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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUCSP FELIPE BELTRAN KATZ

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Academic year: 2019

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP

FELIPE BELTRAN KATZ

O ICONOSTASIS PAULISTANO

(Igrejas Orientais em São Paulo: Mediação da Multiplicidade - 1950-2011)

MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP

FELIPE BELTRAN KATZ

O ICONOSTASIS PAULISTANO

(Igrejas Orientais em São Paulo: Mediação da Multiplicidade - 1950-2011)

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção de título de MESTRE em História Social sob a orientação da Profa. Doutora Maria Izilda Santos de Matos.

MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL

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BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________

_____________________________________________

(4)

AGRADECIMENTOS

Gostaria de externar minha gratidão a todos que, por ações ou palavras, colaboraram em todo o processo do trabalho. Agradecer a todos não é tarefa fácil, pois devo a muitos. Mas não posso deixar de mencionar alguns agradecimentos especiais.

Agradeço à professora Maria Izilda Santos de Matos, pela orientação e pelas palavras de encorajamento e incentivo.

Agradeço aos professores Fernando Torres Londoño e Yvone Dias Avelino, membros da banca do Exame de Qualificação, pela ajuda durante toda a trajetória da pesquisa e as sugestões e críticas para o aprimoramento do trabalho.

Agradeço aos professores Antônio Rago Filho e Maria Antonieta Antonacci da PUC-SP e à professora Lená Madeiros de Menezes da UERJ, pela colaboração na elaboração e nas primeiras etapas do trabalho.

Agradeço a todos os membros do Curso de Filosofia da PUC-SP, colegas e professores, pela colaboração, compreensão e auxílio intelectual durante todo o processo da pesquisa.

Agradeço a todos os membros do Programa de Pós-graduação em História da PUC-SP, coordenadores, professores e colegas, pela conivência e troca de experiências.

(5)

Agradeço a todos os amigos, em especial a Nelson Mendes, pela transcrição das entrevistas, a Gabriel Beçak, pela colaboração com as fotografias, a Fábio de Moraes, por diversas colaborações, e a Heitor Loureiro, colega de mestrado que colaborou em várias etapas da pesquisa devido à proximidade de nossos temas.

(6)

“É claro, então, que a prudência (sabedoria

prática) é uma forma de virtude, e não uma técnica. Havendo, portanto, duas partes da alma dotadas de razão, a prudência deve ser uma forma de virtude de uma das duas, ou seja, da parte que forma opiniões, pois a opinião se relaciona com o que é variável, da

mesma forma que a prudência.”

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RESUMO

O trabalho busca apontar a diversidade do cristianismo oriental paulistano, debruçando-se sobre as Igrejas Orientais. Essas instituições estão associadas a comunidades imigrantes que vieram para São Paulo desde o final do século XIX até a segunda metade do século XX. Entre os grupos cristãos orientais emigrados para a cidade estão árabes, armênios, gregos, russos e ucranianos. Essas comunidades estão divididas em doze Igrejas localizadas em diversos pontos da região metropolitana. A pesquisa apoia-se em depoimentos coletados entre os membros do clero de cada uma dessas Igrejas, alguns fiéis cristãos orientais da cidade e bibliografia acerca da experiência histórica dessas instituições em outras partes do mundo. Longe de ser algo cristalizado, apresentando Ritos e peculiaridades do antigo cristianismo, as Igrejas Orientais na cidade de São Paulo estão inseridas no dia a dia da metrópole. Essas Igrejas pretendem mediar seu passado, associado com a manutenção da fé e cultura das comunidades imigrantes, e a vivência de sua situação paulistana atual. Uma situação em que a primeira geração de imigrantes diminui devido ao envelhecimento e aos fluxos imigratórios que não se renovam. As Igrejas Orientais, de acordo com os depoimentos de clérigos e fiéis, vivem um momento reflexivo de sua trajetória na metrópole. No entanto, o trabalho não deve julgar qual Igreja preserva melhor o passado, mas deve compreender que elas fazem parte do

cotidiano da cidade. São Igrejas Orientais paulistanas, portanto, sua situação perpassa

apropriações que melhor respondem à sua experiência em São Paulo.

Palavras-chave: Imigração, São Paulo, Igreja Ortodoxa, Igrejas Católicas Orientais,

(8)

ABSTRACT

This work tries to point out the diversity of the oriental Christianity in Sao Paulo, through the oriental churches. These institutions are connected to the immigrant communities that came to Sao Paulo since the 19th century until the mid – 20th century. Amongst the oriental Christians that have come to the city are Arabs, Armenians, Greeks, Russians and Ukrainians. These communities are divided in twelve different churches, that are located in different areas of the city. The research is based on the collected testimony of each clergy member of each church, some oriental Christians from Sao Paulo and bibliography that studies the historical experience of these institutions in other parts of the world. Far from being something completely strict, presenting Rites and peculiarities of ancient Christianity, the oriental churches of Sao Paulo are inserted in the daily life of the metropolis. These churches try to mediate their past, while maintaining the faith and culture of immigrant groups with their current situation in the city. A situation where the 1st generation of immigrants is diminishing trough age and the migratory flux is not being renewed. The oriental churches, according to the testimony of clerics and faithful, are experiencing a reflexive moment in their course in the metropolis. However, this work does not try to judge which church best preserves it‟s

past, but understand that they are part of the daily life of the city. They are oriental churches

from Sao Paulo, therefore, their situation permeates appropriations that best respond their

experience in Sao Paulo.

(9)

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO...12

CAPÍTULO I – ICONOSTASIS PAULISTANO: ESTABELECIMENTO E FORMAÇÃO DAS IGREJAS ORIENTAIS...25

1.1 MAPA DO CRISTIANISMO ORIENTAL...26

1.2 LADO ORIENTAL DO CRISTIANISMO: IGREJAS ORTODOXAS...32

1.3 ORGANIZAÇÃO ECLESIÁSTICA DAS IGREJAS ORTODOXAS...37

1.4 FORMANDO UMA

κοιν

ó

τητα

PAULISTANA...48

CAPÍTULO II – DISCURSO, FÉ, MEDIAÇÃO E FORMAÇÃO DE IDENTIDADE NA METRÓPOLE PAULISTANA: CLERO ORIENTAL...64

2.1 MIMESE: MANUTENÇÃO E FORMAÇÃO DE IDENTIDADES...65

2.1.1 Ritos e Diáspora...67

2.1.2 Relação entre Irmãs...74

2.2 IMPERATIVO DA CONTINGÊNCIA: FUTURO DO ICONOSTASIS...81

2.2.1 Apontamentos de Problemáticas...82

(10)

CAPÍTULO III – MEDIANDO TRADIÇÕES NA METRÓPOLE PAULISTANA:

IGREJAS CATÓLICAS ORIENTAIS...97

3.1 OS OUTROS CATÓLICOS...99

3.2 ROSÁRIO E ICONOSTASIS: ORTODOXOS E CATÓLICOS ORIENTAIS...107

3.3 ENTRE O UNIVERSAL E O PARTICULAR: IGREJA CATÓLICA LATINA E CATÓLICOS ORIENTAIS...118

CAPÍTULO IV – PARA ALÉM DOS BELOS PORTÕES: APONTAMENTOS DOS FIÉIS CRISTÃOS...128

4.1 ESCOLHAS...130

4.2 MÚLTIPLAS PERSPECTIVAS...137

4.3 PENSANDO O FUTURO DO ICONOSTASIS: APONTAMENTOS...148

CONSIDERAÇÕES FINAIS...155

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Iconostasis da Catedral Ortodoxa de Antioquia de São Paulo...13

Figura 2 - Igreja do Patriarcado Ortodoxo de Antioquia no bairro do Paraíso...28

Figura 3 - Mapa da cidade com localização das Igrejas Ortodoxas...31

Figura 4 - Igreja Ortodoxa Sirian de Santa Maria na rua Padre Mussa Tuma...41

Figura 5 - Igreja Ortodoxa Ucraniana de São Valdomiro em São Caetano do Sul...58

Figura 6 - Igreja Apostólica Armênia na Avenida Tiradentes...66

Figura 7 - Igreja Ortodoxa Grega no bairro do Brás...69

Figura 8 - Igreja Ortodoxa Copta no bairro do Jabaquara...75

Figura 9 - Igreja Católica Melquita na Avenida Paulista...86

Figura 10 - Igreja Ortodoxa Russa no Exílio na Rua Tamandaré...92

Figura 11 - Igreja Católica Maronita na Rua Tamandaré...101

Figura 12 - Igreja Católica Russa ao lado do Museu Paulista...106

Figura 13 - Igreja Católica Armênia de São Gregório na Avenida Tiradentes...113

(12)

LISTA DE ABREVIAÇÕES

AC - Membro do clero da Igreja Católica Armênia

AO - Membro do clero da Igreja Apostólica Armênia

CO - Membro do clero da Igreja Ortodoxa Copta

GO - Membro do clero da Igreja Ortodoxa Grega

MK - Membro do clero da Igreja Católica Melquita

MN - Membro do clero da Igreja Católica Maronita

PO - Membro do clero da Igreja do Patriarcado Ortodoxo de Antioquia

RC - Membro do clero da Igreja Católica Russa

RO - Membro do clero da Igreja Ortodoxa Russa no Exílio

SO - Membro do clero da Igreja Ortodoxa Sirian

UC - Membro do clero da Igreja Católica Ucraniana

UO - Membro do clero da Igreja Ortodoxa Ucraniana

F-AO - Fiel da Igreja Apostólica Armênia

F-MK - Fiel da Igreja Católica Melquita

F-SO - Fiel da Igreja Ortodoxa Sirian

(13)

APRESENTAÇÃO

Dentro da grande maioria das Igrejas Orientais há uma estrutura muito familiar a essas instituições religiosas: o Iconostasis. O Iconostasis é uma parede onde estão dispostos diversos ícones de vários Santos, da Mãe de Deus e do próprio Jesus Cristo. A localização do Iconostasis é muito importante na construção de uma Igreja Oriental. Ele se situa entre o altar e a nave, marcando distintamente esses espaços.

O lado voltado para a nave é onde estão dispostos os ícones; o lado contrário, o das costas do Iconostasis, está voltado para o altar. A circulação entre um lado e outro do Iconostasis se dá por uma passagem: os Belos Portões. A Divina Liturgia, nome dado à celebração religiosa Oriental (equivalente à Missa na tradição Católica Romana), depende muito do Iconostasis. Todas as orações e as leituras do texto sagrado acontecem no altar; no momento da pregação e da comunhão dos féis, o membro do clero atravessa os Belos Porões e dirige-se à nave. A todo momento os fiéis estão voltados para o Iconostasis, onde estão dispostos os ícones.

Essa relação do Iconostasis com a Divina Liturgia e sua posição na Igreja Oriental sugerem certas reflexões. O Iconostasis seria a representação da divisão entre dois mundos que se encontram na Igreja: um mundo transcendental, universal e necessário, e um mundo humano, contingente e circunstancial. O lado do altar seria o mundo transcendental, e o lado da nave, o humano.

(14)

penetrar nesse espaço. Esse é o local onde se situa o texto sagrado, a palavra verdadeira, a opinião verdadeira, a ortodoxia, único lugar onde ele pode ser lido de forma plena.

Do outro lado do Iconostasis está a nave. Lá estão os fiéis, os homens. É o lugar da contingência, do mutável, do livre arbítrio. Nesse espaço os homens recebem a mensagem de Deus por intermédio da oração vinda do outro lado do Iconostasis. Ali ocorre a pregação, quando o membro do clero passa pelos Belos Portões e vem aos fiéis tratar de assuntos terrenos, com a ajuda do texto sagrado. Nesse local também ocorre a comunhão, quando os fiéis recebem o corpo de Cristo, e o homem torna-se um pouco divino.

Figura 1 - Iconostasis da Catedral Ortodoxa de Antioquia de São Paulo.1

(15)

As Igrejas Orientais também possuem outra particularidade: elas estão sempre associadas às comunidades em que se desenvolveram. Portanto, qualquer Igreja Oriental vem acompanhada de um adjetivo cultural, seja Armênio, Maronita, Ucraniana ou Russa. Assim, o divino e o humano se misturam.

No lado transcendental do Iconostasis a oração é feita na língua da Igreja, os textos sagrados estão na língua da Igreja, pois é necessário e divino. No entanto, quando o membro do clero passa pelos Belos Portões e está fora da região de origem da Igreja, a língua é a profana e contingente, no caso de São Paulo, o português. Os fiéis dependem sempre da contingência; o Iconostasis, a parede de ícones que está voltada para eles, só lhes oferece a verossimilhança, um eikos do que é a realidade de Deus.

O Iconostasis faz mediação entre dois mundos, entre a Igreja e o fiel, entre o que é certo e o que pode tornar-se certo. Ele é o espaço do meio-termo, onde essas duas experiências se encontram, o único espaço simbólico da Divina Liturgia em que todas as experiências podem ser contempladas. Esse é o espaço deste estudo.

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Todavia, do lado da nave do Iconostasis encontram-se as ideias de que esses grupos, uma vez que vieram para uma região distante do local de origem, estariam fadados a ser totalmente incorporados à comunidade maior, que seus antigos projetos seriam frustrados e que terminariam como grupo. Tal como na Divina Liturgia, esse lado do Iconostasis trará apenas um entendimento parcial e volátil de sua existência na cidade.

O presente trabalho, ao focar justamente o meio-termo dessas duas abordagens, tentará trazer os diversos elementos e as mediações que perpassam a vida dessas Igrejas na cidade de São Paulo. Buscará apresentar como os membros do clero e alguns fiéis, aparentemente em lados opostos do Iconostasis, vivem e se relacionam com a cidade e as demais comunidades Orientais da metrópole e, de certa forma, com a Igreja Católica Latina dominante.

Também se verificará que a origem remota dessas comunidades e suas batalhas e medições anteriores moldaram e ainda moldam esses grupos. Esse meio-termo de comunidades religiosas e culturais que, na cidade de São Paulo, mediam suas atitudes contemplando a metrópole na sua atualidade e, concomitantemente, buscam no passado, muitas vezes remoto, certa continuidade no agir faz-me elaborar uma metáfora: um Iconostasis Paulistano. Pois estou na busca de um meio-termo das Igrejas Orientais próprio da cidade de São Paulo. Destarte, tentarei trabalhar com os processos de incorporação dos dois lados do Iconostasis, ainda que não se possa determinar exatamente o início e o final desse processo muitas vezes realizado por essas Igrejas2.

As Igrejas Orientais encontradas em São Paulo são diversas, mas sempre pareceram negligenciadas. Sempre me interessei pelos estudos sobre os diversos grupos imigrantes na cidade. Mas não aqueles grupos já amplamente estudados: italianos, portugueses e japoneses.

2 CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,

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Interessavam-me mais os grupos gregos, armênios e russos. Isso me levou ao primeiro contato com as Igrejas Orientais, pois sabia que aqui na cidade de São Paulo havia uma grande Igreja Ortodoxa no bairro do Paraíso. Pesquisando sobre os armênios, que têm uma comunidade forte em Osasco, onde conheço muitas pessoas, soube que eles também são cristãos orientais. De certa maneira, essa vivência pesou quando pensei em desenvolver meu projeto. No entanto, este trabalho deve ser rigoroso e tentar escapar a qualquer tipo de exotismo, apontando para o fato de que essas Igrejas são objetos históricos com suas características peculiares e evitando preconceitos.

Para os Cristãos Orientais, “Oriental” é um termo que expressa as suas identidades e carregado de valores positivos. Oriente é a direção das orações, a localização bíblica do paraíso terreno, a fonte do nascente e da iluminação do mundo, o quartel de onde vieram os Três Reis Magos, os primeiros gentios a procurar Cristo. Para os Cristãos Ocidentais, o termo “Oriental” pode carregar um senso de exótico, do remoto, do “outro”, aquilo que é fora do normal e normativo. As questões levantadas pelo “Orientalismo” foram até agora confinadas principalmente em discussões que concernem religiões e culturas não-Cristãs, mas Orientalismo pode afetar a percepção e estudo do Cristianismo Oriental. Quando os Ocidentais vêm observar seus companheiros Cristãos no Oriente, eles normalmente exibem atitudes similares àquelas que eles exibem às culturas e religiões Orientais não-Cristãs: uma fascinação com o exótico ou uma presunção de superioridade, condescendida a uma realidade estranha vista com uma notável falta de empatia.3

Esse tipo de presunção de superioridade e essa fascinação com o exótico se

entrecruzam, pois, como já apontado, contribuem para disseminar a ideia de que essas Igrejas são objetos estáticos e sem uma experiência real. Isso acompanhado do fato de que são Igrejas

(18)

que normalmente são negligenciadas, pela sua relação com o que talvez alguns chamem de objetos irreais. Elas também estão, aparentemente, afastadas de uma “experiência ocidental”,

originárias de uma região do planeta onde, para alguns, a superstição e o exotismo grassam:

Houve ainda, no Ocidente, uma Modernidade que o Oriente não conheceu. Há entre nós mestres, neste sentido, tais como Freud, Hegel, Marx, Nietzsche e Heidegger que precisam ser ouvidos e conhecidos no Oriente. Através desta tradição moderna, a inteligência ocidental perscrutou os fundamentos da mensagem cristã que não é só patrimônio do Ocidente. A partilha desta “inteligência” com o Oriente seria frutuosíssima para as duas tradições. Desta forma, o Oriente cristão conseguiria também se expressar culturalmente.4

Para não aproximar-me dessas afirmações, devo ser cuidadoso e compreender que as Igrejas Orientais têm suas próprias características, sua própria experiência, que, algumas vezes, encontra-se com o cristianismo Ocidental. Mas essas relações não podem ser hierarquizadas.

Além desse tipo de abordagem que, de certa maneira, desvaloriza as experiências das Igrejas Orientais, encontrei abordagens que são excessivamente zelosas com relação a elas. Não que isso seja equivocado, mas, se posto de forma exagerada, pode nos levar a uma

fascinação do exótico, ou seja, tornar Igrejas objetos estáticos e não históricos:

À guisa de conclusão deste artigo, deve ser esclarecida que a Igreja Católica Russa no Exílio, entre as demais, pode ser considerada a que mais fidelidade guarda aos preceitos ortodoxos. Ela não se permitiu mesclar-se com outras igrejas, as quais reprova por deixar-se levar a

4 MARTINS, Antônio Henrique Campolina. Católicos e Ortodoxos: duas tradições na Igreja de Cristo. In:

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uma flexibilização exagerada da doutrina ortodoxa, desviando-se da tradição. Manteve-se fiel a seus rituais, à observação do antigo calendário e aos jejuns necessários.5

No presente estudo tentarei evitar esse tipo de observação. A experiência histórica e cotidiana das Igrejas Orientais na cidade de São Paulo aponta para o fato de que não há uma Igreja mais fiel aos preceitos ortodoxos. Afirmar isso é também afirmar que existe uma verdadeira Igreja Oriental, afastada de toda a experiência e mediação cotidiana6. Explicar e compreender as Igrejas Orientais na cidade de São Paulo perpassa o apontamento das

mediações, tentando conciliar suas antigas referências, sua antiga situação na metrópole e sua luta cotidiana. Essa mediação se dá na prática e é refletida nos depoimentos de membros do clero dessas Igrejas e de alguns fiéis. Todavia, foi necessário abandonar todo tipo de pré-conceitos para que os depoimentos e, posteriormente, a bibliografia indicassem essas mediações.

Quais e quem são as Igrejas Orientais na cidade de São Paulo? Como já mencionado, essas Igrejas têm passados e trajetórias diversas que moldaram pouco a pouco a maneira de interagir com os percalços encontrados e os projetos elaborados. Logo, inicialmente, essa relação entre certas comunidades étnicas e determinada Igreja deve ser realçada.

As Igrejas situadas na cidade de São Paulo são doze e estão distribuídas em três

famílias: as Igrejas Ortodoxas Calcedonianas, as Igrejas Ortodoxas não Calcedonianas e as

Igrejas Católicas Orientais.

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O maior desses grupos ou famílias é o Bizantino ou Ortodoxo Calcedônio, contabilizando para a vasta maioria dos Cristãos Orientais; elas são as Igrejas do Império Romano do Oriente e aquelas que emergiram das missões bizantinas. Elas estão (normalmente) em comunhão com o Patriarca de Constantinopla. Depois há o grupo de igrejas chamadas de Oriental Ortodoxa, que prospera nas áreas ao leste do Império Bizantino. Essas são chamadas às vezes de Igrejas não-Calcedônias ou pré-Calcedônias, pois sua separação aconteceu depois de declinar a aceitar as decisões do Concílio de Calcedônia (451) [...]. A terceira família são as várias Igrejas Orientais que aceitaram a autoridade do Papa de Roma, que são conhecidas como Gregas ou Orientais Católicas.7

Além dessa diversidade confessional, temos a diversidade étnica, que não necessariamente desassocia-se da confessional. Assim, explicitamente, encontramos na cidade de São Paulo as seguintes Igrejas Orientais:

1 - Igreja Católica Maronita, Católica Oriental, ligada à comunidade árabe (notadamente libanesa);

2 - Igreja Apostólica Armênia, não Calcedoniana, ligada à comunidade armênia;

3 - Igreja Sirian Ortodoxa, não Calcedoniana, ligada à comunidade árabe (notadamente síria); 4 - Igreja Católica Russa, Católica Oriental, ligada à comunidade russa;

5 - Igreja Ortodoxa Russa no Exílio, Calcedoniana, ligada à comunidade russa; 6 - Igreja Católica Armênia, Católica Oriental, ligada à comunidade armênia; 7 - Igreja Ortodoxa Ucraniana, Calcedoniana, ligada à comunidade ucraniana;

7 BINNS, John. An Introduction to the Christians Orthodox Churches. Cambridge: Cambridge University

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8 - Igreja Católica Melquita, Católica Oriental, ligada à comunidade árabe; 9 - Igreja Católica Ucraniana, Católica Oriental, ligada à comunidade ucraniana;

10 - Igreja Ortodoxa do Patriarcado de Antioquia, Calcedoniana, ligada à comunidade árabe; 11 - Igreja Ortodoxa Grega, Calcedoniana, ligada à comunidade grega; e

12 - Igreja Ortodoxa Copta, não Calcedoniana, de origem egípcia, porém seus membros, na sua maioria, não são egípcios ou de origem egípcia.

O trabalho tentará focar temas relacionados às Igrejas Orientais presentes na cidade de São Paulo, a partir das diversas possibilidades apresentadas pelos depoimentos orais. O primeiro capítulo será uma introdução à trajetória dessas Igrejas. Abordando o aspecto do deslocamento, o destaque será dado à vinda desses grupos cristãos orientais para a cidade e à organização eclesiástica das Igrejas, sugerindo o fato de que essas instituições e os grupos cristãos orientais estão inseridos numa trama internacional, mas, ao mesmo tempo, vivem as peculiaridades da metrópole paulistana. Esse capítulo ressaltará as Igrejas Ortodoxas (Calcedonianas e não Calcedonianas), que sofrem a influência da Igreja Católica Latina. Esta instituição marca profundamente as relações da família Católica Oriental, questão que será

aprofundada em capítulo posterior.

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comunidade8. Nos depoimentos, os membros do clero parecem ser indivíduos que estão mais associados às mediações que essas Igrejas fazem diariamente. Seriam portadores do discurso oficial de cada Igreja e guardiões9 do passado e da cultura das comunidades a que estão associados.

No entanto, antecipadamente, pode-se afirmar que essas relações são a todo momento perpassadas pelas medições feitas por esses indivíduos, que buscam manter o passado, as origens étnicas dessas Igrejas e a necessária essência de cada uma dessas instituições. Mas, ao mesmo tempo, estão sempre lidando com a atualidade, a expansão ou o recuo de suas comunidades e sua contingência. Porém, não existe nenhuma ideia de essência permanente nem de um texto coletivo únicofechado; a mediação, tantas vezes ressaltada, será o ponto de maior importância no debate envolvendo os relatos dos membros do clero.

O discurso religioso, longe de ser somente uma experiência com o transcendental, pode ser usado como forma de exercer poder, resistência, autonomia, inserção, manter e criar identidades culturais, entre outras coisas. Na elaboração do trabalho surgiram elementos que apontavam para um discurso de poder dentro da relação entre as Igrejas Orientais e a Igreja Católica Romana. Esse tipo de tensão é mais sensível na associação entre as Igrejas Católicas Orientais e a Igreja Católica Latina. Como já discutido anteriormente, em última instância, as Igrejas Católicas Orientais pertencem à Igreja Católica Romana:

Enquanto os Ortodoxos são hostis aos Católicos Gregos, considerando que eles caíram à sedução da herética Igreja Romana, Católicos consideram que eles não são verdadeiramente Católicos, pois não seguem tradições Latinas. Os Católicos Gregos, às vezes vêem a si mesmos como uma ponte entre Oriente e Ocidente, providenciando

8 CONNERTON, Paul.Como as Sociedades Recordam. Oeiras: Celta, 1993. p.59. 9 Esse termo remete aos

homens-memória de Jacques Le Goff. Indivíduos que são depositários da história

"objetiva" e "ideológica" de suas comunidades e Estados. LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas:

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um modelo onde uma futura união pode ser construída, mas mais freqüentemente eles são vistos como uma barreira, providenciando ainda mais argumentações para desacordos e tensões entre as duas grandes tradições do Cristianismo.10

As Igrejas Católicas Orientais estão numa posição delicada, encontram-se entre a cultura ortodoxa e a cultura católica latina. Esse entre espaços muitas vezes é utilizado como

local de poder da Igreja Católica Latina para “modernizar” os diversos aspectos de suas “coirmãs” orientais. Esse processo de normatização e descrédito das Igrejas Católicas

Orientais pela Igreja Latina é análogo à ideia de que a tradição oriental é inferior à tradição oriental11. Isso se percebe de forma mais clara com um exemplo: um documento apresenta os “erros” que os padres latinos apontaram na Igreja Católica Maronita. Eles deveriam ser

retirados da liturgia para que essa Igreja pudesse entrar em comunhão com Roma:

1- O Credo Nicenico deve ser revisado para incluir a profissão do Espírito Santo do Pai e do Filho

2- Os Maronitas devem professar duas naturezas, duas vontades e duas ações ou energias em Cristo

3- Eles devem retirar a frase Tu que foste crucificado por nós tenha

piedade em nós do Trisagio

4- Devem professar a existência do Purgatório

5- Divórcios nos termos de adultério devem ser proibidos e a Igreja Maronita não deve abençoar o novo casamento de cônjuges que divorciaram-se nesses termos

6- O padre não deve ungir o batizado com a Crisma, pois esta é exclusivamente uma função do bispo

10 BINNS, John. An Introduction to the Christians Orthodox Churches. Cambridge: Cambridge University

Press, 2002. p.36-37.

11 O discurso de poder da Igreja Latina trata as Igrejas Católicas Orientais como objetos de um

orientalismo.

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7- A Sagrada Comunhão não deve ser administrada aos jovens antes de chegarem à idade da puberdade12

Mais do que uma série de leis canônicas, o que está presente aqui é um processo de aculturação, de imposição de poder por meio da Igreja.

O terceiro capítulo, por seu turno, analisará especificamente as Igrejas Católicas Orientais na cidade de São Paulo. A associação com a Igreja Católica Latina, em última instância, foi feita porque grupos religiosos ortodoxos sentiram a necessidade de aliarem-se a uma instituição mais poderosa, portanto, mais um processo de mediação ocorrido nos locais de origem dessas Igrejas. Contudo, é necessário destacar que essa aliança está longe de ser perfeita e é, como ressaltado anteriormente, perpassada pela questão do espaço intermediário

dessas Igrejas. Nos depoimentos dos membros do clero esse tipo de mediação aparece de forma sutil, o discurso nos depoimentos é consensual, mais oficializado, valorizando os aspectos que promoveram a união entre essas Igrejas e a Igreja Latina.

Já o quarto e último capítulo analisará depoimentos de fiéis de algumas das Igrejas Orientais da cidade de São Paulo. A escolha desses fiéis foi feita levando em consideração a anterioridade do indivíduo, ou seja, se nasceu dentro de uma comunidade cristã oriental ou tornou-se adepto dela depois da idade adulta. Nesses depoimentos o discurso parece mais distante daquele oficial; a experiência de cada fiel é o que parece ser ressaltado nos relatos.

Esses indivíduos também estão num espaço intermediário, mediando suas relações como fiéis de suas Igrejas e sua experiência cotidiana pessoal na cidade. A ressignificação é ponto-chave para se compreender as percepções desses indivíduos. Esses fiéis têm em mente a tradição (muitas vezes como os membros do clero), mas ela varia de acordo com a pessoa13. Portanto,

12 Apud: MOOSA, Matti.The Maronites in History

. Piscataway: Georgias Press, 2005. p.250.

13 HALL, Stuart; SOVIK, Liv (Orgs.). Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais. Belo Horizonte:

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não há uma dicotomia entre fiel e membro do clero, mas múltiplas perfectivas em um só indivíduo.

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CAPÍTULO I - ICONOSTASIS PAULISTANO: ESTABELECIMENTO

E FORMAÇÃO DAS IGREJAS ORIENTAIS

O cristianismo oriental paulistano é diverso. Ele é composto por doze Igrejas com graus distintos de relação. Essas Igrejas estão divididas em dois grupos: Igrejas Ortodoxas, que serão analisadas com maior densidade neste capitulo, e as Igrejas Católicas Orientais, que possuem a característica peculiar de pertencer à Igreja Católica (ver capítulo 3). O grupo Ortodoxo, por sua vez, é dividido em duas famílias: as Igrejas Calcedonianas e as não

Calcedonianas14.

O corpo documental básico deste capítulo, e de grande parte do trabalho, são os depoimentos dos membros do clero de cada uma dessas Igrejas. Eles seriam os guardiões da memória das Igrejas (ver capítulo 2). No entanto, desde já, alguns apontamentos merecem ser destacados com relação ao uso desses depoimentos no estudo.

Na coleta de depoimentos os entrevistados pediram que não fossem identificados. Portanto, para melhor compreensão e assimilação da diversidade desses grupos, cada membro do clero será designado nesta dissertação com um código. A seguir serão apresentadas as denominações das Igrejas Orientais Paulistanas, divididas em seus respectivos grupos, com o código de cada membro do clero entrevistado:

14 As Igrejas Ortodoxas não Calcedonianas são Igrejas que não aceitaram as resoluções do Concílio de

Calcedônia no ano de 451, que decidiu sobre a natureza de Cristo. Segundo as resoluções, Cristo teria duas naturezas (physis em grego), uma humana e uma divina. As Igrejas não Calcedonianas acreditam que Cristo

possui apenas uma natureza divina; portanto, são “pejorativamente” chamadas de monofisitas. Os grupos que não aceitaram as resoluções de Calcedônia foram justamente aquelas comunidades na periferia do Império Bizantino, como armênios e egípcios (coptas). BINNS, John. An Introduction to the Christians Orthodox Churches. Cambridge: Cambridge University Press, 2002. p.27-8. Isso denota como a religião pode ser um

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→ Igrejas Católicas Orientais

Igreja Católica Maronita (o membro do clero será identificado pelo código MN), Igreja Católica Armênia (AC), Igreja Católica Melquita (MK), Igreja Católica Ucraniana (UC), Igreja Russa Católica (RC).

→ Igrejas Ortodoxas

Igrejas Ortodoxas Calcedonianas: Igreja Ortodoxa Grega (GO), Igreja do Patriarcado Ortodoxo de Antioquia (PO), Igreja Ortodoxa Ucraniana (UO) e Igreja Ortodoxa Russa no Exílio (RO).

Igrejas Ortodoxas não Calcedonianas: Igreja Apostólica Armênia (AO), Igreja Ortodoxa Sirian (SO) e Igreja Ortodoxa Copta (CO).

1.1 MAPA DO CRISTIANISMO ORIENTAL

Na megalópole paulistana as Igrejas Orientais estão distribuídas de forma diversificada. Algumas possuem várias igrejas, como a Igreja Ortodoxa Russa no Exílio, com templos em Moema, Liberdade e Vila Prudente (seu templo original). Outras são muito distantes de seus membros, como a Igreja Católica Ucraniana, conforme afirma UC: “[...] a expansão de São Paulo é muito grande e, para participar de nossa celebração, muitas vezes as pessoas tomam três, quatro ônibus.”15 Algumas realizam a celebração da Divina Liturgia

(28)

várias vezes aos domingos, como a Igreja Católica Maronita, enquanto outras, uma vez a cada mês (o primeiro domingo do mês), caso da Igreja Católica Russa. Há uma multiplicidade de Igrejas na cidade que vivem as diferentes condições que encontram adaptando-se, procurando um meio-termo entre necessidade e contingência, como o lugar do Inconostasis na Divina Liturgia. Esse é o Iconostasis Paulistano.

(29)

Figura 2 - Igreja do Patriarcado Ortodoxo de Antioquia no bairro do Paraíso.16

Próximo dali, atravessando o viaduto sobre a Avenida Vinte Três de Maio, a pouco mais de uma quadra deste, há a Igreja de Nossa Senhora do Paraíso, que pertence à Igreja Católica Melquita. Essa igreja, que dá nome ao bairro do Paraíso, homenageia essa Virgem do cristianismo oriental. Nas redondezas encontra-se uma das instituições paulistanas relacionadas com a comunidade árabe, o Clube Homs, apontando para o fato de que as Igrejas Orientais estão profundamente relacionadas com suas respectivas comunidades originárias. Mais ao sul, próximo à Avenida José Maria Whitaker, na Vila Marina, está a Igreja Sirian Ortodoxa, na Rua Padre Mussa Tuma, que homenageia o fundador da Igreja. Ao lado desta igreja, a menos de um quilômetro está o Esporte Clube Sírio, uma vez mais relacionado às Igrejas Orientais e às instituições de suas comunidades em diáspora.

(30)

As Igrejas de origem eslava também estão distribuídas praticamente num mesmo espaço, notadamente na Vila Prudente. Segundo os depoimentos, diversas comunidades da Europa Oriental se estabeleceram nesse bairro para escapar das perseguições sofridas pelas minorias, principalmente na primeira metade do século XX, pelas mãos da União Soviética e, posteriormente, da Alemanha nazista.

Nessa região encontra-se, na Rua Paratiquara, a Igreja da Santíssima Trindade, sede da Igreja Ortodoxa Russa no Exílio na cidade de São Paulo. Como já mencionado, existem outras paróquias dessa Igreja espalhadas por vários pontos da cidade. Algo excepcional em relação às demais Igrejas Orientais. Mais ao sul, menos conhecida, está a Igreja Nossa Senhora da Glória, na Rua das Valerianas, que pertence à Igreja Católica Ucraniana.

Atravessando o rio Tamanduateí e a Avenida dos Estados, está o município de São Caetano do Sul, que possui uma forte comunidade ucraniana relacionada àquela da Vila Prudente. Além disso, há nesse município a sede da Igreja Ortodoxa Ucraniana na Grande São Paulo, a Igreja de São Waldomiro, que está localizada na Rua dos Ucranianos, no bairro Barcelona. Mais distante, no Ipiranga, na Rua dos Sorocabanos, ao lado do Museu Paulista, encontra-se a menor de todas as comunidades de cristãos orientais da cidade: a Igreja Católica Russa. De modo geral, as Igrejas Orientais eslavas estão concentradas num mesmo local, no entanto, a comunidade eslava espalhou-se pela cidade, como aponta o depoimento de UC e a presença da Igreja Ortodoxa Russa no Exílio por diversos bairros da cidade.

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Armênia, que conta com a maior parte dos fiéis armênios cristãos orientais. Um pouco adiante na avenida existe a Praça Armênia, com um monumento às vítimas do Genocídio Armênio e, mais adiante, a estação Armênia do metrô. Assim, essa região está cercada de referências a essa comunidade.

Todavia, são poucos os indivíduos de origem armênia que vivem nessa região. Como muitas outras comunidades imigrantes do Bom Retiro, eles deixaram essa região para se instalar em outras da cidade à medida que enriqueceram (como os judeus). Além disso, os dois clubes dedicados à comunidade estão instalados nos bairros de Alto de Pinheiros e Vila Mariana, mostrando não só a distância dessas instituições das igrejas da comunidade (ao contrário do que se vê no caso da comunidade cristã oriental árabe), como também o progresso material por que ela passou, já que esses bairros são considerados áreas nobres da cidade.

A maioria dessas Igrejas instalou-se na cidade ao longo da primeira metade do século XX. Porém, no bairro do Jabaquara, na Rua São Borja, está a Igreja de São Marcos. Uma igreja pertencente à Igreja Ortodoxa Copta inaugurada no ano de 2006. A comunidade iniciou-se a partir do trabalho de Don Aghason nos primeiros anos da década de 9017 e prosperou a ponto de hoje possuir uma igreja. No entanto, a Igreja Ortodoxa Copta na cidade de São Paulo possui uma peculiaridade em relação às demais Igrejas Orientais na cidade, mas isso será analisado mais adiante. A Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo está localizada na Rua do Bresser, no Brás, que, assim como o Bom Retiro, foi um bairro que agregou diversos grupos imigrantes a partir do início do século XX. Outra igreja dessa comunidade está localizada no bairro do Cambuci, na Rua Albuquerque Maranhão.

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Figura 3 - Mapa da cidade com localização das Igrejas Ortodoxas.18

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O mapa apresentado mostra a localização dessas comunidades e suas Igrejas. Elas estão distribuídas em locais específicos e, de alguma forma, moldaram a região à sua volta, pois há uma forte relação entre essas Igrejas e as comunidades étnicas que elas representam. A partir da localização das igrejas é possível compreender melhor a trajetória desses grupos na cidade, seus locais de chegada e o progresso material de alguns grupos. Conhecendo os locais de encontro dessas comunidades percebe-se o quão diverso pode ser o espaço paulistano, e como muitas vezes elementos deste podem nos escapar.

1.2 LADO ORIENTAL DO CRISTIANISMO: IGREJAS ORTODOXAS

Este item irá tratar sobre a relação de muitas dessas comunidades com seus locais de origem. Neste primeiro capítulo, será dada ênfase às Igrejas Ortodoxas. As Igrejas Católicas Orientais, por possuírem a peculiaridade de pertencer à Igreja Católica Romana, merecem ser tratadas de forma distinta.

As Igrejas Ortodoxas são aquelas Igrejas que no passado mantiveram relações mais estreitas, conturbadas ou não, com o Império Bizantino. Portanto, desenvolveram um cristianismo em conjunto ou em oposição a essa antiga instituição. As Igrejas não Calcedonianas na cidade de São Paulo, como já dito, estão representadas pela Igreja Apostólica Armênia, a Igreja Sirian Ortodoxa e a Igreja Ortodoxa Copta. Elas têm sua origem no cristianismo criado nas fronteiras do Império Bizantino. Assim sendo:

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Igrejas de forma mais abrangente. Enquanto tendo suas raízes no Cristianismo do Mediterrâneo oriental, elas desenvolveram-se num ambiente político diferente dos das Igrejas Calcedônicas, numa atmosfera cultural não-Grega e não-Eslava.19

Esse aspecto fronteiriço marca profundamente essa família de Igrejas Ortodoxas,

pois influiu no seu desenvolvimento em oposição às Igrejas Calcedonianas, associadas ao cristianismo do Império Bizantino. Isso criou uma série de conflitos entre o poder de Bizâncio e seu cristianismo, e as Igrejas não Calcedonianas e seu cristianismo periférico e identidade

distinta da grega (bizantina):

A doutrina monofisita por sua vez entrou na Armênia através da Mesopotâmia e desenvolveu-se rapidamente, principalmente pelo fato de incentivar o nacionalismo, dando assim incentivo para as hostilidades entre os gregos.20

Assim sendo, o cristianismo monofisita teria chegado à Armênia pela Mesopotâmia,

ou seja, teria ocorrido uma troca entre os grupos religiosos na periferia do Império Bizantino, criando uma hostilidade contra os gregos (bizantinos). Isso reforça o fato de que as relações

entre as Igrejas não Calcedonianas e Igrejas Calcedonianas foram tensas. Ocorre que, muitas vezes, um aspecto aparentemente doutrinário de uma disputa religiosa pode ter relação com os demais aspectos de uma comunidade, como a busca de afirmação no exercício do poder ou da resistência. Esses grupos não Calcedonianos pareciam estar resistindo para obter uma autonomia em relação ao poder bizantino.

19 BINNS, John. An Introduction to the Christian Orthodox Churches

. Cambridge: Cambridge University

Press, 2002. p.30.

20 KHATLAB, Roberto. As Igrejas Orientais Católicas e Ortodoxas: Tradições Vivas. São Paulo: AM

(35)

No entanto, deve haver prudência nessa análise, para evitar certos anacronismos. Chamar de nacionalismo a força de identidade que havia entre os armênios direcionada contra os gregos seria um deles. O nacionalismo, como conceituado, foi uma ideia desenvolvida no século XIX; antes disso havia relações de identidade muito diferentes do que seria um nacionalismo21. Além disso, chamar de monofisitas os cristãos não Calcedonianos deve ser

evitado, pois muitos autores consideram o termo pejorativo.

Se por um lado os cristãos não Calcedonianos são um ramo das Igrejas Ortodoxas que se desenvolveu em oposição e, posteriormente, fora do mundo bizantino, o cristianismo Calcedoniano surgiu em conjunto, o que não necessariamente significa sem atritos, com o mundo bizantino. Entre as Igrejas pertencentes à família Calcedoniana presentes em São

Paulo, duas estão diretamente associadas à estrutura religiosa e administrativa do Império Bizantino (antes Romano): a Igreja Ortodoxa Grega e a Igreja Ortodoxa do Patriarcado de Antioquia. E duas ligadas às missões religiosas bizantinas entre os eslavos: a Igreja Ortodoxa Ucraniana e a Igreja Ortodoxa Russa no Exílio.

Essas duas primeiras Igrejas, de alguma forma, têm estrutura eclesiástica semelhante aos modelos administrativos do Império Romano e, posteriormente, Bizantino, apontando para o fato de que elas, como a Igreja Católica Romana, foram instituições oficiais de um poderoso Estado:

Com a Cristianização do Império Romano, os bispos das capitais regionais do império adquiriram reconhecimento formal de sua autoridade sobre as igrejas de suas dioceses imperiais. Roma, Alexandria e Antioquia tornaram-se focos organizacionais da igreja, e o bispo de Constantinopla e Jerusalém foram reconhecidos mais tarde como possuindo honra e autoridade similar, especialmente em

(36)

escutando apelos contra bispos locais e em resolvendo disputas entre eles. Nos concílios de Constantinopla I (381) e Calcedônia (451) a sé de Constantinopla foi reconhecida como segunda em honra à Roma, dando aos bispos das duas capitais do império jurisdição preeminente no Oriente e Ocidente respectivamente.22

Assim, tendo em vista as semelhanças entre a construção do poder estatal e a estrutura eclesiástica, observa-se uma aproximação do passado dessas Igrejas com elementos do poder bizantino. Em São Paulo, a Igreja Ortodoxa Grega está diretamente associada ao Patriarcado de Constantinopla, também chamado de Ecumênico, pela sua primazia em relação às demais Igrejas Orientais Calcedonianas; e a Igreja Ortodoxa do Patriarcado de Antioquia está ligada à Sé Calcedoniana de Antioquia.

As Igrejas Ortodoxas eslavas na cidade de São Paulo estão associadas às missões bizantinas na região da planície do rio Volga, na atual Rússia e Ucrânia. Ambas as Igrejas têm uma origem comum: a conversão ao cristianismo bizantino feita pelo príncipe Vladimir de Kiev no século X23. Com o tempo, essas Igrejas gradativamente separaram-se. Os grupos que foram absorvidos pelo cristianismo ocidental, principalmente pelas mãos do Estado polonês, e posteriormente pela imigração em massa para a América do Norte (principalmente Canadá), formam o cristianismo ucraniano. Os grupos que se mantiveram distantes da influência do cristianismo ocidental desenvolveram o cristianismo russo.

Esse cristianismo ucraniano é forte na diáspora, diferentemente do que ocorre na Ucrânia, em que os anos de dominação russa quase o extinguiram. Com a independência ucraniana após o fim da União Soviética, o cristianismo ucraniano foi retomado, principalmente com a ajuda da diáspora. No entanto, existem ainda disputas com um segmento do cristianismo da Igreja do Patriarcado Russo na Ucrânia:

(37)

A situação na Ucrânia é especialmente complexa, pois o Patriarcado de Moscou já foi desafiado diversas vezes através do século XX por igrejas Ucranianas "nacionais". A Igreja Ortodoxa Autocéfala Ucraniana surgiu depois de 1920. Foi inicialmente tolerada como parte do esforço do governo Soviético de semear dissidências dentro da Igreja Ortodoxa Russa, mas foi tornada clandestina depois de 1930. A Igreja Ortodoxa Autocéfala Ucraniana foi brevemente restaurada durante a 2ª Guerra Mundial no início da ocupação do país pela Alemanha Nazista, mas depois foi forçada para o exílio, onde sobrevive nos Estados Unidos. Quando a Ucrânia tornou-se independente em 1991, o líder da Igreja Ortodoxa Autocéfala Ucraniana retornou à Kiev, onde foi proclamado Patriarca de Kiev e de Toda a Ucrânia. A Igreja Autocéfala Ucraniana com sua sede em Kiev, no entanto, não é reconhecida pelo patriarca ecumênico nem pelo Patriarca de Moscou. 24

Hoje na Ucrânia existe uma disputa entre um cristianismo ucraniano, posto na defensiva, e um cristianismo russo, dominante. No entanto, do ponto de vista da organização eclesiástica, nenhuma das Igrejas Ortodoxas eslavas presentes na cidade de São Paulo tem relação direta com essas disputas específicas. Estão sim associadas a elas por compartilharem um passado comum com essas disputas, por isso a importância de ressaltá-las. Mas elas disputam em um ambiente muito distinto do ucraniano.

(38)

1.3 ORGANIZAÇÃO ECLESIÁSTICA DAS IGREJAS ORTODOXAS

Uma vez examinada a relação entre as comunidades étnicas em diáspora na cidade de São Paulo e as suas áreas de origem, falta apresentar a estrutura eclesiástica das Igrejas Ortodoxas de São Paulo, que se inserem em uma rede global de Igrejas.

Com relação à Igreja Apostólica Armênia, o Catholicos é o líder supremo da Igreja,

no entanto, existem dois Catholicos: o Catholicos Armênio da Cilícia, que vive na Sé de

Antelias no Líbano, e o Catholicos de Etchmiadzin, na atual República da Armênia, capital

religiosa desse Estado. Durante muito tempo foi o Catholicos da Cilícia que teve a primazia

entre as igrejas Armênias ao redor do mundo. Porém, desde o fim da União Soviética, da qual fazia parte a República da Armênia, a Sé de Etchmiadzin, por conta de sua importância histórica na formação do cristianismo apostólico (ou ortodoxo) armênio, começou a liderar25.

No caso da cidade de São Paulo, nos últimos trinta anos, houve mudanças significativas na estrutura eclesiástica da Igreja Apostólica Armênia, como aponta AO:

Até 1980, a Diocese do Brasil estava ligada à Diocese da Argentina, ou melhor, à Diocese da América do Sul, cuja sede diocesana estava instalada em Buenos Aires. Mas no ano de 80, foi necessário separar as dioceses da América do Sul e por ordem do Cathólicós, Patriarca

(39)

Supremo dos Armênios, quando visitou a América do Sul ele instalou os três países com suas próprias dioceses, ou seja, Argentina, Brasil e Uruguai. A Argentina cuida também do país Chile onde temos uma pequena comunidade e o Uruguai também tem sua própria diocese e Brasil também tem sua própria diocese.26

Pelo depoimento é possível observar a importância que possui a comunidade armênia da Argentina, e isso não ocorre somente no caso da Igreja Apostólica Armênia. Grande parte das Igrejas Orientais Paulistanas tem como lideranças locais os membros do clero de suas Igrejas localizadas na Argentina, indicando que naquele país houve grandes diásporas de cristãos orientais, às vezes maiores que no Brasil.

No entanto, o depoimento também aponta a importância da comunidade apostólica armênia no Brasil, que, por ordem do Patriarca Supremo dos Armênios, o Catholicos de

Etchmiadzin, ganhou uma diocese independente a partir da década de 80. Essa reorganização das dioceses da América do Sul ocorreu no mesmo período de fortalecimento do Catholicos

da República da Armênia, em detrimento do Catholicos da Cilícia. Esse fortalecimento

institucional e eclesiástico da Igreja Apostólica Armênia no Brasil continuou durante a década de 1980, pois, como aponta AO:

E no ano 84, o sacerdote que estava indicado aqui como representante da Igreja Armênia, como chefe da Igreja Armênia da comunidade, foi ordenado como bispo e foi o primeiro bispo diocesano de São Paulo.27

26 Depoimento de membro do clero da Igreja Apostólica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista

concedida ao autor em 08/02/2010.

(40)

Assim, a Igreja Apostólica Armênia ganhou um bispo próprio, representante do

Catholicos de Etchmidzin na cidade, mostrando a preponderância desse Catholicos em São

Paulo. Na entrevista AO também fala da importância de certas instituições para a manutenção da comunidade na cidade:

E hoje ao lado da Igreja existe também a escola que tem 81 anos essa escola, e mantém sua missão para a nova geração da comunidade.

Ensinando junto com o ensino brasileiro, a língua portuguesa, o armênio também. Uma instituição colegial em São Paulo. Neste momento no Brasil, existem mais ou menos 35 a 40 mil armênios, cujo 95% estão em São Paulo.28

AO observa a importância de uma escola para manter a missão para as novas

gerações, para preservar o que seria uma cultura armênia necessária para conservar a fé cristã apostólica armênia. Como na metáfora do Iconostasis Paulistano, o membro do clero está no lado voltado para o altar do Iconostasis, local da necessidade de manutenção da identidade cultural e da fé. No entanto, a contingência da cidade obriga-os a repensar estratégias para a manutenção desses elementos, e uma escola é uma estratégia. O apontamento sobre a longevidade dessa instituição escolar mostra o orgulho do membro com o sucesso de sua estratégia para manter os elementos, que ele acredita serem necessários, do cristianismo apostólico armênio.

28 Depoimento de membro do clero da Igreja Apostólica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista

(41)

Outro fator citado nesse trecho do depoimento de AO é com relação à quantidade de armênios no país e sua distribuição. Observa-se que a comunidade armênia no Brasil possui aproximadamente 40 mil membros e que está fundamentalmente localizada na cidade de São Paulo29, sugerindo que, diferentemente das comunidades árabes ou ucranianas, esse grupo de cristãos orientais no país é essencialmente paulistano.

Outra Igreja Ortodoxa não Calcedoniana na cidade é a Igreja Ortodoxa Sirian. Essa Igreja tem sua sede localizada na cidade de Damasco, na Síria, e a denominação de seu líder é Patriarca de Antioquia. Será observada no presente trabalho a reivindicação do título de Patriarcado de Antioquia pela liderança de todas as Igrejas de origem árabe na cidade: Católica Melquita, Católica Maronita, Sirian Ortodoxa e, é claro, a Igreja do Patriarcado Ortodoxo de Antioquia. Isso sugere uma disputa de uma memória identitária entre essas Igrejas, como também os diversos conflitos ocorridos entre elas. A Igreja Sirian Ortodoxa desenvolveu-se em oposição às Igrejas Melquita e Maronita, que são católicas, e a Igreja do Patriarcado Ortodoxo, que é Calcedoniana. Essa Igreja, diferentemente de sua irmã Apostólica Armênia, está espalhada de forma diversa no território nacional, conforme indica o depoimento de SO:

Mas temos aqui em São Paulo duas Igrejas, a Igreja Sirian Ortodoxa Santa Maria e a Igreja Sirian Ortodoxa São João Batista, e temos em Campo Grande a Igreja São Jorge, e em Belo Horizonte a Igreja São Pedro.30

29 Além da comunidade na cidade de São Paulo, existe uma comunidade numerosa no município de Osasco, na

Grande São Paulo, especialmente no bairro de Presidente Altino. Fora de São Paulo há uma pequena comunidade em Campo Grande - MS.

(42)

Figura 4 - Igreja Ortodoxa Sirian de Santa Maria na rua Padre Mussa Tuma.31

O depoente cita uma diversidade de comunidades ligadas à Igreja Sirian Ortodoxa estabelecidas no Brasil, no caso, além de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. Na cidade de São Paulo, a Divina Liturgia dominical é celebrada na igreja São João Batista e os casamentos, na igreja Santa Maria. Outro elemento de destaque, como aponta SO, na formação dessa Igreja na cidade de São Paulo é a preservação dos restos mortais de Musa Tuma, homenageado com o nome da rua onde se localiza a igreja de Santa Maria:

Começou a história do nosso povo aqui em São Paulo e o primeiro pároco que veio foi o padre Musa Tuma, o falecido padre Musa Tuma, e onde nós temos os restos mortais na Igreja Sirian Ortodoxa Santa Maria.32

31 Autor: Felipe Beltran Katz. Data: 16/9/2011.

32 Depoimento de membro do clero da Igreja Sirian Ortodoxa da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

(43)

Musa Tuma seria um indivíduo de importância para a memória dessa comunidade e também como fundador desta. A preservação de seus restos mortais em uma das igrejas da comunidade seria indício disso. A presença dessa relíquia seria um elemento de busca da

preservação dessa fé e identidade sirian ortodoxa, ou seja, mais uma estratégia desses membros do clero para cumprir a função que muitos deles assumem de guardião dessa identidade e fé específica.

Além das Igrejas Apostólica Armênia e Sirian Ortodoxa, há a terceira Igreja paulistana da família das Ortodoxas não Calcedonianas: a Igreja Ortodoxa Copta, a mais nova

a estabelecer-se na cidade. Essa Igreja tem sua sede no Cairo, capital do Egito, e seu Patriarca denomina-se Patriarca de Alexandria. Segundo CO, a relação entre ela e a comunidade egípcia na cidade, de início, não pareceu muito proveitosa:

O povo egípcio veio aqui muito tempo atrás, na época do presidente Gamar Abdel Nasser. Nós chegamos aqui muito tarde, só... A maioria deles foi casado com brasileiras, morando em vários Estados aqui no Brasil. Tentei com eles várias vezes para aparecer, alguns deles apareceram. Só tenho amizade com eles por telefone, ou na maioria eles não aparecem. Porque você sabe, o Brasil está muito livre e a maioria não se interessa pela Igreja mais.33

(44)

Nesse trecho do depoimento encontram-se alguns elementos acerca da existência da Igreja Copta na cidade de São Paulo: a ocorrência de uma comunidade cristã oriental egípcia no país e sua pouca relação com a Igreja recentemente instalada na metrópole. No entanto, parece que a relação que essa Igreja tem com a cidade é distinta daquela verificada na maioria das Igrejas Orientais instaladas em São Paulo.

É importante ressaltar o descontentamento de CO em relação ao que ele denomina de

muito livre, o Brasil seria um país muito livre. Mais uma vez está presente o compromisso do

membro do clero com sua missão como guardião dessa cultura necessária à manutenção da fé. Essa indignação com a liberalidade excessiva do país é uma reclamação sobre as

contingências que vive essa Igreja e a comunidade copta egípcia à qual ele está estreitamente relacionado. Todavia, a maneira de aproximação da Igreja Copta com os habitantes da cidade de São Paulo, como será apresentado no próximo item, está bem distante da relação entre ela e sua comunidade egípcia original.

Agora será dada ênfase às Igrejas Ortodoxas Calcedonianas da cidade de São Paulo, começando com a Igreja Ortodoxa Grega. Sobre essa Igreja pode-se ressaltar que não possui relação eclesiástica com a Igreja Ortodoxa Grega na Grécia; ela está inteiramente associada ao Patriarcado Ecumênico de Constantinopla:

(45)

jovem, como Igreja que tem um sínodo próprio que tem um arcebispo chefe Primaz.34

Essa criação de uma Igreja Grega independente do Patriarcado de Constantinopla deve-se às lutas nacionalistas ocorridas no início do século XIX35. Contudo, segundo GO, o Patriarcado Ecumênico possui jurisdição sobre algumas regiões na Grécia e a diáspora grega ao redor do mundo:

Pois bem, ou seja, os gregos fora da Grécia eles obedecem ao Patriarca Ecumênico, os gregos na Grécia obedecem o arcebispo de Atenas, exceto os gregos do norte da Grécia... Apesar de ser uma terra antiquíssima, vamos dizer: Tessalônica, Macedônia, aquela região toda ali. Mas como, uma vez independente a Grécia dos turcos, aquele território ainda ficou sob o regime turco. Depois que veio a liberdade, a libertação... Como também as ilhas, vamos dizer: Rodes, não sei o que. Então estas terras, apesar de serem antiquíssimas, mas como liberdade são terras novas, então as terras novas, ou seja, Tessalônica e todo o norte da Grécia, Monte Athos, Agios Oros, também, pertencem ao Patriarca Ecumênico [...].36

A liderança regional dessa Igreja em São Paulo é exercida pela diocese Ortodoxa Grega de Buenos Aires, apontando mais uma vez para o fato de que é na Argentina que muitas sedes das Igrejas Orientais Paulistanas estão localizadas. No Brasil, segundo GO, a Igreja possui representações nas principais capitais do Centro-Sul:

34 Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 17/08/2011.

35 No processo de independência grego, o Patriarca de Constantinopla estava associado ao Estado Otomano,

portanto, o clero que apoiou o movimento de autonomia grego organizou uma Igreja Grega nacional. BINNS, John. An Introduction to the Christians Orthodox Churches. Cambridge: Cambridge University Press, 2002.

p.180-1.

(46)

Muito bem, agora nós temos em Brasília, temos uma comunidade, temos em São Paulo a catedral na rua Bresser 793, temos aqui no Cambuci, que é a paróquia dedicada à missão de Nossa Senhora, a Mãe de Deus, Theotokos, na rua Albuquerque Maranhão 211,

Cambuci [entrevistado se identifica]; temos em Vitória, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Florianópolis, agora estão abrindo uma outra comunidade em Joinville, e Rio Grande do Sul.37

A outra Igreja na cidade de São Paulo associada a um Patriarcado Ortodoxo Calcedoniano é a Igreja do Patriarcado de Antioquia. A sede mundial dessa Igreja se localiza em Damasco, na Síria, e a sede nacional está na própria cidade de São Paulo, na famosa igreja de cúpula dourada no bairro do Paraíso. A Igreja do Patriarcado Ortodoxo da Antioquia talvez seja a Igreja Ortodoxa mais bem representada no país, com paróquias no interior do Estado de São Paulo, Sudeste, Sul e Centro-Oeste do país, acompanhando a imigração sírio-libanesa nessas regiões.

Sobre as relações eclesiásticas entre os Patriarcados Ortodoxos Calcedonianos de Constantinopla e de Antioquia, PO relata:

Da parte da Igreja Grega, o que há, por causa do Patriarcado de Constantinopla, é o um primado de honra, não há um primado de jurisdição. Então a nossa relação com os gregos é a mesma que com todos os outros ortodoxos que estejam presentes no Brasil, onde quer que haja também a nossa Igreja.38

37 Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo, em entrevista concedida

ao autor em 17/08/2011.

38 Depoimento de membro do clero da Igreja do Patriarcado Ortodoxo de Antioquia da cidade de São Paulo, em

(47)

PO destaca um assunto já há muito tempo debatido, que é a relação hierárquica entre os Patriarcados Ortodoxos Calcedonianos (da qual, em última instância, o Papa de Roma faria parte como o Patriarca de Roma). Para PO, a relação entre sua Igreja e o Patriarcado de Constantinopla é marcada por uma subordinação relativa à honra, ou seja, simbolicamente,

Constantinopla seria superior à Antioquia. Isso, segundo PO, não implica uma sujeição pela

jurisdição, ou seja, Antioquia não está subjugada aos interesses de Constantinopla.

Entretanto, como será observado mais adiante, a relação da hierarquia dos Patriarcados Calcedonianos na diáspora é conturbada.

A Igreja Ortodoxa Ucraniana na cidade de São Paulo também está sob a jurisdição do Patriarcado de Constantinopla, diferentemente do que ocorre na Ucrânia, pois lá se encontram Patriarcados Ucranianos. Essa Igreja está fundamentalmente associada à diáspora ucraniana na América do Norte39 e tem sua sede no Brasil na cidade de Curitiba, no Paraná, onde a comunidade ucraniana ortodoxa é bem maior do que em São Paulo. Outro elemento de destaque é que todas as igrejas dessa comunidade estão localizadas no município de São Caetano do Sul: a igreja de São Valdomiro, a principal, e a igreja de Proteção de Nossa Senhora, onde ocorre a Divina Liturgia.

A Igreja Ortodoxa Russa no Exílio vive uma situação eclesiástica distinta. Esse complemento “no Exílio” denota um elemento que a difere da Igreja Ortodoxa Russa na

Rússia. Não há relação entre essas Igrejas. Além disso, a sede eclesiástica dessa Igreja encontra-se em um país que há poucos anos não possuía boas relações com a Rússia. Segundo

39 A origem dessa Igreja está nas áreas cristianizadas da planície do Volga que ficaram longe do alcance da

(48)

RO: “Sim. A sede é nos Estados Unidos, o nosso metropolita, o cabeça da nossa Igreja é nos Estados Unidos. A sede aqui no Brasil da Diocese Brasileira, aqui na Rua Tamandaré.”40

Como aponta RO, a sede de sua Igreja está localizada nos Estados Unidos, especificamente na cidade de Nova York. Isso seria aparentemente antagônico, no entanto, como mais tarde será abordado, as relações entre essa Igreja Ortodoxa Russa no Exílio e a Igreja Ortodoxa Russa na Rússia (ou do Patriarcado Ortodoxo Russo) explicam por que ela escolheu um país rival da Rússia como local de sua sede. A representação da Igreja Ortodoxa Russa no Exílio no país é essencialmente paulistana, pois as demais comunidades russas no Brasil estão associadas à Igreja do Patriarcado de Moscou, com sede no Rio de Janeiro e com sua sede latino-americana em Buenos Aires41. Isso sugere uma especificidade do cristianismo ortodoxo russo de São Paulo.

Com esses apontamentos, pode-se obter um entendimento mais claro de como estão organizadas de forma eclesiástica as comunidades cristãs ortodoxas da cidade de São Paulo, suas relações com o cristianismo de seus locais de origem e como essas Igrejas fazem parte de uma comunidade global, à qual estão associadas por laços de afinidade em intensidades variadas. Com esse primeiro olhar tem-se a impressão de que essas Igrejas agem de acordo com esses laços internacionais, como se recebessem ordens de seus superiores mundiais ou latino-americanos. Porém, esse seria apenas um lado do movimento dessas Igrejas na sua vivência paulistana. Essa é a metáfora do Iconostasis Paulistano, ou seja, estar num espaço intermediário entre seguir as diretrizes impostas pelos superiores eclesiásticos e adaptá-las à realidade paulistana, o poder de mediar relações que essas Igrejas possuem.

40 Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Russa no Exílio da cidade de São Paulo, em entrevista

concedida ao autor em 24/02/2010.

41 Depoimento de membro do clero da Igreja Russa Católica da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao

(49)

Desse modo, será importante ressaltar os dois lados desse processo: a trama global em que essas Igrejas estão inseridas; e, posteriormente, a adaptação à especificidade paulistana. Assim sendo, torna-se necessário compreender como essas comunidades diaspóricas deixaram seus lugares de origem e se estabeleceram nessa cidade, procurando, por intermédio dos membros do clero, reestruturar e realocar no horizonte paulistano essas Igrejas Ortodoxas.

1.4 FORMANDO UMA

κοινóτητα

PAULISTANA

Nos depoimentos dos membros do clero das Igrejas Ortodoxas de São Paulo emerge o tema do restabelecimento das comunidades imigrantes cristãs na cidade. Nesta parte do estudo, como em outras deste capítulo, será dada ênfase às Igrejas Ortodoxas, pois, diferentemente das Igrejas Católicas Orientais, elas não tiveram o apoio da Igreja Católica Romana para se estabelecerem na cidade, muito embora os fluxos imigratórios dessas comunidades cristãs ortodoxas estejam relacionados com as comunidades católicas orientais, como no caso de armênios e ucranianos.

Na fala dos membros do clero sobre esse tema é possível mais uma vez notar o papel que esses indivíduos atribuem a si próprios de guardiões de uma identidade e fé do grupo diaspórico que representam. Uma memória que guardaria a experiência de reorganização desses grupos na capital paulista.

Imagem

Figura 1 - Iconostasis da Catedral Ortodoxa de Antioquia de São Paulo. 1
Figura 2 - Igreja do Patriarcado Ortodoxo de Antioquia no bairro do Paraíso. 16
Figura 3 - Mapa da cidade com localização das Igrejas Ortodoxas. 18
Figura 4 - Igreja Ortodoxa Sirian de Santa Maria na rua Padre Mussa Tuma. 31
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