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(1)UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião. CRISE E ESPERANÇA: A Práxis Pastoral da Igreja Batista na Guerra de Angola 1985 a 2002. Analzira Pereira Nascimento .. São Bernardo do Campo, fevereiro de 2005 1.

(2) UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião. CRISE E ESPERANÇA: A Práxis Pastoral da Igreja Batista na Guerra de Angola 1985 a 2002. Por Analzira Pereira Nascimento. Orientador: Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva Dissertação apresentada em cumprimento às exigências do Programa de Pós Graduação em Ciências da Religião, para obtenção do grau de Mestre.. São Bernardo do Campo, fevereiro de 2005 2.

(3) FICHA CATALOGRÁFICA Nascimento, Analzira Pereira Crise e esperança : a Práxis Pastoral da Igreja Batista na Guerra de Angola – 1985 a 2002 / Analzira Pereira Nascimento. São Bernardo do Campo, 2005. 234p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Metodista de São Paulo, Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião, Curso de Pós-Graduação em Ciências da Religião. Orientação de: Geoval Jacinto da Silva 1. Teologia pastoral 2. Esperança - Aspectos religiosos 3. Prática (Teologia) 4. Angola – Reconstrução 5. Angola – Problemas sócio – econômicos 6. Angola – História – Guerra, 1985-2002 7. Igreja Batista – Angola – História 8. Igreja Batista – Angola – Huambo I. Silva, Geoval Jacinto da II. Título. CDD 261.7096734. 3.

(4) BANCA EXAMINADORA. Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva. Prof. Dr. Carlos Moreira Henriques Serrano. Prof. Dr. Jung Mo Sung. 4.

(5) AGRADECIMENTOS. Quero render graças ao meu Deus e dar-lhe toda a glória por ter me preservado a vida dandome a condição de hoje concluir esta pesquisa. À minha família que muito me incentivou e se empenhou para que esse dia acontecesse. Aos amigos que colaboraram para a concretização deste sonho e estiveram presentes nos momentos mais difíceis, especialmente os que participaram deste trabalho. Ao professor Geoval Jacinto da Silva, meu orientador, por acreditar neste Projeto. Aos professores, colegas e funcionários da Pós-Graduação da UMESP pela amizade. Aos meus amigos da Igreja Batista de Água Branca, Junta de Missões Mundiais e CIEM que entenderam minhas prioridades e me apoiaram para finalizar esta etapa da minha existência. Ao CNPQ que investiu na minha vida concedendo-me a bolsa de estudos. E de um modo todo especial ao meu querido povo angolano, amigo e irmão de todas as horas, pois sem eles não existiria esta Dissertação. Com eles divido este momento especial que vem recuperar parte da nossa história que ainda não foi contada.. 5.

(6) SUMÁRIO SUMÁRIO .................................................................................................................................. 6 LISTA DE ILUSTRAÇÕES ...................................................................................................... 8 LISTA DE QUADROS .............................................................................................................. 9 LISTA DE SIGLAS ................................................................................................................... 9 SINOPSE .................................................................................................................................. 10 ABSTRACT ............................................................................................................................. 11 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12 CAPÍTULO 1 ANGOLA: UMA HISTÓRIA DE OCUPAÇÃO ................................................................. 24 1. O Período Colonial .............................................................................................................. 26 1.1. O Processo de Colonização ........................................................................................ 28 1.2. A Implantação da Igreja em Angola ........................................................................... 33 2. O Processo de Descolonização - Esgotamento do Modelo Portugues ................................ 38 2.1. O Início da Luta Armada - A Guerra de Independência ............................................ 41 2.2. Os Movimentos de Libertação - A Resistência Organizada ....................................... 44 2.3. A Revolução dos Cravos em Portugal ........................................................................ 48 2.4. O Governo de Transição............................................................................................. 49 2.5. A Proclamação da Independência - O MPLA no Poder ............................................. 51 3. A Nova República e a Guerra Civil ...................................................................................... 54 3.1. Intervenção dos Poderes Egemônicos em Angola - A Guerra Fria ............................ 57 3.2. Os Acordos de Paz...................................................................................................... 58 3.3. Morte de Jonas Savimbi - O Cessar Fogo .................................................................. 60 CAPÍTULO 2 A GUERRA E A DESOLAÇÃO: A BUSCA PELA SOBREVIVÊNCIA ......................... 62 1. A Guerra e o Processo de Descaracterização de Uma Cultura ............................................ 65 1.1. Uma Nova Cosmovisão - A Cultura de Guerra .......................................................... 71 1.2. A Ética da Sobrevivência - A Relativização dos Valores .......................................... 76 6.

(7) 2. A Guerra e a Presença de Uma Organização Religiosa........................................................ 84 2.1. O Trabalho da Convenção Batista de Angola ............................................................ 86 2.2. A Igreja Batista na Cidade de Huambo ...................................................................... 91 2.2.1. A Igreja "Intra-Muros"........................................................................................ 91 2.2.2. A Igreja e Sua Missão Integral .......................................................................... 94 CAPÍTULO 3 DESAFIOS E OPORTUNIDADES DA PRÁXIS PASTORAL EM SITUAÇÃO DE GUERRA ............................................................................................................................... 103 1. A Igreja Como Comunidade Solidária .............................................................................. 110 1.1. Comunidade do "Refúgio" - Compaixão e Identificação ......................................... 117 1.2. Diaconia e Assistência de Emergência ..................................................................... 121 2. A Igreja Como Parceira no Empreendimento da Reconstrução Nacional ......................... 126 2.1. Mobilização e Ações de Desenvolvimento .............................................................. 131 2.2. Formação de Agentes de Transformação ................................................................. 139 3. A Igreja Como Promotora da Práxis de Esperança ............................................................ 142 3.1. Esperança de Paz e Reconciliação ............................................................................ 144 3.2. Esperança de Novos Tempos.................................................................................... 148 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 150 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 157 ANEXOS ................................................................................................................................ 166 . CARTA ............................................................................................................................................. 164. . CRONOLOGIA DA HISTÓRIA DE ANGOLA ............................................................................... 170. . ENTREVISTAS ................................................................................................................................. 175. 7.

(8) LISTA DE ILUSTRAÇÕES. Figura 01 - Mapas, Angola no Mundo ............................................................................... ..24 Figura 02 - Mapa Etnolinguístico de Angola ...................................................................... ..26 Figura 03 - “A Guerra e as Igrejas” – Angola Atual ........................................................... ..27 Figura 04 - Reportagem: 1ª Igreja Batista de Nova Lisboa ................................................. ..36 Figura 05 - Capa de revista: Início da Luta Pela Independência ......................................... ..41 Figura 06 - Artigo: Luanda Sitiada ...................................................................................... ..53 Figura 07 - Artigo: UNITA e Governo Angolano Firmam Acordo ......................................59 Figura 08 - Capa de Livro: Angola: A Cultura do Medo ......................................................62 Figura 09 - Artigo: Crianças Perdem Infância e Vão à Guerra .............................................81 Figura 10 - Foto: Projeto Quem Ama Espera ......................................................................103 Figura 11- Foto Projeto Ekuku ............................................................................................103 Figura 12 - Foto:Biblioteca do Seminário Batista em Huambo .......................................... 103 Figura 13 - Foto: Acantonamento........................................................................................ 103 Figura 14 - Artigo: Brasília Negocia com UNITA Saída de Brasileiros .............................128 Figura 15 - Artigo: UNITA Liberta os Cinco Brasileiros ...................................................128 Figura 16 - Foto: Culto de Formatura..................................................................................137 Figura 17 - Foto: Seminário ................................................................................................137 Figura 18 - Foto: Lanchonete ..............................................................................................137 Figura 19 - Foto: Sorveteria ................................................................................................137 Figura 20 - Foto: Padaria ..................................................................................................... 137 Figura 21 - Foto: Projeto Elavoko .......................................................................................138 Figura 22 - Foto: Projeto Lembi Lembi ..............................................................................138 Figura 23 - Foto: Projeto Alfabeta.......................................................................................138 Figura 24 - Foto: Lavra Comunitária...................................................................................138 Figura 25 - Foto: Encontro com os Detentos.......................................................................138 Figura 26 - Foto: Construção da Escola do Presídio ...........................................................138 Figura 27 – Artigo: Kissinger admite que errou em Angola ............................................... 171. 8.

(9) LISTA DE QUADROS Quadro 01 - Grupos Etnolinguísticos ....................................................................................28 Quadro 02 - Quadro Sinótico dos Movimentos Políticos .....................................................46 Quadro 03 – Método de Ações/Reflexão ............................................................................109 Quadro 04 – O Reino entre Nós ..........................................................................................133. LISTA DE SIGLAS. AEA. Associação de Evangélicos de Angola, fundada em 1974, ligada à Aliança Evangélica Mundial. CBA. Convenção Batista de Angola. CEAST Conferência Episcopal de Angola e São Tomé e Príncipe CICA. Conselho de igrejas Cristãs em Angola; o CAIE, depois de 1992. CMI. Conselho Mundial de Igrejas (World Council of churches). DINAR Direção Nacional dos Assuntos Religiosos, criada pelo governo da RPA para comunicação com as Igrejas, respectivamente o controle delas DISA. Direção de Informação e Segurança de Angola – a Segurança, nos primeiros tempos da jovem RPA. FNLA. Frente Nacional de Libertação de Angola, fundada em 1962 pela fusão da UPA e do Partido Democrático de Angola. IEBA. Igreja Evangélica Batista de Angola, resultado do trabalho missionário dos Batistas ingleses, no Norte do país. IECA. Igreja Evangélica Congregacional de Angola, o CIEAC depois do conflito da descolonização. MPLA. Movimento Popular de Libertação de Angola. ODP. Organização de Defesa Popular, parte da alta militarização da sociedade na RPA. OMA. Organização da Mulher Angolana – organização feminina ligada ao MPLA. OPA. Organização dos Pioneiros Angolanos – organização de jovens ligada ao MPLA. PIDE. Polícia Internacional e Defesa do Estado. 9.

(10) NASCIMENTO, Analzira Pereira. Crise e Esperança. A práxis pastoral da Igreja Batista na guerra de Angola – 1985 a 2002. Mestrado em Ciências da Religião – Programa de PósGraduação em Ciências da Religião. UMESP: Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2005.. SINOPSE. Quatro décadas de guerra trouxeram conseqüências desastrosas para a nação angolana. Na cidade do Huambo - a segunda do país e o epicentro do conflito armado - destruída pelos combates, a Igreja Batista, exerceu de maneira criativa o seu papel de comunidade solidária. A Igreja não se resignou à miséria imposta pela guerra, mas junto com o povo descobriu que a crise traz oportunidades imperdíveis para exercer sua missão. Seu papel foi catalisador, reunindo vontades, organizando parcerias, provocando reflexão, servindo vítimas de guerra e os carentes em geral. Em meio à dor, as igrejas descobrem a importância da interdependência, percebem que somente através da cooperação mútua e na busca do bem do outro é que será possível alcançar objetivos comuns e transformar realidades. Ao mesmo tempo em que a igreja era um agente de transformação, ela também teve que adequar sua metodologia e mudar suas práticas missionárias, ou seja, a igreja transformava e era transformada.O primeiro capítulo traz uma retrospectiva histórica do período colonial até a contemporaneidade; o capítulo dois trabalha os efeitos de uma guerra devastadora na vida da população e como a igreja interagiu com esta cultura de guerra. Finalmente, no capítulo três, a análise da práxis pastoral da igreja em meio ao conflito armado atuando como uma comunidade solidária, parceira no empreendimento de reconstrução nacional e promotora da práxis de esperança. Por ser um estudo de caso, o trabalho apresenta uma análise crítica da práxis pastoral desenvolvida pela Igreja Batista na cidade do Huambo no período de 1985 a 2002, podendo vir a ser uma leitura suplementar para quem conviver em situações de conflito armado. Palavras chave: guerra, crise, igreja, transformação, pastoral, solidariedade e esperança.. 10.

(11) NASCIMENTO, Analzira Pereira. Crisis and Hope: pastoral praxis of the Baptist church in Angola during the war of 1985 - 2002. Masters in Sciences of Religion – Post Graduate Program in Sciences of Religion. UMESP: Methodist University of São Paulo, São Bernardo do Campo, 2005.. ABSTRACT. Four decades of war, brought awful consequences to the Angolan Nation. In the city of Huambo, the second largest in the country and the center of the armed conflict, destroyed by combats, the Baptist Church creatively worked as a community in solidarity. It did not accept the misery imposed by the war, but with the people, discovered that the crisis offered a wide variety of opportunities to fulfill its mission. It performed as if it were a catalyst, gathering together desires, organizing partnerships, provoquing reflexions, serving the war victims and the poor in general. In the middle of the suffering, churches discover the importance of independence, see that only through the mutual cooperation and with the will to seek the other’s interest, that it is possible to achieve common goals and change realities. At the same time that the church acted as an agent of change, it also had to adapt its methodology and change its missionary practices. In another words, the church made a change and was changed at the same time. Chapter one offers a historical background beginning with the colonial period until contemporary times. Chapter two presents the effects of a devastating war on the life of a population, and how the church interacted with this culture of war. Finally, chapter three analyzes the pastoral praxis of the church in the midst of the armed conflict, acting as a solidary community, partner in the national reconstruction enterprise and as a promoter of the praxis of hope. Due to the fact that it is a case study, this text offers a critical analysis of the pastoral praxis developed by the Baptist Church of Huambo, during the period of 1985 to 2002, offering insights on those living in a situation of armed conflicts. Key words: war, crisis, church, transformation (change), pastoral, solidarity, and hope.. 11.

(12) INTRODUÇÃO. Em 1985, atendendo a um convite da Igreja Batista do Huambo, em Angola, para implantar um Hospital, segui para aquele país situado na África Austral, que esteve em guerra de 1961 até 2002. Fixei minha residência na cidade do Huambo, onde permaneci até agosto de 2002, período no qual está delimitado este trabalho, considerando a minha chegada no ano de 1985. Juntamente com os angolanos, vivi os terrores da guerra e suas conseqüências desastrosas. Convivi com o drama de centenas de famílias. Assisti a destruição do país gradativamente. A cada dia buscávamos uma resposta para aquela situação absurda e tão desoladora; a morte passou a fazer parte do cotidiano de todas as pessoas e o deixar de existir, passa a ser apenas mais uma estatística. A população se perguntava sobre o “por quê” daquele conflito interno entre irmãos, tendo de um lado a UNITA e de outro o MPLA1, ambos africanos, porém apoiados por forças externas, enquanto os filhos da terra eram esmagados por razões que desconheciam. Encerrei minhas atividades em Angola e voltei ao Brasil para trabalhar na preparação de missionários num novo projeto na cidade do Rio de Janeiro2, e também para desenvolver um programa na Igreja Batista de Água Branca em São Paulo3. Este retorno tem sido um processo doloroso de adaptação a nova realidade onde tento digerir tudo o que aconteceu. Nesta busca de sentido, tentando avaliar toda aquela vivência de um conflito armado por 17 anos, entendi que precisava sistematizar minha experiência, trazendo para a academia as. Veja nas páginas 45 e 46 onde descrevo a fundação dos Movimentos de Libertação. No Rio de Janeiro estamos trabalhando num projeto de formação missionária no CIEM – Centro Integrado de Educação e Missões da CBB – Convenção Batista Brasileira. 3 Na Igreja Batista de Água Branca estamos implantando um programa que desperte a comunidade para a missão integral e chama-se Ibab-Missão. 1 2. 12.

(13) reflexões em torno do que é ser igreja no meio de uma guerra e compartilhar com o mundo acadêmico a tragédia daquele povo que fez tanto pelo Brasil. Tendo experimentado diferentes momentos da guerra, pude vivenciá-la de ângulos também diferentes, seja como enfermeira, ou como cidadã civil comum e ainda como missionária agenciada pela Junta de Missões Mundiais da Convenção Batista Brasileira, em parceria com a Convenção Batista Angolana. A minha experiência com a comunidade batista angolana mostrou que além da mobilização social e ações de desenvolvimento comunitário, este segmento confirmou sua solidariedade negando-se a abandonar a cidade, permaneceu com o povo nos combates, prestando socorro aos feridos. A ação humanitária permitiu que ela se transformasse em uma promotora da práxis de esperança, comunicando muito mais com atitudes do que com discursos a verdade do Evangelho de Jesus Cristo, que foram de grande consolo para a população. A presença da comunidade batista junto à população nos momentos mais difíceis da guerra conferiu-lhe credibilidade diante do Governo, ONG’s Internacionais e ONU. Filiou-se a UCAH (Unidade de Coordenação das Ajudas Humanitárias), recebendo um status de ONG Internacional, o que lhe permitiu firmar uma série de parcerias para implantação de projetos de geração de ocupação, de empregos e renda, práticas que trouxeram desenvolvimento e contribuíram para a promoção de uma cultura de paz e esperança na região. A dissertação é, portanto, análise e sistematização da práxis pastoral desenvolvida pela Igreja Batista na cidade do Huambo durante os anos de 1985 a 2002, na guerra de Angola, que em quatro décadas de conflito armado causou muita destruição e pouca reconstrução. Nesse período de guerra, podemos contar com os testemunhos de organizações que estiveram presentes e afirmam que nesse intervalo houve uma considerável estagnação principalmente, na indústria e na educação, trazendo seqüelas irreparáveis tanto para a vida das pessoas como. 13.

(14) nos serviços de infra-estrutura do país, como pode confirmar o Relatório de Avaliação pósguerra das Nações Unidas:. Ao provocar a rotura da agricultura, dos transportes e do comércio, a guerra contribuiu também para a desindustrialização do país, cortando fontes de abastecimento de baixo custo às indústrias de transformação, muitas das quais tinham sido estabelecidas antes da independência para o processamento de produtos agrícolas produzidos localmente. Em algumas cidades do interior como o Huambo e Malange, algumas importantes indústrias de transformação foram completamente destruídas. Em muitas áreas, as infra-estruturas básicas, como os sistemas de eletricidade, as pontes e as linhas ferroviárias, foram destruídas ou danificadas.4. No período mais crítico, em 1992-1993, quando ocorreu a famosa “Batalha dos 55 dias” pela disputa da cidade do Huambo, a segunda do país e o epicentro do conflito, os guerrilheiros da UNITA ocuparam a cidade. As estruturas governamentais foram destruídas. A cidade ficou sem comunicação. O Palácio do Governo, Secretarias, os Correios, telefonia, órgãos de comunicação massiva como Rádio e TV foram bombardeados e desativados. Os dirigentes do governo que sobreviveram, deixaram a cidade junto com as Forças Armadas no “recuo militar estratégico”5 em março de 1993. A população civil ficou ilhada na cidade sob o comando da guerrilha, conforme nos descreve o Relatório da ONU: “A guerra causou também imensos prejuízos às instituições, em particular às estruturas de administração local, ao provocar a fuga dos funcionários públicos do interior para Luanda ou para alguns outros grandes centros urbanos nas zonas do litoral”.6 A Igreja foi o que restou para a população, em termos de instituição, conforme podemos perceber em suas falas nas entrevistas realizadas e também na bibliografia contemporânea consultada. Esta é exatamente a minha hipótese nesta dissertação, onde descrevo a experiência da Igreja como um agente que teve um papel catalisador, reunindo. 4 5 6. ONU. Angola: Os Desafios pós-guerra, p.56. Termo utilizado oficialmente pelos militares do Governo. ONU. Angola: Os Desafios pós-guerra, p. 57.. 14.

(15) vontades, organizando parcerias, provocando reflexão, servindo vítimas da guerra e os carentes em geral. A minha hipótese é que a Igreja foi uma comunidade solidária, sofrendo junto com a população e exercendo diaconia nos momentos críticos. Trabalhou como parceira no empreendimento de reconstrução nacional e atuou como promotora da práxis de esperança em meio à desolação e destruição. Ela conseguiu ser um lugar de refúgio, como nos descreve Moltmann:. Tornam-se ilhas da verdadeira solidariedade e da vida propriamente dita em meio ao agitado mar das relações em que o pequeno homem nada pode modificar. Aqui o cristianismo pode se tornar o ponto de encontro e de integração e assim certamente desempenhar um fim social.7. Em meio à desolação e isolamento no interior do país, as Igrejas Católicas e Evangélicas tiveram um papel relevante, pois a prioridade do governo era resolver os conflitos armados, destinando grande parte do orçamento do Estado para a guerra, enquanto as necessidades básicas do povo ficaram para segundo plano. Os recursos disponíveis eram cada vez mais escassos, atrasando ainda mais a recuperação da economia e a melhoria do bem estar da população, conforme esclarecem as Nações Unidas em seu relatório de avaliação pósguerra.8 Foi na comunidade internacional que os pedidos de ajuda tiveram eco, em um primeiro momento, trazendo dezenas de ONG’s (Organizações não governamentais), que se deslocaram até Angola para prestar ajuda de emergência, juntamente com diferentes órgãos da ONU. Posteriormente, os esforços são canalizados para uma nova etapa onde começam a ser implantados Projetos de Desenvolvimento. Nessa fase, a Igreja Batista atuou como uma ponte, sinalizando e interpretando situações que pudessem revelar indicadores para as. 7 8. MOLTMANN, J. Teologia da Esperança, p.378. ONU. Angola: Os Desafios Pós-Guerra, p. 57. 15.

(16) organizações internacionais investirem e estruturarem seu trabalho. É assim que surgem muitas parcerias em diferentes áreas de atuação e vários projetos são implantados pelos batistas angolanos:. o Colégio Batista do Huambo – capacidade para 800 alunos (três turnos); o Seminário Teológico Batista do Huambo – formação de liderança para a Igreja e seus projetos; o Cooperativa Feminina Tabita – artesanatos e cursos de formação feminina; o Centro Médido Lembi-Lembi – assistência médica, recuperação nutricional e laboratório; o Projeto Elavoko – centro de profissionalização para mutilados de guerra (costuras, padaria e cestarias); o Projeto Epopelo – apoio à unidade penitenciária do Huambo (assistência médica, nutricional e educacional), construção de uma escola de 1o e 2º níveis dentro do presídio com apoio financeiro da Direção de Direitos Humanos da ONU; o Lanchonete, Padaria e Sorveteria Ekuku – maior detalhamento no capítulo 3; o Projeto Alfabeta – programa de alfabetização de adultos (funciona nas dependências do Seminário Batista do Huambo e alfabetiza 100 alunos por vez que são examinados pelo Governo que também concede os certificados); o Projeto Quem Ama Espera – uma proposta cristã para o combate ao AIDS e palestras educativas sobre as DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis); o Projeto Ondopi – confecção de blocos de terra comprimida; o Projeto Becalele – formação de técnicos em carpintaria; o Projeto Lavra Comunitária – pequeno sítio que produz legumes e hortículas para sustento do Seminário Teológico Batista. 16.

(17) A atuação da igreja no pastoreio espiritual de consolo e em projetos de ação social, não permitiu que ficasse paralisada diante da dor e nem se resignasse com a miséria imposta pela guerra, mas junto com o povo, foi descobrindo que a crise também traz oportunidades imperdíveis para exercer sua missão, criando saídas, inovando e inventando. Para realizar este empreendimento desafiador procuro o suporte básico em dois referenciais teóricos: em primeiro lugar, sinto total harmonia com a obra “Missão Transformadora: mudanças de paradigma na teologia da missão” de David Bosch, e identifico minhas reflexões sobre a missão da igreja, em particular a igreja em Angola, com o seu pensamento quando afirma que “A missão é entendida como um empreendimento que transforma a realidade... A missão, nesta perspectiva, é aquela dimensão de nossa fé que se recusa a aceitar a realidade como esta é e visa transformá-la”.9 Os 17 anos em Angola e as fontes consultadas mostram que as Igrejas Católica e Batista são as instituições religiosas mais expressivas que permaneceram com o povo na cidade do Huambo, e este ato de “ficar” ou “permanecer” transformam-nas em referência para a população. Em meio à dor, estas instituições descobrem a importância da interdependência, percebem que somente através da cooperação mútua e na busca do bem do outro é que será possível alcançar objetivos comuns e transformar realidades. Novamente procuro apoio teórico em Bosch para demonstrar que os pressupostos pensados para a missão transformadora de realidades decorrem, em grande parte, do fato dela ser vivenciada integralmente. O meu segundo suporte e referencial é Benedict Schubert com o livro “A Guerra e as Igrejas: Angola 1961 – 1991”. Sua obra além de fornecer uma retrospectiva histórica, também busca compreender qual foi o impacto do processo político-militar sobre as 9. BOSCH, David J. Missão Transformadora: mudanças de paradigmas na teologia da missão, p. 11.. 17.

(18) comunidades religiosas e qual o papel que estas desempenharam neste mesmo processo, principalmente, como sinalizadoras da paz. Uma das coisas que mais chamou minha atenção para o seu livro, foi a descrição que faz das igrejas como “a voz dos sem-voz”, quer dizer, a população civil atribuía-lhe um caráter profético e de sustentação, Schubert descreve o sentido profético assim:. Esta força tinham-na as Igrejas obtido pelo facto de se terem tornado (após todos os desastres e a miséria crescente causados pela guerra e pela destruição, e visto a extorsão dos recursos do país pelos dois poderes ditatoriais) um dos poucos refúgios para as populações ao lado das organizações humanitárias e, no caso de certas Igrejas, também de se terem tornado a ‘voz dos sem-voz’, exprimindo o anseio pela paz e pela liberdade que não cessara de crescer no país.10. Para traduzir toda esta experiência tão atual e parte de uma história ainda não registrada em sua totalidade, disponho de uma diversidade de fontes documentais. A pesquisa bibliográfica, por ser mais tradicional, oferece uma contribuição relevante para a sustentação e construção de uma possível revisão na eclesiologia batista em situação de guerra. Agora, sem dúvida, a memória dos personagens que vivenciaram estes anos de luta pela libertação de Angola pode enriquecer sobremaneira este relato, no sentido de reconstituir a experiência dos irmãos angolanos que fizeram parte da história da província do Huambo, a partir do ano de 1985 até os dias de hoje. Utilizo também outros tipos de documentos, como correspondências, jornais, revistas e materiais institucionais coletados durante os dezessete anos de residência em Angola. Enfrentando os desafios de transformar a memória em História, elaborei um roteiro de pesquisa de campo nos moldes de uma entrevista com perguntas abertas, que foi aplicada em momentos diferentes nas cidades do Huambo e Luanda, em Angola, entre os anos de 2003 e 2004, e ainda mais duas entrevistas aplicadas no Brasil. Foram entrevistados líderes de vários 10. SCHUBERT, Benedict. A Guerra e as Igrejas, p. 1.. 18.

(19) segmentos da sociedade angolana como pastores evangélicos, membros do governo, autoridades internacionais governamentais e não-governamentais e, ainda, pessoas da sociedade civil, que foram selecionados por gênero e faixa-etária. O material está disponível nos anexos. As contribuições dos entrevistados são utilizadas com fidelidade e como fonte documental de caráter científico como outras fontes de tipologia considerada “oficial”. Para manter sustentabilidade e confiança na construção da dissertação diante dos argumentos e com a utilização das narrativas de personagens participantes dos eventos, esclareço que me apoiei nos métodos da História Oral, seguindo as orientações de Alessandro Portelli11, principalmente tendo o cuidado de não considerar um depoimento como a verdade fiel à experiência histórica do povo angolano12. As falas dos entrevistados para esta dissertação referem-se à vivência nos conflitos no período de guerras na cidade do Huambo, entre os anos 80 e 2002. Ressaltamos que temos ciência de que um depoimento traz a subjetividade do narrador, conforme afirma Portelli, porque a narrativa sempre terá a experiência de quem fala, pois “a motivação para narrar consiste precisamente em expressar o significado da experiência através dos fatos: recordar e contar já é interpretar”13.. No entanto esta. característica do depoimento não o invalida, ao contrário, é exatamente isso que o torna uma fonte documental preciosa, desde que se saiba fazer a leitura, como também diz o autor “Se formos capazes, a subjetividade se revelará mais do que uma interferência; será a maior riqueza, a maior contribuição cognitiva que chega a nós das memórias e das fontes orais”14.. PORTELLI, Alessandro. A Filosofia e os Fatos: Narração, interpretação e significado nas memórias e nas fontes orais. Revista Tempo, p.60. 12 Ibid., p. 60 13 Ibid., p. 60. 14 Ibid, p. 64. 11. 19.

(20) De acordo, ainda, com Alessandro Portelli, a memória individual ao ser colocada na forma de texto, passa por um processo que oferece material suficiente que permite transpor o evento narrado do particular para o coletivo: “Por isso é possível, através dos textos, trabalhar 15. com a fusão do individual e do social, com expressões subjetivas e práxis objetivas.”. No. caso dos depoimentos que compartilhamos agora com a academia, considero-os como vozes que ainda precisam falar muito mais de sua tragédia, para que tanta subjetividade possa objetivar-se de forma concreta em esforços para a construção da nação angolana. Foi utilizado também o método proposto por Eva Maria Lacatos16, identificado como o método “Histórico-Crítico” que, segundo a autora é uma categoria que “consiste em investigar acontecimentos, processos e instituições do passado para verificar a sua influência na sociedade de hoje, pois as instituições alcançaram sua forma atual através de alterações de suas partes componentes, ao longo do tempo, influenciadas pelo contexto cultural particular de cada época”. Esta afirmativa que de início quer situar-se no campo metodológico, na verdade, soa como um desafio no campo teórico, no sentido de construir e recuperar a trajetória da ação dos batistas em Angola, e mais especificamente na cidade do Huambo, no período de 1985 a 2002, de maneira a confirmar a hipótese de que a sua práxis religiosa contribuiu para a reinserção do povo na sociedade angolana. O meu desejo é que esta reflexão possa contribuir para a elaboração de Uma Práxis Pastoral em situações de guerra. A dissertação está formulada em três capítulos: o primeiro é histórico e apresentará uma retrospectiva da história de Angola, vindo desde o período colonial, descrevendo os movimentos de libertação e a guerra de independência até a saída dos Portugueses em 1975. Com o apoio de Cuba e URSS para o MPLA, a UNITA se retira para as matas oferecendo resistência armada e assim é deflagrada uma nova guerra chamada “civil” pela. 15 16. Ibid., p. 64. LAKATOS, Eva. Metodologia Científica, p. 80.. 20.

(21) imprensa internacional, termo rejeitado pelo Governo que define o movimento de Jonas Savimbi como “rebelde”. Alguns acordos de cessar fogo são assinados no decorrer dos anos, porém são desrespeitados, até que o Governo elimina Jonas Savimbi e consegue a assinatura de paz com os novos líderes da UNITA. De forma transversal à história da formação na nação angolana, o texto descreve a implantação e o desenvolvimento da Igreja Batista e como ela interagiu com o povo em sua experiência de espoliação, conflito e de guerra. No segundo capítulo será abordado o tema da guerra em Angola no período póscolonial, e a história virá paulatinamente centralizando-se na cidade do Huambo, segunda do país, que foi o epicentro do conflito. Huambo está na região central da etnia Ovimbundu, mesmo povo do líder da guerrilha, Jonas Savimbi, que usava o discurso étnico para conseguir adeptos para seu movimento. Ele reivindicava Huambo como sendo sua capital e, por isto, a conquista da cidade era uma questão de honra, assim como para o Governo defendê-la. Por ter sido a cidade, em extensão, mais destruída do país, recebeu maior número de organizações internacionais e representações das Nações Unidas e Cruz Vermelha Internacional, o que no futuro abre um leque de parcerias e oportunidades para a comunidade. Os efeitos de uma guerra tão prolongada se fizeram sentir em uma população descaracterizada de sua cultura e bastante fragmentada, pois o processo de independência provocou muitos deslocamentos de angolanos para “modos de vida” ainda não experimentados. Neste contexto, as igrejas assumem um papel relevante. Vamos descrever como ela interagiu com o povo em sua experiência de espoliação e vivência nessa nova cultura de guerra. Precisou rever sua teologia para então poder apontar caminhos e anunciar esperança à população em busca de um sentido para todo aquele sofrimento através ações sociais 21.

(22) O terceiro capitulo vai trazer contribuições para a práxis pastoral em situação de conflito, a partir de uma análise das ações da igreja batista na guerra, especialmente na cidade do Huambo. Uma guerra que parecia durar um curto espaço de tempo foi tomando proporções alarmantes, atingindo todo o país até alcançar as cidades. No período mais crítico – 19921993 - quando a UNITA tinha em seu poder um forte arsenal bélico, ela conquista a cidade do Huambo na famosa “Batalha dos 55 dias”. Com a destruição das estruturas governamentais e a retirada dos dirigentes com as Forças Armadas, a região ficou desolada, sem perspectiva e ilhada. A única organização que não abandonou a cidade e ficou com o povo foi a Igreja, mais especificamente as Igrejas Católica e Batista, que por sua atuação tiveram uma visibilidade fantástica. Nesta ocasião, interagindo com o povo no meio da guerra, a Igreja Batista foi uma comunidade solidária, exercendo sua diaconia nas assistências de emergência, prestando socorro aos feridos, e apoio em geral para a população que restou na cidade. Sua atuação mais notável foi o fato de fornecer abrigo às populações que posteriormente vieram a descrevê-la como “comunidade do refúgio”, “tábua de salvação” e outros mais. Meses mais tarde, com a retomada do Governo, a Igreja, por ter permanecido com o povo naquela destruição, ganha muito prestígio e credibilidade passando a ser uma referência para quem quisesse interpretar a situação na cidade. Seu papel de mediadora entre a população e as Organizações Internacionais foi de grande valia, oferecendo indicadores para definir a qualidade e quantidade da ajuda humanitária. O resultado destas ações conjuntas “Igreja-Organizações-ONU” configurou-se em parcerias produtivas, gerou projetos de autosustentabilidade e abriu caminhos de desenvolvimento e interdependência, fazendo da igreja uma parceira do governo e das ONG’s no empreendimento de reconstrução nacional. Entretanto uma das maiores contribuições pastorais de uma Igreja em situação de conflito armado é ser uma promotora da práxis de esperança, tema onde a comunidade batista 22.

(23) não teve um papel proeminente como instituição, mas conseguiu deixar algumas marcas da sua presença, principalmente no fato de ter permanecido com o povo na cidade e estar ao seu lado nos momentos mais críticos, e esta foi sua mensagem mais poderosa. A nossa pesquisa não se propõe a dar todas as respostas e nem as melhores propostas para a vivência na guerra. Mas ela traz uma análise das ações da Igreja batista no meio do conflito armado de Angola, observando seus ajustes para continuar sendo a mesma e tendo uma mensagem relevante que respondesse às novas perguntas que surgiam. Apontaremos também algumas pistas sobre os desafios de uma sociedade pós-guerra dilacerada por um conflito de 40 anos e as expectativas que o povo e o governo depositam nas igrejas neste momento.. 23.

(24) CAPÍTULO 1 ANGOLA: UMA HISTÓRIA DE OCUPAÇÃO. Figura 01 – Fonte: www.worldatlas.com.webimage.countrys.africa.ao 24.

(25) Grande parte dos países Africanos tem uma história comum: sofreram espoliações, pestes e ocupações por décadas. Angola, ex-colônia portuguesa, localizada na região austral do continente, tornou-se um dos símbolos que melhor representa esta situação. Só conseguiu sua independência em 1975, depois de 14 anos de luta armada na guerra de independência. Movimentos de libertação trabalharam para alcançar este objetivo, sendo que os principais foram o MPLA (Movimento para a Libertação de Angola), a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) e a UNITA (União para a Independência Total de Angola). Com a independência e o fim da ocupação portuguesa, o país faz uma opção pelo marxismo-leninista sob a liderança do MPLA no Governo, o que vem deflagrar uma nova guerra protagonizada pela UNITA, por não aceitar a liderança do MPLA. O efeito devastador de quase quatro décadas vividas em meio a guerras internas, considerando os anos de luta pela independência e os combates entre MPLA e UNITA depois de 1975, trouxe desestabilização sócio-político e econômica, e desencadeou um processo de descaracterização da cultura, conforme nos confirmam as Nações Unidas em seu relatório de avaliação pós-guerra:. Outras conseqüências foram a militarização da sociedade angolana, os altos níveis de criminalidade e os efeitos culturais ou psicológicos da guerra e das deslocações, que fizeram surgir uma atitude de fatalismo, numa população profundamente marcada pelas suas experiências duras e geralmente incapaz de alimentar expectativas para além da luta diária pela sobrevivência.17. Atualmente, a realidade social de Angola e fator de desfiguração da sociedade, é que o país possui atualmente gerações que só conheceram a guerra, não experimentaram outro modo de vida.. 1 ONU. Angola: Os Desafios pós-guerra. Luanda, Angola, Nações Unidas em Angola, 2002, p. 57. 25.

(26) 1. O PERÍODO COLONIAL. A história da ocupação das terras de Angola pelos portugueses tem como marco o ano de 1483, com a chegada do primeiro explorador, Diogo Cão18. Os primeiros desembarques se deram na foz do rio Congo onde se localizava o Reino do Congo. Inicialmente, não existia fronteira oficial entre Angola e Congo, como descreve Henderson: “O tratado que veio estabelecer os limites a norte de Angola foi assinado apenas a 25 de maio de 1881 entre Portugal e o Estado livre do Congo”.19 Os portugueses encontraram uma variedade de povos estabelecidos em solo Angolano, que constituíam reinos distintos, cada um com a sua cultura, língua e localização geográfica próprias, conforme podemos analisar no mapa (figura 2):. Figura 02 - Fonte: HENDERSON, A Igreja em Angola, p. 20.. 18 19. SCHUBERT,Benedict. A Guerra e as Igrejas, p. 29. HENDERSON, Lawrence. A Igreja em Angola, p. 14.. 26.

(27) A intervenção dos invasores vindos da Europa criou um novo traçado territorial sobre o antigo mapa de África, no caso da formação de Angola, o Reino do Congo situado ao norte, foi delimitado por três fronteiras: Angola, com dominação portuguesa, o antigo Zaire, atual República Democrática do Congo, e o Congo. Primeiro, ficaram sob a dominação belga e, posteriormente, o atual território do Congo, ficou sob dominação francesa. Compare o mapa etnolingüístico com o mapa geográfico atual (figura 03).. Figura 03 – Fonte: SCHUBERT, A Guerra e as Igrejas, p. 233.. 27.

(28) A colonização portuguesa deixou como herança uma diversidade de nações/reinos identificadas e inseridas em uma outra ordem geopolítica tratada como uma população homogênea e denominada de angolana. Segundo Solival Menezes “a população atual de Angola compreende cerca de 100 grupos etnolingüísticos de origem banto20, que podem ser agrupados em nove grandes grupos: ambós, bacongos, hereros, lunda-tchokué, nganguelas, nhanecas-humbes, ovimbundos, quimbundos e xindongas”.21 Com dados estatísticos dos anos 60, Franz Heimer22 destaca do grupo citado, as três etnias mais representativas (quadro 1):. GRUPO ÉTNICO. LÍNGUA. POPULAÇÃO. Ovimbundu. Umbundu. 2 milhões. Akwambundu. Kimbundu. 1,3 milhões. Bakongo. Kikongo. 400 mil. Quadro 01: Divisão de Etnias. 1.1. O processo de colonização. O processo de colonização de Angola foi lento e gradual. Os portugueses foram se instalando em fases e movimentos diferenciados durante o percurso histórico de ocupação. A princípio, a grande maioria dos “colonizadores” não deixou Portugal por opção, até o século XIX poucos portugueses se deslocavam para Angola voluntariamente, como nos esclarece Henderson: Banto – O termo foi definido e adotado em 1856 por Wilhelm, um pesquisador e lingüista alemão “para se referir a uma ‘família’ de línguas que usavam uma raiz ntu para ‘pessoa’: muntu no singular, e bantu no plural (HENDERSON, Lawrence. A Igreja em Angola, p. 19). 21 MENEZES, Solival. Mamma Angola – Sociedade e Economia de um país Nascente, p. 102. 22 HEIMER, Franz W. O processo de Descolonização em Angola 1974 – 1976, p. 106. 20. 28.

(29) A maioria eram soldados ou criminosos exilados, os ‘degredados’, que eram enviados para Angola para cumprirem as suas penas, em vez de estarem encarcerados em Portugal. Em 1881, dos 1450 europeus que residiam em Luanda, metade (721) eram criminosos civis ou militares, e só 394 eram civis.23. Esta forma de ocupação e colonização produziu um outro grupo com uma representação considerável em Angola: os mestiços. Eles são fruto da miscigenação de etnias brancas e negras, que transitaram pela nação nestes séculos. A falta da presença feminina européia nos primórdios da colonização do país foi um dos fatores determinantes para a formação deste grupo, conforme explica Lawrence Henderson ao afirmar que “o reduzido número de mulheres brancas em Angola, no século XIX, constituiu a causa principal do aparecimento de uma população mestiça ou mista, relativamente numerosa. Em 1845 havia 1832 brancos e 5770 mestiços”.24 A partir da segunda metade do século XIX, os povos Europeus iniciam muitas investidas na África, dando início a uma outra fase de ocupação e colonização de Angola, que ficou conhecida como o “Grande Século” ou “corrida à África”. Este movimento, que vai de meados do século 19 ao início da Primeira Guerra Mundial, foi um período marcado pela expansão e consolidação do sistema capitalista, não mais caracterizado como sendo um sistema próprio de economias nacionais de países mais desenvolvidos. É uma fase de difusão espacial do capitalismo, que faz um caminho em direção aos países chamados “periféricos”, até então sem interesse nenhum enquanto mercados consumidores, dando origem ao que hoje conhecemos como “o mercado econômico mundial”. Historiadores como Eric Hobsbawm denominam esse período de corrida à África como “imperialismo colonial mundial”, configurando o momento histórico de transformação das relações econômicas internacionais, através da própria internacionalização do capital, e 23 24. HENDERSON, Lawrence. A Igreja em Angola, p.28. Ibid., p. 28.. 29.

(30) que tinha como característica principal o capital monopolista de grandes trustes e cartéis financeiros. Esta movimentação financeira de países industrializados possibilitou o surgimento de uma dicotomia entre as nações: de um lado, os países capitalistas centrais, altamente industrializados e exportadores de tecnologia e de capital e, de outro lado, países capitalistas periféricos, economicamente dependentes e subordinados, especializados na produção e exportação de gêneros primários e ainda importadores de quase todos os produtos industrializados, inclusive alimentos para consumo da população, como foi o caso de Angola. Hobsbawm afirma que o auge desta configuração econômica e geopolítica ocorre no período de 1880 a 1914, quando, segundo ele:. A maior parte do mundo, à exceção da Europa e das Américas, foi formalmente dividida em territórios sob governo direto ou sob dominação política indireta de um ou outro Estado de um pequeno grupo principalmente Grã-Bretanha, França, Alemanha, Itália, Holanda, Bélgica, EUA e Japão. As vítimas desse processo foram, até certo ponto, os antigos impérios europeus pré-industriais sobreviventes da Espanha e de Portugal.25. Segundo o autor, a Espanha saiu enfraquecida nesse processo e foi perdendo o controle em suas dominações, principalmente em Cuba, Porto Rico e nas Filipinas, enquanto Portugal conseguiu manter Angola e Moçambique, não porque tivesse uma estratégia melhor de dominação/colonização que as outras potências citadas, mas sim, porque estas outras potências não tiveram tentáculos suficientemente organizados para abraçá-los. Hobsbawm chega a afirmar que as colônias portuguesas na África são mantidas devido à “incapacidade de seus rivais modernos chegarem a um acordo quanto à maneira exata de dividi-los entre si”.26. 25 26. HOBSBAWN, Eric J.. A Era dos Impérios, p. 88, 89 e capítulo 13. Ibid, p. 89.. 30.

(31) As disputas territoriais em África por interesses de diferentes países da Europa provocam divisões geográficas e um total desrespeito à cultura e fronteiras autóctones até então estabelecidas, como nos relata Menezes no caso de Angola:. Pode-se concluir, portanto, que as fronteiras atuais da República de Angola são o resultado da partilha feita pelas potências do último grande movimento colonialista mundial, ocorrido no século XIX, não levando em conta, tanto em Angola quanto, possivelmente, nos demais países, especificidades culturais e étnicas e os interesses dos povos autóctones, demarcando simplesmente linhas geográficas que obedecem a determinados marcos naturais (rios, lagos) ou apenas aos paralelos e meridianos do globo terrestre.27. Como foi dito anteriormente, a demarcação das fronteiras ao norte de Angola teve uma intensificação de discórdia entre colonialistas europeus na região do Congo, especificamente na bacia do rio Zaire, e foi necessário convocar a conhecida “Conferência de Berlim”, que se reuniu entre 15 de novembro de 1884 a 26 de fevereiro de 1885 para definir, principalmente, questões de fronteiras e anexação de território e estabelecer normas para livre comércio na região do Congo. Entre as decisões da Conferência de Berlim quero destacar os seguintes pontos:. 1.Reconhecimento do Estado livre do Congo como independente e soberano; 2. Criação do comércio livre nas bacias do Zaire, do Niger e do Zambeze; 3. Melhoramento das condições morais e materiais dos indígenas e ajuda na repressão e abolição do tráfico de escravos e de licores; 4. Garantia de liberdade de consciência e a tolerância religiosa, reconhecendo expressamente a necessidade das missões religiosas para o desenvolvimento da civilização em África.28. A Conferência de Berlim teve grande importância em dois aspectos: primeiro, porque caracteriza a forma arbitrária da partilha territorial de África pelas potências européias, já que dividiu o reino do Congo em nações totalmente distintas; em segundo lugar, porque as duas 27 28. MENEZES, Solival. Mamma Angola – Sociedade e Economia de um país Nascente, p. 111. CARVALHO, Emílio. Ouço os Passos de Milhares: Etapas do Metodismo em Angola, p. 15.. 31.

(32) últimas decisões citadas vão influenciar bastante os rumos das missões protestantes no continente Africano. Outro aspecto importante e positivo resultante da Conferência de Berlim é que veio reforçar o combate ao tráfico de escravos, considerado como “crime de morte” a partir de 1824 no Parlamento inglês29. Cabe ressaltar, no entanto, que a decisão de condenar o tráfico de africanos na Conferência de Berlim, na verdade, buscava também a coerência com o momento da expansão imperialista do capital, que não combinava com o trabalho escravo, já que escravo não é consumidor. Angola foi um dos países Africanos que mais ficou marcado com esta “vergonha mundial”. Sofreu ocupação por uma nação, que foi uma das maiores incentivadoras do tráfico de escravos, durante séculos, conforme ressalta Benedict Schubert ao afirmar que “os portugueses têm o duvidoso mérito de terem sido os pioneiros na institucionalização do mercado transatlântico de escravos para o trabalho nas minas e plantações do novo mundo, e os últimos a desistir dele”.30 Quando as nações modernas já desistiam da escravidão para aderir ao sistema de mãode-obra assalariada desde meados do século XIX, em Portugal a abolição da escravatura foi decretada somente em 1868, porém, por ser um negócio rendoso e pela facilidade da posição geográfica, interromper e combater este mercado ilegal era extremamente complexo. Schubert afirma que “Angola era a terra ‘onde o negro era o principal artigo do comércio exportado’. De Angola só se exportavam escravos, pois a principal atividade econômica da colônia era o tráfico de escravos de Luanda e de Benguela. Angola era um dos melhores locais da África para arranjar escravos”.31. 29 30 31. Ibid., p. 12. SCHUBERT, Benedict. A Guerra e as Igrejas, p. 30. Ibid., p. 20.. 32.

(33) 1.2. A implantação da Igreja em Angola. Do ponto de vista da nossa análise, o melhor resultado da Conferência de Berlim, além do fato de condenar o tráfico humano, foi a garantia de liberdade de consciência que incentivou positivamente a tolerância religiosa. Podemos considerar um marco para a história da Igreja de confissão protestante e fator determinante para a implantação de suas missões na região. É neste período que se inicia a organização de estações missionárias na região do Congo. Tanto Robert Moffat como David Livingstone32, ambos missionários enviados pela Sociedade Missionária de Londres, se empenharam muito para acabar com este mercado e transformar esta realidade, tendo o trabalho de ambos contribuído fortemente para a convocação da Conferência de Berlim. Os primeiros protestantes a se instalarem na bacia do Congo foram os missionários da BMS (Sociedade Missionária Batista), organização Inglesa criada em 1792 por inspiração de William Carey (1761-1834). George Grenfell e Thomas J. Comber são os dois primeiros comissionados a chegarem na África Austral, em 1878, na capital do Congo, São Salvador, hoje Mbanza Congo, como escreve Henderson:. Os primeiros missionários protestantes de Angola chegaram a São Salvador em 1878, enviados pela Sociedade Missionária Baptista de Londres (BMS). Geralmente, considera-se a BMS como tendo sido a primeira das sociedades missionárias independentes no mundo, a introduzir o contributo protestante na expansão do Cristianismo durante o chamado ‘grande século’.33. Entretanto, as relações entre o governo colonial e o protestantismo foram marcadas por hostilidades, perseguições e acentuada desconfiança. Eles não eram reconhecidos, mas. 32 33. CARVALHO, Emílio. Ouço os Passos de Milhares: Etapas do Metodismo em Angola, p. 12. HENDERSON, Lawrence. A Igreja em Angola, p. 46.. 33.

(34) “tolerados”; inclusive, durante o período colonial, as Igrejas Protestantes nunca conseguiram receber o reconhecimento oficial. Emílio de Carvalho comenta que o governo colonial português via no Protestantismo elementos desnacionalizantes e subversivos.34 A Igreja Católica por sua vez teve uma trajetória caracterizada por alianças e privilégios, com a vantagem de ter sido considerada a religião “oficial” do governo Português desde seus primórdios. Segundo nos afirma Henderson, “de harmonia com o que a Concordata estabeleceu, Portugal comprometia-se a reconhecer a Igreja Católica como uma instituição com o objetivo de servir aos seus interesses nacionais e coloniais nos territórios de além-mar”.35 Diz ainda Henderson que a própria implantação da Igreja Católica em Angola foi resultado de tratados feitos com o Estado Português e que a Igreja soube usufruir desta aliança durante o regime colonial:. A responsabilidade pela implantação da Igreja Católica em Angola foi assumida por duas entidades: o Padroado e a Propaganda Fide. O Padroado inspirava-se no tratado entre a Igreja Católica e o Governo português, o qual atribuía direitos e responsabilidades especiais ao Estado pela expansão da fé nos territórios por ele controlados.36. A implantação da Igreja Católica foi caracterizada por várias incursões em momentos diferentes e por congregações também diversificadas, acompanhando o próprio processo de ocupação e colonização do território Angolano por parte dos portugueses. Oficialmente, o ano de 1873 é celebrado como a data da fundação da primeira missão Católica em solo Angolano: “A primeira estação missionária que vingou em Angola neste período a que nos vimos. 34 35 36. CARVALHO, Emílio. Ouço os Passos de Milhares: Etapas do Metodismo em Angola, p. 27. HENDERSON, Lawrence. A Igreja em Angola, p. 291. Ibid., p. 39.. 34.

(35) referindo foi edificada por missionários católicos em 1873, em Lândana no enclave de Cabinda”.37 Do lado das igrejas protestantes cabe destacar a participação da Igreja Metodista, pois esta denominação trouxe sólidas contribuições para a história de Angola, mais especificamente para o movimento de independência do país. Os metodistas também se instalaram no norte de Angola, chegando em Luanda em 20 de março de 1885 com um grupo de 45 americanos sob a liderança de William Taylor, instalados ao norte de Angola, trabalhavam principalmente entre os Kimbundus. Ainda ao norte de Angola, a BMS – Sociedade Missionária Batista do Norte, desenvolvia suas atividades predominantemente entre os Kikongos. No sul, entre os Umbumdus, a primeira missão a se instalar é a ABCFM (Junta Americana de Comissários para as Missões Estrangeiras), que desembarca em Benguela no dia 13 de novembro de 1880. O local escolhido para fixar residência foi o Bailundo, área estratégica no centro-sul de Angola. Os líderes eram William Bagster e William Sanders. Posteriormente, a Sociedade Missionária Congregacional Canadense assina um acordo com a ABCFM para trabalharem juntas, e enviam o primeiro missionário Canadense, Walter Currie, que chega em Benguela em 4 de junho de 1886. O último grupo que destaco nesta dissertação, até porque será o protagonista da nossa história, é a Convenção Batista Portuguesa (CBP), que organizará a CBA (Convenção Batista de Angola). A CBP iniciou suas atividades no sul de Angola através de seu missionário pioneiro, Manuel Ferreira Pedras, um português que veio cumprir pena em Angola, ou seja, era um dos “degredados” enviados para a colônia, e que foi evangelizado como prisioneiro um pouco antes de sua partida para a colônia. Depois de cumprir a pena, Manuel retorna a Portugal, mas não consegue apoio da CBP (Convenção Batista Portuguesa), para cumprir seu objetivo de voltar à Angola para começar o trabalho batista. 37. HENDERSON, Lawrence. A Igreja em Angola, p. 115.. 35.

(36) Em 1929, Manuel Ferreira Pedras parte para a colônia Portuguesa em Angola com sua esposa Justina Pedras38. O casal decide estabelecer residência na cidade de Nova Lisboa, hoje Huambo e, para sobreviver, Manuel passa a trabalhar como funileiro. Em 21 de maio de 1933, quatro anos após a chegada do casal Pedras, é organizada a Primeira Igreja Batista de Nova Lisboa, de acordo com a reportagem de capa do jornal “O Baptista de Angola”(fig. 4).. Figura 04 – Fonte: O Batista de Angola, Lobito, Julho de 1972, no. 29, ano V, capa.. A Convenção Batista Portuguesa somente reconhece Manuel Pedras como seu missionário em 1934, sem entretanto, lhe oferecer qualquer apoio financeiro. Finalmente, em 1942 este grupo é organizado em nível nacional com a denominação de Convenção Batista de Angola (CBA). 38. HENDERSON, Lawrence. A Igreja em Angola, p.120.. 36.

(37) Analisando a área de atuação das Igrejas Protestantes em Angola, mesmo nos dias atuais, notamos que há uma certa circunscrição de grupos confessionais por determinados grupos étnicos. A impressão que temos é que esta distribuição pode ter sido uma estratégia utilizada pelo governo português para “organizar” as igrejas não-católicas em solo angolano e que este mapeamento acabou determinando a opção religiosa de cada etnia, enquanto os católicos se apresentam de forma mesclada em todas as regiões do país. No entanto, autores como Lawrence Anderson afirmam que “pela experiência que os protestantes fizeram, chegou-se à conclusão de que a Igreja registrava um maior crescimento nas áreas onde uma sociedade missionária podia concentrar o seu trabalho de evangelização num só determinado grupo etnolinguístico”39, sem considerar que esta “territorialização” poderia fazer parte da estratégia de colonização e controle do governo português. Benedict Schubert, por outro lado, chega a afirmar que o governo português designava determinada área geográfica por grupo religioso, devido ao grande número de línguas, e que as missões protestantes informalmente aceitaram a situação talvez pela possibilidade de concentrar esforços. Mas, algo que começou como um acordo, praticamente, informal entre as missões evangélicas, posteriormente, tornou-se um campo fértil para o etnocentrismo. Esta relação entre etnicidade e identidade confessional é bem descrita por Schubert:. Este factor foi reforçado pelas conseqüências dos acordos informais entre as missões protestantes dos anos vinte. Naquela época, a administração colonial tinha designado certas áreas às respectivas missões religiosas. Estas concordavam entre si em limitar a sua actuação a estas áreas... Identidade confessional e etno-linguística influenciavam-se mutuamente. A pertença denominacional revelava a origem etnolinguística de um protestante, e pela língua que falava um protestante, era possível identificar a confissão a que pertencia.40. 39 40. HENDERSON, Lawrence. A Igreja em Angola, p. 119. SCHUBERT, Benedict. A Guerra e as Igrejas, p. 57.. 37.

(38) Este comprometimento etno-lingüístico dos protestantes vem fortalecer, com o passar dos anos, os objetivos portugueses de “dividir para reinar” e, como já foi colocado, um dos resultados foi o regionalismo e as rivalidades étnicas, que também virão a ser o combustível dos movimentos de libertação, como nos relata Henderson: Para as autoridades portuguesas, a eclosão do terrorismo no Norte de Angola tinha ficado a dever-se à influência de forças externas que, a partir da fronteira com o Congo, tinham subvertido Angola. Para fundamentar esta afirmação, e talvez para provocar a divisão entre os Angolanos, era freqüente o Governo referir-se aos “Bailundos fiéis” para designar os Umbundu, que constituíam o maior grupo etnolinguístico de Angola.41. Embora não seja o foco deste trabalho, merece um estudo separado a questão das heranças do protestantismo para a história de Angola. Até onde houve erro de estratégia na regionalização por grupos etnolinguísticos da ação missionária ou houve falta de liberdade? A verdade é que a Igreja Católica tem hoje uma abrangência nacional com representação em todas as etnias e consegue mobilizar diferentes segmentos da sociedade angolana.. 2. O PROCESSO DE DESCOLONIZAÇÃO – O Esgotamento do Modelo Colonial Português. Portugal como o país mais pobre da Europa ocidental, foi também o que mais se empenhou para manter suas colônias. Na contra-mão da História, a ditadura Salazarista, quando nos anos 60 o mundo comemorava a independência de 16 estados Africanos, insistia. 41. HENDERSON, Lawrence. A Igreja em Angola, p. 319.. 38.

(39) em sua política imperialista, reagindo com um contra-movimento em que passa a chamar suas colônias de “Província Ultramar”. A manutenção do poder e o controle total, monitorados pela polícia política chamada PIDE (Polícia Internacional e Defesa do Estado), efetivavam-se debaixo de um regime autoritário e ameaçador. E o mais grave era a forma hermética da composição social, tendo, de um lado, a sociedade dos brancos, moderna e inserida no mercado capitalista; e de outro lado, a maioria da população africana, vivendo um decadente sistema colonial; um regime que o sociólogo Franz W. Heimer chama de “tributarista”:. Parece que a lógica da política salazarista de consolidação colonial exigiu a manutenção da maioria da população ‘fora dos limites’ de um setor ‘moderno’ ainda precário da economia colonial, utilizando-a sem lhe permitir abandonar o seu mundo separado, e aceitando/solicitando a sua integração só à medida que o ‘setor moderno’ a exigia dentro dele.42. O período de 14 anos de luta pela independência de Angola colocou em pauta basicamente cinco modelos de descolonização, que são identificados por Franz W. Heimer43: o primeiro e o segundo eram defendidos pelas elites dominantes, optavam pelo crescimento capitalista, a manutenção dos seus privilégios, com a maioria dos africanos na condição de cidadãos de segunda categoria. O que diferenciava as duas propostas era o fato de que o primeiro modelo aceitava a subordinação continuada a Portugal; o segundo, propunha a independência total; o terceiro modelo aproximava-se da proposta defendida pela FNLA: queria independência total de Portugal e tinha preocupação com metas sociais que favorecessem igualdade e justiça entre os todos os setores, necessidade básica dos africanos, mas mantinha a moderna sociedade capitalista dos brancos à frente e na direção econômica do país. 42 43. HEIMER, Franz W. O processo de Descolonização em Angola - 1974-1976, p. 19. Ibid., p. 43 a 47.. 39.

Referências

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