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Uma análise comparativa entre os fundamentos da moeda oficial e da moeda social na conjuntura capitalista

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ECONOMIA

CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS

GRACIELE CUNHA DA SILVA

UMA ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS FUNDAMENTOS DA MOEDA OFICIAL E DA MOEDA SOCIAL NA CONJUNTURA CAPITALISTA

SALVADOR 2018

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UMA ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS FUNDAMENTOS DA MOEDA OFICIAL E DA MOEDA SOCIAL NA CONJUNTURA CAPITALISTA

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Ciências Econômicas

Área de concentração: Desenvolvimento Econômico

Orientador: Prof. Dr. Daniel Lemos Jeziorny

SALVADOR 2018

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Ficha catalográfica elaborada por Valdinea Veloso Conceição CRB 5-1092 Silva, Graciele Cunha da

S586 Uma análise comparativa entre os fundamentos da moeda oficial e da moeda social na conjuntura capitalista / Graciele Cunha da

Silva. - Salvador: 2018.

65p. fig. graf.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Econômicas) - Faculdade de Economia, Universidade Federal da Bahia, 2018

Orientador: Prof. Dr. Daniel Lemos Jeziorny

1.Economia solidária 2. Moeda social 3. Capitalismo I. Jeziorny,

Daniel Lemos II.Título III. Universidade Federal da Bahia

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Depois de uma longa caminhada, finalmente chegou o momento. Nem parece que um dia dei começo a tudo isso, sem saber até onde eu alcançaria, imaginando inúmeros obstáculos e se eu seria capaz de superá-los. Realmente, enfrentei vários percalços durante essa jornada, não apenas externos como, muitas vezes, tive que lidar com meus conflitos internos. Percebo agora, de longe, como esses problemas já passaram, mas continuei aqui, firme e forte. Porém, para eu ter chegado aqui, tão distante, não andei pelo chão de terra batida sozinha; vim dentro de um navio com várias pessoas me apoiando e me segurando a cada onda que batia no casco. A estas pessoas agradeço, enormemente, pela participação e às quais dedico este trabalho.

Em primeiro lugar, agradeço a meu pai, Alberto, e minha mãe, Ana, por todo o apoio e amor que me foi dado. Desde pequena, meus pais sempre me forneceram tudo o que estava ao alcance deles para o meu bem-estar. Posso dizer, com todas as letras, que tive uma infância muito feliz. Não só agradeço por isso, como toda a compreensão e paciência. Se não fosse toda essa estrutura, o desfecho seria outro. Não poderia deixar de agradecer à presença de meu irmão, Leonardo, durante todo esse tempo ouvindo minhas reclamações e desabafos; segredinhos de irmãos.

Gostaria de agradecer, também a todos meus amigos que fiz na faculdade. Eu tenho certeza que se não fosse essa amizade, a minha jornada teria sido muito mais árdua. Obrigada por todas as brincadeiras, risadas, suporte e carinho! Vencemos essa batalha juntos! Essa vitória dedico a Isabelle Galdino, Aline Ângelo, Carol Crisóstomo, Carol Mattos, Ruan Carlo, Elias de Jesus, Andressa D’Oliveira, Robson Falcão, Yuri Silva e, em especial, a Islaine Cardoso, que me deu um suporte surreal nessa jornada, sempre me dando motivação para seguir meus sonhos. Além disso, queria agradecer a uma amiga de longa data, dos tempos do colégio, que nunca se esqueceu de mim: Milena Rosário.

Agradeço aos professores e funcionários da Faculdade de Economia da UFBA, que contribuíram para minha formação acadêmica. Ao pessoal do colegiado, em particular João, que é um exemplo de profissional, sempre solícito e eficiente. Um agradecimento, em especial, ao meu orientador, Professor Dr. Daniel Jeziorny, por ter aceitado a realização deste trabalho comigo, pela orientação, conselhos e paciência durante todo esse tempo. Obrigada, também, aos Professores Drs. Nuno Teles e Felipe Milanez que aceitaram o convite de participar da banca examinadora.

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locais para trabalho, como também para distrair e conversar sobre a vida. Tive experiências muito boas nesses lugares! Em especial, agradeço a Aline Agapito (que inclusive fez parte dessa jornada na faculdade também), Marinalva, Ranieri, Ana Cristina, Rafaela, Bruno, Edu e Elaine por terem tornado minha breve passagem tão agradável.

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As moedas sociais tem sua origem ligada às consequências do modo de produção capitalista, como um instrumento do movimento chamado de Economia Solidária. No entanto, ao contrário da moeda nacional que corrobora com a reprodução do capital e favorece sua centralização, a utilização da moeda social visa uma alternativa para intermediar trocas, sem que haja o mesmo imperativo do capital. Assim, a moeda social é colocada como um instrumento que tem o potencial de desenvolver o território em que atua, pois não há a ânsia por lucro, o que leva a um incentivo para a produção e consumo internos e uma consequente distribuição mais equânime da renda e riqueza de seus usuários. Com isto em vista, o presente trabalho tem como objetivo analisar a forma como se deu a inserção da moeda social no contexto capitalista como resposta às desigualdades socioeconômicas no intuito de desenvolver economicamente a população de um território. Para isso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica qualitativa, com a utilização de uma via lógico-histórica baseada na visão de Marx sobre o capitalismo e dinheiro. Disto, foi percebido que a moeda social é utilizada com mais força, geralmente, quando há crises no sistema capitalista Assim, a moeda social tem sua maior atuação como uma alternativa de relação econômica quando o sistema capitalista está enfraquecido.

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ABSTRACT

The social currencies have their origin linked to the consequences of the capitalist mode of production, as an instrument of the movement called Solidary Economy. However, unlike the national currency that corroborates the reproduction of capital and favors its centralization, the use of the social currency is an alternative to intermediation, without the same imperative of capital. Thus, the social currency is placed as an instrument that has the potential to develop the territory in which it operates, as there is no desire for profit, which leads to an incentive for domestic production and consumption and a consequent more equitable distribution of income and wealth of its users. With this in mind, this study aims to analyze the way in which the insertion of the social currency in the capitalist context as a response to socioeconomic inequalities in order to economically develop the population of a territory. For this, a qualitative bibliographical research was carried out, using a logical-historical path based on Marx's vision of capitalism and money. From this, it has been realized that social currency is used more forcefully, generally, when there are crises in the capitalist system. Thus, the social currency has its highest performance as an alternative economic relationship when the capitalist system is weakened.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01 – Desenvolvimento e devir das forças produtivas...16

Quadro 01 – Resumo comparativo entre feudalismo e capitalismo quanto aos elementos do modo de produção...17

Quadro 02 – Algumas definições de Marx acerca do capitalismo e da moeda...37

Quadro 03 – Princípios da moeda social...50

Figura 02 – Exemplos de moedas sociais...51

Figura 03 – Circulação da moeda oficial e da moeda social usada nos BCDs...55

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 11

2 PRESSUPOSTOS PARA O ADVENTO DO CAPITALISMO 13

2.1 DEVIR E DESENVOLVIMENTO 14

2.2 DO DECLÍNIO DO FEUDALISMO À FORMAÇÃO DA BURGUESIA 18

2.3 O CAPITAL E A RELAÇÃO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA 23

2.3.1 Dinheiro: do ciclo da mercadoria ao ciclo do capital 23

2.3.2 Capital e força de trabalho 29

2.3.3 A moeda para o sistema capitalista 32

2.4 TERRITORIALIZAÇÃO CAPITALISTA 38

3 ATUAÇÃO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA NA LÓGICA DA ECONOMIA

CAPITALISTA ATRAVÉS DAS MOEDAS SOCIAIS 42

3.1 A ECONOMIA SOLIDÁRIA NO CENÁRIO CAPITALISTA 42

3.1.1 Uma breve explicação sobre a gênese da economia solidária 45

3.1.2 A lógica da circulação na economia solidária 47

3.2 UMA ANÁLISE DA ATUAÇÃO DA MOEDA SOCIAL NAS RELAÇÕES

ECONÔMICAS TERRITORIAIS 49

3.2.1 Definição da moeda social 49

3.2.2 Uma breve introdução às experiências com moedas sociais 52

3.3 A DINÂMICA DAS MOEDAS SOCIAIS NO CONTEXTO DO MODO DE

PRODUÇÃO CAPITALISTA 57

4 CONCLUSÃO 62 REFERÊNCIAS 64

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1 INTRODUÇÃO

O sistema econômico sobre o qual a atual sociedade está alicerçada tem, frequentemente, demonstrado falhas, manifestadas em crises econômicas, sociais, políticas, institucionais, ambientais. Sua origem se dá a partir do momento em que o sistema econômico anterior (o feudalismo) começou a demonstrar rupturas com os elementos os quais esse sistema era sustentado.

No entanto, o sistema capitalista vigente também demonstra contradições como, por exemplo, o atrito entre a relação do trabalhador e do capitalista. Destas contradições, surgem vários problemas. E, em que pese a forma de manifestação de cada um destes, todos decorrem da lógica de funcionamento da acumulação de capital, mola propulsora do modelo civilizacional que, se por um lado é capaz de alçar certas formações sociais a um determinado patamar de bem-estar material extraordinário, por outro produz: grande taxa de desemprego, pobreza, concentração de renda e riqueza, que, dentre outras mazelas, resultam em uma camada da população que se vê excluída das benesses do sistema – ou da pletora material extraordinária.

Até o momento, o sistema capitalista tem superado suas contradições constantemente, desenvolvendo-se cada vez mais. O capitalismo, com suas instituições de propriedade privada, individualismo exacerbado, concorrência, livre mercado, bem como com sua lógica voltada à acumulação de capital desenfreada, se desenvolveu de tal forma que provocou uma excessiva concentração de renda e riqueza. Durante esse processo de firmação do capitalismo, um instrumento de grande importância foi se desenvolvendo, paralelamente, e de forma a disseminar mais ainda esse sistema: o dinheiro.

Dada as disparidades econômicas e sociais, foram criados projetos sociais que visam a inclusão e a justiça social. Dentre estes projetos sociais, encontra-se a Economia Solidária, que é conjunto de atividades econômicas estruturadas na cooperação, solidariedade, sustentabilidade, ―cujos princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual‖ (SINGER, 2002). Dentre os instrumentos utilizados para a promoção da equidade social pelo movimento da Economia Solidária, destaca-se o objeto principal deste trabalho: a moeda social.

A moeda social é uma ferramenta que surge analogamente ao escambo, como um meio de pagamento e, mais que isso, como elemento de identidade da comunidade. Isto, pois, a partir

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de sua instituição no tecido socioprodutivo de determinada construção social geograficamente determinada reforça-se, mais uma vez, a centralidade do território, tomado enquanto construção sociopolítica com um recorte do espaço geográfico. Assim, levanta-se a hipótese de que a moeda social surge como um reflexo das consequências capitalistas em busca de novas formas de relações econômicas, com a finalidade, principalmente, de desenvolvimento socioeconômico. Com isso, o presente trabalho tem como objetivo analisar a inserção da moeda social, sendo objeto da economia solidária, dentro do contexto econômico capitalista como um meio para desenvolver economicamente um território.

A ideia deste trabalho surgiu do interesse de compreender o surgimento e papel da moeda social como reflexo do sistema de produção capitalista. A importância deste estudo está em apreender a moeda social como um instrumento de desenvolvimento local, que incentiva a economia, como o consumo e produção, de forma a complementar a moeda oficial. Este instrumento traria uma maior inclusão social e econômica ao aumentar a circulação de um intermediador de trocas e distribuir mais as riquezas produzidas neste local, pois amenizaria o efeito da escassez de dinheiro daquela população.

Para alcançar este objetivo, o trabalho será dividido em dois capítulos, fora esta introdução e a conclusão. O segundo capítulo pretende trazer uma cronologia sobre a transição do sistema econômico feudal para o capitalismo, de forma a trazer uma compreensão sobre como elementos de cada sistema produtivo foram transformados a ponto de caracterizarem momentos econômicos diferentes da história humana. Além disso, intenciona também destacar a importância do dinheiro nesse processo de transição e como, posteriormente, serviu para a disseminação do sistema capitalista e seu processo de territorialização.

Por último, o terceiro capítulo pretende analisar o surgimento da economia solidária devido aos desfalques provocados pelo modo de produção capitalista e, feito isso, incluir a inserção da moeda social em contraposição ao uso da moeda oficial – a qual promoveu a disseminação capitalista – assim, estabelecer uma análise sobre as diferenças entre os usos dessas duas moedas que se definem em modos diferentes de desenvolvimento: a oficial que promove a acumulação capitalista e a social que tem o intuito de promover benefícios sociais e econômicos para o coletivo.

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2 PRESSUPOSTOS PARA O ADVENTO DO CAPITALISMO

Nosso objetivo neste capítulo é apreender elementos fundantes do modo de produção capitalista, de forma tal que nos permita compreender não apenas os pivôs centrais de sua estrutura, mas, sobretudo, a lógica de funcionamento que emerge a partir de sua constituição, ou, a sua própria lógica de funcionamento.

De acordo com Maurice Dobb (1983), existem distintas definições de capitalismo, bem como, diferentes interpretações para o seu aparecimento na história da humanidade. No que toca, em especial, a este ponto, as interpretações podem ser classificadas a partir de três correntes. Ao que identifica o seu surgimento com o surgimento de um suposto ―espírito empreendedor‖. Aquela que busca sua eclosão no desenvolvimento do comércio a longa distância. E aquela que o interpreta como aquilo que, de fato é: um objeto historicamente determinado – logo, também transitório.

Assim como Dobb (ibid), seguimos a corrente interpretativa de Karl Marx, ou seja, a terceira das acima citadas. Isto, não apenas porque não conseguimos compreender o capitalismo senão como um objeto historicamente determinado, ou, como um modo de produção transitório no desenrolar da história humana, mas também por entendermos que a apreensão dos processos de funcionamento das distintas formas de sociabilidade se torna essencial para quem busca extrair a lógica de movimento de um determinado modelo civilizacional.

Com efeito, a linha de raciocínio que procuramos construir segue por uma via lógico-histórica. O objetivo central deste capítulo é analisar, ainda que suscintamente, o período de transição do feudalismo ao capitalismo, senão com outro o fito que não seja o e identificar os elementos que, postos pelo modo de produção feudal, são pressupostos do modo de produção capitalista – logo, delineiam suas tendências de movimento, na medida em que lhe dão sentido lógico.

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2.1 DEVIR E DESENVOLVIMENTO

A sociedade tem se desenvolvido com base, principalmente, nas relações sociais e da relação do homem com a natureza. O constante desenvolvimento promove mudanças nessas duas relações. Nas relações sociais, o homem passa a disputar por alimentos e territórios entre si, até o momento em que surge a exploração do homem pelo homem. Quanto à relação do homem com o ambiente natural, o primeiro passa a desenvolver necessidades cada vez mais diversas e em escalas cada vez maiores – até mesmo por conta do aumento populacional e das buscas crescentes por lucros –, tornando-se necessário um maior controle das forças da natureza, principalmente com as inovações tecnológicas.

No transcorrer da história, mas, sobretudo, durante sua fase feudal, foram concebidos elementos que vieram a convergir no sistema capitalista. O modo de produção capitalista, segundo Marx, foi resultado de contradições que não foram capazes de serem resolvidas no modo de produção anterior (o feudalismo). Portanto, em primeiro lugar, para a compreensão do advento do capitalismo, faz-se necessário abordar os conceitos marxistas de devir e desenvolvimento. Esses conceitos trazem a ideia de fluxo e de mutabilidade das sociedades, o que demonstra a complexidade dos eventos sociais, os quais são resultados de um emaranhado de acontecimentos que se correlacionam.

O devir refere-se a ―uma sucessão temporal dos modos de produção ou movimento pelo qual os pressupostos de um novo modo de produção são condições sociais que foram postas pelo modo de produção anterior e serão pressupostas pelo novo modo.‖ (CHAUÍ, 2007). Ou seja, o devir é um conceito que tem dimensões tanto no espaço quanto no tempo, que faz menção ao movimento que transita entre um modo de produção que já se diferenciou tanto desde seu início, a outro que já possui características diferentes o suficiente para se tornar o marco inicial de outro modo de produção.

Por isso, diz-se que o modo de produção anterior gera condições que já não são mais assimilados por ele, mas por outro modo que está por vir. Já o desenvolvimento é um movimento que ocorre dentro de um modo de produção no intuito de reformular seus pressupostos a fim de torna-los aspectos postos, num ciclo de contradições internas (CHAUÍ, 2007). Este conceito complementa o anterior, no sentido em que este tem relação com o processo que ocorre dentro de certo modo de produção, processo o qual provoca mudanças

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em sua estrutura a fim de se adaptar às necessidades da sociedade inserida. Durante o desenvolvimento são criadas condições postas, uma depois da outra, mas que conseguem ser superadas dentro do próprio sistema. O movimento, portanto, é dialético na medida em que segue a lógica da superação de contradições.

Por isso, se o sistema for capaz de sempre reformular esses pressupostos, então se diz que o desenvolvimento desse sistema está completo. No entanto, a partir do momento em que o sistema já não consegue mais resolver essas contradições, ele se rompe, e essas contradições são, então, postas (por esse sistema) para servirem de pressupostos para o sistema que venha a se firmar posteriormente (CHAUÍ, 2007, p. 152). O conceito de devir se relaciona com o desenvolvimento a partir do momento em que o último já não consegue mais superar seus conflitos internos, havendo uma transição para outro modo de produção. Em outras palavras, o devir é composto pelo desenvolvimento de diferentes modos de produção.

Assim, a sucessão de modos de produção, ou seja, o devir, depende do desenvolvimento de cada modo de produção até que, em certo momento, as contradições internas são tão significativas que fazem com que o sistema entre em colapso. Cada modo de produção é determinado pela forma da força produtiva, pelas relações de produção e pela capacidade do processo produtivo de transformar em interno algum fator que era externo a ele (CHAUÍ, 2007). O modo de produção, portanto, diz respeito à forma pela qual a sociedade produz seus bens e serviços, sua técnica, à forma que os indivíduos interagem entre si dentro dessa sociedade, às condições de troca e de uso de sua produção.

A força produtiva é entendida como aquela utilizada para dominar a natureza no intuito de produzir objetos de consumo, bens materiais. Enquanto que, as relações de produção tem associação com a maneira que os indivíduos desenvolvem seus vínculos de trabalho e como é dada a organização no processo de produção e reprodução da vida material. Assim, ―o

conteúdo do modo de produção é determinado pelo trabalho e a forma do modo de produção é

determinada pela propriedade.‖ (CHAUÍ, 2007, p. 152).

Dentre outras palavras, a força produtiva é a capacidade humana de trabalhar, o que envolve os meios materiais e o trabalho utilizado: como a terra, as tecnologias, matérias-primas, conhecimentos técnicos, animais e a força humana; é o que esse modo de produção ―contém‖ para realizar a ação de produzir. Já a relação de produção é aquela que é estruturada a partir da ideia de propriedade dos fatores de produção, de quem é o detentor dos meios materiais e da força de trabalho, do relacionamento entre os indivíduos no processo produtivo: é a forma

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social pela qual é sistematizada a produção. A figura a seguir ilustra a passagem do devir e do desenvolvimento das forças produtivas de cada modo de produção:

Figura 01 – Desenvolvimento e devir das forças produtivas

Fonte: Elaboração própria, 2018.

Com os conceitos de devir e desenvolvimento explicitados, pode-se compreender melhor a transição do modo de produção feudal para o capitalismo. O sistema feudalista lançou os pressupostos para o devir do sistema econômico baseado no capital. Hoje, o sistema capitalista encontra-se em desenvolvimento, causando crises e, até então, superando-as. No quadro a seguir, está exposto um resumo comparativo sobre os elementos que caracterizam os modos de produção feudalista e capitalista e que serão explicados nos próximos tópicos.

Através da tabela comparativa pode-se perceber que os dois sistemas possuem características bastante diferentes: o capitalismo se desenvolveu de tal forma que já não se assemelha mais ao modo de produção que lhe antecedeu. Disto, afirma Dobb (1983, p. 10) que o reconhecimento do aparecimento de um novo modo de produção está no fato deste conseguir alcançar dimensões que marquem a sociedade e influenciam significativamente a tendência de seu desenvolvimento.

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Quadro 01 – Resumo comparativo entre feudalismo e capitalismo quanto aos elementos do modo de produção

FEUDALISMO CAPITALISMO

FORÇA PRODUTIVA

 Economia com base na terra

 Voltada à subsistência

 Baixo desenvolvimento técnico

 Capital

 Indústrias

 Alto nível tecnológico

RELAÇÃO DE PRODUÇÃO

 Servidão

 Os servos detêm a posse dos meios de produção

 Os senhores davam proteção aos servos em troca de pagamento de tributos e fidelidade

 Trabalho assalariado

 Capitalista detentor dos meios de produção

Fonte: Elaboração própria, 2018.

Portanto, as contradições postas pelo modo de produção feudal foram realmente decisivas para seu colapso, pois somente no capitalismo elas foram superadas e transformadas em outros elementos como, por exemplo, o trabalho servil se transformou no assalariado, os meios de produção passaram das mãos do produtor para aqueles que apenas detêm sua posse, além do foco do poder econômico que passou da terra para o próprio capital. Com base nisso, este capítulo tratará dessas contradições que foram postas pelo sistema feudal e que culminaram no aparecimento do capitalismo, tais como: crescimento econômico, dinâmica acelerante, troca desigual, produção mercantil, valor de troca, dinheiro (monetarização do sistema), trabalho assalariado, capital, lucro e avanço tecnológico.

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2.2 DO DECLÍNIO DO FEUDALISMO À FORMAÇÃO DA BURGUESIA

Este trabalho considera a definição de feudalismo definido por Dobb (1983, p. 27), o qual se baseia na relação entre o produtor direto (camponês, artesão) e o senhor feudal, que se trata de uma relação de obrigação do primeiro com o segundo. Essa relação refere-se à servidão, na qual as obrigações são impostas (seja por força militar ou por meio de leis e costumes) para atender as necessidades dos senhores (DOBB, 1983, p. 27). Esse tipo de relação difere tanto da escravidão como do capitalismo. O feudalismo se difere da escravidão na medida em que, segundo Marx (apud DOBB, 1983, p. 27):

[...] o produtor direto acha-se aqui na posse de seus meios de produção, das condições materiais de trabalho necessárias à realização de seu trabalho e à produção de seus meios de subsistência. Ele empreende sua agricultura e as indústrias domiciliares rurais a ela ligadas como um produtor independente‖, enquanto que ―o escravo trabalha com condições de trabalho pertencentes a outrem. (MARX, apud DOBB, 1983, P. 27).

Portanto, o que diferencia a relação servil das demais relações é que os produtores diretos são os detentores dos meios de produção, enquanto que no escravismo e no capitalismo os produtores diretos (escravos e assalariados, respectivamente) são separados dos meios de produção e subordinados à classe dominante de sua época. No entanto, o trabalhador servil não é livre, apesar de ter acesso aos meios de produção necessários para sua produção de subsistência. Isso leva a outra característica desse sistema: a subordinação do servo ao senhor feudal por conta da propriedade da terra, ao passo em que, no capitalismo, o trabalhador é ―livre1‖, porém precisa se subordinar ao capitalista por não deter os meios de produção necessários à sua sobrevivência através de um acordo contratual.

Dessa maneira, devido ao fato do trabalhador direto viver numa terra que tem como proprietário o senhor feudal, ou seja, de ser ligado ao senhor pela terra, ele tinha obrigações a cumprir, como pagamento de tributos, trabalho forçado, fidelidade, ou entrega de parte de sua produção. Esta forma de organização social, política e econômica não incentivava o produtor a melhorar suas técnicas através de inovações para aumentar a produção, já que parte dela era apreendida pelo senhor feudal. Esse período foi, então, marcado pelo baixo nível técnico e de

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Livre num duplo sentido. Por um lado, das amarras que o prendia a um determinado feudo e/ou senhor. No entanto, por outro, também dos meios de produção necessários a objetivação de sua força de trabalho, logo, também de sua sobrevivência.

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produtividade, a qual supria apenas o necessário para o feudo. O sistema feudal, segundo Mariutti (2004, p. 31) tinha como processo de circulação a forma M-D-M (apreendida por Marx e que será exposto mais à frente), no qual o dinheiro era utilizado como um intermediário de troca, um facilitador na transação de mercadorias.

No entanto, com o renascimento do comércio na Europa Ocidental, no ano de 1100, segundo Dobb (1983, p. 28), que trouxe a figura do comerciante juntamente com a comunidade comercial, houve um grande aumento de dinheiro em circulação nos feudos. Isto provocou uma agitação no modo autossuficiente feudal, que incentivou a economia senhorial a produzir excedentes para comercializar no mercado. Uma importante implicação que houve, dado este cenário, foi a intensificação do dinheiro (elemento que vai ser abordado nos próximos tópicos) como forma de renda, intermediário na troca de mercadorias e pagamento de serviços.

Apesar desse aumento da circulação de dinheiro nos feudos, de acordo com Mariutti (2004, p. 31), não seria capaz de ocorrer uma transição imediata ao capitalismo porque, apesar de dinamizar a circulação da economia, não influenciaria de forma instantânea em sua força produtiva. Outro ponto a ser ressaltado é que o sistema feudal não dependia diretamente do comércio, já que a produção era de subsistência. O comércio obteve um papel secundário, quando os senhores feudais perceberam que poderiam comercializar excedentes ainda às custas dos camponeses.

Tanto a ampliação do mercado como o aumento da circulação do dinheiro são fatores muito discutidos a respeito de seu efeito para o declínio do feudalismo. Não há como imputar que esses fatores, por eles mesmos, foram condições necessárias para o declínio do sistema feudal. Em relação a isso, Marx (apud DOBB, 1983, p. 31) afirma que a interferência do comércio neste sistema depende das próprias características internas a ela: ―sua solidez e articulação interna e, em particular, o novo modo de produção que tomará o lugar do antigo é coisa que não depende do comércio, mas do caráter do próprio modo e produção antigo‖. Portanto, não há como afirmar que fatores externos foram a causa do declínio do sistema feudal. Deve ser levada em consideração a própria estrutura interna, suas relações sociais, políticas, econômicas, técnicas de produção, até mesmo o ambiente (como as formações do relevo, disposição hídrica, acesso a alimentos, qualidade da terra) do território em que este sistema está incluso.

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Assim, dentre os fatores internos ao sistema, o feudalismo mostrava-se ineficiente como um modo de produção ao passo em que a classe dominante sentia-se impelida a adquirir mais renda e, por consequência, exigia muito mais dos produtores. A única maneira pela qual a classe dominante poderia arrecadar maiores rendimentos era através do aumento do excedente de produção, o que ocasionou uma pressão muito grande sobre o produtor, de forma que se tornou uma situação insustentável (DOBB, 1983, p. 32). Essa pressão resultou na emigração ilegal dos camponeses dos feudos para as cidades, o que levou a um aumento da população urbana. Porém, as cidades não conseguiam acomodar aquele excedente populacional, o que obrigou esse excesso a ficar à margem da sociedade, nas ruas. Essa emigração em massa enfraqueceu cada vez mais a economia feudal, o que contribuiu para sua crise (DOBB, 1983, p. 34).

É importante notar que o papel de resistência dos dominados (os produtores, camponeses, servos) perante as explorações dos senhores feudais (muitas vezes quase draconianas) foi de suma importância para a mudança do curso da história. ―Portanto, para se compreender a derrocada do feudalismo é necessário centrar a análise na luta entre servos e senhores, e como esse antagonismo modifica a estrutura básica da sociedade feudal, separando o produtor direto dos meios de produção.‖ (MARIUTTI, 2004, p. 32).

Essas contradições internas foram tão intensas que o sistema não conseguiu resolvê-las. Não que o fator decisivo para a queda do feudalismo e ascensão do capitalismo tenha sido esse conflito, isoladamente, mas é fato que modificou a estrutura feudal ao libertar os camponeses da exploração feudal. Para Marx (apud CHAUÍ, 2007, p. 156), foram necessárias algumas dissoluções de elementos do sistema feudal para que o capitalismo despontasse no devir histórico, tais como:

[...] primeiro, dissolução do relacionamento com a terra enquanto corpo inorgânico do trabalho, ou seja, dissolução da relação do sujeito com as condições naturais da produção; segundo, dissolução daquelas relações sociais e econômicas em que o trabalhador e proprietário dos instrumentos de trabalho; terceiro, dissolução do fundo de consumo com que a comunidade garantia a sobrevivência do trabalhador durante o processo de trabalho; quarto, dissolução das relações econômicas em que o trabalhador, como escravo ou servo, pertence as condições da produção (MARX

apud CHAUÍ, 2007, p. 156).

Não há como negar que a existência das cidades proporcionava uma válvula de escape dos camponeses em busca de liberdade e independência. Para Mariutti (2004, p. 32), a existência das cidades se constituiu como um forte poder de barganha dos camponeses, pois aumentava

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um leque de possibilidades de condições de vida, sendo mais atrativo do que a vida nos feudos. No intuito de evitar a redução massiva da população em seus feudos, os senhores feudais reagiram de formas diferentes na Europa. Em alguns casos, os senhores cederam às pressões da população, com o abrandamento das obrigações servis ou substituindo a relação servil por uma contratual, com o pagamento em dinheiro. Porém, tiveram outros casos em que os senhores foram mais ríspidos, aumentando as obrigações feudais e evitando a fuga de servos, capturando aqueles que tinham fugido através da força militar (DOBB, p. 38).

Qualquer que fosse a medida tomada pelos senhores, seria reduzida a renda por eles apropriada. No primeiro caso, com a diminuição das obrigações a arrecadação era menor, além de que, com esse abrandamento, também houve a diminuição da quantidade de trabalho dos servos à disposição do senhor. Quanto ao segundo caso, os senhores aumentaram os gastos com poder militar na tentativa de vigiar e controlar a fuga dos servos (MARIUTTI, 2004). Essas ―soluções‖ enfraqueciam cada vez mais o sistema feudal, modificando, pouco a pouco as relações entre os servos e senhores. Com isso, a migração rural para as cidades inicia o processo de separação do produtor direto com seus meios de produção.

Para Dobb (apud MARIUTTI, 2004, p. 35) o cenário social, econômico e político entre os séculos XIV e XVI se complexificava e experimentava uma transição: por um lado o sistema feudal se desintegrava cada vez mais e, por outro, ainda não haviam sido criadas condições necessárias para o erguimento da burguesia e das relações capitalistas. Há de se pontuar que elementos que marcam sistemas de produção diferentes chegaram a coexistir no mesmo espaço e tempo como o modo de produção servil e o capital mercantil. Ou seja, o aparecimento de um elemento não significa a exclusão automática de um anterior. Dobb (ibid, p. 37) estabelece, então, uma ligação entre o sistema feudal e o capital mercantil. Para ele, no início, o capital mercantil se relacionava de forma externa à produção feudal, com o lucro proveniente das diferenças de preços entre diferentes regiões produtoras, ou seja, da troca desigual. Mais tarde, o capital mercantil começou a se conectar de forma mais direta ao feudalismo. Dobb (ibid) propõe dois caminhos que foram seguidos por esse processo:

a) Caminho Revolucionário: Alguns camponeses conseguiram acumular uma quantia de capital, incentivados pelo crescimento do comércio, e empregaram em melhores técnicas de cultivo, terras e algum trabalho assalariado. Através disso, começaram a produzir para mercados cada vez maiores. Dessa forma, o camponês passa de um

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produtor a ser mercador. Esse caminho começou nos séculos XVI e XVII, com esses camponeses e artesãos mais prósperos, formando o setor mais progressista da economia. Aqui, inicia-se o processo de subordinação do comércio à produção (DOBB

apud MARIUTTI, 2004, p. 37-38).

b) Caminho Conservador: Neste caminho, o capital mercantil e o sistema feudal se conectam através dos mercadores que destinam parte de seu capital para a produção de manufaturas, porém controlam a oferta de seus produtos. Segundo Mariutti (2004, p. 38), ―apesar de este comerciante ser também um industrial, a economia, nessas condições, não sofre transformações essenciais, pois a produção continua subordinada ao comércio.‖, aqui o comerciante tenta lucrar com a diferença entre o preço de compra e o preço de venda dos seus produtos com o controle da oferta.

Os camponeses que seguiram o primeiro caminho, ao empregar recursos em fatores de produção, como terras, novas técnicas e trabalho assalariado, estariam construindo a base do capital mercantil com a aferição de lucros sobre a alienação. A via revolucionária vai dar origem a uma nova classe social, em contraste com a aristocracia e aos grandes comerciantes (aqueles que lucravam com as diferenças de preços). Toda essa complexidade de fatos vai resultar na Revolução Burguesa da Inglaterra, no século XVII (MARIUTTI, 2004, p. 40). Portanto, para Dobb (apud MARIUTTI, ibid):

O processo de diferenciação social foi fruto da reação ao próprio feudalismo, processo que foi amadurecendo gradualmente antes da emergência do capitalismo. É isso que determina o intervalo entre o declínio da servidão e a consolidação definitiva do modo de produção capitalista, evento que pode ser situado na Inglaterra após a sua ―revolução burguesa clássica‖, quando a reação feudal (absolutista) foi definitivamente destruída e o processo de subordinação do capital mercantil ao industrial começa a avançar, preparando terreno para a revolução industrial. (DOBB, apud MARIUTTI, 2004, p. 40).

Conforme as ideias levantadas acima, a constituição de uma nova classe social (a burguesia) reflete a transfiguração de uma sociedade pautada na servidão, para outra pautada no trabalho assalariado. Dessa forma, fatores intrínsecos ao próprio modo de produção feudal, conjuntamente com fatores externos, como, principalmente, a ampliação do mercado, favoreceram o aparecimento da classe social burguesa. O mercado se expandia cada vez mais, não somente pela crescente urbanização, mas também com o uso cada vez maior da moeda nos feudos, com o progressivo trabalho assalariado e arrendamento das terras (DOBB, 1983,

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p. 79). Essa crescente monetarização da economia possibilitou trocas cada vez mais rápidas, dinamizando mais a economia. Esse elemento, juntamente com uma maior produção (por conta das novas técnicas, trabalho assalariado) e a ampliação dos mercados proporcionaram um maior crescimento econômico – elemento essencial a ser solucionado no próprio devir histórico, pois, conforma apontado por Dobb (ibid), na fase final do feudalismo, este era menor do que o crescimento populacional.

A importância do dinheiro – como facilitador de trocas e, consequentemente, como um elemento central no processo de circulação de mercadorias – foi um fator importante na transição do modo de produção feudal para o capitalista, inclusive na mudança das relações de produção. Por conta disso, o próximo tópico será dedicado ao processo do surgimento do capital, com a ―invenção‖ do dinheiro e a mudança das trocas diretas, através do escambo, para as trocas com intermediário.

2.3 O CAPITAL E A RELAÇÃO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA

Este tópico tem como referência principal a obra ―O capital – crítica da economia política‖ de Karl Marx, porém não tem a intenção de exaurir por completo todo seu conteúdo. Entende-se aqui que este autor foi quem conseguiu explicar com maior detalhamento o porquê da existência do capital, bem como a dinâmica de seu funcionamento. No entanto, para fins de desenvolvimento deste trabalho, alguns aspectos pertinentes à existência do dinheiro considerados de maior relevância serão explanados, contudo, de modo bastante sintetizado, em especial a partir de definições de categorias centrais à apreensão da dinâmica de uma economia monetária, nos moldes da capitalista (como troca, valor, mercadoria, moeda e trabalho).

2.3.1 Dinheiro: do ciclo da mercadoria ao ciclo do capital

O dinheiro surge da troca de mercadorias. Logo, para apreender seu significado, faz-se necessário abordar, também, uma das principais relações sociais que existe, praticamente,

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desde tempos muito remotos, ainda no início da civilização humana, a saber: a troca. Cada indivíduo possui suas necessidades, porém não é capaz de produzir, em muitos casos e por distintas razões, todo tipo de objeto que as satisfaça. Daí que aquele que sabe e pode fazer camisas pode se beneficiar de uma relação de escambo direto com outro que sabe e tem condições de fazer pão. Ambos têm tanto a necessidade de vestir-se quanto alimentar-se, no entanto cada um têm condições de produzir apenas um dos dois itens.

O vantajoso para os dois é, portanto, a realização da troca: o primeiro oferece a camisa para satisfazer sua carência de alimento e o segundo oferece o pão para a satisfação do vestuário. Os dois itens, tanto a camisa quanto o pão, têm utilidade para os indivíduos. Cada objeto que possui características tais que suprem algum tipo de necessidade individual (sejam elas do estômago ou do espírito) detém o que Marx atribuiu de valor de uso. Esses bens, ao serem destinados à troca, se transformam, portanto, em mercadorias – algo que deve possuir três aspectos: valor de uso, valor de troca e valor.

Para a realização das trocas dessas mercadorias é necessário estabelecer uma relação de equivalência entre diferentes valores de uso; a quantidade de camisa que equivale certa quantidade de pão e vice-e-versa. Ou seja, o estabelecimento de uma proporção (de valores) para a realização dessas trocas. Essa proporção, ou valor de troca, mede-se através da quantidade de uma mesma substância, comum a qualquer mercadoria: o trabalho humano (MARX, 1983, p. 47).

Por sua vez, a quantidade de trabalho é definida através de uma média de tempo que é ―requerido para produzir um valor de uso qualquer, nas condições dadas de produção socialmente normais, e com grau médio de habilidade e intensidade de trabalho‖ (ibid, 1983, p. 48). Isto posto, se a camisa necessita do dobro de tempo que é necessário para a produção de um pão, então seu valor de troca equivale ao dobro deste.

Para a satisfação das necessidades humanas, o trabalho é um elemento imprescindível. É a ação que vai alimentar o homem, vesti-lo, higienizá-lo, abrigá-lo, ensiná-lo e desenvolvê-lo. Esse trabalho aplicado para a produção de um item necessário pode assumir um caráter duplo. De um lado, quando o dispêndio da força de trabalho é utilizado para a geração de valor de uso, ou seja, para produção de algo para um fim específico, é um trabalho que produz algo material, chamado trabalho concreto. Por outro lado, quando a força de trabalho se manifesta no valor de troca, a partir do momento em que é realizado o intercâmbio entre mercadorias,

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surge a ideia de um valor relativo entre elas, determinado socialmente, no imaginário humano, denominado, assim, de trabalho abstrato (ibid, 1983).

Esse valor originado do trabalho abstrato é relativo quando é comparado o valor de uso de duas mercadorias, como por exemplo, da camisa em relação ao pão. Considere-se a expressão: camisa ≡ 2 pães. A camisa possui a forma de um valor relativo, segundo Marx (1983), porque esta expressa seu valor com base no pão, enquanto o pão tem a forma de valor equivalente na expressão, pois demonstra a quantidade necessária para permitir sua troca com a camisa, ou seja, qual a sua equivalência em relação a ela.

Caso fosse invertida a equação anterior, agora o pão passaria a ocupar a posição do valor relativo (ou, em relação) à camisa e a camisa passaria a assumir a posição de valor equivalente. A primeira mercadoria representada na equação (composta por dois polos antitéticos) é a que se possui, esta pode ser trocada por qualquer outra mercadoria que esteja à disposição – as mercadorias que estão do lado direito da equação –, a proporções que equivalem à primeira. Assim, necessita-se estabelecer às quais proporções pode-se realizar a troca do que possui com o que deseja.

O valor surgido da comparação entre duas mercadorias diferentes durante a troca é o que Marx chama de forma simples de valor. A análise de valores entre esses dois objetos torna-se insuficiente à medida que as mercadorias são cada vez mais diversificadas, cada uma com tipos de valor de uso diferentes, com diferentes qualidades, para suprir diferentes carências. A

forma simples de valor era adequada no começo das práticas de troca, ou seja, numa fase mais

arcaica da humanidade – na qual se manifestava –, através do escambo. Entretanto, ao relacionar uma mercadoria com diversas outras, estabelecem-se, também, diversas equações como a citada anteriormente, e vários outros valores equivalentes.

Ao processo em que são realizadas várias outras trocas, certa espécie de mercadoria destaca-se pela grande ocorrência em que ela é demandada para funcionar como polo de valor equivalente. Essa mercadoria acaba por fazer, cada vez mais, parte da vida das pessoas, justamente por funcionar como um equivalente de valor num processo de transformação social em cuja troca de valores (na forma de mercadorias) começa dar o tom da sociabilidade. Assim, convém lembrar que não é pela existência de um equivalente geral de valor que as mercadorias se tornam intercambiáveis, mas o contrário, é fato de serem intercambiáveis enquanto constituídas de valor, que possibilita o surgimento de um equivalente geral de valor, isto é, uma mercadoria que passa a ocupar a posição de forma equivalente do valor, como foi

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o caso do sal e, mais tarde, da prata e do ouro. Esta mercadoria que desperta tanto interesse aos homens (e mulheres), capaz de ser trocada por, praticamente, qualquer coisa, é considerada um equivalente geral.

Uma mercadoria, que é equivalente geral, ao possuir cada vez mais uma maior uma aceitação social – durante o devir da história humana – a torna válida, ou apta, para ser trocada por qualquer outra mercadoria, e é justamente esse atributo social que a transforma em dinheiro. Segundo Marx (1983, p. 69):

O ouro só se confronta com outras mercadorias como o dinheiro por já antes ter-se contraposto a elas como mercadoria. Igual a todas as outras mercadorias funcionou também como equivalente, seja como equivalente individual em atos isolados de troca, seja como equivalente particular ao lado de outros equivalentes mercantis. Pouco a pouco, passou a funcionar, em círculos mais estreitos ou mais extensos, como equivalente geral. Tão logo conquistou o monopólio dessa posição na expressão de valor do mundo das mercadorias, torna-se mercadoria dinheiro, e só a partir do momento em que já se converteu em mercadoria dinheiro distingue-se a forma IV da forma III, ou a forma geral se transforma em forma dinheiro. (MARX, 1983, p. 69).

Dito isso, o ouro, ao converter-se em mercadoria dinheiro, passa a manifestar uma nova forma de valor: a forma preço. Com o desenvolvimento do comércio, os metais tornam-se mercadorias de grande apreço pela sociedade. Ao adquirirem a função dinheiro, os metais viram referência de preço para as outras mercadorias, o que facilita a comparação entre mercadorias qualitativamente diferentes. O preço das demais mercadorias é, então, dado em função do peso do metal.

Essa nova forma assumida a partir do valor desses metais, o preço, é uma expressão monetária, intangível e imaginária que é associada com a quantidade real, material que foi produzida com o trabalho socialmente necessário, logo ―o valor, isto é, o quantum de trabalho humano contido, por exemplo, numa tonelada de ferro, é expresso num quantum imaginário da mercadoria monetária, que contém a mesma quantidade de trabalho‖ (ibid, 1983, p. 88).

A mercadoria dinheiro acaba por assumir, segundo Marx, duas funções diferentes. A primeira delas é de medida de valores, por conter trabalho humano para sua produção, o que significa que pode ser comparada a qualquer outra mercadoria. A segunda é a de padrão de preços, uma vez que, fixado seu peso, torna-se elemento que precifica todas as outras mercadorias em relação a ela mesma. Assim:

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Para o padrão dos preços, determinado peso de ouro tem de ser fixado como unidade de medida. Aqui, como em todas as outras determinações de medida de grandeza de mesma denominação, a estabilidade das relações de medidas torna-se decisiva. Por isso, o padrão de preços cumpre sua função tanto melhor quanto mais invariavelmente um mesmo quantum de ouro sirva de unidade de medida. Como medida de valores o ouro somente pode servir porque ele mesmo é produto de trabalho, sendo, portanto, um valor potencialmente varável. (MARX, 1983, p. 89).

Com o processo de mudanças no decorrer da história humana, o peso do metal desvincula-se de sua denominação monetária. Cada vez mais o preço desassocia-se do peso material do metal, e passa a ser mais uma representação. O metal, agora, passaria a ser dividido em partes menores, cada um deles com nomes diferentes que passariam a determinar seu preço. Se, por um lado, o valor é medido com base material real entre o dinheiro e a mercadoria; por outro, o preço é medido com base imaginária, do quanto que se acredita que vale o dinheiro em relação à mercadoria. Por isso:

A forma preço, porém, não só admite a possibilidade de incongruência quantitativa entre grandeza de valor e preço, isto é, entre grandeza de valor e sua própria expressão monetária, mas pode encerrar uma contradição qualitativa de modo que o preço deixa de todo de ser expressão de valor, embora dinheiro seja apenas a forma valor das mercadorias. (Ibid, 1983, p. 92)

Dessa forma, o metal é uma materialização do valor, como forma de dinheiro. Por sua vez, o preço é um nome monetário da quantidade de trabalho social que foi incorporado na produção de uma mercadoria.

O dinheiro intermedia uma relação econômica entre os indivíduos. Um indivíduo compra a mercadoria do outro após receber o dinheiro da venda de sua própria mercadoria. Esse fato é o que Marx chama de metabolismo social, um processo de troca que transfere mercadorias das mãos em que ela não é valores de uso para as mãos em que elas são valores de uso. E o produto de trabalho passa a substituir o produto de outro trabalho (MARX, 1983). Marx esquematiza esse processo da seguinte forma: M – D – M. Disto, M – D representa a primeira metamorfose da mercadoria ou venda. A mercadoria se transforma em dinheiro no momento de sua venda. Para o proprietário da mercadoria, seu produto serve apenas como meio de troca. Assim, para que receba o dinheiro, a mercadoria deve servir de valor de uso para outra pessoa. Só dessa forma, o proprietário da mercadoria, terá o dinheiro que se encontra no bolso do outro – como ouro, ou qualquer outra mercadoria dinheiro.

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Por sua vez, o processo D – M representa a segunda metamorfose da mercadoria ou compra. Aqui o proprietário da mercadoria M, após receber o dinheiro D, da venda, compra outra mercadoria, M. Percebe-se nesse ciclo, que o dinheiro sempre vai mudar de mãos toda vez que ocorrer a troca das mercadorias. Enquanto as mercadorias são trocadas uma vez – tratando-se de mercadorias que não serão revendidas, pois satisfaz as necessidades do novo proprietário –, o mesmo dinheiro circula por várias pessoas para cada transação, para cada processo M – D – M. Por consequência, o dinheiro assume uma função de meio circulante e ―afasta as mercadorias constantemente da esfera de circulação, ao colocar-se continuamente em seus lugares na circulação e, com isso, distanciando-se do seu próprio ponto de partida.‖ (MARX, 1983, p. 101). Deste aspecto como meio de circulação, Marx destaca 3 papéis que o dinheiro pode desempenhar: entesouramento, meio de pagamento e dinheiro mundial.

Quanto ao papel de entesouramento, o ciclo do capital não se completa, se encerra no momento da venda da mercadoria que, então, em vez de reiniciar um novo processo de valorização, entesoura o dinheiro recebido. A intenção é estocar dinheiro com quanto mais mercadorias conseguir vender. O dinheiro acaba por representar o trabalho utilizado na mercadoria em forma materializada. ―De simples intermediação do metabolismo, essa mudança de forma torna-se fim em si mesma. (...) O dinheiro petrifica-se, então, em tesouro e o vendedor de mercadorias torna-se entesourador‖ (MARX, 1983, p.111).

Até agora, as trocas entre compradores e vendedores ocorriam no tempo presente. Porém, há mercadorias que precisam de mais ou menos tempo para que sejam produzidas do que outras. Nasce daí a função do dinheiro que depende das condições de produção: a de meio de pagamento. ―Assim, um possuidor de mercadorias pode apresentar-se como vendedor antes que outro como comprador‖ (MARX, 1983, p. 114). Esse comprador, que não tem dinheiro no presente, torna-se representante de dinheiro futuro e devedor. O vendedor, por sua vez, torna-se credor. Dessa nova relação de pagamento, surge o dinheiro de crédito. Como o dinheiro ainda não está em circulação, há uma defasagem sua em relação à quantidade de mercadoria em circulação:

Está em curso dinheiro que representa mercadorias retiradas há muito tempo de circulação. Circulam mercadorias cujo equivalente em dinheiro só aparece no futuro. Por outro lado, os pagamentos contraídos cada dia e os pagamentos que vencem nesse mesmo dia são grandezas absolutamente incomensuráveis. (Ibid, 1983, p. 117)

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Por último, para as relações de trocas internacionais, o dinheiro em forma de barra de ouro é utilizado em sua esfera externa de circulação. A barra de ouro reassume seu papel de troca como o mais importante por conta de cada território possuir seu próprio meio de troca. O dinheiro nesta forma contém valor inerente a seu material, o que o torna amplamente aceito no comércio exterior. Assim, proporciona a continuidade da circulação de mercadorias mesmo fora das fronteiras territoriais (MARX, 1983).

2.3.2 Capital e força de trabalho

A partir do momento em que a circulação de mercadorias se desenvolve, com o comércio e mercado mundiais, é dado o pontapé inicial da história do capital. O dinheiro na forma dinheiro se diferencia quando toma a forma de capital, por conta da maneira como é dada sua circulação. Como explicitado no tópico anterior, a forma de circulação de mercadorias na qual a mercadoria é vendida para adquirir dinheiro e, assim, comprar outra mercadoria (M – D – M), tem como objetivo vender parar comprar. Em contrapartida, a circulação D – M – D tem como objetivo final o dinheiro, aqui o indivíduo pretende comprar para vender. O dinheiro se transforma em mercadoria, para daí se transformar novamente em dinheiro, que é o capital. Essa forma de circulação visa, então, o valor de troca, enquanto a circulação simples da mercadoria visa o valor de uso.

Outro aspecto destacado por Marx, é que na circulação simples da mercadoria, as mercadorias que estão nas ―pontas‖ dessa circulação possuem o mesmo valor, mas com valores de uso diferentes, já que são objetos que possuem características distintas. Enquanto isso, na circulação do capital, o dinheiro possui a mesma qualidade nas extremidades de seu ciclo – o de ser dinheiro –, o que muda é a quantidade dele, já que não faria sentido um indivíduo colocar seu dinheiro em circulação para obter o mesmo quantum no final. A esse acréscimo na quantidade de dinheiro, Marx vai denominar de mais-valia, como segue no trecho:

A forma completa deste processo é, portanto, D — M — D', em que D = D + ΔD é igual à soma de dinheiro originariamente adiantada mais um incremento. A este incremento ou o excesso sobre o valor originário chamo eu — mais-valia (surplus

value). O valor originariamente adiantado não apenas se mantém, portanto, na

circulação, mas nela altera a sua magnitude de valor, acrescenta uma mais-valia ou valoriza-se. E este movimento transforma-o em capital. (MARX, 1983, p.128).

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O valor, dentro do ciclo do capital, não possui mais uma forma independente como na circulação simples da mercadoria; agora é uma substância que perpassa sobre as formas mercadoria e dinheiro. Dentre outras palavras, o valor se move de D – M – D’– M’– D’’... e, assim, sucessivamente, com o objetivo de crescer cada vez mais. E, esse dinheiro – ou valor – em progressão é chamado de capital. No entanto, Marx (1983) ainda explica que há uma contradição nesse ciclo. Se houver o caso de todos os possuidores de mercadorias venderem elas por um preço acima do valor na mesma proporção, os preços vão aumentar, porém, suas relações de valor continuariam as mesmas. Depreende-se daí que, não há a formação de mais-valia somente pelo fato dos vendedores venderem as mercadorias acima de seu valor ou os dos compradores adquirirem elas abaixo do valor. Pode-se dizer então que a circulação de mercadorias, em si, não produz valor – ainda que este se realize nesta esfera.

Por outro lado, um possuidor de mercadoria que está fora da circulação, não possui relação com outras mercadorias, a não ser com a própria que ele mesmo produz. Para aumentar o valor de sua mercadoria, ele teria que lhe acrescentar mais trabalho, por exemplo, um produtor de tecidos poderia trabalhar mais e começar a produzir roupas. Porém, esse acréscimo de trabalho também não é mais-valia porque só criou uma nova mercadoria a partir do próprio trabalho. Ademais, sem estabelecer contato com outros produtores não é possível valorizar o valor da mercadoria, o produtor não poderá cobrar mais do que vale (MARX, 1983). Daí a importância de um mercado amplo para a reprodução do capital.

O detentor do dinheiro deve comprar, então, as mercadorias pelo valor determinado, depois vendê-las por esse mesmo valor e, ainda assim, extrair mais valor do que essa mercadoria vale. Chega-se à conclusão de que a transformação do dinheiro em capital não é possível de ser realizado na segunda parte da circulação (ato M – D), na revenda, pois ―este ato transforma a mercadoria meramente da forma natural outra vez em forma-dinheiro.‖ (MARX, 1983, p. 138). É necessário, então, que a transformação do dinheiro em capital ocorra no primeiro ato da circulação (D – M), decorrente de seu valor de uso. Neste momento, para Marx (1983), o detentor do dinheiro procura por uma mercadoria cujo valor de uso tenha a capacidade de ser fonte de valor: a força de trabalho.

Aqui se encontra mais um dos pressupostos para o advento do capitalismo, a compra da força de trabalho como mercadoria. A força de trabalho aparece no mercado através do seu próprio

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detentor que está disposto a vendê-la, de ―forma livre2‖. O homem livre, possuidor da força de trabalho, a vende por um momento determinado, logo essa relação de compra e venda é feita várias vezes, tanto vendê-la para o mesmo comprador quanto para outro. Outro aspecto do vendedor da força de trabalho é que ele não possui outras mercadorias para vender, pois não detém a posse dos meios de produção (MARX, 1983).

O processo de separação do trabalhador com os meios de produção se deu através de um longo processo, conforme exposto anteriormente. Esse processo envolveu a expropriação dos meios de produção dos trabalhadores (artesãos, camponeses), e neste contexto começa a surgir a separação e a relação entre duas (de três) classes estruturantes da atual sociedade: a dos capitalistas produtores de mercadorias e a dos trabalhadores assalariados. Os capitalistas são os proprietários dos meios de produção enquanto os trabalhadores assalariados são os que vendem sua força de trabalho para os capitalistas; essa divisão faz parte do desenvolvimento de um sistema com vistas ao capital, isto é, à valorização do valor.

O trabalho assalariado é a relação de produção dominante e típica do sistema capitalista, em cuja força de trabalho é tratada como uma ―mercadoria‖, que o capitalista compra com dinheiro, para utilizar em um processo de produção e de valorização de capital, com o fito de obter mais dinheiro. Nesse contexto, uma vez que o trabalhador não detém os meios de produção nem mesmo o produto que é resultado de seu trabalho, ele é suscetível à exploração para poder se sustentar.

Dessa forma, colocam-se as condições para que o capitalista pague a força de trabalho por um período menor do que o efetivamente utilizado. Poder-se-ia afirmar, portanto, que o valor de uso da mercadoria força de trabalho, sob o manto da relação capitalista, é maior que seu valor de troca. Dito o mesmo de outra forma, os trabalhadores recebem um salário menor do que o trabalho realmente realizado, daí obtém-se a mais-valia, fruto de um tempo de trabalho socialmente necessário realizado pelo trabalhador e pelo qual ele não recebe remuneração alguma.

2

Uma liberdade que pode ser interpretada num duplo sentido, pois, o possuidor/vendedor da força de trabalho é tanto ―Livre‖ de um senhor (e de um feudo), para poder vender ―livremente‖ sua força de trabalho no mercado; quanto ―livre‖ (destituído) dos meios de produção, o que o obriga a vendê-la necessariamente como forma de sobrevivência.

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2.3.3 A moeda para o sistema capitalista

De acordo com o exposto anteriormente, as trocas eram realizadas de forma direta através do escambo. Com a evolução das transações, diversificação de mercadorias, maior divisão social do trabalho, manifesta-se a necessidade crescente de um meio intermediário capaz de ser trocado por qualquer tipo de mercadoria, um equivalente geral de valor: o dinheiro. A partir daí, a quantidade de operações de troca aumentara cada vez mais, ao ponto de se transformar em um processo de circulação de mercadorias, associado à circulação do equivalente geral de valor, ou, na circulação do dinheiro. Desta função de meio circulante surge a figura da moeda (MARX, 1983, p. 107).

À medida que a mercadoria dinheiro, como o ouro, passa de mão em mão, deteriora-se, e dependendo da extensão de tempo que esse material (ouro) está em circulação, sua materialidade sofre desgastes físicos, o que incorre numa discrepância entre o peso nominal e o real. Dito o mesmo de outra forma, uma moeda com peso menor, mantém-se com o mesmo com valor monetário. Aos poucos, o corpo material da moeda dissocia de seu conteúdo nominal, dessa forma ―ele já contém, latentemente, a possibilidade de substituir o dinheiro metálico em sua função de moeda por senhas de outro material ou símbolos‖ (ibid, 1983, p. 108).

A moeda torna-se o símbolo do valor, independentemente de seu material. Portanto, a moeda acaba por assumir diversas formas, moedas de ouro, papel ou qualquer outra coisa que se acredita que detenha valor. Ou seja, o dinheiro passa a poder ser representado por algo que não tem um valor intrínseco, mas que dê algum poder de compra a seu possuidor. Essa nova forma que o dinheiro apresenta é baseada na confiança que se tem sobre seu valor – moeda fiduciária. Para que cada indivíduo acredite no valor de algo que não tenha um valor intrínseco, como o papel moeda, é necessário que exista uma instituição que dê legitimidade a seu uso:

Para que uma moeda seja verdadeiramente representativa de uma totalidade social e funcione como operadora de pertencimento social, para que ela seja o meio da reprodução desta totalidade no tempo, é preciso que ela mesma seja perene e tome uma forma institucional que assegure uma regulação da contradição entre sua forma unitária de conta e sua forma plural de pagamento. (THÉRET, 2008, p. 20)

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A moeda passa a ser um elemento de grande importância na economia capitalista. Para Marx, a economia real tem estreita ligação com a atuação da moeda, assim, admite-se a não neutralidade desta. Com efeito, com sua legitimidade reconhecida pela sociedade como meio geral de troca, pagamento e entesouramento, a moeda torna-se um elemento intrínseco ao sistema capitalista. Segundo Marx (apud VAL; LINHARES, 2008, p. 5), ―um aumento ou redução do trabalho na produção de mercadorias afeta a disponibilidade de moeda bem como a sua procura, pois a moeda é a responsável pela socialização do trabalho privado‖.

Por conta da moeda ser inerente ao sistema capitalista, são levantadas questões a respeito da sua influência na organização da economia real, na ocorrência de crises ou de até mesmo na superação delas. A partir disso, alguns pesquisadores se dividiram entre aqueles que acreditam que a moeda não é capaz de atingir os elementos reais da economia, ou seja, é neutra e toca somente o nível de preços, e aqueles que acreditam que a moeda interfere nas variáveis reais.

A noção de neutralidade ou não neutralidade da moeda é derivada da aceitação ou não da Teoria Quantitativa da Moeda e da Lei de Say. Para os economistas da vertente ortodoxa, a moeda é apenas um instrumento utilizado para remunerar a produção de mercadorias, sem influência real na economia, ou seja, apenas reserva o valor dos bens produzidos. Em linhas gerais, o sistema econômico funcionaria da seguinte maneira: a mercadoria toma a forma de moeda ao ser vendida, essa mesma moeda vai ser utilizada pelo vendedor para comprar outra mercadoria, assim a moeda se transforma em uma nova mercadoria. Pode-se dizer que esse esquema é equivalente, na obra de Marx, à forma de circulação de mercadorias: M – D – M, estudado no tópico anterior.

Na visão ortodoxa, a moeda não afeta o lado real do sistema econômico pelo fato de não gerar novos valores no sistema. Portanto, a longo prazo, ela é neutra, o que levaria a um equilíbrio no mercado. A teoria quantitativa da moeda se originou com base nessa visão, que conclui que existe um lado da economia real, relacionado à produção, ao mercado de bens e serviços e, do outro lado, aquele que remunera esses serviços e bens, o lado monetário. Dessa forma, um lado tem que ser igual ao outro porque a moeda é só um instrumento de conversão de uma mercadoria em outra (VAL; LINHARES, 2008, p. 84). A fórmula que representa esse esquema é:

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O lado esquerdo da fórmula representa o valor total do mercado de bens, que significa multiplicar a quantidade de bens pelo preço a que foram vendidos. Quanto ao lado monetário, é a quantidade de moeda multiplicada pela quantidade de vezes que a moeda gira, ou seja, o quanto ela é trocada de mão em mão. Para os ortodoxos o equilíbrio de mercado é atingido quando o mercado de bens é igual ao mercado monetário. Os dois lados são sempre idênticos, com a moeda financiando a produção de mercadorias.

A Lei de Say, defendida por ortodoxos, traz também essa ideia do equilíbrio entre mercados. Segundo a mesma, a produção de bens e serviços gera rendas como num ciclo, um processo em que não há o escoamento de recursos para outro lugar, a não ser da demanda para a oferta e da oferta para a demanda. Dentre outras palavras, tudo que é produzido é consumido. A moeda aqui, também, apenas possui o papel de intermediar trocas. Assim, torna-se previsível o comportamento da moeda e isso favorece o controle da oferta de moeda pelo Banco Central (VAL; LINHARES, 2008, p. 84).

Por outro lado, aqueles que criticam essa ―lei‖ defendem que pode haver instabilidade na quantidade de moeda, pois, por exemplo, existem razões para que os indivíduos poupem, o que causa a diminuição da circulação de moeda, que acarretam mudanças nas variáveis reais como a produção. Ademais, a não neutralidade se explicaria através da própria existência do crédito, o qual financia a produção antes mesmo de haver a quantidade de moeda ―existente‖ já em circulação. Isso se deve ao fato de que o crédito pode diminuir o tempo de circulação – por não ter a necessidade de haver realmente moeda disponível naquele momento –, consequentemente da produção, antecipando esses processos (VAL; LINHARES, 2008, p. 91).

Ainda nesse sentido, isto é, no âmbito das correntes de pensamento que advogam em favor de uma não neutralidade da moeda, convêm destacar, ademais do pensamento marxista, as teorias de matriz keynesiana. Como a pós-keynesiana, que em sua fundação procura resgatar justamente o caráter monetário da economia capitalista para afirmar que a moeda importa, pois, em situações de grande incerteza, a preferência pela liquidez se faz valer de maneira decisiva, de tal forma que os agentes econômicos preferem reter moeda, em vez de gastá-la.

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