior, por sua disponibilidade em me ajudar com alguns dados sobre os peritos do Concílio e de Medellín.

Ao frei Gentil Avelino Titton, pela escuta sempre atenciosa, pelas informações de quem viveu o período da recepção e pelo auxílio inestimável nas traduções.

À minha esposa Gisele que muito fez por mim para que pudesse me dedicar mais a esta pesquisa e à minha filha Maria Clara, que muitas vezes suportou minha ausência por longos três anos, mesmo que não entendesse a minha permanência constante na frente do computador.

Muitas das pessoas aqui citadas sempre me escutaram pacientemente mesmo que o assunto por mim estudado não fosse do interesse delas. Afinal, aquilo que estudamos sempre nos é mais caro que aos outros, mas esses outros nos escutam mais pela estima que têm que pelo interesse naquilo que estudamos e pesquisamos, e de qualquer forma, isso nos é caro. A todos os que contribuíram de alguma forma para a realização deste trabalho meu sincero

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Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Leonardo Boff, Do lugar do pobre

Não se trata de inventar de novo a roda, mas de dizer como a fazemos funcionar em nosso canto do mundo. Milton Santos, O país distorcido

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RESUMO

O Concílio Vaticano II pode ser considerado o acontecimento mais importante do catolicismo do século XX, gerando impactos teológicos e pastorais e mobilizando as estruturas eclesiais. A Revista Eclesiástica Brasileira estebeleceu-se nesse cenário, constituindo-se como instrumento de comunicação das instruções e perspectivas conciliares à Igreja católica na América Latina e como um dos principais instrumentos de recepção conciliar. Assume-se como objeto desta tese a recepção do Concílio Vaticano II pela Igreja católica no Brasil e na América Latina veiculada por meio da REB. O processo de recepção conciliar aponta para a construção do sujeito eclesial latino-americano e por consequência de uma identidade que está no diálogo entre a perspectiva conciliar do aggiornamento com a realidade sociocultural local. Tal processo, identificado na perspectiva descolonial, passa pelo autoentendimento do catolicismo latino-americano e culmina em uma teologia própria, a da libertação, e em uma eclesialidade própria, a das Comunidades Eclesiais de Base. O processo de recepção conciliar se estabeleceu em três fases distintas, porém consequentes, a saber: do desconhecimento, da participação / iniciativa e da apropriação. O método de pesquisa assumido para a coleta de dados é documental e bibliográfico. Os fascículos da REB do período concernente ao processo conciliar, somados à produção do frade franciscano e perito conciliar Boaventura Kloppenbuirg, oferecem um substrato para o entendimento da recepção pela Igreja católica latino-americana. A produção bibliográfica da Teologia da Libertação é aqui lida na perspectiva da apropriação dos parâmetros conciliares. O processo de recepção conciliar engendra, processualmente, uma mudança editorial da REB que acompanha a participação e apropriação dos parâmetros do Vaticano II.

Palavras-chave: REB, pós-colonialismo, modernidade, Boaventura Kloppenburg, Luiz João Baraúna, Medellín, Teologia da Libertação, Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Leonardo Boff.

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ABSTRACT

The Second Vatican Council can be considered the most important event of 20th century Catholicism, generating theological and pastoral impacts and mobilizing ecclesial structures. The Revista Eclesiástica Brasileira established itself in this scenario, constituting itself as an instrument of communication of conciliar instructions and perspectives to the Catholic Church in Latin America and as one of the main instruments of conciliar reception. The object of this thesis is the reception of the Second Vatican Council by the Catholic Church in Brazil and in Latin America transmitted through the REB. The process of conciliar reception points to the construction of the Latin American ecclesial subject and, consequently, to an identity that is in the dialogue between the conciliar perspective of the aggiornamento and the local socio-cultural reality. This process, identified in the decolonial perspective, passes through the self-understanding of Latin American Catholicism and culminates in a proper theology, that of liberation, and in a proper ecclesiality, that of the Ecclesial Base Communities. The process of conciliar reception was established in three distinct but consequential phases, namely: ignorance, participation / initiative and appropriation. The research method used for collecting data is documental and bibliographic. The issues of REB in the period concerning the conciliar process, added to the production of the Franciscan friar and conciliar expert Boaventura Kloppenburg, offer a substratum for the understanding of the reception by the Latin American Catholic Church. The bibliographical production of Liberation Theology is here read in the perspective of the appropriation of the conciliar parameters. The process of conciliar reception engenders, procedurally, an editorial change of the REB that accompanies the participation and appropriation of the parameters of Vatican II.

Key words: REB, post-colonialism, modernity, Boaventura Kloppenburg, Luiz João Baraúna, Medellín, Liberation Theology, Ecclesial Base Communities (CEBs), Leonardo Boff.

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RESUMEN

El Concilio Vaticano II puede ser considerado el acontecimiento más importante del catolicismo del siglo XX, generando impactos teológicos y pastorales y movilizando las estructuras eclesiales. La Revista Eclesiástica Brasileira se estableció en ese escenario, constituyéndose como instrumento de comunicación de las instrucciones y perspectivas conciliares a la Iglesia católica en América Latina y como uno de los principales instrumentos de recepción conciliar. Se asume como objeto de esta tesis la recepción del Concilio Vaticano II por la Iglesia católica en Brasil y en América Latina transmitida por medio de la REB. El proceso de recepción conciliar apunta a la construcción del sujeto eclesial latinoamericano y como consecuencia de una identidad que está en el diálogo entre la perspectiva conciliar del aggiornamento con la realidad sociocultural local. Tal proceso, identificado en la perspectiva descolonial, pasa por el autoentendimiento del catolicismo latinoamericano y culmina en una teología propia, la de la liberación, y en una eclesialidad propia, la de las Comunidades Eclesiales de Base. El proceso de recepción conciliar se estableció en tres fases distintas, pero consecuentes, a saber: del desconocimiento, de la participación / iniciativa y de la apropiación. El método de investigación asumido para la recolección de datos es documental y bibliográfico. Los fascículos de la REB del período concerniente al proceso conciliar, sumados a la producción del fraile franciscano y perito conciliar Boaventura Kloppenburg, ofrecen un sustrato para el entendimiento de la recepción por la Iglesia católica latinoamericana. La producción bibliográfica de la Teología de la Liberación es aquí leída en la perspectiva de la apropiación de los parámetros conciliares. El proceso de recepción conciliar engendra, procesalmente, un cambio editorial de la REB que acompaña la participación y apropiación de los parámetros del Vaticano II.

Palabras clave: REB, post-colonialismo, modernidad, Boaventura Kloppenburg, Luiz João Baraúna, Medellín, Teología de la Liberación, Comunidades Eclesiales de Base (CEBs), Leonardo Boff.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Organograma da organização conciliar ... 152

Figura 2 - Colonialidade do poder ... 293

Figura 3 - Círculo hermenêutico 1 ... 351

Figura 4 - Círculo hermenêutico 2 ... 352

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Crescimento dos seminários no Brasil por década (1880-1860) ... 63

Tabela 2 - Proporção entre padres e população ... 69

Tabela 3 - Número de habitantes por padre secular em vários países de predominância católica ... 70

Tabela 4 - Respostas do episcopado mundial por regiões ... 111

Tabela 5 - Resposta do episcopado do Brasil ... 112

Tabela 6 - Participação do episcopado brasileiro no Concílio ... 158

Tabela 7 - Intervenções do episcopado latino-americano e caribenho ... 160

Tabela 8 - Intervenções por continente ... 162

Tabela 9 - Participantes votantes de Medellín ... 306

Tabela 10 - Total de participantes de Medellín ... 307

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AA Decreto Apostolicam Actuositatem ACR Animação Cristã no Meio Rural

AG Decreto Ad Gentes

CAL Pontifícia Comissão para a América Latina

CD Decreto Christus Dominus

CEBI Centro de Estudos Bíblicos CEBs Comunidades Eclesiais de Base

CELAM Conselho do Episcopado Latino-americano

CERIS Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais CDC Código de Direito Canônico

CIC Codex Iuris Canonici

CLAR Conferência Latino-americana de Religiosos CLAS Centro de Investigación y Acción Social CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil Coepal Comissão Episcopal para a Pastoral

COR COR – Revista Eclesiástica Brasileira CRB Conferência dos Religiosos do Brasil

DV Constituição Dogmática Dei Verbum

EATWOT Ecumenical Association of Third World Theologians FAJE Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia

FERES Federação Internacional de Sociologia Religiosa GS Constituição Pastoral Gaudium et Spes

IHU Instituto Humanitas Unisinos

ILADES Instituto Latino-Americano de Doutrinas e Estudos Sociais IPLA Instituto Pastoral Latino Americano

ISAL Igreja e Sociedade na América Latina ITER Instituto Teológico do Recife

ITF Instituto Teológico Franciscano

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JAC Juventude Agrária Católica JEC Juventude Estudantil Católica JIC Juventude Independente Católica JOC Juventude Operária Católica JUC Juventude Universitária Católica

LG Constituição Dogmática Lumen Gentiun

MEB Movimento de Educação de Base

Med Documento de Medellín

NA Declaração Nostra Aetate

O.Carm. Ordem dos Carmelitas

OE Decreto Orientalium Ecclesiarum

OFM Ordem dos Frades Menores

OP Ordem dos pregadores (Dominicanos)

OT Decreto Optatam Totius

PCB Partido Comunista do Brasil

PO Decreto Prebyterorum Ordinis

PP Encíclica Populorum Progressio

Pb Documento de Puebla

REB Revista Eclesiástica Brasileira

SC Constituição Sacrosanctum Concilium SERENE Seminário Regional do Nordeste SJ Societas Iesu (Jesuítas)

SVD Societas Verbi Divini (Verbitas) TdL Teologia da Libertação

TL Teologia da Libertação

UNE União Nacional dos Estudantes UR Decreto Unitatis Redintegratio

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CRONOGRAMA

1939 15/jan. Publicação do primeiro fascículo da COR.

1941 mar. Publicação do primeiro fascículo da REB.

1951 Boaventura Kloppenburg assume a função de editor da REB.

1955 Criação do CELAM

1958 28/out. Eleição de João XXIII.

1959 25/jan. Anúncio da convocação do Concílio feito por João XXIII na Basílica de São Paulo fora dos muros.

26/jan. O jornal L’Osservatore Romano comunica a convocação do Concílio.

17/maio Instituição da Comissão Antepreparatória sob presidência do Cardeal Domenico Tardini.

30/jun. Primeira reunião da Comissão Antepreparatória.

1960 24 a 31/jan. Sínodo Diocesano de Roma.

11/mar. Projeto de criação de uma Comissão para a unidade dos cristãos. 05/jun. Motu Proprio Superno Dei Nutu. Instituição das Comissões pré-conciliares: 440 membros e 387 consultores. Também são definidas as etapas do Concílio: antepreparação, preparação, celebração e promulgação das atas.

28/jun. Solene promulgação da Constituição do Sínodo Romano. 26/out. Início dos trabalhos da Comissão Teológica.

1961 16/jan. Consistório. Criação de novos cardeais com a intenção de representatividade para um concílio ecumênico.

12 a 19/jun. Primeira sessão plenária da Comissão Central. Discussão sobre a organização do Concílio e língua oficial.

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07 a 17/nov. Segunda sessão plenária da Comissão Central. Apresentação dos nove esquemas iniciais.

07/dez. Segunda lista da Comissão preparatória. Foram nomeados 449 membros e 380 peritos.

1962 15 a 23/jan. Terceira sessão plenária da Comissão Central. Aprovação de dez esquemas.

02/fev. Motu Proprio Concilium. Estabelece o início do Concílio para 11 de outubro de 1962.

20 a 27/fev. Quarta sessão plenária da Comissão Central. Aprovados quinze projetos das diversas comissões.

26/mar. a 03/abr. Quinta sessão plenária da Comissão Central. Aprovados nove projetos.

03 a 12/maio Sexta sessão plenária da Comissão Central. Dezoito esquemas aprovados.

12 a 20/jun. Sétima sessão plenária da Comissão Central.

13/jul. Autorização papal dos primeiros esquemas que são enviados aos padres conciliares.

28/set. Promulgação da lista dos primeiros 224 peritos. Na maioria, membros da Cúria e das comissões preparatórias.

11/out. a 8/dez. Primeiro Período.

06/dez. João XXIII anuncia a criação da Comissão Coordenadora

1963 21 a 27/jan. Primeira reunião da Comissão de Coordenação. Trabalho sobre o novo regulamento conciliar.

25/mar. Segunda reunião da Comissão de Coordenação. Aprovação de doze esquemas e do esboço projeto do esquema Sobre a Igreja no mundo contemporâneo.

03/jun. Morte de João XXIII. 19/jun. Início do novo Conclave. 21/jun. Eleição de Paulo VI.

03 e 04/jul. Terceira reunião da Comissão de Coordenação. Aprovação de 3 esquemas e apresentação do esquema Sobre a Igreja no mundo contemporâneo.

31/ago. Quarta reunião da Comissão Central.

25/set. Quinta reunião da Comissão Central. Discussão de novos esquemas e ajustes no regulamento.

29/set. a 04/dez. Segundo Período.

04/dez. Promulgação da Constituição Sacrosanctum Concilium e do Decreto Inter Mirifica.

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1964 mar. Encontro dos teólogos latino-americanos em Petrópolis, RJ. 19/maio Treze intervenções de Paulo VI nos textos do Concílio Vaticano

II.

14/set. a 21/nov. Terceiro Período.

21/nov. Promulgação da Constituição Dogmática Lumen Gentium e dos Decretos Unitatis Redintegratio e Orientalium Ecclesiarum.

1965 14/set. a 08/dez. Quarto Período.

28/out. Promulgação dos Decretos Christus Dominus, Perfectae Caritatis e Optatam Totius e das Declarações Gravissimum Educationis e Nostra Aetate.

18/nov. Promulgação da Constituição Dogmática Dei Verbum e do Decreto Apostolicam Actuositatem.

07/dez. Promulgação da Constituição Pastoral Gaudium et Spes, dos Decretos Ad Gentes e Presbyterorum Ordinis e da Declaração Dignitatis Humanae.

1966 03/jan. Motu Proprio Finis Concilio com a criação das comissões pós-conciliares.

1967 29/set. a 29/out. Sínodo dos Bispos em Roma.

1968 24/ago. a 06/set. Conferência de Medellín.

1971 Publicação de Teología de la liberación, de Gustavo Gutiérrez.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...

PARTE I: O SILÊNCIO ...

CAPÍTULO 1

APRENDENDO A SER EUROPEU: AS CARACTERÍSTICAS COLONIAIS DA IGREJA CATÓLICA PRÉ-CONCILIAR ...

1 Todos eram católicos ... 2 A era pia ... 3 A relação do clero secular com o regular ... 4 A romanização e a grande disciplina ... 4.1 Contexto social e político ... 4.2 Características do clero nacional ... 4.3 O episódio Feijó ... 4.4 Os seminários e a formação do novo clero ... 5 A efervescência do laicato católico ... 5.1 Precedentes de uma religiosidade popular ... 5.2 O laicato dentro das organizações eclesiais ... 5.3 Entre o clero e o povo ...

CAPÍTULO 2

MAIS ECLESIÁSTICA QUE ECLESIAL ...

1 Da primeira edição ... 2 Expoentes da REB no período pré-conciliar ... 2.1 Boaventura Kloppenburg ... 2.2 Guilherme Baraúna ... 25 40 42 44 46 48 52 52 54 56 58 65 65 67 69 72 72 76 76 79

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CAPÍTULO 3

O PERÍODO DO DESCONHECIMENTO:O SILÊNCIO DE UM CLERO ROMANIZADO ...

1 A convocação de um concílio ... 1.1 Primeiras e tímidas reações ... 1.2 Entre contradições e desentendimentos ... 2 A colonialidade como epistemologia ... 2.1 A questão colonial ... 2.2 A colonialidade ... 2.3 O sujeito colonizado como subalterno ... 3 Diante da convocação, o silêncio ... 3.1 O período antepreparatório e a reação brasileira ... 3.2 Um concílio europeu ... 4 O Concílio começa a se delinear ...

CAPÍTULO 4

A EXPECTATIVA:COMEÇA A SE DELINEAR UM CONCÍLIO EUROPEU ...

1 O problema da modernidade ... 2 Polissemia do conceito de modernidade ... 3 A convocação da Comissão Preparatória ... 4 Primeiros comentários sobre o Concílio ... 4.1 A autocompreensão da Igreja católica ... 4.2 A liturgia ... 4.3 Ecumenismo ... 5 As primeiras crônicas de Kloppenburg ... 5.1 Clima de colegiado ... 5.2 O processo conciliar ...

CONCLUSÃO:O DEVOTO SILÊNCIO ...

PARTE II: PARTICIPAÇÃOEINICIATIVA ...

CAPÍTULO 5 O PROCESSO CONCILIAR ... 82 85 88 91 92 94 100 103 107 109 115 115 117 118 119 124 127 130 131 132 133 135 136 138 142 144

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1 A participação dos padres conciliares ... 1.1 Entre o imperial e o dialogal ... ... 1.2 A formação das comissões ... 1.3 Entre conservadores e progressistas ... 2 Os brasileiros e latino-americanos ... 2.1 Os padres conciliares ... 2.2 Os peritos brasileiros ... 3 Uma pequena nota que mostra significativa mudança ... 4 Um concílio, dois papas: os discursos papais ... 5 A Gaudium et Spes como perspectiva conciliar ... 5.1 Em diálogo com o mundo contemporâneo ... 5.2 A Gaudium et Spes e o conceito de sinais dos tempos ... 5.3 As características do processo conciliar ... 5.4 O envolvimento das igrejas locais no processo conciliar ... 6 O sujeito social se converte em sujeito eclesial ...

CAPÍTULO 6

ECLESIOLOGIA CONCILIAR ...

1 O autoentendimento da Igreja católica ... 2 A Eclesiologia recebe contornos conciliares ... 2.1 O mistério da Igreja ... 2.2 A Igreja como Povo de Deus ... 3 A constituição hierárquica e a colegialidade ... 4 Os leigos ... 5 A pobreza e a Igreja católica ... 6 Maria no mistério de Cristo e da Igreja ...

CAPÍTULO 7

REVELAÇÃO ... 1 Questões fundamentais no Primeiro Período do Concílio ... 2 Contexto sócio eclesial ... 3 A contribuição do Secretariado para a União dos Cristãos ... 4 Uma Revelação descentralizada ...

146 147 149 153 157 157 163 164 166 172 172 177 181 183 185 190 190 198 201 203 204 207 210 214 216 216 219 221 222

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CAPÍTULO 8

ECUMENISMO E DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO ...

1. O ecumenismo no processo conciliar ... 2 Cardeal Bea ... 3 Kloppenburg e o ecumenismo ... 4 A liberdade religiosa ... 5 Emendas e produção dos textos conciliares ...

CAPÍTULO 9

LITURGIA ...

1 O princípio da adaptação ... 2 A participação ativa dos fiéis ... 3 As implementações da liturgia conciliar ... 3.1 A música litúrgica ... 3.2 A homilia ... 3.3 O espaço litúrgico ...

CONCLUSÃO

O EPISCOPADO TOMA PARTE DO CONCÍLIO ...

PARTEIII

APROPRIAÇÃO ...

CAPÍTULO 10

PERÍODO PÓS-CONCILIAR ...

1 Características descoloniais ... 2 A função do episcopado no processo de recepção conciliar ... 2.1 CNBB ... 2.2 CELAM ... 3 Atuando e não apenas obedecendo ... 4 Tudo se hibridiza ... 5 Igreja com identidade latino-americana ... 6 Uma recepção descolonizadora do ser e do saber ...

225 226 233 235 237 240 242 244 246 251 255 256 258 259 261 263 265 270 273 276 278 282 285 289

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CAPÍTULO 11

CONFERÊNCIA DE MEDELLÍN ...

1 O CELAM e a perspectiva de uma recepção latino-americana ... 1.1 O entendimento dos sujeitos e atores eclesiais ... 1.2 Um entendimento do CELAM ... 2 O evento Medellín ... 2.1 Os peritos de Medellín ... 2.2 O desenvolvimento da Conferência ... 2.3 Influências de Paulo VI ... 3 As conclusões de Medellín ... 3.1 Justiça ... 3.2 A leitura dos sinais dos tempos em Medellín ... 3.3 A poção pelos pobres ... 3.4 A eclesiologia e as Comunidades Eclesiais de Base ... 4 A popularização do método ver-julgar-agir ... 5 Como interpretar Medellín ...

CAPÍTULO 12

TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO ...

1 Uma teologia como consequência da recepção ... 2 A origem da Teologia da Libertação ... 2.1 Primeiro período: da teologia europeia à latino-americana (1959-1968) ... 2.2 Segundo período: formulação da Teologia da Libertação (1968-1972) ... 2.3 Terceiro período: a consolidação da teologia da Igreja dos pobres (1972-1979) ... 2.4 Petrópolis entra no cenário da Teologia da Libertação ... 3 O que é a Teologia da Libertação ... 4 O método teológico da Teologia da Libertação ... 4.6 Mediações da Teologia da Libertação ... 4.6.1 Mediação sócio analítica ... 4.6.2 Mediação hermenêutica ... 4.6.3 A leitura popular da Bíblia ... 4.1 A práxis ... 295 298 300 303 304 307 309 311 312 314 316 317 320 326 327 332 332 334 336 338 339 342 344 345 347 347 350 353 356

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4.2 O Reino de Deus ... 4.3 A opção pelos pobres ... 4.3.1 A opção pelos pobres como mediação socio analítica ... 4.3.2 A opção pelos pobres como mediação eclesiológica-pastoral ... 4.3.3 A opção pelos pobres e as influências marxistas ... 5 Jesus, o libertador ... 6 A libertação ... 6.1 A formulação do conceito ... 6.2 A libertação da sociedade ... 6.3 A espiritualidade libertadora ... 6.4 A Teologia da Libertação e o mundo global e a esquizofrenia ... 7 Uma eclesiologia pós-conciliar e latino-americana ... 8 Emergência das CEBs ...

CONCLUSÃO

RECEPÇÃO COMO APROPRIAÇÃO ...

1 Medellín como recepção do Concílio ... 2 Recepção criativa ... 3 A recepção no cenário brasileiro e latino-americano ... 4 Algumas implicações do processo de recepção ... 5 A REB no processo de recepção ...

CONCLUSÃO ... BIBLIOGRAFIA ... 358 359 361 362 363 366 376 376 377 380 382 384 387 391 392 396 397 398 400 402 408

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INTRODUÇÃO

As estantes das bibliotecas são repletas de livros sobre o Vaticano II (1962-1965). Essa é uma afirmação do teólogo estadunidense O’Malley (cf. 2014, p. 13), mas que serve em muito para a realidade brasileira. Sobretudo quando falamos do ambiente teológico, temos inúmeros trabalhos, publicações, mestrados e doutorados sobre o Concílio. Se tomarmos por base a Ciência da Religião, a quantidade é menor, mas também expressiva. Buscar uma perspectiva original para o nosso estudo, faz-se, então, necessário, principalmente na busca de estabelecer uma relação epistemológica e metodolófica com a Ciência da Religião.

Um concílio, em termos organizacionais, é uma assembleia onde se reúnem os líderes da Igreja Católica, para deliberarem sobre determinadas situações que dizem respeito à vida do catolicismo. Todo concílio traz a peculiaridade de não ser periódico e acontecer por iniciativa do papa reinante, quando este acredita ser necessário reunir o episcopado mundial. Mas o Concílio Vaticano II se mostra atípico, sendo, talvez o mais importante que já aconteceu na história do catolicismo, mas provavelmente o mais importante acontecimento cristão do século XX (cf. BEOZZO, 2005, p. 43).

No dia 11 de outubro de 1962, 2.381 padres conciliares, juntamente com o papa João XXIII, adentram a basílica de São Pedro para a cerimônia de abertura (cf. THEOBALD, 2015, p. 36). O simbolismo que permeia a celebração conciliar apontando para sua grandiosidade e expressividade, nos permite entender sua relevância dentro do cristianismo. Mas o Concílio traz menos a perspectiva imperial e estabecele uma relação de diálogo, primeiramente com a modernidade (cf. LIBANIO, 2015, p. 640). Mas o Vaticano II também é relevante dentro do cristianismo católico por sua atualidade. Foi o último concílio realizado. Mesmo sabendo que um concílio não se sobrepõe a outro, anulando o que o antecede, cada concílio busca dialogar de forma mais proeminente com a realidade contemporânea a ele. Sendo assim, o catolicismo atual se pauta mais pelo Concílio Vaticano II (1962-1964) que pelo Vaticano I (1869-1870) ou Trento (1546-1563), mesmo que estes dois concílios citados tragam, ainda hoje, referenciais de comportamentos e noções teológicas ao catolicismo.

Algumas informações básicas sobre o Concílio podem ser úteis ao leitor que desconhece o assunto. O Vaticano II aconteceu entre os anos 1962 e 1965 com sessões realizadas no outono europeu. Foram quatro sessões – ou períodos conciliares – sendo o primeiro realizado sob o

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pontificado de João XXIII e os outros três, sob o pontificado de Paulo VI. Cada um dos períodos durou aproximadamente 10 semanas, tendo seu início na segunda metade de setembro e terminando no final de novembro ou início de dezembro.

Os períodos conciliares foram antecedidos pelos trabalhos Antepreparatórios, que aconteceram entre 1960 até o início da celebração conciliar. Teólogos peritos foram convocados para formulares esquemas – textos que serviriam de prévia – que apresentados nas sessões, foram debatidos pelos padres conciliares. Os esquemas, reelaborados no concílio, resultaram em 16 documentos finais, todos eles promulgados pelo Papa Paulo VI, visto que nenhum documento foi aprovado na Primeira Sessão. O Concílio também formulou quatro Constituições Dogmáticas, textos de maior importância pois foram basilares para o entendimento das perspectivas conciliares.

Quando tomamos como critério a ecumenicidade – aqui entendida na perspectiva da totalidade da Igreja católica – do Concílio Vaticano II, vemos que a América Latina deu a ele um vigor que talvez nem a Europa tenha dado. E aqui não fazemos um juízo teológico, mas enfatizamos o quanto as comunidades católicas se sentiram motivadas pelas discussões conciliares. Não foi o Concílio Vaticano II um acontecimento puramente curial ou doutrinário. Suas produções e instruções chegaram às comunidades locais latino-americanas, principalmente nos escritos das conferências de Medellín e Puebla1, que entendemos estarem no bojo conciliar.

Em tempos onde os processos de comunicação eram sobretudo tipográficos, a Revista Eclesiástica Brasileira (REB) assumiu o papel de tornar acessível aquilo que era discutido no Concílio. Sua relevância no processo de recepção conciliar se deu à medida que a Revista se autorizava a interpretar, à realidade eclesial brasileira e latino-americana, as reflexões e instruções conciliares.

A originalidade dessa pesquisa não está no conceito de recepção propriamente dito. Visto que ele foi sistematizado por autores da teologia, a originalidade de nosso trabalho está no entendimento da recepção fora da epistemologia teológica, trazendo-o para a Ciência da Religião e no diálogo com o pensamento pós-colonial. Também enfatizamos a originalidade de uma análise do processo de recepção conciliar por meio da REB. A Revista teve papel de protagonista no cenário brasileiro e latino-americano e é objeto de poucos estudos, mesmo se considerarmos a teologia.

1 Por questões de organização metodológica, Puebla não será analisada nesta pesquisa. Mas ela traz consigo

inspirações do processo de recepção do Vaticano II na América Latina, sobretudo no que diz respeito à citação literal da opção pelos pobres em seu documento de conclusão, informação que em Medellín fica implícita.

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O Concílio Vaticano II, devido seu caráter universal, deliberou sobre questões que têm como destinatária a totalidade dos cristãos católicos. Da intenção de abarcar a totalidade dos cristãos existentes no universo católico é que lhe vem a denominação de ser um concílio ecumênico. Contrapondo-se à ideia de um concílio local, o ecumênico traz consigo a pretensão de reunir representantes das dioceses espalhadas pelo mundo, refletindo a catolicidade desta Igreja. Junto da representatividade universal, a ecumenicidade de um concílio se concretiza também no fato de que, aquilo que ali for decidido, vale para todos os católicos.

Mas a recepção de um concílio de tais proporções, não acontece sem particularidades. A América Latina exerceu grande influência tanto nos bastidores como nas sessões conciliares. Dentre os grupos de peritos e padres conciliares se encontram brasileiros dentre os quais destacamos o frade menor Boaventura Kloppenburg (1946-2009). Por mais que os peritos não tenham direito à voz nas sessões conciliares, eles exerceram influência nos assuntos ali tratados. Além disso, o acesso aos assuntos e documentações possibilitou que os peritos oferecessem importantes elementos para o processo de recepção conciliar. A participação ativa dos peritos latino-americanos fez com que a recepção do Vaticano II na América Latina como um todo, mas também no Brasil, ganhasse uma dinâmica particular.

Também o episcopado latino-americano exerceu grande influência no Concílio. Se essa influência não foi numérica, foi significativa. Podemos citar como as maiores influências o chileno Manuel Larrain e o brasileiro Helder Camara (cf. AQUINO JUNIOR, 2015, pp. 15-16).

O período da celebração conciliar encontra ressonância na América Latina. Mais especificamente no Brasil temos dois meios de divulgação dos trabalhos e ideias conciliares. Um deles, o mais conhecido, são as cartas de Dom Helder Camara2. O outro, menos estudado, mas que também traz relevância para o cenário brasileiro, é a Revista Eclesiástica Brasileira (REB), da qual nos ocuparemos nesta pesquisa. Tanto Dom Helder com suas cartas como os fascículos da REB publicados no período conciliar são exemplos da relação entre Concílio Vaticano II e a Igreja Católica no Brasil. Conforme as sessões conciliares aconteceram, era imediata a repercussão em terras brasileiras.

A recepção do Concílio aconteceu em várias instâncias. Podemos identificar três delas que nos ajudam a estabelecer a expansividade da recepção conciliar. São elas a hierarquia

2 Dom Helder Camara (1931-1999) foi o bispo brasileiro com maior influência nas sessões conciliares. Nascido

em Fortaleza, tem sua vida sacerdotal construída no Rio de Janeiro, então capital do Brasil, onde viveu desde 1936. Dentre suas ações na Igreja Católica ressaltamos a liderança na Ação Católica como vice-assistente nacional e na criação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em 1952. Também participou da criação do Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM) em 1955. Foi bispo auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro e posteriormente arcebispo de Olinda e Recife. No Concílio Vaticano II, Dom Helder foi um dos responsáveis pelo direcionamento de uma Igreja Católica comprometida com a causa dos pobres (cf. BEOZZO, 2015).

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católica, os teólogos e teólogas e também as comunidades eclesiais participando do processo de recepção conciliar, cada grupo a seu modo. Se o Concílio foi recebido pela hierarquia que pensou no modelo e nas organizações eclesiásticas, também é discutido nas academias em vertente teológica e incide diretamente nas comunidades eclesiais católicas, visto que as comunidades mudam seu modo de celebrar e mudaram também as perspectivas e métodos pastorais.

Uma das instâncias mais influentes no processo de recepção conciliar é a dos teólogos. Muitos deles participaram como peritos das sessões conciliares e concomitantemente ressoam as mensagens do Vaticano II ao Brasil, mas isso não acontece sem interpretações e análises. A REB, instrumento acadêmico e teológico que exerceu influência no processo de recepção conciliar, estava, sob responsabilidade do Instituto Teológico Franciscano (ITF), situado na cidade de Petrópolis, RJ, administrado pela Província Franciscana da Imaculada Conceição.

Mas ao mesmo tempo em que podemos identificar na REB a perspectiva teológica, identificamos também sua perspectiva pastoral. Como o próprio nome da revista demonstra, se trata de uma publicação eclesiástica. O interlocutor da REB é o clero brasileiro. Trata-se de uma revista de instrução ao clero que aborda questões litúrgicas, morais, sacramentais e teológicas, mas com cunho pastoral. A revista também traz pronunciamentos oficiais dos papas e da Cúria Romana. Enfim, caracteriza-se como um dos mais eficientes meios de instrução do clero católico espalhado pelo Brasil3.

O Concílio trouxe uma nova configuração aos conteúdos publicados nos fascículos da REB, que circulavam desde a década de 1940. Concomitante ao Concílio, os fascículos trouxeram artigos que foram responsáveis pela formulação do entendimento dos assuntos conciliares por parte da Igreja Católica no Brasil. Devido a relevância da REB para a Igreja Católica e para a teologia brasileira e latino-americana, esta pesquisa se propõe a estudar seus fascículos publicados entre os anos de 1959 a 1969 como instrumento responsável por parte do processo de recepção do Concílio Vaticano II.

O recorte cronológico (1959-1968) nos permite identificar as características e os períodos do processo de recepção conciliar, visto que esses anos compreendem desde a convocação do Concílio (25/01/1959) até a realização da Conferência de Medellín (24/08 a

3 Provavelmente a REB é revista de teologia mais antiga do Brasil, com circulação ininterrupta desde o início de

sua publicação (1941) até os tempos presentes com quatro fascículos anuais. Mas com o passar do tempo a REB assumiu novas configurações quanto ao modo como trata do conteúdo teológico. Hoje ela se constitui como uma revista acadêmica de teologia, com publicação de fascículos temáticos, diferente de sua configuração na década de 1950-60 que tinha como principal objetivo a instrução teológico-pastoral do clero brasileiro além de transmitir-lhes informações disciplinares e organizacionais.

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06/09/1968) que nos aponta para a gênese da Teologia da Libertação, identificado por nossa pesquisa como fruto do processo de recepção conciliar.

É relevante apontarmos nosso objeto formal como o processo de recepção e nosso objeto material como as publicações da REB. Não nos ateremos a estudar o Concílio propriamente dito. Nosso objetivo é identificar a REB como uma protagonista do processo de recepção conciliar. Recorreremos à história conciliar para trazer alguns fatos e informações que sejam relevantes ao entendimento dos artigos, publicações e comunicados dos fascículos da REB.

A recepção de um acontecimento nas proporções e na universalidade de um concílio, não acontece sem poréns, tensões e interpretações (cf. BEOZZO, 2015a, p. 803). Todo processo de recepção é um processo de interpretação que seleciona aquilo que será assumido pela Igreja local e aquilo que por ela será desprezado. Vários são os instrumentos, pessoas e instituições que podem ser responsáveis por um processo de recepção conciliar. Tais instrumentos são seletivos ao escolherem as temáticas e perspectivas a serem tratadas pela Igreja local. Para melhor entendermos o processo de recepção conciliar veiculado por meio da REB, elencamos como problemas para esta pesquisa: Qual é o papel da REB no processo de recepção do Concílio no Brasil e na América Latina? Quais são as características que delineiam a recepção do Concílio Vaticano II no Brasil, veiculada pela REB? Qual é o papel da recepção na identificação que a Igreja Católica no Brasil e na América Latina tem do Concílio?

Para responder a essas perguntas definimos os objetivos de identificar as fases do processo de recepção conciliar a partir da organização e análise dos fascículos da REB publicados no período entre a convocação do Concílio (1959) e a Conferência de Medellín (1968); Sistematizar o conceito de recepção nos parâmetros da Ciência da Religião, visto que o conceito é trabalhado predominantemente no âmbito da teologia; Entender os meandros e concepções da relação que a Igreja Católica na América Latina e no Brasil estabelece com o Concílio Vaticano II e com a modernidade.

Se os teólogos trabalham o conceito de recepção a partir da noção de “boa recepção” ou um “desvio” dos parâmetros conciliares (THEOBALD, 2015, p. 24) aqui nos atentaremos à recepção como processo, de modo a identificar suas características. Há na teologia católica um juízo de validade da recepção conciliar. Para Theobald essa dinâmica se faz com continuidades e rupturas (cf. 2015, p. 25) o que nos leva a entendê-la como processo. Mas não nos ateremos à sua suposta validade ou invalidade, o que caracterizaria nosso trabalho como teológico.

A recepção conciliar protagonizada pela REB mostra, sobretudo, que ela acontece como processo. Nossa hipótese é a de que o processo de recepção do Concílio Vaticano II pela Igreja no Brasil e na América Latina culmina em uma apropriação da concepção de aggiornamento,

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que pode ser identificada na Conferência de Medellín (1968). Uma das características da recepção do Vaticano II em contexto latino-americano é o entendimento de que a modernidade é nociva devido seu aspecto colonizador. Assumimos que a Conferência de Medellín pode ser identificada como fruto de uma perspectiva descolonizadora, que entende o Vaticano II a partir da realidade sócio-política latino-americana.

O teólogo brasileiro Suess identifica o conceito de aggiornamento como uma orientação pragmática:

A “orientação programática” do Vaticano II, portanto, era abertura, deixar a realidade do mundo entrar na Igreja e fazer essa Igreja entrar na realidade do mundo. E essa realidade tem várias dimensões: a dimensão macrocultural do mundo moderno, da modernidade secularizada, e a dimensão da vida cotidiana, a microestrutura das culturas, da convivência concreta no mundo pluricultural. Aggiornamento expressa a vontade de construir duas pontes de mão dupla: uma entre Igreja e a dimensão universal das conquistas da modernidade e do mundo secular, e outra, entre Igreja e o mundo local e cultural, a vida cotidiana onde o povo vive, se encontra e comunica. (SUESS, 2012, p. 108)

Para Suess, ao assumir o aggiornamento como critério orientador da Igreja Católica, o Vaticano II favorece a autonomia das Igrejas locais, visto que a prática cristã, na perspectiva deste teólogo, se concretiza, sobretudo e principalmente, por práticas locais (cf. 2012, p. 123). Contudo o aspecto descolonizador da recepção do Concílio Vaticano II por parte da Igreja Católica no Brasil e na América Latina só pode ser entendido a partir de um processo. Inicialmente o Concílio se caracteriza como um acontecimento europeu. Apesar de seu caráter ecumênico que faz com que participem da preparação e da celebração conciliar bispos e peritos de todo o mundo católico, as temáticas são europeias. O Concílio traz, em sua origem e concepção, a perspectiva do diálogo com a modernidade (cf. LIBANIO, 2015, p. 640).

Conforme o episcopado e os teólogos latino-americanos absorvem o entendimento do aggiornamento e se integram nas iniciativas conciliares, eles passam a trazer para a América Latina não o conteúdo tratado no Concílio – o diálogo com a modernidade – mas a perspectiva de uma organização eclesial que percebe a necessidade de dialogar com a realidade latino-americana que foi colonizada pela modernidade.

O Concílio Vaticano II, mesmo assumindo seu caráter ecumênico – aqui como sinônimo da catolicidade –, estabelece como suas bases o diálogo europeu com a modernidade. Medellín traz outro paradigma. Se os avanços da modernidade são o mote do diálogo com o Concílio, na América Latina a modernidade será vista como instrumento de colonização e dominação e, consequentemente, como meio de opressão. Outra característica do processo de recepção

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latino-americana será a consequente elaboração da Teologia da Libertação e a concomitante descentralização da teologia europeia. Essa será a fase de maior interlocução da REB com a apropriação do Vaticano II.

A REB se torna um relevante instrumento onde identificamos as características do processo de entendimento do Concílio pode ser identificado. A recepção conciliar pode ser analisada como processo e, como tal, pode ser periodizada para melhor percebermos, consequentemente, suas etapas e variações. Assumimos a organização nos seguintes períodos do processo de recepção: desconhecimento, participação ou iniciativa e apropriação.

Há subjacente no processo de recepção do Concílio Vaticano II no Brasil e na América Latina uma dinâmica entre o colonialidade e a atitude/pensamento descolonial. A colonialidade está para além do processo de colonização (cf. QUIJANO, 2010, p. 84). No catolicismo latino-americano podemos entender a colonialidade como a reprodução de padrões religiosos europeus. Nas primeiras etapas do processo de recepção do Vaticano II, encontramos ainda traços de colonialidade, marcados, sobretudo, pela perspectiva europeia de diálogo com a modernidade que ocupa grande espaço nas discussões conciliares. Ora, é a modernidade um processo e uma realidade europeia, com bases nas Revoluções Francesa e Industrial e que não se concretiza em território latino-americano nos moldes europeus (cf. CANCLINI, 2016, p. 16).

Nossa tese se sustenta na percepção de que a REB traz diferentes fases do entendimento daquilo que o Concílio representa tanto para a Igreja Católica tanto em nível mundial quanto para a Igreja Católica no Brasil e, por ocasião de Medellín, na América Latina. Se o Concílio nasce como inspiração da Igreja na Europa, em Medellín ele se estabelece como um Concílio que se concretiza na realidade latino-americana.

A transposição das temáticas e perspectivas conciliares para a realidade eclesial latino-americana se dá como processo descolonial. Ele está relacionado a um processo híbrido onde a perspectiva de aggiornamento que inspirou o Concílio Vaticano II se confronta e funde com as expectativas sociais e eclesiais da América Latina. Nesse processo de recepção do Vaticano II, a Igreja latino-americana constrói uma identidade própria que tem como sua maior expressão a Conferência de Medellín (1969) e a Teologia da Libertação.

É importante ressaltarmos que não se trata de entender a REB como a protagonista do processo descolonial presente na recepção do Vaticano II. A REB se constitui como instrumento de veiculação das ideias conciliares, principalmente no Brasil, mas que nas duas fases finais do processo de recepção – apropriação e criatividade – reflete aquilo que é discutido em âmbito latino-americano.

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Duas personagens serão fundamentais no que diz respeito à recepção conciliar por meio da REB: são os frades menores Boaventura Kloppenburg (1946-2009) e Guilherme Baraúna (1929-2012). Eles serão os grandes responsáveis pela inserção da REB no processo de recepção conciliar. Kloppenburg foi redator-chefe da revista no período conciliar além de professor de teologia dogmática no ITF. Seu pensamento e produção teológica se demonstraram como uma síntese do processo de recepção conciliar pela Igreja no Brasil e posteriormente na América Latina. Processualmente, Kloppenburg insere-se nas reflexões conciliares, principalmente no que diz respeito à eclesiologia católica, mas também escreve sobre o ecumenismo e o diálogo inter-religioso. Baraúna, articulista da REB e também professor de teologia dogmática no ITF, será um dos expoentes no processo de entendimento da liturgia nos moldes conciliares, fazendo interpretações da Sacrosanctum Concilium. Baraúna, perito conciliar, também tem publicações sobre a eclesiologia do Vaticano II.

Em nossa pesquisa a REB será analisada como fonte histórica. Na busca de assegurarmos uma epistemologia própria da Ciência da Religião, não faremos uso dos escritos da REB como referencial teórico, visto que tal atitude transformaria nosso trabalho em uma pesquisa de teologia. A REB é por nós vista como fonte primária do processo de recepção do Concílio Vaticano II no Brasil (cf. CAJUEIRO, 2015, p. 17). Nossa pesquisa implica em identificar na REB tendências e perspectivas do entendimento do Concílio Vaticano II, traçando paralelo com as sessões conciliares.

Junto à análise dos escritos veiculados pela REB, esse trabalho se servirá de pesquisa bibliográfica sobre os assuntos que sustentam historicamente as publicações brasileiras. Recorreremos à bibliografia sobre o Concílio Vaticano II como processo eclesial, mas também à bibliografia que auxilie no entendimento da Igreja Católica no Brasil e na América Latina. Tais informações são de serventia no entendimento das publicações da REB.

Não nos debruçaremos sobre os processos receptivos do Vaticano II para legitimar, muito menos deslegitimar, uma prática latino-americana ou brasileira de entendimento conciliar. Isso nos levaria a um anacronismo (cf. MANIERI, 2013, p. 7). Antes, a história da recepção conciliar nos servirá para o entendimento do conceito que pode ser sistematizado a partir das narrativas contidas na REB (cf. MANIERI, 2013, p. 7). Assim, as dinâmicas próprias da recepção conciliar nos servem de base para o entendimento e formulação do conceito de recepção na perspectiva da Ciência da Religião, visto que em sua origem e utilização ele é abarcado pela Teologia.

Em nosso trabalho torna-se imprescindível o diálogo e a aproximação com a teologia, visto que o próprio conceito de recepção, que muitas vezes é utilizado para entender como o

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Vaticano II chega a várias partes do universo católico, se desenvolve a partir de uma epistemologia teológica. Contudo, nosso desafio estará em sistematizar os períodos do processo de recepção do Vaticano II bem como suas características a partir de uma epistemologia pós-colonial.

Teologicamente, a ideia de uma recepção em âmbito eclesial está diretamente relacionada ao modo como se vive a fé (cf. PINHO, 1994, p. 22), pois o cristão é aquele que recebe a “oferta salvadora de Deus” (PINHO, 1994, p. 23). Contudo, esse é um processo eclesial, que não se esgota na relação das autoridades eclesiásticas com a comunidade de fé, constituindo-se como atitude interpretativa diante das instruções transmitidas. A experiência cotidiana dos fiéis, ou da comunidade eclesial que conclui o processo de recepção, está para além da chancela das autoridades eclesiásticas que pensam o Concílio e suas diretrizes. O cristão que recebe as instruções da hierarquia, tem o objetivo de vivenciar sua fé4 (cf. PINHO, 1994, p. 22).

Outros teóricos analisam a recepção conciliar na perspectiva das instruções que se consolidaram como práticas das e nas comunidades eclesiais. Para o historiador Beozzo, “a recepção é o elemento de verificação mais importante, pois revela quais dimensões foram capazes de passar para o quotidiano da igreja, que outras deixaram de ser assimiladas e até mesmo as que foram seletivamente abandonadas” (BEOZZO, 2015a, p. 803).

A recepção, contudo, não é linear, mas traz consigo nuances que a caracterizam como processo. Theobald sistematiza o processo receptivo a partir de fases. A primeira dela seria a de exaltação, passando pela integração e desenvolvendo-se em estabilização (cf. THEOBALD, 2015, pp. 375-376). No caso específico do Vaticano II a recepção passa pela valorização e liberdade dos receptores (cf. THEOBALD, 2015, p. 497), que no contexto latino-americano se concretizou na realização de Medellín e numa produção teológica própria. Para Gustavo Gutiérrez, Medellín nasce do “impulso do concílio” (1998, p. 237), sendo uma “rápida e criativa recepção da assembleia conciliar” (1998, p. 239).

O panorama das várias definições do conceito de recepção nos facilita o entendimento de duas de suas características básicas: a recepção é processual e seletiva. Mesmo se tratando o

4 É complicado abordar a questão da fé dentro de uma epistemologia própria da Ciência da Religião visto que há

um juízo de valoração e legitimidade no reconhecimento da fé que não nos é mensurável. Mas por ser um termo êmico utilizado pelo teólogo Pinho para definir o processo de recepção (cf. 1994, p. 22), não concebemos que fosse metodologicamente correto, excluí-lo de nossa pesquisa. O Cardeal Müller, prefeito para a Congregação da Doutrina da Fé (2012-2017), órgão do Vaticano responsável pelos conteúdos doutrinais, entende a fé como a atitude assumida pelo cristão por consequência da formulação de conceitos e juízos próprios do catolicismo (cf. 2015, p. 21).

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Concílio de uma diretriz a ser assumida pela Igreja local5, sua recepção não aconteceu, unilateralmente, de forma a receber uma norma que vem da cúpula ou administração eclesiástica. Toda recepção é uma interpretação da diretriz recebida. E sendo interpretação, nos aponta para a capacidade de ser seletiva. A Igreja local escolhe aquilo que absorve, aquilo que reinterpreta e aquilo que despreza dentro do processo de recepção (cf. BEOZZO, 2015a, p. 803).

Contudo assumimos neste trabalho o desafio de pensar a recepção para além dos parâmetros estabelecidos pelos teólogos. Para tanto adentraremos em outro campo epistemológico: o da teoria descolonial (ou pós-colonial6). O pensamento descolonial se dá pelo parâmetro epistemológico de entender, seja o indivíduo local ou seu pensamento, tendo como referência a própria cultura. Historicamente o parâmetro cultural ou religioso é dado pela cultura europeia, atitude entendida como colonialismo (cf. QUIJANO, 2010, p. 84).

Para Frantz Fanon o colonialismo traz consigo um legado psicológico e social às comunidades colonizadas (cf. 2008, p. 89). A Europa impõe-se como um padrão a ser copiado. Essa lógica se repete com o Imperialismo analisado pelo palestino Said (cf. 2011, p. 43). Assumimos para este trabalho o conceito de Quijano, para o qual a colonialidade está para além dos processos de colonização. Diz o autor que a colonialidade

sustenta-se na imposição de uma classificação racial/étnica da população do mundo como pedra angular do referido padrão de poder e opera em cada um dos planos, meios e dimensões, materiais e subjetivos, da existência social quotidiana e da escala societal. (2010, p. 84)

Nas práticas cotidianas e políticas a colonialidade muitas vezes recebe o contorno das relações de subalternidade. O sujeito resultante dos processos coloniais é visto como o outro, sempre menor, alternativo, inapropriado e por isso subalterno. A ideia do outro como subalterno tem como fonte os textos de Spivak (cf. 2010).

5 Igreja local ou igreja particular são dois termos que na linguagem católica se referem à diocese, organismo

territorial que é organizado sob a liderança de um bispo. Há uma diferença conceitual entre os dois termos. A igreja particular se refere à diocese e valoriza a sua relação com o bispo como parte da igreja universal, referindo-se às características mais curiais e jurídicas do catolicismo (cf. LIBÂNIO, 1974, p. 39). Já a igreja local traz em si a dimensão da Igreja Católica que é construída no próprio local, sendo mais processual e indutiva (cf. ALMEIDA, 2009, p. 63). Ao falarmos de igreja local, estamos falando da prática religiosa que se constitui na dinâmica com a realidade local e não de uma diocese enquanto organismo religioso.

6 Há aqui uma pluralidade semântica. O pós-colonial, assumido por exemplo por Canclini, entende que é preciso

ir para além da relação colonial historicamente estabelecida (cf. 2006). Para tanto ele faz uso do conceito de hibridismo, que busca identificar as formações culturais para além do processo de assimilação da cultura do colono, mas entende o intercâmbio cultural. Mignolo propõe que o pós-colonial deve ser entendido na dinâmica do processo descolonial e a descolonialidade deve visar uma produção que não apenas transcende as estruturas coloniais. Mais que isso, busca romper principalmente com o pensamento colonial (cf. 2003). Essa descolonização do pensamento, proposta por Mignolo é vista como descolonialidade por Quijano (cf. 2010).

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Para entendermos o processo descolonial, presente na recepção do Vaticano II na América Latina, buscamos diálogo com os conceitos de hibridismo e identidade. O hibridismo, conceito sistematizado por Canclini (2006) e Burke (2003), é relevante para entender a lógica de uma teologia conciliar que se mistura à realidade latino-americana dando origem a uma eclesiologia e teologia próprias. O modelo eclesiológico, confirmado pela Conferência de Medellín (1968) são as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e a teologia será a da Libertação.

Os processos de hibridismo nos levam a entender que a relação colonial não é unilateral e tampouco pode ter suas partes ou atitudes identificadas de forma dualista. Não se trata de dividir o mundo entre colonizadores e colonizados, mas perceber que se carrega, principalmente quando falamos de América Latina, uma influência dos processos coloniais. Ao buscar um diálogo entre as ideias e parâmetros conciliares com a realidade local, a Igreja Católica na América Latina constrói-se como sujeito de identidade própria. Já não se trata de uma Igreja Católica na América Latina, mas de uma Igreja Católica latino-americana, com prioridades, organizações e teologia próprias.

Para a concepção do sujeito eclesial latino-americano que entende a relação direta entre a teologia, a eclesialidade católica e o engajamento sócio-político, buscamos a referência teórica de Touraine, com o entendimento de um sujeito que se constitui a partir de práticas sociais. Identificamos como práticas sociais toda forma de relação dos indivíduos em sociedade. Para Touraine, o sujeito é entendido como aquele que traz consigo a consciência de seu papel em sua sociedade e a vontade de se estabelecer como ator social (cf. 2009, p. 14).

Engendrado ao processo de construção do sujeito está a construção de sua identidade. Ela também demonstra a relação do sujeito com seu local. Homi Bhabha entende que a identidade “nunca é a afirmação de uma identidade pré-dada, nunca uma profecia autocumpridora7 – é sempre a produção de uma imagem de identidade e a transformação do sujeito ao assumir aquela imagem” (2013, p. 84). O autor indiano rompe com a ideia essencialista de identidade onde se assume ou se resguarda unilateralmente uma identidade que se apresenta como essência. A identidade é formada à medida que os sujeitos católicos latino-americanos trazem as questões conciliares, mas as adaptam ao local, transformando-as, ao mesmo tempo em que transformam o próprio local onde constroem suas práticas eclesiais e sociais. Stuart Hall traz uma concepção de identidade relacionada com a construção do sujeito

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sociológico. A identidade se constrói na relação do sujeito com o mundo exterior a ele (cf. 2014, p. 11).

No contato com o local ou com a realidade onde vive esse sujeito, se constrói uma Igreja Católica com características latino-americanas, em um processo dialógico que pode auxiliá-lo no entendimento de si mesmo e da própria realidade que o cerca. Mas isso acontece não de maneira unilateral, adaptando-o à realidade. Acontece antes de maneira dialógica e recíproca, onde, ao mesmo tempo em que é influenciado pelos componentes sociais, os influencia, mesmo que não na mesma proporção. Assim, a eclesiologia da recepção conciliar, concretizada sobretudo pelas CEBs, será a materialização do diálogo entre as inspirações do Vaticano II e a realidade sócio-política da América Latina.

A recepção do Concílio Vaticano II na América Latina constrói, processualmente, uma identidade católica. Na última etapa da recepção – o período da apropriação – temos a Teologia da Libertação como produto sistematizador de todo o processo. Essa teologia será autoreferenciadora da Igreja Católica na América Latina na medida em que possibilita um entendimento do modo de ser Igreja latino-americano a partir de suas próprias referências teóricas.

A REB se demonstrou instrumento importante no processo de recepção conciliar para a Igreja no Brasil, mas também na América Latina. A compreensão que a REB tem do Concílio Vaticano II cresce na mesma proporção de suas publicações. A autonomia na articulação e no entendimento da matéria conciliar também cresce, culminando no consequente entendimento de que a Conferência de Medellín é uma apropriação das reflexões do Vaticano II pela América Latina.

Nossa metodologia consiste em pesquisa documental, sobretudo dos fascículos da REB e da produção bibliográfica de Kloppenburg. Principalmente as crônicas conciliares escritas pelo perito brasileiro nos auxilia em um melhor entendimento dos elementos trazidos pela REB. Para enfatizar a REB como nosso objeto material optamos por, a cada capítulo buscar primeiramente aquilo que foi publicado nos fascículos da Revista. Há uma exceção no primeiro capítulo, visto que trata do contexto histórico no qual a REB foi pensada e publicada.

Os escritos publicados nos fascículos da REB serão contrastados com outras fontes documentais do mesmo período, sobretudo a produção oficial do Concílio Vaticano II e de Medellín, cada um no capítulo a ele referido. E como a REB não foi o único meio de divulgação dos parâmetros conciliares, buscamos outros autores do mesmo período que pudessem nos auxiliar na elaboração do discurso êmico do catolicismo. Essa produção bibliográfica foi essencial, sobretudo, no capítulo que trata da Teologia da Libertação.

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Não traremos um capítulo com o referencial teórico. Ele será abordado no decorrer da tese, de modo que o entendamos como processo, que no caso da recepção do Vaticano II se concretiza a partir de suas características descoloniais. Assim, a segunda parte de cada capítulo trará o referencial teórico necessário para a análise da fase do processo de recepção que está sendo trabalhada. O objetivo é entender as características da recepção conciliar como níveis ou camadas de um único processo. O conceito de recepção será construído ao longo do trabalho. E para isso recorreremos à literatura teológica católica. É necessário identificar qual o entendimento êmico do Concílio Vaticano II. Isso porque a recepção é um processo que acontece entre pares e não encontraríamos, fora da literatura católica, as informações necessárias para o entendimento e sistematização do processo de recepção conciliar.

Para facilitar o diálogo com o leitor, pensamos a estrutura em 3 partes que sintetizam o que entendemos serem análogas às etapas do processo de recepção conciliar pela Igreja católica no Brasil e na América latina: o desconhecimento, a participação/iniciativa e a apropriação. Tais etapas mostram uma compreensão gradual dos parâmetros conciliares culminando na capacidade da Igreja católica latino-americana de pensar-se em seu próprio contexto.

Os capítulos terão a estrutura interna comum. Num primeiro momento retratamos a caracterização que a REB formula daquele período conciliar, de forma com que não se perca nosso objeto material: o papel da REB na formulação do entendimento do Concílio Vaticano II, primeiramente no Brasil (Partes I e II) e posteriormente na América Latina (Parte III). Cada parte do trabalho é precedida de uma breve introdução e de uma conclusão, onde expomos ao leitor as questões metodológicas e, sobretudo na conclusão, sintetizamos tanto o conteúdo como os elementos que nos auxiliam no entendimento do conceito de recepção. Nos capítulos não nos ateremos às exposições metodológicas – exceto quando estritamente necessário – para tornar a leitura menos burocrática.

O Concílio Vaticano II se caracteriza por sua motivação europeia de diálogo com a modernidade. Os fascículos da REB se ocupam da transposição das informações que eram veiculadas na Europa, sem estabelecerem muitas relações com a Igreja Católica no Brasil. Isso se deveu ao desconhecimento das propostas conciliares que se concretiza no silêncio do episcopado brasileiro diante dos vota, uma consulta feita pela Comissão Antepreparatória para mapear as expectativas acerca do Concílio. A participação dos peritos ou mesmo do episcopado brasileiro, de maneira ativa, se concretizou na segunda fase do processo de recepção, que engloba, sobretudo, o período de celebração conciliar. Na Parte I abordaremos, sobretudo, a recepção do Vaticano II no que diz respeito à reação do episcopado brasileiro diante da convocação conciliar. O desconhecimento, metaforicamente identificado pelo silêncio do

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