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Arquiteturarevista ISSN: Universidade do Vale do Rio dos Sinos Brasil

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Arquiteturarevista ISSN: 1808-5741 arq.leiab@gmail.com

Universidade do Vale do Rio dos Sinos Brasil

Feghali, Maria Elisa; Lassance, Guilherme Conceitos como "ponte" entre análise e projeto Arquiteturarevista, vol. 2, núm. 2, julio-diciembre, 2006

Universidade do Vale do Rio dos Sinos São Leopoldo, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=193616283002

Como citar este artigo Número completo Mais artigos

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Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Arquitetura Revista v. 2 nº 2, jul-dez 2006

Conceitos como “ponte” entre análise e projeto

Maria Elisa Feghali1 Guilherme Lassance2 O artigo que apresentamos aqui faz parte de uma reflexão acerca dos espaços livres públicos, direcionando-lhes um olhar enquanto espaços que devam ser pensados e concebidos por meio de projeto. Reconhecendo a característica mutante dos espaços livres públicos e respaldados por algumas experiências pedagógicas, notamos uma dificuldade recorrente por parte dos projetistas, em transpor os elemen¬tos advindos da etapa de análise dos contextos a serem trabalhados, para a etapa de projeto. Sendo assim demonstraremos como alguns conceitos que chamamos de identificadores de

componentes da paisagem e indicadores de qualidades da paisagem se revelam como importantes ferramentas de auxílio para a transposição da etapa de análise para a de projeto. Estes conceitos possibilitam a integração de diferentes dimensões de análise do espaço: dimensão morfológica, dimensão comportamental e dimensão sensorial,

relevantes para a apreensão dos espaços livres públicos, como espaços essencialmente mutantes, permitindo ao projetista uma análise não só interpretativa mas também valorativa dos contextos de intervenção.

Palavras-chave: processo de concepção, paisagem Concepts: a “bridge” between analysis and project

This paper is the result of a reflexion about public free spaces, regarded as spaces to be thought of and conceived by a project. As we recognize in public free spaces the characteristics of an ever changing entity and based on some pedagogical experiences, we have noticed that students have some recurrent difficulty to overcome obstacles which first appear during the working context analysis prior to the project phase. Therefore, we shall demonstrate how certain concepts, which we shall call identifiers of the landscape and landscape quality indicators reveal themselves as important tools to help us to migrate from the analysis phase to the project synthesis. These concepts allow to integrate different space analysis dimensions: morphological dimension, behavioural dimension, and sensorial dimension, which are relevant to the apprehension of free public spaces conceived in essence as mutant spaces, and allowing the designer to conduct an interpretative analysis and also to value the intervention contexts. Key words: design process, landscape

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Introdução geral

Há muito tempo, os espaços livres públicos, principalmente nas grandes cidades, têm um importante papel a desempenhar, como opção para o lazer, interação social, contemplação, descanso, entre outros. Assim, diversos autores concordam que os espaços livres públicos são indispensáveis para o estudo da paisagem urbana e a

qualificação do meio urbano, enfatizando, entretanto, diferentes pontos de vista. Alguns discutem a morfologia urbana, dando maior enfoque à questão da forma dos edifícios circundantes e ao impacto formal de sua inserção no tecido urbano (Rossi, 2001; Lamas, 2000); outros destacam aspectos comportamentais buscando nos indivíduos e nas atividades desenvolvidas por eles nesses espaços, as razões para o incentivo e para a reflexão das áreas livres públicas (Whyte, 1980; Carr et al., 1992); outros ainda estudam aspectos relativos a intersensorialidade do espaço urbano e à importância do

mapeamento olfativo, sonoro, sensitivo térmico e tátil – como conformadores de uma paisagem sensorial, determinante do uso e da forma desses espaços (Augoyard, 1998; Thibaud, 2001)3.

Neste sentido, entendemos que, os métodos que permeiam os projetos para esses espaços, devam considerar entre outros aspectos sua característica essencialmente mutante, como espaços que se transformam continuamente, quer seja por sua ambiência ou pela ação de seus usuários.

O artigo que apresentamos aqui faz parte de uma reflexão acerca dos espaços livres públicos, direcionando-lhes um olhar enquanto espaços que devam ser pensados e concebidos por meio de um projeto.

Reconhecendo a característica mutante dos espaços livres públicos e respaldados por algumas experiências pedagógicas, notamos uma dificuldade recorrente por parte dos alunos, em transpor os elementos advindos da etapa de análise dos contextos a serem trabalhados, para a etapa de projeto4 . Entendemos que parte dessa dificuldade é inerente à própria condição dos alunos, que como projetistas ainda em formação, não dominam o manejo das possíveis pistas de projeto, reveladas na etapa de análise. Por outro lado, acreditamos que essa dificuldade refere-se, também, à falta de métodos e ferramentas que permitam orientar os alunos na etapa de transposição análise/projeto. Sendo assim demonstraremos como alguns conceitos que chamamos de identificadores

de componentes da paisagem e indicadores de qualidades da paisagem se revelam

como importantes ferramentas de auxílio para a transposição da etapa de análise para a de projeto. Esses conceitos possibilitam a integração, de diferentes dimensões de análise do espaço – dimensão morfológica, dimensão comportamental e dimensão sensorial – relevantes para a apreensão dos espaços livres públicos, como espaços essencialmente mutantes, permitindo ao projetista uma análise não só interpretativa mas também valorativa dos contextos de intervenção, que por ela só se revela como elemento de projeto.

Os identificadores terão como base o suporte conceitual desenvolvido por Gordon Cullen em Paisagem Urbana (1971) e os indicadores se apoiarão nos conceitos desenvolvidos por Steemers (1995), Dupagne e Teller (1999) e Lassance (2000) para estudos de diferentes meios de representação da forma dinâmica.

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Apontamos também para a importância da subjetividade da categorização do mundo real, evidenciada por Eleanor Rosch (1976), e expressa na hierarquização dos elementos definidos pelas ferramentas conceituais, refletindo a importância das “balizas

cognitivas” alimentando todo o processo de projeto e permitindo a percepção de cada projetista/aluno como parte de uma intenção de projeto, fazendo com que a co-atuação da síntese da análise (mapa síntese), nas etapas de análise e de transposição

análise/projeto, seja um dos principais suportes da esquematização da proposta de

projeto.

Ferramentas conceituais

Projetar reflete uma intenção de se atender a um ou a múltiplos objetivos e/ou

exigências; deste modo, o entendimento de que existe uma relação direta e necessária entre análise e projeto e que o caminhar progressivo (da análise para o projeto), assim como em um jogo de xadrez, deverá ser construído pelo manejo das peças conceituais, aliadas às estratégias e referências, permitindo a construção de um projeto mais afinado com a realidade vivencial do espaço.

Neste sentido algumas ferramentas conceituais podem ser utilizadas como contribuição para a análise do espaço tanto no sentido descritivo como valorativo auxiliando a construção da “ponte” análise/projeto. A construção de tais ferramentas conceituais apóia-se na intenção principal de reduzir o caráter muitas vezes intuitivo do processo de concepção dos espaços livres públicos, mostrando que existe uma relação entre análise e projeto, e que qualquer que sejam os objetivos que se pretenda atingir na concepção projetual – exigências relativas ao conforto ou a uma qualificação estética, por exemplo – eles dependerão do entendimento de como o espaço se apresenta para o projetista e das tensões existentes entre todas as características que lidam com outras dimensões da forma, que não somente a visual.

É nesse sentido fundamental reconhecer que todo diagnóstico constitui uma operação interpretativa e como tal estabelece uma versão, da realidade observada, que por si só já configura as condições do projeto. Que as referências projetuais consolidem e articulem o cenário de dados contextuais ou ainda iluminem componentes e qualidades do espaço que não haviam sido considerados pelo diagnóstico inicial, sua convocação no processo de concepção não pode contentar-se da mera influência de tendências da moda mas deve, ao contrário, estabelecer uma relação clara com a análise do contexto de intervenção.

De fato, em estudos precedentes elaborados há quase dez anos e fundamentados em trabalhos de outros pesquisadores como os da corrente de pesquisas de cunho

epistemológico encabeçada por Philippe Boudon (1971) na França, desde o início dos anos 1970, como também em teses da vertente metodológica de procedência anglo-saxã – os chamados design methods – pôde-se verificar que a construção dessa relação entre análise e projeto depende principalmente da disponibilidade de conceitos comuns a essas duas fases do processo de concepção. Daí a hipótese, alicerce da presente pesquisa, que sustenta a necessidade de se dispor de categorias de análise que correspondam às de projeto.

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Problemas da categorização

Classificar os objetos do mundo real, dentro de algumas categorias conceituais, nos revela um embate entre as definições conceituais propostas e a identificação dos elementos da paisagem que expressem tais conceitos. O caráter ambíguo de algumas definições suscita uma série de dúvidas quanto à identificação de alguns conceitos. Percebemos, por exemplo, que alguns elementos identificados podem pertencer a mais de uma categoria conceitual. Recorrendo aos conceitos de G. Cullen (1971),

examinemos, por exemplo, o caso do prédio da Cândido Mendes, no centro da cidade do Rio de Janeiro: quando visto da praça XV, pode ser identificado como um acidente, se considerarmos que ele destoa de seu entorno construído; mas por outro lado se o considerarmos como um ponto de convergência de pessoas, considerando sua função, então o classificaremos como ponto de atração. Notemos que estas categorias

dependem, ainda, do contexto em que o observador se encontra: o mesmo prédio da Cândido Mendes, se observado de quem está em Niterói, não se qualificará como acidente, pois daquele ponto de vista ele não destoará de seu entorno; pelo contrário se confundirá com toda densidade construída do centro da cidade (Figura 1).

Figura 1. Edifício da Cândido Mendes, visto a partir da Praça XV, Rio de Janeiro (esquerda) e o mesmo edifÍcio visto da baia de Guanabara, inserido no conjunto de prédios do centro da cidade. Fonte: Feghali (2005).

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Essa confrontação do acervo de conceitos definidos por Gordon Cullen, com a realidade construída, nos conduz a uma investigação sobre a natureza do processo de

categorização de objetos e estímulos do mundo real; em suma, uma verificação de como se dá o ato de agrupar elementos que se pretendem semelhantes em categorias – como escolher os elementos que pertencem a uma determinada classe, como representar essa classe, como utilizar as classes escolhidas para determinar uma grade classificatória de objetos e estímulos em geral.

Na década de 1970, Eleanor Rosch discute os princípios universais de categorização dos estímulos perceptivos concretos do mundo. A autora defende a proposição de que os objetos concretos são classificados em categorias de forma não completamente

arbitrária: “o mundo, de certa forma, contém ‘objetos intrinsecamente separados’”. Ou seja, existe uma repartição intrínseca dos objetos concretos, que pode ser influenciada por escolhas do observador, mas não estritamente dependente dela, posto que é definida, de certa forma, pela própria natureza desses objetos. Mas quais são os aspectos de sua teoria que se podem pretender universais, ou seja, aplicáveis na categorização de objetos ou estímulos diversos, e, em última análise, à nossa pesquisa. O que se pretende

universal, na pesquisa de Rosch, são os princípios de formação das categorias, uma vez que as estruturas correlacionais existem dentro de um ambiente, e elas são conhecidas e familiares no âmbito de uma cultura, e que estando dadas certas condições, a partição em categorias de objetos estará determinada.

A autora sustenta que o mundo é estruturado assim segundo três grandes princípios. Em primeiro lugar, os atributos do mundo real, contrariamente aos conjuntos

apresentados em laboratório, não se apresentam independentemente uns dos outros. “É muito mais provável que os animais de plumas tenham asas que os animais de pelo e que objetos que tenham aparência de cadeira possam ser utilizados para sentar que outros objetos que tenham aparência de gato” (Rosch, 1976, p. 244). Portanto, no mundo real as categorizações, mesmo que naturais, não são ideais, fechadas, pois existem relações variadas entre objetos de diferentes categorias, que às vezes diluem fronteiras e às vezes criam pontes entre categorias.

Em segundo lugar, é possível afirmar que os objetos do mundo podem ser estruturados de uma forma natural, ou seja, que a grade classificadora dos objetos tem uma estrutura e essa estrutura tem características intrínsecas, porque os níveis de abstração nas hierarquias de classes são elas mesmas altamente estruturadas, e não estruturadas pela sorte, ou de forma arbitrária.

Rosch demonstra que dentre os numerosos níveis de abstração aos quais um objeto pode ser classificado, existe um nível de base do qual se pode obter um máximo de

informação com o mínimo de esforço cognitivo. No processo de construção dessa grade classificatória dois princípios de categorização opostos estão em ação: (a) de um lado, é vantajoso que cada classificação seja a mais rica possível em informação. Isso significa que se tenha o máximo de propriedades previsíveis possíveis a partir do conhecimento de uma das propriedades da categoria (para os humanos, a importante propriedade do nome da categoria), princípio que conduz a formação de um grande número de categorias com discriminação a mais “fina” possível entre elas; (b) de outra parte, na perspectiva de uma redução da carga cognitiva, é vantajoso se ter também o menor número possível de classificações, princípio que deverá conduzir ao menor número de

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categorias possível, e às categorias mais arbitrárias possíveis. Rosch considera que o nível de classificação de base, o nível primeiro ao qual as repartições são feitas no ambiente, é um compromisso entre estes dois níveis; “é o nível mais geral e mais global para o qual as categorias são ainda capazes de delimitar as estruturas correlacionais do mundo real” (Rosch, 1976, p. 245).

Ou seja, a autora demonstra existir uma categorização de base, uma “categorização otimizada”, que alia o maior volume de informações sobre os objetos incluídos nesta categoria, com o menor esforço cognitivo; ou seja, existe um número ótimo de categorias dividindo o ambiente, e que essa categorização será o alicerce da grade discriminadora dos objetos do mundo real.

Em terceiro lugar, a autora propõe que a melhor representação das categorias seria através de elementos protótipos, característicos dessas categorias.

Quer dizer que, como numerosas experiências mostram, as categorias não são codificadas no espírito nem por meio de listas de todos os membros individuais da categoria, nem por meio de uma lista de critérios formais necessários e suficientes para definir o pertencimento a esta categoria, mas, acima de tudo, sob a forma de um protótipo, de um membro característico desta categoria. O código mais econômico, do ponto de vista cognitivo, para uma categoria é, de fato, uma imagem concreta de um membro médio desta categoria (Rosch, 1976, p. 245).

Ou seja, as categorias se estruturam de forma definitiva porque, mesmo quando a estrutura correlacional é apenas parcial, ou quando os atributos são contínuos, produzindo assim categorias que poderiam ter tendência a se mesclar a outras categorias de mesmo nível de abstração, as categorias são mantidas descontínuas ao serem codificadas cognitivamente sob a forma de protótipos dos membros mais característicos da categoria. Assim, a categoria será bem representada pelo elemento protótipo e pelo conhecimento do grau de dispersão da categoria, ou seja, da existência de elementos mais ou menos distantes desse elemento médio.

E como será procedida a categorização? Ou seja, como serão eleitos esses objetos de base que permitirão uma partição ótima dos estímulos concretos do mundo real? A autora define as categorias dos objetos de base como as categorias mais globais que têm um número grande de atributos em comum, cujos objetos da categoria sejam também semelhantes em sua aparência visual. Os mesmos princípios determinam quais membros serão percebidos como os mais típicos protótipos, ou representantes dessa categoria: serão, portanto, aqueles com o maior número de atributos comuns com o maior número de membros da categoria. Sendo assim, igualmente, os itens mais típicos da categoria dentro de uma visão de conjunto.

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Figura 2. Gráfico de categorização de objetos de base. Fonte: Feghali (2005).

Como trabalhamos, em nossa pesquisa, com categorização de estímulos do mundo real, contemplando a leitura das dimensões comportamentais e intersensoriais, conjugadas à leitura morfológica do espaço – os aspectos visuais – é de se esperar que haja na categorização proposta um maior grau de dispersão do que o encontrado numa

categorização apenas pela morfologia visual concreta dos objetos, mesmo com uma boa definição dos elementos protótipos.

O repertório de conceitos

Os conceitos identificadores de componentes da paisagem (ICP) – cujo termo foi usado por designar a possibilidade de reconhecimento dos componentes da paisagem com uma determinada categoria de entidades paisagísticas, dentro de uma lógica binária – são conceitos que nos permitem identificar os atributos que são próprios do espaço

(conceitos definidos por G. Cullen). No caso dos indicadores de qualidades da paisagem (IQP), contrariamente aos identificadores, são conceitos que apontam características variáveis (+/) dentro de um gradiente de intensidade ou magnitude.

A relevância dos conceitos indicadores de qualidades da paisagem para a articulação da análise ao projeto, se deve ao fenômeno de hierarquização que permeia todo projeto: esses conceitos (indicadores) possibilitam a valoração dos aspectos de uma situação analisada no sentido de construção de um problema de projeto (coluna esquerda da Tabela 1).

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Tabela 1. Relação dos conceitos indicadores de qualidades da paisagem com os conceitos identificadores de componentes paisagísticos.

Sublinhamos também, na Tabela 1, que a análise da relação dos identificadores de

componentes paisagísticos com os indicadores de qualidades da paisagem tem como

objetivo não somente introduzir a definição da cada indicador, como também relacioná-lo com os componentes paisagísticos que interferem com o estado de cada qualidade descrita. Mais uma vez reconhecemos aqui, o esforço feito no sentido da articulação da análise ao projeto, já que esta tabela fornece através da relação entre componentes e qualidades da paisagem, uma importante ferramenta para o projeto.

Assim, podemos perceber que alguns identificadores terão a função de acentuar as qualidades dos espaços, como por exemplo, os acidentes, o componente efêmero e o pormenor, em relação à diversidade; mas por outro lado, outros identificadores podem agir como redutores de qualidade, como por exemplo, a barreira em relação à

permeabilidade, pois quanto maiores forem as barreiras existentes em um dado espaço, menor será sua qualidade de ser permeável.

Constatamos, assim, que a caracterização dos indicadores, embora proveniente de uma análise objetivante, envolverá uma interpretação subjetiva por parte do projetista/observador e que a forma na qual se dá essa interpretação é fundamental porque ela estará presente no direcionamento de uma parte do projeto.

Retomando aqui algumas das observações feitas em trabalhos precedentes (Lassance, 2003), podemos considerar que a organização intencional que o projetista opera sobre seu imaginário e que é decorrente deste momento de interpretação do contexto é parcialmente determinada por suas orientações ideológicas e doutrinárias mas também pelos métodos gerados por sua prática (experiência pessoal). O projetista aborda assim a análise da situação através de soluções conjeturais cuja avaliação do grau de pertinência diante dos dados do contexto lhe permite “descobrir” as propriedades que a solução final deverá possuir. Essas propriedades que o enunciado do problema deverá integrar não são diretamente legíveis na situação. Elas resultam de um processo de “tradução”,

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em termos que interessam cada projetista, dos dados multiformes e conflitantes de cada situação.

A dificuldade de visualização de alguns desses conceitos, já que eles não pertencem a categorias estanques morfológicas, implica que cada projetista os dê o relevo e a interpretação que considerar pertinente; nesse caso, estes conceitos serão balizas-referência das quais os projetistas/alunos poderão ou não se aproximar. Muitas vezes a determinação do pertencimento de um elemento a um conceito proposto, estará relacionada com a percepção que este observador terá deste elemento e que determinará sua maior ou menor aproximação de uma categoria ou outra. Assim, o grau de dispersão de algumas categorias em relação ao protótipo delas determinará a possibilidade de inserir certos elementos em uma ou mais categorias dependendo da análise interpretativa de cada observador5.

A aplicação dos conceitos e o problema da representação

Para que o mapeamento dos conceitos identificadores de componentes paisagísticos fosse possível, foi necessária a criação de uma legenda gráfica, que permitisse a representação do repertório conceitual em planta e com isso sua real integração ao processo de concepção paisagística. Como um conjunto de elementos, passíveis de percepções em diversas dimensões sensórias, poderia ser exposto graficamente, de modo a evocar um entendimento coletivo sobre cada elemento?

O embate entre o perceber e o representar deveria ser resolvido considerando-se a relação que se pode estabelecer entre o elemento gráfico e o elemento textual, graças ao vínculo entre o símbolo gráfico e o que ele está representando, facilitando sua

compreensão e posterior leitura do mapa síntese.

Na experiência pedagógica desenvolvida, definimos então uma legenda gráfica relativa a cada conceito, que permitisse aos alunos representar cada elemento identificado nas áreas das praças estudadas (Tabela 2).

Tabela 2. Representação gráfica dos conceitos identificadores de elementos paisagísticos. Fonte: Feghali (2005).

Lembramos também que cada um desses conceitos tem a capacidade de agregar outras qualidades que não as visuais, e nestes casos os alunos, alvos de nossa experiência, deveriam utilizar uma legenda adicional: (A) para elementos visuais, (B) para os auditivos, e (C) para a relação olfativa6.

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Acrescentamos que os conceitos não são categorias estanques, fazendo com que um elemento possa ser mapeado em diferentes categorias; por exemplo, a barreira, que será representada por uma linha hachurada, mais ou menos espessa, poderá, em outro mapa, ser interpretada como um sub-espaço e assim por diante7.

Mapa síntese

Os elementos a serem selecionados, na chamada etapa de análise, deveriam, em seguida, ser enquadrados dentro das categorias conceituais definidas pelos identificadores de componentes paisagísticos, segundo uma análise subjetiva do

projetista/aluno apresentada através de um mapa síntese da análise com a seleção do

repertório conceitual que para ele se apresentou como mais significativo de ser transposto para a etapa de projeto.

O projetista é assim levado, principalmente nos primeiros contatos com o contexto de intervenção a “gerenciar” uma complexa rede de dados e condicionantes. Dentre essas informações, algumas lhes são fornecidas de maneira explicita pelos diferentes

interlocutores e instâncias relacionadas com o projeto, enquanto que outras são, ao contrário, implicitamente integradas. Esta complexa rede de dados é então transformada em um conjunto de informações, por uma redução provisória – o mapa síntese –

proveniente de uma hierarquização por parte do projetista, implicando assim uma primeira escolha dos problemas e elementos que serão transpostos para o projeto. A confecção do mapa síntese da análise obedeceu a um procedimento metodológico composto por quatro etapas (conf. Figuras 2 e 3).

1ª etapa: levantamento em campo

Os alunos/projetistas, de posse das plantas baixas, com a definição dos territórios existentes em cada praça, foram a campo, com objetivo de fazer um levantamento global dos Identificadores de Componentes da Paisagem (ICP), registrando-os graficamente em planta, segundo legenda pré-definida, por suporte fotográfico e descrições textuais 8.

2ª etapa: hierarquização dos Identificadores

Os alunos procederam a uma valoração dos elementos identificadores, segundo critérios analíticos e interpretativos; esta etapa já implicou em escolhas, tanto dos elementos que serão transpostos para o projeto, quanto de sua escala de importância.

3ª etapa: execução do mapa síntese

Representação em planta dos elementos selecionados na etapa anterior (utilização da escala gráfica da Tabela 2).

4ª etapa: feedback

Retorno a campo para constatar e aferir o mapa síntese, que estará sujeito a correções e modificações

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Figura 3. Esquema Gráfico da confecção do Mapa Síntese. Fonte: Feghali (2005).

Ilustraremos a seguir a confecção de mapas síntese da análise, desenvolvidos por dois grupos distintos de alunos, para a disciplina de paisagismo II da FAU/UFRJ, para as praças Mauá e Melvin Jones respectivamente (Figuras 4 e 5).

Figura 4. Mapa síntese da análise, praça Mauá, RJ. Trabalho dos alunos César Jordão e Ivan Silva e Carlos Chaves.

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Figura 5. Mapa síntese da análise, praça Melvin Jones, RJ. Trabalho das alunas Paula Costa e Fernanda Guimarães.

Na etapa subseqüente, a de transposição da análise para o projeto, o arquiteto procurará os usuários típicos ou potenciais da área a ser estudada, e estes atuarão como reagentes ao contexto. Do binômio mapa síntese/usuários se definirão textualmente as diretrizes de projeto, com base nas qualidades espaciais que se pretende para o projeto (indicadores de qualidades da paisagem - IQP) e que serão atendidas pelo manejo dos conceitos que compõem a grade de identificadores de componentes da paisagem. Podemos constatar, pelas diretrizes de projeto definidas por cada grupo, que o mapa síntese, como principal elo de ligação entre as etapas de análise e de transposição análise/projeto, revela-se por ele mesmo como parte intrínseca da proposta de projeto. Diretrizes de projeto definidas pelo grupo de alunos com base no mapa síntese da análise da Figura 4:

O grupo propõe redesenhar a praça, sem negar a relação existente entre pedestre e veículos: assumindo essa fragmentação existente, e propondo a criação de dois

subespaços, um menor e que seja assumidamente uma área de passagem e permanência de curto prazo, funcionando como articulador do tráfego pela transferência dos pontos fixos de ônibus para baixo da perimetral, liberando, assim, o fluxo de ônibus no entorno da praça; propuseram desviar o fluxo da Avenida Rio Branco, liberando o entorno da praça, adjacente à área da marinha; e ao mesmo tempo trabalhando a viscosidade da praça, no subespaço a ser criado próximo à marinha, com elementos que possibilitem a permanência das pessoas no seu interior (os quiosques de alimentação, os bancos para o descanso, e o sombreamento promovido pela vegetação) , se valendo do patrulhamento,

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pela Marinha, também para o controle da praça. Trabalharam a significação do lugar pelo resgate de sua situação beira mar e da memória do Barão de Mauá, dando ao novo traçado uma referência a um prédio antigo, localizado em frente ao da polícia federal9: a praça se debruça em frente ao prédio e se abre para a Baía de Guanabara, por uma fenda no espelho d água, em baixo do viaduto da perimetral e na principal confluência dos fluxos de pedestres, sugerindo assim uma perspectiva para a baía.

O grupo traçou a nova praça Mauá como um recinto abraçado pela barreira física configurada pelo espelho d'água, transformando-a em um espaço de contemplação, mas sem negar sua condição de praça urbana, equacionando, portanto, a relação entre pedestre e veículo. Os elementos levantados no mapa síntese, como os subespaços do ponto de ônibus, e o da marinha, o ponto de atração do busto do Barão de Mauá, o além do mar, as trajetórias de pedestres e veículos, foram transpostos para o projeto, e as peças conceituais manejadas com objetivo de sublinhar as qualidades espaciais almejadas, para a praça redesenhada

Diretrizes de projeto definidas pelo grupo de alunas com base no mapa síntese da análise da Figura 5:

Fazer com que as “várias praças”, existentes dentro da praça Melvin Jones, se integrem, pela supressão de algumas barreiras (grade, degraus e floricultura), e procurar tirar partido do desnível existente no terreno, de modo que ele não se configure como obstáculo, mas como um articulador e integrador de ambientes. A proposta almejou diminuir a exposição do espaço em relação aos estímulos provenientes da rua Nilo Peçanha (sonoros, olfativos, poluição), criando um espaço de aconchego determinado por um talude, que define um plano de piso mais baixo, para a rua São José, em relação à rua Nilo Peçanha. O nível desse subespaço, voltado para a rua São José, conecta-se com a área anteriormente gramada, criando uma permeabilidade espacial, pela supressão das grades, no entorno do gramado, e quiosque de flores (barreiras),

facilitando a trajetória de quem atravessa a praça. Esta trajetória foi trabalhada dentro de uma perspectiva de viscosidade, conectando-se a uma floricultura, onde as pessoas atravessem por dentro dela. Este estar para uma permanência mais rápida, e que possibilitasse uma trajetória mais agradável, está localizado na área de sombra, determinada pelo prédio Menezes Cortes, e próximo ao canto dos pássaros. O projeto contempla a manutenção das árvores existentes no espaço central, criando um recanto para os idosos, com mesas e bancos, aproveitando a ambiência sonora e perceptiva térmica, determinada, também, pelo canto dos pássaros e pela sombra do Menezes Cortes.

De posse das diretrizes, e ainda respaldados pela grade de conceitos – identificadores e indicadores, os projetistas buscaram referências que permitiram então balizar a

esquematização da proposta e posteriormente o seu desenvolvimento – a etapa de projeto – agregando as exigências relativas às normas técnicas e à seleção do material a ser especificado. Sendo assim, as referências, selecionadas pelos alunos, procuravam salientar elementos compatíveis com as qualidades almejadas na intenção de projeto: os conceitos IQP-indicadores de qualidades da paisagem.

Segundo M. Conan (1995), os elementos referenciais permitem assim a construção de um espaço transicional, espécie de espaço de representação do problema que o projetista escolheu para elaborar seu projeto. Essa noção de espaço transicional traduz

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relativamente bem o processo dialético que se estabelece entre o conjunto de referências do arquiteto/projetista e os elementos contextuais de um problema inicial definido a partir das características da situação. Do confronto das referências com os elementos do contexto, o arquiteto cria um ponto de vista inicial que permite abordar a complexidade do real específica de cada situação graças à sua estruturação. “Esse ponto de vista inicial constitui na realidade uma espécie de “condicionante” que o projetista impõe a si

mesmo e que lhe fornece um alicerce conceitual capaz de gerar soluções originais” (Lassance, 2003).

Conclusão

Para não limitar as decisões projetuais nem a uma análise puramente descritiva de um contexto, muitas vezes complexo de ser apreendido, como o caso dos espaços livres públicos; nem a um “relâmpago intuitivo”, balizado por referências da moda e gosto do próprio projetista, sobretudo os estudantes ainda em formação, expusemos uma grade de conceitos que possibilita aos alunos perceber, analisar o espaço, interpretando-o e concebendo-o com base nestas análises.

Estes conceitos que incorporam tanto as dimensões físicas, quanto comportamental e sensorial, inerentes ao espaço livre, sublinham a importância de uma análise que permita agregar as referências projetuais baseadas nas qualidades almejadas para o espaço e definidas pela análise do contexto dominante e não somente pela genialidade criativa de cada projetista.

O caminhar progressivo do fazer projetual, encontra nas ferramentas conceituais, aqui apresentadas, um suporte para o projetista, sobretudo aqueles ainda em fase de

formação, contribuindo para evitar o aprisionamento cognitivo, que por vezes, revela projetos determinados por “fenômenos” da moda, e sem a relação complementar, e necessária, no processo de concepção, entre um contexto dominante e um contexto emergente advindo de uma análise critica e fundamentada.

NOTAS

1

Arquiteta, mestra em Arquitetura, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura (Proarq) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

2

Arquiteto, professor doutor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FAU-UFRJ).

3

Sobre as dimensões morfológicas dos espaços livres públicos, conferir Feghali e Lassance (2004).

4

Esta pesquisa foi desenvolvida para uma dissertação de mestrado do PROARQ - Programa de Pós-graduação em Arquitetura da FAU-UFRJ, tendo como suporte a aplicação de uma metodologia de projeto, com base nas ferramentas conceituais aqui apresentadas, junto a uma turma da disciplina obrigatória de Paisagismo II oferecida pelo Departamento de Urbanismo e Meio Ambiente (DPUR) da FAU/UFRJ, no segundo semestre de 2004. Duas áreas de intervenção – componentes importantes do sistema de espaços livres públicos do centro da cidade do Rio de Janeiro – foram alvos da disciplina: as praças Mauá e Melvin Jones.

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5

A relevância das balisas conceituais para o estabelecimento de um processo “consciente” de projeto demonstra-se justamente através da pluralidade de

posicionamentos e estratégias de intervenção obtidas com a experiência de ensino que deu suporte a essa pesquisa. Elas permitem evitar tanto a intuição genial quanto as receitas de soluções pré-concebidas.

6

Para a legenda do conceito pormenor, estas representações serão utilizadas em letras minúscula, em uma referência ao próprio significado da palavra: pormenor –

circunstância particular, minudência, minúcia, miudeza (Conf. Houaiss, 2003, p. 522).

7

É importante aqui novamente salientar que o repertório proposto de conceitos não obriga o projetista a adotar determinadas soluções, mas apenas pretende oferecer categorias referenciais capazes de auxiliá-lo na construção de suas próprias intenções projetuais.

8

Os territórios, para nossa metodologia, são grandes zonas de importância dentro dos espaços das praças: importâncias relativas ao uso, ao comportamento ou à atmosfera sensível. Os registros devem ser feitos com os alunos posicionados no centro de cada território.

9

A função desta antiga construção no passado não foi identificada pelo grupo. REFERÊNCIAS

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Referências

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