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Constâncias e impermanências: recodificação do corpo, da imagem e da palavra

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE BELAS ARTES MESTRADO EM ARTES VISUAIS. ADALBERTO ALVES DE SOUZA FILHO. CONSTÂNCIAS E IMPERMANÊNCIAS: RECODIFICAÇÃO DO CORPO, DA IMAGEM E DA PALAVRA. Salvador 2003.

(2) ADALBERTO ALVES DE SOUZA FILHO. CONSTÂNCIAS E IMPERMANÊNCIAS: RECODIFICAÇÃO DO CORPO, DA IMAGEM E DA PALAVRA. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Artes Visuais, Escola de Belas Artes, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Artes Visuais. Área de concentração: Processos Criativos nas Artes Visuais. Orientador: Prof. Dr. Roaleno Ribeiro Amâncio Costa. Salvador 2003.

(3) ___________________________________________________________________ S729. Souza Filho, Adalberto Alves. Constâncias e impermanências: recodificação do corpo, da imagem e da palavra / Adalberto Alves de Souza Filho. – 2003. 100f. : il. Orientador: Prof. Dr. Roaleno Ribeiro Amâncio Costa. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Belas Artes, 2003. 1. Corpo. 2. Imagem. 3. Palavra. 4. Desenho. 5. Gravura. 6. Infografia. 7. Infogravura. 8. Hibridismo. 9. Recodificação. 10. Metacriação. I. Costa, Roaleno Ribeiro Amâncio da. II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Belas Artes. III. Título. CDU : 743 CDD : 743. 4. ___________________________________________________________________.

(4) A minha filha, Luana.

(5) AGRADECIMENTOS. Ao meu orientador, Prof. Dr. Roaleno Ribeiro Amâncio Costa, pelo apoio à realização desta pesquisa. À Profa. Dra. Monica Tavares e ao Prof. Dr. Percival Tirapeli, pelas sugestões estruturais e conceituais no exame de qualificação. Ao Prof. Dr. Michael Walker, pela sua cooperação na apreensão dos conceitos e das técnicas do desenho e da gravura. Aos professores do Mestrado em Artes Visuais. Aos colegas da turma do Mestrado 2003, Rener Rama, Danillo Barata, Marco Aurélio e Márcia Abreu. A Patrícia Carvalho, pelo carinho, compreensão e apoio nos momentos mais difíceis. À Profa. Nanci Novais, pelo constante incentivo. Ao Prof. Alberto Fascio, pela ajuda no registro fotográfico da pesquisa. Aos meus familiares pelo apoio e compreensão. Aos amigos Edu Oliveira, Allan Gama, Tonico Portela, Eriel Araújo, Bethânia Carvalho, Flávio Oliveira, Clarice Miranda, Débora Motta, Fabiana Laranjeiras, Sandra Carvalho, Marcel Ferreira, Adriano Castro, Ieda Oliveira, Duda, Henrique Dantas, Mauricio Alfaya, Raquel Rocha, Valter Ornellas, Márcio Santos, Cíntia Araújo, Elaine Pinho, Cristina Almeida, Walden Oliveira, Joanã, William Martins, Baldomiro, Evandro Sybine, Bruno Sá, Ionara Góes, Paulo Rosário, Rebeca..

(6) RESUMO. Esta dissertação trata do relato reflexivo da pesquisa desenvolvida pelo autor, no Mestrado em Artes Visuais, área de concentração: Processos Criativos, realizada entre janeiro de 2002 e novembro de 2003, cujo objeto de investigação refere-se ao próprio fazer artístico do autor. Os objetivos da pesquisa foram: investigar o corpo como tema, nas suas diversas problemáticas, sua representação expressiva através da marca subjetiva do desenho e a integração das técnicas de impressão com outras linguagens. São descritas as diversas fases, mostrando o desenvolvimento da pesquisa desde os trabalhos anteriores ao mestrado às imagens geradas a partir da infografia. O autor discorre sobre como a palavra foi inserida no seu processo criativo como elemento artístico visual. Tendo como gênese o desenho, descreve suas experiências com diversas técnicas de impressão, resultando na interpenetração de gêneros e linguagens, e na produção de imagens híbridas e recodificadas que fundiram técnicas tradicionais às novas tecnologias..

(7) ABSTRACT. This dissertation presents a reflexive report developed by the author during his Masters Degree in Visual Arts focusing on creative processes, which refers to the author’s own artistic creation done from january 2002 to november 2003. The objectives of the research were to investigate the human body as a theme, with its many different features; its expressive representation through the subjective line of drawing and the integration between printing techniques and other languages. The varied phases of the investigation were described, showing the development of the research starting from the author’s production before the Masters to the images generated by infographics. The author discusses the insertion of the word in this creative process as a visual arts element. Having the drawing as the genesis, he describes his experiences with many printing techniques, resulting in a mix of genres and languages and in a production of hybrid and decoded images that joined traditional techniques and new technologies..

(8) LISTA DE FIGURAS. Figura 1 – Série Fragmentos, 1999.. 16. Figura 2 – Série Fragmentos, 1999.. 17. Figura 3 – Série Fragmentos, 1999.. 18. Figura 4 – Série Homo sapiens, 2000.. 26. Figura 5 – Série Homo sapiens, 2000.. 27. Figura 6 – Série Homo sapiens, 2000.. 28. Figura 7 – Auto-retrato, Arnulf Rainer, 1971/76.. 29. Figura 8 – Série Desatres da la Guerra, Goya, 1810 / 1815.. 29. Figura 9 – O Mutilado, Wiig Hansen, 1958.. 29. Figura 10 – Tríptco, agosto de 1972, Francis Bacon, 1972.. 31. Figura 10 a – “Os chatos unidos foram enfim vencidos”, Leonilson.. 41. Figura 11 – Série Desenhos Dobrados, 2001.. 41. Figura 12 – Série Desenhos Dobrados, 2001.. 42. Figura 13 – Série Desenhos Dobrados, 2001.. 43. Figura 14 – Série Fobias, 2001.. 47. Figura 15 – Early-Moses, Jean-Michel Basquiat, 1983.. 57. Figura 16 – Stop Aids, Keith Haring. 57 .. Figura 17 – Hotel, Carmela Gross, 2002. Figura 18 – Comercial São Luis – Tudo no. 59.

(9) mesmo lugar pelo menor preço, Marepe, 2002.. 59. Figura 19 – Série Coceira, 2003. 75. Figura 20 – Série Coceira, 2003.. 76. Figura 21 – Série Coceira, 2003.. 77. Figura 22 – Série Coceira, 2003.. 79. Figura 23 – Série Coceira, 2003.. 81. Figura 24 – Série Coceira, 2003.. 83. Figura 25 – Série Coceira, 2003.. 85. Figura 26 – Série Coceira, 2003.. 86. Figura 27 – Série Coceira, 2003.. 88. Figura 28 – Série Coceira, 2003.. 89. Figura 29 – Desenhos guardados, 2003.. 91.

(10) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO. 9. 1.. PERCURSOS INICIAIS. 14. 1.1. FRAGMENTOS. 14. 1.2. HOMO SAPIENS. 23. 1.3. O CORPO. 33. 1.4. DESENHOS DOBRADOS. 37. 2.. PALAVRA. 44. 2.1. SÉRIE FOBIAS: A INSERÇÃO DA PALAVRA. 45. 2.2. PALAVRA E CONCEITO. 48. 3.. DIGRESSÕES VISUAIS. 60. 3.1. DO DESENHO À IMAGEM DIGITAL. 60. 3.2. INFOGRAVURAS. 63. 3.3 COCEIRA. 70. CONCLUSÃO. 92. REFERÊNCIAS. 97.

(11) 9. INTRODUÇÃO. Esta é uma dissertação sobre a pesquisa desenvolvida no curso de Mestrado em Artes Visuais da Universidade Federal da Bahia, cujo objeto de investigação, foi o meu próprio fazer artístico. Abordo, de forma linear, as diversas fases desse fazer, as. referências. teóricas,. históricas. e. visuais,. mostrando. o. processo. de. desenvolvimento da investigação, desde os trabalhos anteriores ao mestrado, quando pesquisava diversas técnicas mais tradicionais das artes visuais como os desenhos, pinturas, gravuras, colagens, até o momento em que busquei a geração de imagens a partir dos meios eletrônicos1.. As obras que realizei possuem como referência questões relacionadas ao corpo, como índice2, através das imagens geradas pela marca subjetiva do gesto; como temática, nas diversas problemáticas do corpo – acuado, violentado e cultuado, supostamente livre; como lugar de diversas intervenções; ou, ainda, como corpo icônico3 e sua força expressiva.. 1. Aparelhos de natureza numérica e digital (infografia ou computação gráfica).. 2. Um índice, segundo Pierce, é um signo que se refere ao objeto denotado em virtude de ser diretamente afetado por esse objeto. (NETTO, 1990, p. 58).. 3. Um ícone, para Pierce, é um signo que tem alguma semelhança com o objeto representado. (NETTO, 1990, p.58)..

(12) 10. A vontade de alcançar novos conhecimentos e idéias referentes a esse tema, através de uma busca sistemática que norteasse minha pesquisa artística, fez com que optasse pelo mestrado em artes visuais.. Refletir sobre o corpo no contexto contemporâneo é repensar o destino do ser humano, pois é no corpo que residem questões fundamentais da existência humana. As constantes transformações nos campos da comunicação, da estética e das tecnologias de produção audiovisual, alteram profundamente as formas de percepção do mundo e o olhar sobre o próprio corpo.. O objetivo geral desta pesquisa foi investigar as possibilidades expressivas do corpo, suas limitações e transformações, utilizando como linguagem o universo da gravura e suas possibilidades técnicas, além de refletir sobre minhas inquietações através da imagem artística. Nesse sentido, trazia também outros objetivos: conceber e realizar imagens, usando a técnica de impressão, integrada a outras técnicas de expressão, na busca da linguagem híbrida da gravura; questionar os limites tradicionais da arte, aplicando métodos interdisciplinares ao processo criativo nas diferentes linguagens artísticas, tradicionais e contemporâneas.. Para atingir os meus objetivos, confrontei-me com a seguinte problematização: como representar expressões do corpo, suas condições e ambigüidades através da imagem gráfica, de maneira que reflitam as minhas inquietações perante as limitações da existência do homem contemporâneo?.

(13) 11. Adotei, como processo metodológico para resolver essa questão e alcançar os objetivos propostos, a pesquisa bibliográfica e experimental. Utilizando o método heurístico4 da recodificação5, a pesquisa teve como cerne a produção de trabalhos híbridos6 e recodificados.. Já que o meu objeto de estudo possuiu como focos principais a imagem do corpo, a palavra, a gravura e seus desdobramentos, a seleção dos teóricos7 baseouse na necessidade de conceituar os assuntos, situando-os na contemporaneidade.. O processo criativo teve como fundamento a conexão entre a teoria e a prática, representada pelas relações de conceitos da história e de filosofia da arte com o trabalho desenvolvido em ateliê. As práticas do fazer artístico foram desenvolvidas simultaneamente à pesquisa teórica. As soluções práticas conduziam às questões teóricas que, por sua vez, suscitavam novos questionamentos, resultando em um processo no qual teoria e prática se complementavam em igual grau de importância, em concordância com o método de trabalho adotado.. 4. Relativo à heurística, disciplina que se propõe a formular as regras da pesquisa científica.. 5. Criar partindo de um fenômeno já codificado.. 6. Que utilizam a interpenetração de meios e linguagens.. 7. Saliento os mais significativos. Apesar de a pesquisa não pretender uma abordagem semiótica, foi preciso buscar a apreensão do que é signo, portanto, parti dos estudos de José T. Coelho Neto e de textos de Roland Barthes. Para o entendimento de como o corpo foi representado, desde o surgimento da fotografia até a década de 1990, recorri a William A. Ewing. Visando aprofundar as questões atuais a respeito do culto ao corpo em relação aos avanços das novas tecnologias, baseei-me na pesquisa de Edvaldo Couto. Para o estudo da imagem: Michel Focault, Jacques Aumont, Julio Plaza, Lucrécia Ferrara, Monica Tavares, Lucia Santaella e Wifried Noth. Em relação aos meios de comunicação como extensões do homem: Marshall Macluhan. Quanto às questões do processo criativo: Jean Lancri, Sandra Rey e Luigi Pareyson. Para o estudo dos processos criativos que utilizam os meios eletrônicos, Julio Plaza e Mônica Tavares..

(14) 12. Para atingir os meus objetivos, utilizei as seguintes técnicas: desenho, monotipia, xerografia, gravura em metal, infogravura8. Buscando uma melhor apreensão do processo artístico, levei em conta as ações e os materiais utilizados. A leitura de textos, entrevistas e depoimentos de artistas serviram para estabelecer análises comparativas9, buscando semelhanças e diferenças entre o processo artístico de cada um deles e o relatado neste trabalho.. Todo o processo desenvolvido durante a pesquisa está descrito, linearmente, nesta dissertação, que consiste de três capítulos.. No primeiro capítulo, Percursos iniciais, relato os fatos mais significativos que antecederam ao curso de mestrado e que foram fundamentais como ponto de partida para o desenvolvimento do meu processo artístico. Discorro sobre como o corpo se tornou tema da minha pesquisa, além de descrever o processo do fazer em quatro trabalhos: uma série de colagens, Fragmentos, que provocou uma maior consciência a respeito do processo criativo e induziu à realização de uma série de pinturas, uma série de monotipias, Homo sapiens, que estimulou a investigação de variadas técnicas de impressão e, por último, uma série de Desenhos dobrados que se tornou a gênese da pesquisa.. O capítulo 2, Palavra, revela de que modo a palavra foi inserida no processo criativo como elemento visual e as mudanças provocadas por essa ação, além de trazer reflexões sobre a importância do seu uso na arte contemporânea. Situa a 8. 9. Gravura digital ou imagem criada e impressa a partir dos meios eletrônicos.. A pesquisa em artes requer análises de procedimentos, de obras e de artistas que estão em correlação com cada linha particular de pesquisa, através de afastamentos e aproximações, visando o acesso ao objeto de estudo escolhido..

(15) 13. pesquisa através da apreensão dos conceitos contidos em diversos movimentos da história da arte, ressaltando o suporte teórico presente no processo de criação de diversos artistas. São descritas, ainda, as etapas de instauração de Fobias, uma série de gravuras em metal, em que, pela primeira vez, utilizei a palavra como elemento artístico.. No capítulo 3, Digressões visuais, descrevo o momento inicial da realização de gravuras digitais, as infogravuras. Relato como o contato com os meios eletrônicos me conduziram a um aprofundamento na investigação da imagem, dando ênfase aos seus conceitos e paradigmas, além de investigar os métodos utilizados e o tipo de imagem produzida. Abordo, ainda, o processo de criação da série de infogravuras e da exposição Coceira, na qual foram expostos desenhos e imagens digitais impressas.. Na conclusão, discorro sobre as reflexões surgidas ao longo da pesquisa, relaciono os resultados do processo artístico com os estudos teóricos, além de analisar o alcance da pesquisa em relação à problematização e aos objetivos propostos..

(16) 14. 1. PERCURSOS INICIAIS. Descrevo aqui alguns momentos que antecederam o meu ingresso no mestrado, objetivando efetuar um recorte, discorrendo sobre aspectos do processo criativo e da evolução da pesquisa.. 1.1 “Fragmentos”. Por onde começar? Muito simplesmente pelo meio. É no meio que convém fazer uma entrada no assunto. De onde partir? Do meio de uma prática, de uma vida, de um saber, de uma ignorância. Do meio dessa ignorância que é bom buscar no âmago do que se crê saber melhor. (LANCRI, 2002, p.18).. O início pode ser o meio de uma prática efetiva, por isso tomei como ponto de partida uma série de 20 colagens, à qual dei o título de Fragmentos (fig.1, 2 e 3). Esse. momento. foi. significativo,. pois. tornei. consistentes. alguns. aspectos. relacionados à temática e às técnicas utilizadas; foi quando a pesquisa tomou o rumo da sistematização.. Fragmentos consiste em apropriações de diversas fontes: recortes de jornais e revistas; imagens de livros, dicionários e enciclopédias; além de recortes de.

(17) 15. desenhos de minha autoria. Tinha como proposta a liberdade e a subjetividade da sua realização. A pintura foi utilizada para encobrir, integrar as imagens e deixar registrado o gesto: tornar pessoal.. A partir dessa série de colagens, iniciei a utilização de material impresso como matéria-prima, ou melhor, o texto10 começou a aparecer no trabalho de forma indireta quando passaram a ser utilizadas imagens de livros, revistas, jornais, enciclopédias, entre outros.. Concentravam-se, nessas colagens, algumas técnicas que experimentava no meu fazer artístico – pintura, desenho, fotografia – além da profusão de signos da inquietante realidade que me motivava. Utilizei elementos recorrentes na minha pesquisa: a apropriação, a produção em série, a temática do corpo e a expressão. Esta última, aqui definida de duas maneiras: “é expressiva a obra que induz certo estado emocional ao destinatário. É expressivo aquilo que exprime a realidade [...] os elementos de expressão são portanto elementos do sentido: o sentido da realidade” (AUMONT, 2001, p. 277).. A colagem como expressão artística foi bastante explorada no século XX. Desde a sua integração à pintura pelo Cubismo, à visão onírica dos surrealistas, ou como elemento de desvio e subversão pelos dadaístas. Essa técnica continua sendo bastante utilizada pois o conceito contido na ação de juntar materiais e técnicas heterogêneas. num. mesmo. espaço. bidimensional. difundiu-se. linguagens da arte contemporânea, e essa ação ainda gera reflexões. 10. O texto como elemento gráfico-poético.. por. diversas.

(18) 16. Figura 1. Série Fragmentos.

(19) 17. Figura 2. Série Fragmentos.

(20) 18. Figura 3. Série Fragmentos.

(21) 19. Através da colagem, pratiquei uma série de ações aparentemente simples, mas que necessitavam de várias elaborações que oscilavam entre o uso da objetividade e o da sensibilidade. Ao recortar uma imagem de um determinado local, destruía o seu contexto original. O processo repetia-se ao selecionar outras imagens de outras composições. Diante das diversas imagens recortadas, através da seleção e da montagem, criava outros contextos diferentes. Depois de coladas, interferia com a pintura e marcava o gesto. Destruía, construía, deixava marca.. Trabalhei nessas colagens, buscando a produção de um certo sentido de afeto que criasse estímulos e reflexões. Associo as ações realizadas nesse trabalho com mudanças provocadas a partir de então.. Cortar foi romper, atravessar, cruzar um caminho. Lembro que um exercício para trabalhar o conceito da colagem foi cortar uma pintura de alguém e colocar uma pintura minha à disposição para que se fizesse o mesmo. Esta pintura foi cortada e transformada em um trabalho diferente; fiz o mesmo com uma pintura que não era minha; buscava o desapego e iniciava um caminho, ainda desconhecido. Colar foi querer aproximar técnicas, tornar híbrido; unir coisas e mundos diferentes, ligar signos distantes e inacessíveis.. Posteriormente, essas colagens serviram de inspiração para a realização de uma série de pinturas. Além da temática do corpo, buscava, na pintura, a possibilidade de inserção do desenho..

(22) 20. Para desenhar na tela, utilizava a ponta seca11 e, ao mesmo tempo, contrastava as cores fortes com os leves traços das figuras, associando-os a vários objetos que remetiam à dor.. Procurava uma produção plástica que fosse mais direta; almejava, mais uma vez, tratar da violência. Houve uma consolidação a respeito da temática do corpo.. Nessa série de pinturas, focalizava a utilização do corpo como domínio e ritual. Primeiro, o corpo dominado pela tortura: relação entre vítima e agressor, o poder e a incapacidade de reação e defesa representados pelo algoz e sua vítima, os instrumentos que remetem à agressão e o aspecto de aprisionamento. Em seguida, o rito: o desejo de imunidade e invulnerabilidade para o corpo através do apelo para amuletos, objetos de sorte e proteção. Os aspectos de crença e religiosidade: com o tema dos ex-votos, buscava ressignificar a prática religiosa de reconhecimento popular da graça concedida, em que o devoto oferece ao santo imitações de partes do corpo humano, confeccionadas em diversos materiais, ou outros objetos relacionados à graça alcançada.. Ao finalizar essas pinturas, cheguei a algumas conclusões a respeito da minha proposta inicial e dos resultados obtidos. Buscava produzir uma visualidade plástica representando o corpo ambivalente, fonte de prazeres e infortúnios. O fato de ter usado cores fortes, contrastando com os leves traços dos desenhos, fez com que estas os sobrepujassem. O resultado ficou aquém do que almejava.. 11. Instrumento pontiagudo utilizado na técnica de gravura em metal..

(23) 21. Portanto, a minha intenção – o corpo violentado – foi encoberta pela cor. Esse foi um dos motivos para o arrefecimento da minha pintura, que, aliado à busca da experimentação, facilitou o encontro com as técnicas de impressão, naquele momento, mais adequadas ao gesto, à expressão, à temática do corpo.. Passei a utilizar, como linguagem, a técnica da gravura e seus possíveis desdobramentos, visto que a partir do século XX, essa técnica deixou de ser apenas ilustrativa passando a ser utilizada intensamente pelos artistas.. As primeiras experiências não tradicionais com a gravura no Brasil ocorreram no final da década de 1960, momento em que os artistas encontraram no uso dessa técnica um meio simples e acessível para a realização de suas obras. A partir de então, além das técnicas tradicionais como a xilogravura, a gravura em metal, e a litogravura, os artistas passaram a utilizar, intensamente, outras técnicas aliadas à fotografia, como a serigrafia ou a xerografia e suas derivações, além do fax e da impressão digital.. A gravura tradicional foi se libertando de alguns condicionamentos e procedimentos, como a definição de número de série e da tiragem,. assinatura,. matriz e originalidade; ainda que essas normatizações sejam utilizadas, alguns artistas optaram por abandoná-las, buscando mais liberdade de criação e experimentação.. As técnicas de impressão estão presentes em diversos projetos de vanguarda, como a arte postal surgida na década de 1960, referenciada na obra de Marcel.

(24) 22. Duchamp, que, em 1916, enviou ao casal Arensberg uma montagem com cartõespostais, Rendez-vous du Dimanche, contendo um texto sobre a obra O Grande Vidro, 1915/1923. A arte postal teve como conseqüências a democratização e a independência do mercado, pois podia transpor fronteiras da língua e da comunicação. Para difundir suas idéias a respeito da arte, o grupo Fluxus usou de forma intensa o cartão-postal, produzido através de processos fotomecânicos como off-set, serigrafia, colagem, pequenos objetos, carimbos e selos. A arte postal contribuiu para o aumento da circulação da obra de arte em todo o mundo, permitindo a participação de artistas de diversos países em mostras internacionais. No Brasil, esse tipo de arte começou a ser difundido em 1975, com a realização de uma exposição internacional de arte carimbo, no Museu de Arte moderna do Rio de Janeiro. Diversos artistas se dedicaram à criação de arte postal utilizando-se de processos simples, como o carimbo, para explicar o princípio da gravura.. A gravura possui um lugar importante no contexto da arte contemporânea, pois permite a fusão de técnicas tradicionais com novas linguagens, possibilitando a produção de trabalhos híbridos e interdisciplinares. Essa técnica é utilizada como objeto de estudo e experimentação na busca de novas propostas conceituais. A gravura continua sendo objeto de estudo de vários artistas. Como exemplo, podemos citar os estudos de intersemiótica realizados por Branca de Oliveira, a análise da relação da obra gráfica e seu espaço de apresentação por Hélio Fervenza e as experiências de aproximações tridimensionais com a gravura por Anna Cornellas Alabern..

(25) 23. 1.2 “Homo sapiens”. Este é o título de uma série de monotipias (fig. 4, 5 e 6), com tiragem de cem cópias, na qual dei continuidade à busca de uma produção visual que tratasse da questão do corpo e suas implicações.. Fruto de diversas inquietações a respeito do cotidiano, esse trabalho surgiu a partir de desenhos realizados diariamente, como uma espécie de compulsão formal, geradora de associações entre signos que remetem às questões do corpo e da violência.. Já tinha investigado a xilogravura e a gravura em metal, entretanto optei pela utilização da monotipia devido à sua simplicidade, rapidez de execução, além da possibilidade de fusão entre impressão, pintura e desenho. Desde o século XVII, a monotipia vem sendo usada por diversos artistas, entretanto foi rejeitada durante muito tempo e só foi reconhecida oficialmente como forma de gravura em meados da década de 1990. Impressão de prova única, produzida em série, possui um ritual de execução que pode ser interpretado como metáforas do corpo: pressão, esmagamento, ranhuras, transferência, inversão.. Durante a execução dessa série, não tinha intenção de produzir um trabalho para ser exposto; o domínio da técnica era um pretexto, produzi-la era uma necessidade. O processo realizou-se tendo como fonte desenhos em papéis que não tinham por objetivo servir de esboço para outra etapa. Eram signos do corpo.

(26) 24. produzidos com antecedência e compulsivamente. Disposto a dar a essas imagens o máximo de espontaneidade possível, a composição era decidida momentos antes da impressão: seleção dos desenhos, pintura sobre a placa de alumínio, desenho com ponta seca sobre a tinta e impressão sobre papel. Foram realizadas diversas impressões; a técnica foi sendo dominada gradativamente até conseguir as imagens que desejava e as que passei a desejar durante o processo – imagens que no início eram só alguns rastros a seguir.. O artista reconhece que encontrou o que buscava não em virtude daquela imaginária presença, mas porque o resultado obtido preenche uma expectativa sua e satisfaz uma exigência. A execução é portanto o incerto caminho de uma procura, em que o único guia é a expectativa da descoberta. (PAREYSON, 1993, p. 70-71).. As reflexões que fazia a respeito de diversas formas de opressão e controle a que somos submetidos diariamente foram fundamentais no desenvolvimento do tema trabalhado. Para explorar ainda mais esse contexto, saliento algumas referências: a obra de escritores, como Dostoievsky, Kafka e Saramago; e dos artistas, Arnulf Rainer, Francis Bacon, Goya, e Wiig Hansen.. Quando jovem, o contato com Crime e Castigo e Os Irmãos Karamazov de Dostoievsky, foi impactante devido à densidade psicológica contida nessas obras. Foi um rito de passagem. A leitura me proporcionou uma tomada de consciência que resultou em mudanças na minha relação com o mundo, ou seja, surgiu a convicção da necessidade de desempenhar outros papéis, além do papel do filho, do irmão, do primo, entre outros. A partir de então, o exercício da individualidade foi mais efetivo. Dostoievsky, indiretamente, mostrou-me o caminho da arte. A partir da leitura de.

(27) 25. Kafka, passei a observar, mais atentamente, as situações absurdas do cotidiano. Francis Bacon é referência essencial pela sua obsessão em refazer a figura humana. Quando li e reli Entrevistas com Francis Bacon: A brutalidade dos fatos, concedidas ao crítico inglês David Sylvester em um período de 25 anos, pude constatar sua coragem e liberdade de criação, além de incrível lucidez quando discorreu sobre sua obra. Uma das ações utilizadas no seu processo criativo teve influência sobre meu trabalho: a busca incessante de imagens que possuíssem o máximo de espontaneidade, o que ele chamou de “fruto do acaso”. Também me influenciaram: Arnulf Rainer, em razão da utilização da linguagem do corpo como expressão artística, pela sua busca de uma visualização das estruturas instintivas e pelo gesto do seu grafismo, principalmente nas suas interferências em fotografias (fig. 7); Goya, por ter vivenciado tempos difíceis de guerras e ter criado uma obra tão intensa sobre esses momentos terríveis de insensatez e irracionalidade; a obra Desastres de la Guerra (fig. 8) exemplifica essa afirmação; e Wiig Wansen (fig. 9), pelo fato de seu trabalho se referir, sempre, à condição humana.. Se uma dor de cabeça pode ser eliminada com analgésico, para a dor da existência muitas vezes não existe remédio. E é diante da dor sem remédio, do problema sem solução, que surge a necessidade do poema ou da sinfonia: a arte é, de certo modo, uma solução para os problemas sem solução. (GULLAR, 1995, p. 11).. O início dessa série de monotipias coincidiu com um momento de reflexões sobre as diversas formas de opressão impostas pelas instituições: família, escola, trabalho, medicina, entre outros. Influenciou-me, significativamente, a leitura de Memorial do Convento, de José Saramago: sentia o meu corpo presente, acuado pelas instituições, e tinha referências de um corpo passado, torturado pela inquisição..

(28) 26. Figura 4 Série Homo sapiens.

(29) 27. Figura 5. Série Homo sapiens.

(30) 28. Figura 6. Série Homo sapiens.

(31) 29. Fig. 7 - Arnulf Rainer Auto-retrato, 1971 / 76 Fonte: Catálogo da 23ª Bienal de São Paulo - Salas Especiais. Fig. 8 - Goya Série Desastres de la Guerra, 1810 / 1815 Fonte: Catálogo da 23ª Bienal de São Paulo Salas Especiais. Fig. 9 – Wiig Hansen O Mutilado, 1958 Fonte: Catálogo da 23ª Bienal de São Paulo Salas Especiais.

(32) 30. Essas reflexões interferiram significativamente na produção dessa série, materializando-se numa plasticidade que almejava, ao mesmo tempo, um sentido trágico e uma demonstração de força.. Cumpre observar, no entanto, que, se não é a dor física, tampouco é a dor moral que gera a obra de arte. A dor moral nos obriga a encarar a realidade, a redescobri-la na sua verdade, e essa redescoberta é que gera a obra. Sendo assim, devemos concluir que, não apenas a dor, mas qualquer outro fator de vida, que nos tire do equilíbrio em que nos mantemos à beira do abismo existencial, pode funcionar como espoleta do poema ou da sinfonia. Platão dizia que o conhecimento nasce do espanto. A arte também. (GULLAR, 1995, p. 11).. Para produzir essa plasticidade, segui os rastros do desenho, do traço no papel, do corpo não idealizado, da expressão, do grito, da indignação. Desenhos já prontos, produzidos rapidamente: próximos da verdade.. O desenho acompanha a rapidez do pensamento, responde às exigências expressivas: o desenho feito às pressas para indicar o melhor caminho, [...] o desenho para afirmar simplesmente um necessidade existencial, poética e estética. O desenho possui a natureza aberta e processual. (DERDYK, 1994, p. 42).. O processo tirou proveito de imagens compostas por dois signos: corpos híbridos, sinalizando irracionalidade, instinto; e objetos que remetem à violência. Nesse momento buscava uma atmosfera de agressão e reação. Diferentemente da pintura de Francis Bacon (fig. 10) – que sempre partia de um modelo, amigos ou ele próprio, além de fotografias para refazer a figura, deformando-a, mas mantendo a aparência, situando-a estrategicamente pelo uso da perspectiva em grandes espaços – , Homo sapiens baseou-se em desenhos que eram realizados a partir da memória e do gesto. Ao explorar a representação do corpo, geralmente isolado e.

(33) 31. tomando grande parte da composição, remete a um espaço claustrofóbico e a uma sensação de isolamento. Através do aspecto zoomorfo de certas figuras, buscava tornar visível uma suposta irracionalidade que, na verdade, intencionava uma provocação: qual o destino desse corpo como lugar de agressão e reação?. Fig. 10 – Francis Bacon, Tríptico, agosto de 1972. Fonte: Sims Reed Galery. - www.simsreed.com. A poética procurava anunciar a fragilidade do corpo. Paradoxalmente, queria demonstrar sua força, pois, através da manifestação plástica da dor, buscava afirmar a vida, fazer circundar aí um certo sentido de insistência, uma reação.. “A dor,. portanto, além de ser um sintoma, é uma exigência do corpo – e da vida – para tomarmos consciência dos problemas e procurarmos resolvê-los” (GULLAR, 1995, p. 12)..

(34) 32. Conforme Hellelland (1996, p. 485-489), toda a obra de Wiig Hansen, que presenciou o crescimento do fascismo, massacres da Guerra Civil Espanhola e os horrores da Segunda Guerra Mundial, representa um universo de ameaça e, ao mesmo tempo, faz aumentar nossa consciência sobre uma realidade que não pode ser esquecida.. Assim como Goya, seu antecessor, Wiig Hansen pinta rostos distorcidos e horrorizados, onde o medo e o desespero, a impotência e a perda, a premonição do desastre e a morte surgem com força para chamar a atenção sobre nossa vaidade. (HELLELLAND, 1996, p. 489).. Entretanto, Hellelland (1996, p. 489) salienta que Wiig Hansen se refere, ao mesmo tempo, à resistência e à esperança, sentimentos que o sustentavam nos momentos difíceis e que lhe davam capacidade para continuar.. Eu procurava, assim como Hansen, através das figuras negras e enclausuradas da série Homo sapiens, afirmar essa instabilidade humana, contudo partia de inquietações a respeito do corpo como lugar de opostos: razão e instinto; vida e morte.. A partir da execução da série Homo sapiens, pude refletir sobre a racionalidade repressiva do olho, comentada por Barthes, quando discorre a respeito de um comentário de que Cy Twombly parece desenhar com a mão esquerda:.

(35) 33. Esta história etimológica mostra-nos que, ao produzir uma escritura que parece guache (canhota), TW12 desarruma a ética do corpo: ética das mais arcaicas pois que assimila a “anomalia” a uma deficiência, e a deficiência a um erro. O fato de serem seus grafismos, suas composições como que “guaches”, coloca TW na lista dos proscritos, dos marginais – onde vai encontrar, é evidente, as crianças, os doentes: o guache (canhoto) é uma espécie de cego: vê mal a direção e o alcance de seus gestos: é guiado apenas por sua mão, pelo desejo de sua mão, e não pela aptidão instrumental dessa mão; o olho é a razão, a evidência, o empirismo, a verossimilhança, tudo o que serve para controlar, coordenar, imitar, e, como arte exclusiva da visão, toda nossa pintura passada foi submetida a uma racionalidade repressiva. De uma certa maneira, TW libera a pintura da visão; pois o guache (canhoto) desfaz o laço existente entre a mão e o olho: desenha no escuro (como TW fazia no exército). (BARTHES, 1990, p.148).. O meu olhar para a realização da série Homo sapiens buscava não repreender a forma, não idealizá-la, não embelezá-la, ao contrário, procurava liberar sua expressão, sua força instintiva. Em vez de querer que fosse agradável aos olhos, queria tornar visível, através da deformação das figuras, o corpo agonizante, entretanto esboçando reação. Não tinha soluções prontas. Solicitava uma reflexão sobre a nossa essência, sobre o corpo.. 1.3 O Corpo. A temática do corpo, na pesquisa, foi explorada por diversas vias: a expressão do meu próprio corpo na obra, que se insere através da mão no traço do desenho; os temas abordados e a deformação e supressão de elementos do desenho que apontam para a problemática do corpo: fragilidade e efemeridade.. 12. No texto, Bharthes quando se refere a Cy Twombly, chama-o de TW..

(36) 34. Através do próprio corpo, podemos experimentar diversos tipos de sensações, estabelecer nossa identidade e usufruir os prazeres que a vida oferece. Cada um de nós possui um corpo específico e depende da sua dinâmica e de suas forças. Podemos investir no nosso corpo e dele esperarmos beleza e juventude. Assim como sentimos prazer através das boas sensações, podemos nos transformar em instrumentos do sofrimento através da dor, explorada pelo outro como forma de ameaça e domínio. O corpo torna-se alvo, pois aí reside a vida.. Cada época representa o corpo de acordo com seu contexto, suas crenças e convicções. A temática do corpo está presente em obras que marcaram certos movimentos da arte: no realismo simbólico de Munch, que influenciou os expressionistas alemães; na ação de ruptura de Picasso, em Les Demoiselles d’Avignon, que subverteu o conceito de composição e deu início ao modernismo; no traço nervoso e agressivo das figuras eróticas e retorcidas de Egon Schiele; em Duchamp, que, após a exibição de Nu descendant um éscalier, se desligou dos meios da pintura para se aproximar da realidade do objeto, dando início ao readymade, que mudaria os rumos da arte.. Manifestações como o happening, performance, e a body-art, que tinham como utopia reconectar arte e vida, fizeram do corpo um suporte de intervenção e promoveram mudanças nas relações do objeto artístico com o espectador.. Numa época de diversas mortes anunciadas – das ideologias, da pintura, do gênio, da história, do estilo e da própria arte – , em que o fluxo intenso de imagens e informações provoca mudanças profundas no modo de ver, sentir e pensar, a arte.

(37) 35. se depara com questões cada vez mais complexas, não só porque a relação entre o fazer artístico e o conhecimento científico fica cada vez mais estreita, mas também porque o objeto artístico exige uma participação mais efetiva do espectador, na interação com a obra e na apreensão dos conceitos que ela contém. As novas tecnologias criam outras possibilidades de interatividade; novos canais são abertos entre obra e fruidor, entre corpo e máquina. Essa nova relação possibilita novas experiências sensoriais, que são buscadas nas simples operações do teclado de um computador ou na exploração de equipamentos mais sofisticados.. Ao longo da história, o ser humano vive numa busca obsessiva de superação dos seus limites, desde os limites da velocidade, do corpo e da máquina – que mudam sensivelmente a forma de pensar o mundo – até os limites do controle genético, além da superação do limite bélico, chegando a possibilidade de extinção da própria espécie.. Vale destacar como referência, o livro O Corpo (EWING,1996) que influiu, de forma decisiva, no aprofundamento do tema. O autor oferece um arquivo de fotografias de corpos, tanto masculinos como femininos, que evidenciam, desde o erotismo do início do século XIX até a política sexual da década de 90, exibindo centenas de imagens dos mais importantes fotógrafos mundiais. Através desse arquivo, é possível constatar como a fotografia utilizou a figura humana para os mais variados propósitos durante mais de 150 anos. Comprovamos uma relação fundamental entre a fotografia e o corpo, ressaltando a intensificação do interesse e atração pela imagem do corpo humano a partir do advento da fotografia. Essa imagem foi explorada pela pornografia, utilizada intensamente pela medicina,.

(38) 36. celebrada pelos esportes, pela dança e pela moda. A fotografia do corpo continua sendo utilizada intensamente em muitos campos da ciência, da arte e da mídia em geral. O encontro com essa obra foi imprescindível, pois, além de trazer uma farta ilustração, cada capítulo apresenta um diferente enfoque, desde a representação fragmentada até a política e a metamorfose do corpo.. É pertinente lembrar também o livro O Homem Satélite: estética e mutações do corpo na sociedade tecnológica (COUTO, 2000), que tem como ponto de partida depoimentos a respeito de expectativas diante das mutações do corpo na sociedade tecnológica. O autor relaciona esses depoimentos aos modos como os muitos cineastas trabalham essa questão, criando imagens de um corpo tecnologicamente modificado, e constata que os filmes e os entrevistados demonstram otimismo com o aperfeiçoamento físico obtido pela fusão homem-máquina. Com base nessa constatação e no estudo de diversos filósofos franceses pós-modernos que refletem sobre as pessoas, o culto e o destino do corpo na sociedade contemporânea, o autor afirma que a construção do homem satélite resulta de um processo contínuo de atualização física e mental.. Em sua abordagem, o autor levanta questões atuais a respeito do surgimento de um novo ser humano caracterizado pela eterna busca de aperfeiçoamento do seu próprio corpo, defasado, segundo sua pesquisa, em relação aos avanços tecnológicos. O estudo de Couto contribuiu para a reflexão a respeito das constantes intervenções praticadas nos corpos na sociedade contemporânea e possibilitou a identificação de problemas relacionados com os excessos e frustrações decorrentes desse processo..

(39) 37. 1.4 “Desenhos dobrados”. O ato de desenhar é a gênese do meu processo criativo. Desenvolvi essa habilidade, que, convencionalmente, significa configurar o objeto mais próximo possível da sua aparência real. Entretanto, desenhar para mim possui outros sentidos. Lembro-me, quando estudante de ginásio, de ter sido solicitado a fazer um coração (órgão). A professora destacou meu desenho, ou seja, para ela aquele desenho se aproximava do que era um coração, mas, para mim, naquele desenho tinha algo mais do que nas ilustrações de livros didáticos; percebi nele um vigor, uma expressão. Concluí: poderia usar essa habilidade não só para fazer parecer, mas também para exprimir algo à minha maneira, exprimir um gesto meu. Nesse sentido, “É expressivo aquilo que exprime um sujeito, em geral um sujeito criador”. (AUMONT, 2001, p. 278).. O desenho sempre esteve presente ao longo dos meus estudos escolares ao lado da escrita, nos cadernos, agendas e depois em qualquer papel disponível. Passei a usar o desenho como forma de interagir com o outro.. Desenhar foi essencial para a pesquisa que desenvolvi, não só como ação inicial para esboçar uma idéia, mas, principalmente, como forma de manifestar a essência do objeto. No desenho, utilizei a figuração do corpo humano como foco principal, buscando o máximo de expressividade na espontaneidade do gesto. Parafraseando Edyth Derdyk, “O ato de desenhar exige poder de decisão. O desenho é possessão, é revelação. Ao desenhar nos apropriamos do objeto desenhado, revelando-o”. (DERDYK, 1994, p. 46)..

(40) 38. A criação de Desenhos dobrados (fig. 11, 12 e 13) surgiu na busca de uma forma alternativa de organização, pois sempre tive resistência às agendas. O uso de anotações de compromissos diários, expressando obrigatoriedade no cumprimento de prazos e o acúmulo de pendências, sempre gerou em mim uma ansiedade. Resolvi, então, anotar diariamente numa folha de papel as minhas tarefas diárias e tentar cumpri-las, passando a chamá-las de “pendências”. Essa folha de papel passou a estar comigo em todos os lugares que fosse. Como tenho necessidade de me expressar diariamente, comecei a desenhar sobre ela, com a caneta esferográfica, utilizando muitas vezes a frente e o verso. Nas filas de banco, consultórios, repartições, salas de aula, em casa, na rua, sempre que possível, retiro a caneta e o papel do bolso ou da carteira, dobro-o em várias partes e começo a desenhar. Depois de algum tempo, passei a utilizar qualquer papel disponível – rascunhos, folhetos de propagandas, papéis de embrulho etc. Os desenhos, muitas vezes, fundiam-se com textos e imagens impressas. Desenhar, diariamente, nessas folhas de papel passou a ser uma obsessão. Fui então percebendo o crescente grau de envolvimento com os mesmos.. Nesse processo, tinha dois propósitos: transformar o ato diário de traçar o corpo no papel num registro das minhas inquietações e sensações perante o cotidiano e, ao mesmo tempo, buscar, através da prática constante desses traços, um desenho instantâneo, ágil, limpo, sem hesitações, sem censuras, um quase somente gesto, semelhante ao que Francis Bacon chamou de fruto do acaso:.

(41) 39. Você sabe, no meu caso, toda a pintura – e quanto mais velho fico, mas isso é verdade – é fruto do acaso. Bom, prevejo em pensamento, prevejo em imagem mas dificilmente ela será executada como fora prevista. Ela se transforma em decorrência da própria pintura”. [...] Isso seria obra do acaso? Talvez alguém dissesse que não, porque acaba tornando-se um processo seletivo que começa com algo imprevisto, selecionado para ser preservado. A pessoa, é claro, procura conservar a vitalidade do imprevisto mas preservando também a continuidade. (BACON apud SYLVESTER, 1995, p. 16).. Porém o processo não significava a predominância da casualidade. Meu encontro com esse “acaso” era precedido por várias tentativas em que experimentava diferentes tipos de papéis, nos quais realizava vários desenhos, em várias posições. Tinha consciência dos meus propósitos, porém só a partir do resultado poderia selecionar o que me interessava. Buscava a forma dentro do próprio fazer. Citando Pareyson:. Não há outro modo de encontrar a forma, i. é, saber o que se deve fazer e como fazer, senão efetuá-la, produzi-la, realizá-la. Não que o artista tenha imaginado completamente sua obra e depois a executou e realizou, mas, sim, ele a esboça justamente enquanto vai fazendo. (PAREYSON, 1993, p. 69).. Para isso, não necessitava de preparação nem de um lugar apropriado. Meu ateliê era qualquer lugar, as ferramentas eram qualquer caneta, qualquer lápis, qualquer papel. Dobrava-o várias vezes e em cada superfície desenhava um corpo, para depois juntá-los, desdobrando essa folha. Não queria capturar o objeto real como num ato fotográfico. Fixava meu olhar para o papel e, através do meu corpo, procurava registrar, através da linha, um estado único, fugidio. Conforme bem expressa Derdyk:.

(42) 40. A linha, elemento essencial da linguagem gráfica, não se subordina a uma forma que neutraliza suas possibilidades expressivas. A linha pode ser uniforme, precisa e instrumentalizada, mas também pode ser ágil, densa, trepidante, redonda, firme, reta, espessa, fina, permitindo infindáveis possibilidades expressivas. A linha revela a nossa percepção gráfica. Quanto maior for o nosso campo perceptivo, mais revelações gráficas iremos obter. A agilidade e a transitoriedade natural do desenho acompanham a flexibilidade e a rapidez mental, numa integração entre os sentidos, a percepção e o pensamento. (DERDYK, 1994, p. 24-25).. Diferentemente da série Homo sapiens; em que a figura humana aparece geralmente isolada; nesses Desenhos dobrados; realizei-a agachada, inerte ou contorcida e em série.. Alguns desenhos da série em questão remetem às fotografias de Eadweard Muybridge, realizadas em 1887, quando juntou uma série de imagens individuais, captadas separadamente, para tornar visíveis as fases do movimento; mas aqui o que pretendo é mostrar, através do movimento de contorsão das figuras, o gesto de indivíduos que vagam com suas neuroses.. A execução dessa série coincidiu com minha aproximação com o trabalho de Leonilson (fig. 10-a), artista cearense, já falecido, cuja poética, é caracterizada pela utilização de símbolos recorrentes como água, fogo, espiral, órgãos do corpo humano, pontos cardeais, instrumentos musicais, vulcões, pedras, cruz, montanhas, associados ao uso gráfico e poético da palavra. O que mais me atraiu em sua obra foi a maneira como utilizou o desenho para criar composições em que predomina a busca pelo essencial, com o mínimo de traços, através de pinturas em grandes formatos, nos desenhos ou nos seus “bordados” – objetos de tecidos bordados. O.

(43) 41. trabalho de Leonilson instigou-me a conhecer outros artistas que lidam com imagens associadas a palavras, fato que atendeu à pretensão de trabalhar com o texto como elemento constituinte de uma poética visual.. Fig. 10-a – Leonilson, “Os chatos unidos foram em fim vencidos” Fonte: MESQUITA (1997).. Fig. 11 - Série Desenhos dobrados.

(44) 42. Fig. 12 - Série Desenhos dobrados.

(45) 43. Fig. 13 - Série Desenhos dobrados.

(46) 44. 2. PALAVRA. Durante a pesquisa tive contato com o conceito de pharmakon, de Platão. Para Chaui (2001, p. 137), esta palavra grega traduzida para o português possui três sentidos principais: remédio, veneno e cosmético. A palavra pode significar: aprender com os outros através do diálogo (remédio); seduzir, quando fascinados, não indagamos se o que lemos é verdadeiro ou falso (veneno); ou dissimular ou ocultar a verdade sob as palavras (cosmético). Este conceito estimulou-me a investigar a relação entre imagem e palavra sob o ponto de vista da verdade. Passei a pensar minha produção plástica como uma possibilidade de trazer à tona aquilo que, para mim, estava encoberto. Além das sensações provocadas pelas imagens dos desenhos, das pinturas e das impressões, poderia, através da palavra, como elemento. gráfico-poético,. criar. outras. possibilidades. para. tornar. visíveis. conhecimentos e idéias. Consequentemente, além de fortalecer o que pretendesse denotar e conotar, poderia ressignificar, recriar.. Descrevo a seguir, de que maneira a palavra foi inserida no processo de criação como elemento visual e a importância da mesma para os desdobramentos da pesquisa..

(47) 45. 2.1 Série “Fobias”: a inserção da palavra. A série Desenhos dobrados serviu de ponte para a execução de Fobias (fig. 14), uma série de gravuras em metal, produzidas através da técnica de transferência de toner13, tratamento e digitalização de imagens. Nessa etapa, aconteceram dois fatos importantes para o desdobramento da pesquisa: o encontro com as técnicas de computação gráfica e a inserção da palavra como elemento visual no processo criativo.. A técnica utilizada para gravar as imagens consiste em transferir o toner14 das imagens impressas no papel para chapas de metal, com intuito de obter matrizes para a tiragem de impressões. O toner funciona como isolante do metal no contato com o ácido. Nessa série a imagem foi transferida do papel impresso em toner a laser para a chapa de cobre, utilizando óleo de banana. As etapas consistem em: seleção e digitalização dos desenhos; apropriação de diversas frases de prospectos; elaboração da composição e inserção dos textos; impressão digital; cópia xerográfica; transferência da imagem para chapa de cobre; corrosão ácida da chapa e impressão final em papel.. O ato de inserir a palavra no trabalho não foi uma casualidade, mas uma tendência que se consolidou com a investigação de artistas que trabalham com essa. 13. Os toners existem desde os anos 60, quando a empresa Xerox colocou no mercado as primeiras fotocopiadoras. Quase todos são compostos de 90% de termoplásticos e coloridos com 10% de pigmento negro de carbono. O toner é fixado no papel através de infravermelhos. (SEMENOFF, 2000, p. 106). 14. Sobre a técnica de transferência de toner, ver: A utilização do toner na litografia como substituto do tusche tradicional. (SEMENOFF, 2000)..

(48) 46. poética, além de outros fatores como, o meu gosto pela literatura e a minha relação intrínseca com dicionários, enciclopédias, prospectos, manuais e bulas de medicamentos.. Consulto dicionários e enciclopédias não somente para buscar significados, mas para conhecer novas palavras, inclusive as que caíram em desuso e se tornaram estranhas. É grande meu interesse pelas inúmeras ilustrações, principalmente as antigas, geralmente impressões mecânicas. Essas imagens causam-me uma sensação de estranhamento, talvez por estarem deslocadas no tempo e serem pouco conhecidas. Fico surpreso quando me deparo com um bico-de-pena de um percolador ou com uma litogravura de Daumier. Os manuais me atraem justamente pelo fato de raramente serem consultados devido à sua linguagem técnica e ao excesso de informações; as bulas de medicamentos, pela estranheza causada em decorrência do excesso de informações: indicações, contra-indicações, precauções, reações adversas. Os prospectos chamam minha atenção pelas diversas promessas feitas livremente: desde a cura pelas mãos e o embelezamento do corpo à salvação da alma.. A idéia da série Fobias surgiu quando folheei um prospecto sobre “florais de Bach”, indicados para a cura de enfermidades do corpo e da mente. Esses textos despertaram-me a atenção pois são elaborados de tal maneira que os identificava, sob certos aspectos, como absurdos ou poéticos: para os que sentem medo, para a solidão, para a indecisão, para o desânimo ou desespero, abrir o coração, amor universal, para a inveja, ciúmes, desconfiança, suspeita, raiva..

(49) 47. Fig. 14 Série Fobias.

(50) 48. Percebi, nesses folhetos, mensagens subliminares que sugerem ser o corpo uma fonte de carências: estéticas, físicas, psicológicas, afetivas, sociais, existenciais. Essas mensagens não se restringem aos respectivos folhetos, espalham-se nos diversos meios de comunicação; televisão, rádio, jornais e revistas. Concluí que, se o nosso corpo não se encontra dentro dos padrões solicitados, essas mensagens podem impelir-nos a realizar interferências, visando a solucionar supostas carências: cor, volume, peso, condicionamento físico, segurança, amor, afeto, companhia. Podemos ser levados a consumir produtos para não ficarmos à margem. Passei a identificar promessas vindas de todos os lados, produzidas por uma indústria de consumo que impõe modelos ideais a seguir, desconsiderando as diferenças e particularidades. Essas mensagens subliminares serviram como catalisadores para a realização desse trabalho. Apropriei-me de algumas frases desses folhetos e associei-as aos desenhos de figuras em série, contorcidas, dando idéia de movimento. O meu objetivo foi criar uma tensão entre a imagem expressiva do desenho e o significado das frases. Ao retirá-las dos seus contextos originais, buscava ressignificá-las, transformá-las, dando a elas outra visualidade.. 2.2 Palavra e conceito. A partir da série Fobias, a palavra como expressão visual passou a fazer parte da pesquisa. O meu percurso foi marcado por algumas mobilizações em direção à relação entre a imagem e a palavra: os textos de Foucault, sobre Las meninas de Velazquez, e Isto não é um cachimbo, de Magritte..

(51) 49. O ensaio de Foucault sobre Las meninas revela a importância do texto para o desvelamento da obra e a relevância do observador como elemento de crítica. A obra de Velazquez aponta para reflexões sobre a arte contemporânea.. Na arte contemporânea, se não conhecemos a proposta e o modo de trabalhar do artista, dificilmente conseguiremos apreender a obra. Temos de ter explicações sobre a proposta e o modo de fazer do artista. A compreensão da obra passa pelo entendimento verbal, não podemos entender sem a palavra, embora seja preciso aprender a conviver com esse paradoxo: a palavra jamais poderá traduzir a obra. A linguagem verbal não a substitui mas é como o outro lado da mesma moeda. A obra deixa-se apreender pela linguagem verbal ou escrita. Obra e linguagem (oral ou escrita) são tão indissociáveis quanto corpo e mente, um precisa do outro para existir. Não é demais reforçar a idéia de que é preciso ter presente que, muitas vezes, o importante é invisível aos olhos, mas precisa ser desvendado. (REY, 2002, p.134).. Já o texto Isto não é um cachimbo, também de Foucault, despertou em mim a possibilidade da obra como metalinguagem.15 “Magritte permite que o velho espaço da representação ainda reine, mas apenas na superfície, nada mais do que uma lápide polida portando palavras e formas” (FOUCAULT apud GROSSMANN, 1996, p. 35).. A partir da apreensão dos conceitos contidas nesses textos, senti que poderia realizar trabalhos que exprimissem idéias e possíveis desencadeamentos reflexivos.. 15 A metalinguagem é o resultado de uma atitude crítica e consciente que se relaciona às operações de um meio ou linguagem empregada em prol da construção de conhecimento. No momento em que o produtor emprega conscientemente a linguagem, há uma justaposição de duas linguagens, a linguagem-conteúdo e a linguagemforma. Ou seja, a metalinguagem, é formada pela interação de um discurso crítico cujo referente é o discurso de uma prática de significação (seja pintura, arquitetura, literatura...). Neste caso, esta prática além de pronunciar-se a respeito de seu tema também comunica algo a respeito de si mesma: ela se apresenta como uma linguagem bi-facetada. (GROSSMANN, 1996, p. 33)..

(52) 50. Através da inserção do texto como elemento visual da obra, poderia associar o caráter expressivo do desenho com os significados das palavras buscando gerar reflexões sobre o corpo e sobre a própria obra.. A utilização da palavra nas artes visuais não é recente. Comprovam esta afirmativa as numerosas inscrições parietais, elaboradas pela população de Pompéia, que atualmente, ressaltando as diferenças, são identificadas como grafites. Outro exemplo é encontrado nas iluminuras medievais, desenvolvidas no Oriente e na Europa cristã, nas quais as palavras são utilizadas para a apreensão dos significados.. A arte moderna manteve uma relação especial com a linguagem escrita: ao mesmo tempo que rompeu com o excesso de teorização da arte acadêmica e concentrou seus objetivos na pesquisa ótica e formal, estabelecendo-se como arte autônoma, vários artistas puderam se manifestar através de textos sobre a arte, e nos depoimentos escritos16 sobre suas obras, ou como elemento de crítica e deslocamento dentro da própria obra.. O movimento cubista, através de Pablo Picasso, Georges Braque e Juan Gris, introduziu a colagem – papel de jornal, papéis imitando madeira, rótulos, entre outros – na pintura, integrando a realidade do cotidiano à obra, passo fundamental de diferenciação entre o espaço moderno e o espaço naturalista. De acordo com Tassinari (2001, p. 43), “o espaço moderno, a partir da colagem, já revela, então, uma diferença positiva em relação ao naturalismo. É um espaço disponível para a. 16. Vários desses depoimentos estão em Teorias da arte moderna (CHIPP, 1988)..

(53) 51. exposição de determinadas operações em que o espectador pode perceber ao olhar a obra”. René Magritte, um dos expoentes do movimento surrealista, deixou uma obra relacionada ao uso da linguagem. Através de relações entre obra e significação, criou associações entre imagens e palavras, rompendo limites e suscitando questões entre semelhança e afirmação. Em A traição das Imagens (1929), uma figura de um cachimbo acima da frase “Isto não é um cachimbo”, utilizou-se da metalinguagem para criar um embate entre obra e receptor, exigindo deste uma participação efetiva na problematização contida no quadro. Conforme Foucault (1989, p. 21), desconcerta o fato de ser inevitável relacionar o texto com o desenho e ser impossível definir o plano que permitiria dizer se a asserção é falsa, contraditória ou verdadeira.. Segundo Grossmann (1996, p. 35), Magritte usou a pintura para representar a existência paradoxal do próprio meio, revelando assim a convencionalidade e os limites da pintura, que era até então considerada como universal e, portanto, inquestionável. Indiretamente, e como um efeito posterior desse processo de desmistificação da pintura, Magritte também apontou para a possibilidade de desfazer o mito do artista como ser superior: o criador, detentor de uma genialidade distinta e única autoridade no assunto.. O Dadaísmo tinha uma relação muito próxima com a palavra, a começar pelo nome Dadá. Richard Huelsenbeck e Hugo Ball descobriram-no acidentalmente num dicionário alemão-francês, ao procurarem um nome para Madame Le Roy, cantora do Cabaré Voltaire. A palavra francesa Dadá significa cavalo-de-pau, logo.

(54) 52. transformada em marca do movimento, que abarcava reações contra submissões estéticas e ideológicas e se caracterizava pela irreverência subversiva. Tudo isso manifestado por vários meios de expressão, utilizando-se textos e imagens de diversas fontes como folhetos, cartazes e fotomontagens, além de manifestações coletivas. Marcel Duchamp – que, ao introduzir seu ready-made no espaço institucional da arte, estabeleceu a noção entre contexto, obra e artista, promovendo posteriormente mudanças radicais na arte – foi influenciado não somente pelo fauvismo, pelo cubismo e pelos clássicos, mas também pelas palavras, principalmente após ter assistido a uma adaptação teatral da novela, de Raymond Roussel, Impressões de África, publicada em 1910, conforme declarou anos mais tarde:. Roussel também me suscitava um grande entusiasmo naquela época. Eu admirava-o, porque ele produzia coisas que nunca tinha visto antes [...]. Apollinaire foi o primeiro a dar-me a conhecer a obra de Roussel. Era poesia. Roussel pensava que era filólogo, filósofo e metafísico. Mas manteve-se um grande poeta. Fundamentalmente foi Roussel o responsável pelo vidro A Noiva Despida pelos Seus Celibatários, mesmo. Foi ao seu livro Impressões de África que fui buscar a inspiração. Esta peça, que eu vi com Apollinaire, ajudou-me grandemente numa vertente da minha expressão. Senti que, como pintor, era muito melhor ser influenciado por um escritor do que por um outro pintor. (DUCHAMP apud MINK, 1996, p. 29).. Duchamp, ao tomar diversas atitudes tais quais abandonar a pintura para se dedicar inteiramente a atividades intelectuais como o xadrez, os experimentos em ótica e mecânica ou as observações críticas em relação à arte, influenciou de maneira decisiva as gerações seguintes, apontando para o conceitualismo e a desmaterialização, rumos posteriormente seguidos pela arte..

(55) 53. A arte foi marcada por transformações radicais no modo de produção e apreensão da obra. A análise formalista tornou-se insuficiente e termos como transcendência, durabilidade e originalidade foram suplantados. A dessacralização foi intensa, a arte difundiu-se por vários meios – fotografias, xérox, vídeo, serigrafia. Os artistas passaram a explorar outros espaços além das galerias e museus. As buscas pela fusão entre arte e vida intensificaram-se e os limites das linguagens ficaram mais tênues. De acordo com Ferrara:. A arte moderna incorpora ao seu mundo os avanços da tecnologia: jornal, fotografia, rádio, cinema, televisão. O artista cedeu lugar à linguagem, isto é, revelou que as conquistas do homem poderiam revelar ou alterar a realidade; o meio é a mensagem. A arte– natureza cedeu lugar à arte–linguagem e é essa exploração que cria um outro universo de comunicação que dá origem a outro receptor. [...] Arte deixou de ser comunicação de um significado para ser linguagem que se processa, que se estrutura e nisso engendra o seu significado. Essa arte–linguagem presume tentar uma transformação total do receptor porque transforma o próprio universo que o cerca. Exige um receptor ativo e operador de linguagens, capaz de ler um signo múltiplo: verbi-voco-visual – a um só tempo. (FERRARA, 1986, p. 43).. A arte conceitual, desenvolvida nos Estados Unidos e na Europa no final da década de 1960, é o ponto culminante da fusão entre arte e palavra, mais interessada na análise do conceito e na definição de arte do que em propostas estéticas. A idéia e o processo são considerados mais importantes que o objeto acabado. Exige-se do público uma participação intelectual e buscam-se novas alternativas para o espaço circunscrito da galeria e para o sistema de mercado da arte..

(56) 54. Os primeiros artistas conceituais foram bastante irônicos com o caráter abstrato da arte moderna. Mel Ramsden, artista inglês radicado em Nova York, realizou pinturas de textos afirmando fatos da composição, como as percentagens dos componentes químicos do material utilizado nas suas pinturas, entre elas Pintura secreta (1967/68), que consistia em um quadrado negro e um texto anexo onde se lia: “O conteúdo dessa pintura é invisível; a natureza e as dimensões do conteúdo devem ser mantidas permanentemente em segredo, conhecidas apenas pelo artista”. John Baldessari também produziu uma série de pinturas formadas de citações extraídas da crítica ou de livros sobre arte, chegando a contratar um pintor de letreiros para colocar nos seus trabalhos declarações como: “Tudo foi expurgado dessa pintura, a não ser a arte” ou “Nenhuma idéia entrou nessa obra”.. Vários artistas acreditavam que uma proposição é como uma imagem e realizaram obras que continham textos a respeito dos próprios trabalhos, seguindo uma linha auto-explicativa. Fizeram uso da própria palavra como recurso plásticovisual, substituindo as técnicas tradicionais por textos, fotografias, mapas, documentações. A arte, portanto, tornava-se anti-representativa, insubstancial e desmaterializada.. Representante legítimo desse momento, o grupo Art–Language, fundado na Inglaterra em 1968, atuou de forma intensa, principalmente na edição da revista do grupo, apresentando vários ensaios artísticos. O norte-americano Joseph Kosuth foi um dos artistas mais atuantes dessa vertente e seus trabalhos tornaram-se conhecidos no mundo inteiro. Na obra Uma e três cadeiras (1965), que consiste em uma cadeira de madeira, sua fotocópia em preto e branco no tamanho natural e uma.

Referências

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