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DESPOJAMENTO DAS FIXAÇÕES TERRENAS E UMA ABERTURA PARA DEUS EM MESTRE ECKHART

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Academic year: 2021

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DESPOJAMENTO DAS FIXAÇÕES TERRENAS E UMA

ABERTURA PARA DEUS EM MESTRE ECKHART

Antonio Carlos Rubia da Silva Filosofia

CCHSA

carloskk.rubia@gmail.com

Prof. Dr. Renato Kirchner Ética, Epistemologia e Religião

CCHSA

renatokirchner@puc-campinas.edu.br

Resumo: Tratando das bases do

pensa-mento eckhartiano, podemos dizer que o período medieval foi um período no qual se buscava única e exclusivamente a salvação e os caminhos para se chegar a tal deveri-am ser seguidos sob perfeição. Assim, para Eckhart, o amor é voltado para aquilo que gera consolação total, que é o próprio Deus. Caso se volte o amor para algo passageiro, como aos bens materiais, encontra-se des-consolo. Com efeito, todos os pensamentos de como seguir a vida, resumem-se a um processo contínuo de santificação, no qual se pensa primeiramente no estilo de vida que conduz à salvação. Há algo que ante-cede a sua razão, a fim de conduzi-lo num preciso caminho, e isso seria irracionalida-de, como é dita por Heidegger.

Palavras-chave: Despojamento, Deus,

mís-tica.

Área do Conhecimento: Fenômeno

Religi-oso: Dimensões Epistemológicas – Ética, Epistemologia e Religião – FAPIC/Reitoria.

1. INTRODUÇÃO

No decorrer do projeto de pesquisa se viu necessário buscar compreender todo o con-texto histórico e social no qual Mestre Ec-khart estava inserido, no qual estão as raí-zes de seu pensamento. Tal busca pode comprovar a assistência da radicalidade no modo de vivenciar a fé cristã em Eckhart e também justificá-la.

Pois todo o modo de viver do período medi-eval, culminando no século XIII, no qual Ec-khart nasce, é um viver plenamente a vida amparado pela religiosidade, ou seja, havia um empenho humano constante pela busca de salvação, e tudo o que se fazia em vida, tinha como objetivo alcançar a vida eterna. Sob este panorama, o despojamento se faz necessário, principalmente na medida em que o amor, que é voltado para Deus, deve ser pleno, e não dividido entre as coisas que são passageiras.

2. BREVE HISTÓRICO

Após a introdução histórico procurou-se a-centuar o conceito de mística (VAUCHEZ, 1995), pois Eckhart se pauta por tal experi-ência. Assim ao utilizar a própria introdução do tratado O livro da divina consolação, e-laborada por Leonardo Boff, pode-se alcan-çar uma melhor compreensão do conceito de mística.

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A mística, portanto, é uma possibilidade de encontro com Deus. É uma experiência en-tre o homem e o divino. Numa concepção cristã, esse encontro se torna possível a partir da revelação de Deus em Cristo pela ação de seu Espírito. Essa experiência mís-tica é uma experiência, por assim dizer, com o misterioso. Com um algo que não se pode conhecer por completo, mas, segundo a tradição cristã, é Deus que se revela em seu filho Jesus, sendo o plano último de Deus que a Igreja apresenta para a huma-nidade.

Tal contato da experiência mística conduz o indivíduo para um seguimento de vida. A pessoa, a partir disso, passa a moldar a sua vida segundo os ensinamentos do próprio Cristo, o qual experimentou de forma místi-ca sua própria condição de ser.

Leonardo Boff afirma ainda que existem possibilidades de se encontrar com o divino, ou Deus, ou ainda o Uno, e dele fazer parte (BOFF, 1991). As formas para se chegar a esse encontro podem ser: pelo esqueci-mento das coisas mundanas e a valoração enquanto sentido de vida ao Uno, ou pelo reconhecimento de sua presença em todas as coisas.

O unir-se a Deus também se faz presente no pensamento eckhartiano, sendo que to-das as pessoas possuem a presença de Deus em si. Isso porque Deus não é algo limitado, que não pode estar presente em todos os lugares ao mesmo tempo, uma vez que ele está em todos os lugares ao mesmo tempo. E as criaturas podem ligar-se a ele, pois nossa existência participa da existência do criador que não depende de nada para existir. No entanto, nós dependemos de sua existência para existir. Despojar-se de nós mesmos é buscar encontrar e viver em Deus a todo e qualquer momento e em todo e qualquer lugar.

3. ECKHART E O LIVRO DA DIVINA CONSOLAÇÃO

Ao se aprofundar propriamente no tratado

O livro da divina consolação (Das Buch der göttlichen Tröstung), podemos observar que

Eckhart afirma que o homem é afetado pela aflição, sendo que ela pode alcançá-lo de três formas distintas, o que fica claro nesse trecho: “Um nasce dos danos aos bens ex-ternos, outra dos danos que atingem seus parentes e amigos, e a terceira, dos danos advindos à sua própria pessoa, na desesti-ma, na desgraça, nos sofrimentos corporais e nas aflições do coração” (ECKHART, 1991, p. 52).

Num primeiro momento, a obra nos fala da relação que existe entre o criador e a criatu-ra. Nesse momento, busca-se deixar claro que há uma relação de dependência da cri-atura para com o criador. A cricri-atura é criada por Deus, entretanto, não pode criar nada, ao passo que Deus cria e não é criado. As-sim, por serem as criaturas suas obras, elas existem juntamente com ele e dependem dele para continuar existindo. Mestre Ec-khart procura também esclarecer que a pa-ternidade das criaturas deve ser atribuída àquele que as cria e engendra, a fim de que tome posse de tudo o quanto pertence ao criador por “ter o mesmo e único ser” (ECKHART, 1991, p. 54).

Por isso, quando o ser humano entra em aflição é pelo simples fato de colocar o seu amor e devoção naquilo que é terreno e passageiro. Pois só encontraria completo consolo ao voltar-se para Deus completa-mente e de forma exclusiva, e compreender que todas as coisas que acontecem, como a perda de um ente querido, é segundo a vontade de Deus, e tal vontade deve ser respeitada.

Deus está no seu direito de permitir que al-gum mal ocorra àquele que se supõe ser

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justo. Ao invés de se abalar por isso, o ho-mem que é justo deveria se alegrar, e se alegrar mais ainda do que pelo fato de estar vivo, pois este segue a vontade de Deus. Assim, aquilo que é angustiante e traz so-frimento, é porque advém de um apego e-xistente entre aquele que sofre e a privação daquilo que lhe fora tirado.

Podemos notar nesse ponto como o próprio pensamento de Mestre Eckhart apresenta um amor integralmente voltado para Deus. Assim, não haveria espaço nem ao menos para um matrimônio, pois de fato o amor estaria divido entre Deus e a criatura, o que causa desconsolo, porque tudo aquilo que é passageiro e terreno é contingente, possui finalidade e um dia poderemos ser privados disso em nossa existência, mas se voltar-mos todo nosso existir para Deus, então, haverá uma consolação completa em nosso existir, agiremos como justos, e jamais serí-amos abalados pelas privações que a vida pode nos apresentar. Aqui se esboça a ra-dicalidade do pensamento eckhartiano e como o pensar religioso acaba por direcio-nar toda a sua vida terrena, fazendo tam-bém com que o seu viver seja voltado para a vida eterna unicamente e não para a pre-sente.

Em segundo lugar, Mestre Eckhart apresen-ta-nos trinta pontos doutrinários, exemplos de situações que acontecem no decorrer da existência humana e que podem gerar al-gum tipo de aflição. Em tais pontos, o autor deixa claro que é preciso observar a graça de Deus agindo nas coisas, nos fatos da vida, o que deveria nos conduzir para uma rápida superação de tudo, pois devemos ter a certeza de que aquilo que nos acontece é porque Deus assim o permite e, portanto, teremos forças para superar o que vem ao nosso encontro.

Na terceira e última parte do tratado O livro

da divina consolação, fica ainda mais clara

e forte a presença de seu embasamento e fundamentação, parte na qual se pauta so-bre toda a obra literária testamentária, quer seja do testamento hebraico ou cristão. Es-se caminhar do Antigo para o Novo Testa-mento no decorrer de sua obra, apresenta-se como que uma paideia cristã, bem como demonstra pela presença do pensamento grego, pelo que Eckhart cita vários autores, até mesmo mestres pagãos, sendo coloca-dos como fontes de exemplos de vida e de doutrina, que os homens devem seguir em uma busca de negar a si mesmo e abraçar a vontade divina, encontrando a verdade pela própria graça de Deus.

4. HEIDEGGER E A FENOMENOLOGIA DA VIDA RELIGIOSA

Além disso, buscou-se compreender melhor a interpretação realizada por Heidegger quanto ao pensamento eckhartiano. Isso o filósofo da Messkirch apresenta bem no vo-lume 60 das obras completas, sob o título

Fenomenologia da vida religiosa

(HEIDEGGER, 2010). Heidegger revela o quão radical é o pensamento de Eckhart e como pode ser estudado em seu contexto histórico, sendo uma radicalidade justificá-vel, pois é amparada por uma experiência mística que leva o sujeito para uma nova forma de compreender o seu viver. A partir dessa experiência, portanto, passa a existir um arcabouço de valores, normas, de ges-tos e expressões, que correspondem à sua religiosidade e passam a servir como um guia ou um leme que direciona a vida do indivíduo.

Heidegger aponta também para a existência de uma irracionalidade em Eckhart. Tal irra-cionalidade, atrelada à mística medieval, não é algo que propriamente se contrapõe à

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razão, sendo uma espécie de a priori religi-oso (HEIDEGGER, 2010, p. 298-300). Aqui se vincula ao existir uma vivência, uma experiência, que no caso seria a experiên-cia mística, do encontro com o divino, que por muitas vezes pode estar atrelada a um sistema ou dogmas de determinada institui-ção religiosa, mas o que deixaria a mística em um segundo plano, porque seria apenas um seguimento de normas de conduta. Mas, em Eckhart, aparenta que a experiên-cia da mística fomenta um voltar-se para si, sendo o pensamento de que Deus se faz presente em nós, a teoria da alma em Ec-khart como a “centelha da alma” que habita nas criaturas porque Deus que nos criou e continua presente em nós, pois fazemos parte de sua alma, de sua unidade.

Esse voltar-se para dentro, através da expe-riência fática da vida, fazendo no mundo a experiência com o divino é o que acaba por conduzir o homem em sua vida e em sua existência terrena para, de certa forma, re-tornar ao criador, fazendo parte dele. Impli-ca, pois, uma irracionalidade pelo que esse contato com Deus propicia ao ser humano um desejo sem fim (HEIDEGGER, 2010, p. 300-303). Tal desejo é o de fazer parte de Deus, de fazer parte da sua unidade, mes-mo na multiplicidade, e isso conduz o ho-mem a um caminhar diferente na sua exis-tência, porque exige seu empenho, exige uma alteração em sua conduta, em suas concepções éticas inclusive. Esse é o resul-tado da mística religiosa, portanto.

E, a partir disso, então, encaminha-se para um completo desprendimento, um despo-jamento que nos leva a querer ver a pre-sença de Deus em todas as ações no mun-do e ainda tê-lo como único e eterno bem, não depositando a nossa devoção ou amor a coisas passageiras e terrenas que nos conduzem ao sofrimento e desconsolo.

5. CONCLUSÃO

Diante do que foi exposto, é possível reco-nhecer que, para poder alcançar a radicali-dade que Eckhart propõe, o ser humano deve principalmente em todo e qualquer a-to, a todo e qualquer momento da vida, dar graças a Deus. E, além disso, consolar-se através do ato de voltar todo o amor e de-voção pessoal ao criador, pois é a única coisa que temos que de fato é eterna e imu-tável. Por isso, então, a necessidade de se despojar das coisas terrenas, já que, caso contrário, as pessoas cairiam em grande aflição e desconsolo.

A possibilidade de tal afeto para com Deus, consequentemente, dá-se por um encontro místico como o totalmente outro, que é Deus mesmo. É necessário que haja uma credibilidade ou fé, na existência do criador, e que tenha ocorrido uma experiência místi-ca que é pessoal, a fim de que conhecendo a Cristo, se possa segui-lo e nele, que é o verbo engendrado, se deposite todo amor, para poder assim encontrar verdadeiro con-solo.

Tendo em vista as implicações elencadas acerca do seguimento de vida cristã em vis-ta do despojamento, podemos observar a irracionalidade apresentada pelo filósofo Martin Heidegger, pois aqui então há um algo que antecede a razão humana e guia-o mediante as suas possibilidades e decisões de vida. Assim, seria justificável um despo-jamento das fixações terrenas a partir de uma abertura para Deus, como é proposto por Eckhart.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Pontifícia Universidade Católica de Campinas por proporcionar e incentivar aos estudantes de graduação a realização da Iniciação Científica, em especial, ao conceder-me uma bolsa de estudos FAPIC/Reitoria. E, de modo particular, ao orientador Prof. Dr. Renato Kirchner, por ter se disposto a orientar-me no período de Ini-ciação Científica, sobretudo por seu vasto conhecimento a respeito do filósofo Martin Heidegger, bem como do místico renano, Mestre Eckhart.

REFERÊNCIAS

[1] BOFF, Leonardo. “Mestre Eckhart: a mística da disponibilidade e da libertação”, em ECKHART, Mestre. O livro da divina

consolação e outros textos seletos.

Tradu-ção de Raimundo Vier, Fidelis Vering, Leo-nardo Boff, Emmanuel Carneiro Leão e Gil-berto Gonçalves Garcia. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1991.

[2] ECK, Suzanne. Lançai-vos em Deus:

ini-ciação a Mestre Eckhart. Prefácio de

Timo-thy Radcliffe; tradução de Maria Stela

Gon-çalves e Adail Ubirajara Sobral. Aparecida: Santuário, 2006.

[3] ECKHART, Mestre. O livro da divina

consolação e outros textos seletos.

Tradu-ção de Raimundo Vier, Fidelis Vering, Leo-nardo Boff, Emmanuel Carneiro Leão e Gil-berto Gonçalves Garcia. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1991.

[4] ECKHART, Mestre. Sobre o

desprendi-mento e outros textos. Tradução de Alfred

J. Keller e introdução de Gwendoline Jarczyk e Pierre-Jean Labarrière. São Pau-lo: Martins Fontes, 2004.

[5] HEIDEGGER, Martin. Fenomenologia da

vida religiosa. Tradução de Enio Paulo

Gi-anchini, Jairo Ferrandin, Renato Kirchner. Petrópolis: Vozes, 2010.

[6] VAUCHEZ, André. A espiritualidade da

idade média ocidental. Tradução de Teresa

Antunes Cardoso. Lisboa: Editorial Estampa, 1995.

Referências

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