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Tem cabimento uma Feira do Livro digital?

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Academic year: 2022

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Tem cabimento uma Feira do Livro digital?

Artigo | Marcelo Spalding, doutor em Literatura Comparada, defende que o tradicional evento de Porto Alegre seja realizado para seguir expandindo seu alcance e seu papel

Vou começar o texto com um spoiler: sim, tem cabimento uma Feira do Livro digital. Mas como parece uma contradição que uma feira feita para aproximar o leitor do livro seja feita sem essa aproximação, vamos ao que interessa: os argumentos.

Primeiro, por óbvio, vale lembrar que não há condições de se planejar uma Feira do Livro presencial, pois uma feira vive de aglomeração. E não se faz uma feira em poucos meses; desde o começo do ano as editoras se planejam, encomendam estandes, etc., então mesmo que por um milagre amanhã houvesse uma cura e as escolas todas voltassem às aulas presenciais, nem assim haveria tempo hábil de uma feira presencial. Então a questão é: entre não haver Feira do Livro, interrompendo uma tradição de 66 anos, ou fazer uma feira digital, o que tem mais cabimento?

Admiro a coragem do Isatir, presidente da Câmara Rio-Grandense do Livro, de propor e levar adiante uma feira digital. Seria mais fácil simplesmente cancelar o evento. Mas vou além:

acredito que esta é uma oportunidade única de pensarmos em como inserir o livro local neste ambiente digital.

Fomos revolucionários ao criar e expandir as feiras do livro, ao levar os autores às escolas, e agora precisamos nos conectar com outras gerações e expandir nossas fronteiras, promovendo o livro, sim, mas também, e mais importante, a leitura, o conhecimento e a literatura.

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A era digital nos últimos 10 anos tem promovido no mercado editorial mudanças maiores que as ocorridas nos 100 anteriores. Hoje é possível imprimir tiragens de 100 exemplares com preço razoável e qualidade excelente. A editora pode criar uma loja no marketplace da Amazon e vender seus livros diretamente ao público, sem a famigerada consignação a livrarias, que ainda pedem até mais de 50% de desconto. E o próprio autor pode dispensar a editora e contratar bons profissionais para produzir seu livro, vendendo e divulgando pela internet.

É um cenário desafiador, sem dúvidas, ainda mais para um setor que sempre apostou na concentração (se você tentou publicar um livro nos anos 80 ou 90 e não estava em evidência na mídia, sabe do que estou falando). Tamanha facilidade, ao mesmo tempo que aumenta muito a diversidade, diminui a aura do livro, seu caráter de exclusividade. Especialmente se pensarmos no e- book, cuja publicação requer meia dúzia de cliques.

Dessa forma, uma Feira do Livro digital que force cada setor dessa cadeia a (re)pensar o seu lugar nesse novo ambiente – como expandir sua atuação para além da Praça da Matriz – pode deixar um legado imenso para todos. Não vai dar para levar à Feira os mesmos livros de sempre ou apostar no ‘3 livros por 10 pilas’. Será preciso agregar valor, trabalhar em parceria com os autores, com o público.

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Criada para valorizar o contato dos leitores com os livros, assim como para incrementar o compartilhamento de experiências pessoais entre leitores, em tempos de quarentena, a versão digital da Feira do Livro de Porto Alegre é a solução possível

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para o momento (Fotos: Flávio Dutra/JU)

Quando surgiu a Feira do Livro de Porto Alegre, no longínquo 1955, em que se colocaram livros na praça, no Centro, também parecia loucura, pois livros viviam presos em lojas e bibliotecas.

Perceber mudanças sociais e popularizar o livro foi um acerto enorme desse modelo que se espalhou por todo o Estado, por milhares de escolas. Agora é preciso o mesmo espírito inventivo dos fundadores da Feira para compreendermos que há uma nova era para o mercado editorial e que inclusive não precisamos ficar restritos aos limites da cidade, do Estado.

Por exemplo, Porto Alegre tornou-se um polo de formação e qualificação de escritores nos últimos anos, sendo a única cidade do Brasil com espaço para trabalhos de Escrita Criativa em seus pós-graduações stricto sensu. Usar a força da marca e da estrutura da Feira para levar esses autores para fora do Estado seria, assim, um diferencial de uma Feira digital.

É bem possível, claro, que ao final da Feira leiamos manchetes em caixa alta de que o faturamento caiu 80%, o número de expositores foi o menor dos últimos anos, houve racha na comissão organizadora. Não se muda uma Feira e toda a sua cadeia produtiva em poucos meses, é como pedir a uma senhora de 66 anos (a Feira), que teimosamente pouco se integrou ao ambiente digital, que em poucos meses aprenda a competir numa praça onde há anos está, por exemplo, a Amazon. Mas é essa adaptação (mesmo forçada) que me dá esperança de que a Feira tenha mais 66 anos pela frente.

No fundo, a Feira nos orgulha não por ser uma feira de livros, mas por ser uma feira de leitura. E a leitura (assim como a literatura) pode mudar de suporte, como já mudou e está mudando, mas seguirá sendo fundamental para o ser humano. E se esta pandemia e o distanciamento dela decorrente nos mostraram algo até maior que a fragilidade do setor livreiro, esse algo

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é a importância que tem um bom livro, uma boa história, uma boa leitura.

Marcelo Spalding é doutor em Literatura Comparada, jornalista, escritor e editor da Editora Metamorfose

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