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Redes eletrônicas e economia digital: economia da dádiva ou novas estratégias concorrenciais? 1

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Redes eletrônicas e economia digital: economia da dádiva ou novas

estratégias concorrenciais?

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Alain Herscovici2

Resumo: Este trabalho propõe-se a estudar os fundamentos microeconômicos dos mercados ligados à economia digital. Numa primeira parte, mostrarei (a) porque, nesses mercados, por natureza não concorrências, os preços não são mais determinados a partir dos custos e (b) em que medida o conceito de externalidade de demanda é insuficiente para estudar as modalidades concretas da concorrência . Numa segunda parte, mostrarei como as novas formas de concorrência se definem a partir das modalidades diferenciadas de endogeneização das externalidades, e como as novas modalidades de valorização econômica se traduzem por modificações importante dos mecanismos de redistribuição de renda.

Palavras-Chave: Concorrência- Efeitos externos- Economia de redes

O desenvolvimento de todas as formas de capital intangível faz com que surjam certos paradoxos que as análises econômicas tradicionais não têm mais condições de explicar: uma série de serviços, que possuem as características dos bens públicos, é produzida e apropriada no âmbito de uma lógica de mercado. Por outro lado, a natureza da concorrência se modificou radicalmente; nesta perspectiva, é preciso rever a relação de causalidade entre custos e preços assim como as modalidades de valorização dos diferentes produtos e serviços. Este trabalho tem por objetivo fornecer elementos para construir um paradigma alternativo que tenha condições de explicar os mecanismos econômicos próprios a esta economia digital. Aqui, limitarei a análise à abordagem microeconômica.

É igualmente interessante observar que, a partir do anos 70, certos economistas começaram a estudar as modalidades concretas da industrialização da cultura e da mercantilização dessas atividades (Dominique Leroy (1980), Miège e ali (1986)); outros mostraram que o sistema de preços não permite regular o mercado (Stiglitz e Grossman (1976) e Akerlof (1970)). A

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Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “Economia Política e Políticas de Comunicação”, do XVII Encontro da Compós, na UNIP, São Paulo, SP, em junho de 2008

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Doutor em Economia pelas Universidades de Paris I Panthéon-Sorbonne e de Amiens, Coordenador do Grupo de Estudo em Macroeconomia (GREM) e do Grupo de Estudo em Economia da Cultura, da Comunicação, da Informação e do Conhecimento (GRECICC) Programa de Pós-Graduação em Economia (PPGE) da UFES, Professor e Coordenador do PPGE, Sócio fundador da Associación Latina de Economia Política de la Información, Cultura y Comunicación (ULEP-ICC) e pesquisador do CNPq (e-mail:

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hipótese utilizada neste artigo é a seguinte: enquanto, inicialmente, essas características eram limitadas aos setores da Cultura e da Informação, hoje, elas se estendem para o conjunto das atividades econômicas.

Em uma primeira parte, explicitarei os principais resultados da análise da economia das redes e ressaltarei seus limites explicativos. Numa segunda parte, fornecerei elementos de análise alternativos, a partir de um estudo das novas formas de concorrência, da natureza das externalidades de redes e dos mecanismos de redistribuição da renda

I) Uma análise econômica das redes: uma primeira abordagem 1) A análise tradicional

A esquerda do ponto m , no segmento Om, a oferta é sistematicamente superior à demanda. Esta fase corresponde à criação da rede e se caracteriza por um déficit intrínseco, pelo fato da utilidade do serviço proposto ser fraca. Esta fase corresponde à implementação das condições necessárias à criação da utilidade do serviço proposto na rede.

Gráfico 1 As diferentes fases de desenvolvimento da rede

Oferta S O (x) demanda D(x)

M

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Entre os pontos M e S, a utilidade cresce em função da quantidade de usuários; a dinâmica das redes se explica pelo fato da demanda, ou seja, da utilidade do serviço, depender da quantidade esperada de usuários. Por outro lado, a demanda é superior à oferta, o que permite explicar o desenvolvimento da rede. Este crescimento da demanda corresponde a um mecanismo de auto-realização das expectativas: se, além da massa crítica m, os usuários acreditam que o número total de membros do clube aumente, eles vão aderir ao clube; neste caso, o aumento real dos membros faz com que as expectativas continuem “otimistas”, e que cresça mais ainda a demanda (Curien, p. 24). Este aumento da demanda continua até alcançar a taxa de saciedade S.

A análise tradicional da formação das redes é baseada no conceito de externalidade de demanda, da maneira como ele foi desenvolvido por Katz e Shapiro (1984). Essas externalidades quantitativas de demanda expressam o fato que, além de determinada massa crítica, a utilidade do serviço cresce com a quantidade de usuários da rede. Esta análise é limitada ao estudo das externalidades de demanda, o que é possível conceber como a criação de utilidade social; no entanto, a dinâmica das redes digitais, hoje, se explica a partir da internalização deste tipo de externalidades pelos diferentes segmentos da oferta: não é mais possível reduzir a análise às externalidades de demanda.

2) A criação dos mercados

2.1 Uma atividade deste tipo tem que agüentar um déficit de exploração até alcançar esta massa crítica; aquém desta massa crítica, a demanda é inferior à oferta. Até a rede alcançar esta massa crítica, a utilidade do serviço proposto é inferior à disposição a pagar dos usuários: a firma tem que financiar a distribuição gratuita ou semigratuita desses serviços. Trata-se de um subsídio fornecido ao consumidor pela firma que queira criar assim um mercado; a utilidade privada é fraca, a utilidade social crescente e o custo marginal crescente (Bomsel, 2007. p. 86). A utilidade social representa o acréscimo de utilidade gerado pelo aumento do consumo; o custo marginal, o custo suplementar para “atrair” um novo consumidor/usuário. A dinâmica de rede aparece além da massa crítica: a utilidade individual

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é crescente e os custos marginais decrescentes. Os rendimentos são crescentes e a situação se caracteriza pela existência de um monopólio natural. O financiamento da fase de constituição do mercado se traduz pela disponibilização gratuita, ou semigratuita, de determinados serviços para o consumidor: é o investimento necessário a ser realizado para criar o mercado e para poder internalizar, posteriormente, os efeitos de redes (Ibid., p. 82).

2.2 Em função da indivisibilidade do serviço proposto na rede, e contrariamente à análise neoclássica padrão, não é possível expressar a utilidade total e marginal, assim como o custo médio e marginal, em função da quantidade produzida. Em relação a esta dinâmica, os preços não são determinados a partir dos custos. Numa perspectiva neoclássica, não há igualação entre custos marginais e preços: (a) as diferentes firmas não são “price-takers” e (b) não está tendo um zero profit. No que diz respeito a uma análise clássica, os preços não são determinados a partir de uma lógica de mark-up; esta utilidade social não tem nenhuma relação com os custos necessários à implementação dessa rede.

O conceito de externalidade quantitativa de demanda expressa a interdependência generalizada das funções de utilidades individuais dos agentes, o que ressalta o caráter social, e não individual, da utilidade criada pela rede. Por outro lado, em certos casos, aparecem externalidades qualitativas: as características qualitativas indivisíveis dos serviços dependem das matrizes de afinidades interindividuais, e o congestionamento pode ser qualitativo e não essencialmente quantitativo: neste caso, para preservar esta homogeneidade, é preciso limitar as modalidades de acesso a essas redes.

A firma que constituiu a rede pode explorar, de maneira diferenciada, a disposição a pagar dos diferentes consumidores. Se esta disposição for igual para todos os consumidores, e igual a pl, durante a primeira fase, a firma tem que financiar o déficit igual a (p* – pl) ( p* representa o preço concorrencial); ela se beneficia de um lucro extra durante a fase de crescimento (pl- p*). Se, ao contrário, for possível diferenciar diferentes grupos de consumidores com diferentes disposições a pagar, a firma pode praticar uma discriminação pelos preços: durante a fase de criação do mercado, ela pode se beneficiar de um snob effect; durante a fase de crescimento, ela pode segmentar a demanda e capturar certos grupos de consumidores a partir de uma série de serviços pagos e de alto valor agregado.

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Os preços não podem ser considerados como um mecanismo que incita os agentes a revelar suas preferências reais. Em função da não exclusão e da indivisibilidade dos serviços, os comportamentos oportunistas ligados ao free-riding limitam esta função dos preços.

Finalmente, segundo Bomsel (2007., p. 29 ), a economia digital, em oposição à economia “material”, é uma economia fundada na demanda: (a) a criação de utilidade provém da demanda, e não da oferta (b) o valor dos bens se explica a partir dos efeitos de redes que criam utilidade social e (c) as economias de escala, ligadas a uma lógica de custos, são substituídas por “efeitos de comunidade” (Idem, p. 62) que produzem externalidades. Esta análise, apesar de pertinente sobre certos aspectos, apresenta falhas: se é verdade que os preços não são mais diretamente determinados a partir dos custos, conforme mostrarei mais adiante, num primeiro momento, a oferta cria externalidades de demanda, o que Blomel qualifica de efeitos de redes; não obstante, num segundo momento, ela internaliza, ou tenta internalizar, essas externalidades de demanda. Esta internalização se traduz por uma diminuição do bem-estar social, ou seja, pela privatização dessas externalidades. Assim, não é possível afirmar a primazia da demanda, como o faz Bomsel: a demanda será progressiva e parcialmente capturada durante a fase de crescimento das redes.

3) Natureza do mercado e “paradoxo de Van Gogh”

3.1 A partir deste tipo de análise, o mercado não pode ser concebido, no âmbito de uma concepção neoclássica pura, como um mercado walrasiano onde se igualam demanda e ofertas anônimas, onde as preferências dos consumidores são determinadas de maneira exógena, e onde as funções microeconômicas dos agentes são independentes. Ao contrário, o mercado é concebido a partir da generalização da interdependência entre os agentes econômicos, e das defasagens que aparecem na evolução das diferentes variáveis.

É preciso estudar a natureza das relações que se estabelecem entre os diferentes agentes presentes. A partir de tal perspectiva, o valor de determinado bem econômico não se define mais em função de seus custos. No que diz respeito à economia clássica ligada ao valor trabalho, é possível mostrar como, e porque, hoje, a teoria do valor trabalho não permite

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mais explicar, nem medir, o valor econômico (Herscovici, 2007 (c)). Por outro lado, contrariamente ao que preconiza a teoria neoclássica, não é mais possível explicar a renda dos diferentes serviços produtores a partir da igualação entre o custo e a receita marginal: (a) não é possível medir localmente esta produtividade marginal e (b) não é mais possível prever a receita marginal.

Conforme mostrava a análise econômica da Cultura, nos anos 80, um dos paradoxos aparente deste setor reside no fato da valorização econômica desses produtos e serviços ser totalmente independente da estrutura dos custos necessários a sua produção (Huet et ali, 1978, Bourdieu, 1977). O “paradoxo de Van Gogh” mostra claramente que a valorização econômica dos quadros deste pintor não se explica a partir dos custos diretos e indiretos necessários a sua produção. Por outro lado, o capital simbólico necessário à valorização econômico se constrói no seio de um determinado campo social, no sentido empregado por Bourdieu (1979); este campo social é uma rede geralmente fechada (um campo de produção, na terminologia de Bourdieu), rede dentro da qual a utilidade desses bens é essencialmente social. O valor econômico deste tipo de bem se explica a partir das modalidades de formação de sua utilidade social. No entanto, este conceito de utilidade é profundamente diferente daquele utilizado pela economia marginalista; pelo fato da utilidade ser intrinsecamente social, ela não pode ser determinada a partir de uma abordagem ligada ao individualismo metodológico.

Conseqüentemente, existe uma desconexão crescente entre a estrutura de custo e a valorização econômica. Assim, estabelecendo um paralelo com a economia da cultura, na economia digital, a estrutura de custo não explica as modalidades de valorização econômica. Conseqüentemente, as economias de escala e suas implicações em termos de custos unitários, são cada vez menos explicativas das novas modalidades de concorrência: o conceito de concorrência qualitativa (Herscovici, 2007 (b)) deixa clara esta ausência de relações.

O desenvolvimento do setor não mercantil e dos serviços aparentemente gratuitos pode ser analisado nesta perspectiva: esta gratuidade aparente não constitui uma negação do mercado mas, ao contrário, permite implementar as novas modalidades de valorização próprias a esta economia digital. Autores como Negri e Lazaratto (2001), a partir de uma problemática marxista, cometem o seguinte erro: à socialização crescente das modalidades de produção do

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conhecimento correspondem modalidades de apropriação cada vez mais privadas; não é possível confundir esses dois níveis, nem concluir que essas evoluções traduzem uma superação do capitalismo a partir do “comum” (Herscovici, 2007 (c)).

É igualmente interessante observar que a economia digital não é mais governada pelo princípio de escassez, como isto era o caso no que diz respeito às produções manufaturadas, ou seja, industriais. A não rivalidade dos bens se explica a partir do caráter indivisível dos serviços ofertados. A indivisibilidade significa que o serviço é consumido, na sua integralidade, pelo conjunto dos usuários; a indivisibilidade ampliada pelas possibilidades técnicas de disponibilização on line dos diferentes serviços destrói progressivamente a escassez que correspondia à utilização dos suportes materiais necessária para sua apropriação. Essas observações mostram claramente que certos bens e serviços perdem progressivamente suas características de bens econômicos para tornarem-se bens livres; como tais, eles deixam de ser fontes de valor econômico.

3.2 Esta economia é altamente especulativa; de um ponto de vista teórico, isto significa que, contrariamente ao que pensavam os economistas clássicos, não há um preço regulador (preço natural ou preço de produção) determinado a partir dos custos em trabalho pelo qual converge o preço de mercado. Por outro lado, a especulação se implementa na base das expectativas de constituição de redes, ou seja, na base de rendimentos particularmente incertos: (a) à medida que a criação de uma rede, na sua fase inicial, se traduz obrigatoriamente por um déficit de exploração, não existe uma base para elaborar expectativas “confiáveis” (b) não obstante, uma série de medidas jurídicas e fiscais (Herscovici 2007 (a)) tornou possível a introdução nas bolsas de valores dessas empresas “ponto com”; assim, mesmo com déficit de exploração, as expectativas podem ser otimistas e este caráter cumulativo pode explicar-se a partir de um jogo de mimetismo.

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II) Redes e mercados: a emergência de uma nova lógica social?

1) Externalidades e concorrência

1.1 A problemática geral

Uma vez a rede constituída, os usuários vão precisar utilizar bens e serviços complementares: sistemas operacionais que permitem uma comunicação ampla, suportes materiais compatíveis com esses sistemas e serviços conexos ligados à busca e ao tratamento da informação. Segundo a análise de Bomsel (2007, p. 64), as firmas privadas vão internalizar as externalidades inerentes à existência de redes; nesta ótica, o segmento não mercantil seria um meio de criar os mercados e a valorização econômica se explicaria pela exploração deste mercado cativo. Esta internalização se dá em função da existência de bens e serviços complementares dentro da cadeia (Idem, p. 124); isto só acontecerá se os agentes conseguirem internalizar as externalidades que eles mesmos criaram.

Uma internalização pode se definir pelo fato dos agentes se beneficiarem da totalidade dos efeitos gerados pela sua atuação, no caso de uma externalidade positiv (Lévèque, p. 26),. No que diz respeito à economia digital, esta internalização se relaciona igualmente com o fato das diferentes firmas poderem se aproveitar da constituição dessas utilidades sociais. Esta internalização, ou seja, as modalidades de concorrência desta economia digital, consiste em adequar as externalidades de demanda com as externalidades de oferta, ou seja, pecuniárias: em outras palavras, as firmas que criaram as redes têm que internalizar o retorno financeiro que resulta da criação dessas redes.

1.2 A natureza das externalidades

Uma externalidade pode igualmente se relacionar com o consumo e/ou com a produção: uma externalidade de consumo (ou de demanda) se define pelo fato da função de utilidade de um indíviduo depender do consumo de outros indivíduos ou da produção das firmas, uma externalidade de produção (ou de oferta) pelo fato da função de produção de uma firma depender do consumo final ou da produção de outras firmas (Benard, p. 41).

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Várias observações fazem-se necessárias:

i) Uma externalidade, da maneira como este conceito foi definido pela Economia Pública, pode ser tecnológica ou pecuniária. No primeiro caso, esta externalidade se relaciona com as funções de utilidade do conjunto dos consumidores que compõem a coletividade; a externalidade se manifesta fora do mercado. No segundo caso, a externalidade é internalizada pelo próprio mercado; neste sentido, ela não se relaciona diretamente com uma função de bem estar social, mas com estratégias mercantis.

ii) As modalidades da concorrência se relacionam com um duplo movimento:

(a) As externalidades tecnológicas se convertem em externalidades pecuniárias: a dinâmica da concorrência se explica a partir deste processo de conversão (b) Simultaneamente, as externalidades de consumo se convertem em externalidades de produção, da maneira como elas foram definidas.

No caso das externalidades ligadas à economia digital, a concorrência consiste em transformar as externalidades de demanda em externalidades de oferta; a função de produção de uma firma depende do consumo final e da produção das outras firmas. A dinâmica é radicalmente diferente e tem por objetivo a internalização dessas externalidades por parte das diferentes firmas, e não a maximização de uma função de bem-estar coletivo, como o pressupõe a Economia Pública.

1.3 Uma tipologia da concorrência e das externalidades

O sistema de redes produz externalidades de demanda, as quais dependem diretamente da quantidade e da ‘’qualidade” dos usuários. As externalidades de oferta se relacionam com o fato do custo marginal ser decrescente, além da massa crítica (externalidades positivas) , e crescente, aquém desta (externalidades negativas).

A partir de uma determinada externalidade quantitativa de demanda gerada por A, as combinações concorrenciais podem ser as seguintes:

i) Se esta externalidade de demanda se traduz por uma externalidade de oferta positiva para A, o agente A internaliza plenamente a externalidade que ele gerou;

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ii) Se uma firma B se aproveita desta externalidade, a firma A gerou uma externalidade de oferta positiva para B, e não conseguiu se aproveitar da externalidade de demanda que ela mesma criou; há desvio da internalização..

iii) No caso de serviços complementares, há externalidades de oferta cruzadas: isto aparece quando serviços e bens complementares são propostos na rede.

iv) Finalmente, isto pode se traduzir por uma externalidade de oferta negativa para A e positiva para B. Este tipo de situação se encontra quando a firma A está produzindo um serviço que está no final de seu ciclo de vida: as relações entre a telefonia fixa e todas as formas de telefonia IP, ou entre as gravadoras de Cd e as redes peer to peer, são representativas deste tipo de combinação concorrencial.

As combinatórias concorrênciais podem ser representadas no seguinte quadro

Quadro 2. As combinatórias da concorrência.

A B Externalidades de oferta Externalidade positiva gerada por A + 0 Internalização intrafirma Sistema de DPI eficiente



0 + Desvio de internalização + + Externalidades cruzadas: B se

aproveita das externalidades de



demanda criada por A e A das

externalidades de demanda criadas por B.



- + O mercado de A está maduro, e o mercado de B em fase de crescimento

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2) Outros elementos

2.1 A concorrência ligada à economia digital funciona da seguinte maneira: sua dinâmica consiste no fato de determinada firma internalizar os efeitos de redes criados por outras firmas, ou por ela mesmo. Neste sentido, a firma que cria a rede pode revender determinadas audiências para outras firmas. As firmas que fornecem serviços gratuitos para os consumidores internalizam dois tipos de externalidades: aquelas criadas pela firmas que produzem os sistemas operacionais e aquelas que não podem controlar as utilizações de seus produtos (gravadoras de música, produtoras de filmes e, numa certa medida, editoras).

As modalidades de captura, de capacitação das externalidades de redes explicam assim a modificação das posições dominantes no seio da cadeia: um nível que não consegue mais internalizar as externalidades que ele produz corresponde a um serviço maduro, no final de seu ciclo de vida econômico: a distribuição de música sobre suportes materiais e a telefonia fixa são representativas deste tipo de segmentos3. Ao contrário, os atores que conseguem capturar externalidades criadas por outros agentes estão em posição dominante: as redes de troca de arquivos musicais, a telefonia celular, a telefonia IP e os motores de busca como Google, por exemplo, ocupam uma posição deste tipo.

Certos agentes têm condições de internalizar as externalidades criadas por outros agentes à medida (a) que haja compatibilidade com o sistema operacional dominante (b) que, em função da estrutura fragmentada da demanda, o custo da implementação de sistema de controle da apropriação dessas externalidades é proibitivo; é igualmente possível haver externalidades “cruzadas”: por exemplo, os fabricantes de software se beneficiam da demanda criada pela existência de uma série de serviços gratuitos ofertados para os consumidores, e os agentes que fornecem esses serviços da infra e da info-estrutura existente.

2.2 Finalmente, aparece uma nova forma de valorização desses efeitos de redes: as empresas que conseguem constituir uma rede podem vender audiências, ou segmentos de audiência,

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para os diferentes anunciantes (Bomsel, op. cit., p. 148), desenvolvendo assim mercados intermediários e outras formas de valorização econômica das redes. Segundo certas avaliações, as verbas publicitárias na internet representam 10% do total dos gastos publicitários das mídias, em nível mundial (idem, p. 244).

O desenvolvimento dessas verbas publicitárias depende diretamente das possibilidades de fidelização e de estabilização do público deste tipo de mídia. Por outro lado, após uma fase de experimentação, é possível distinguir uma volatilidade menor das práticas e, assim, uma relativa estabilização do público. A esta estabilização da demanda corresponde uma segmentação da oferta em função de públicos mais específicos: Google, por exemplo, consegue financiar boa parte de suas atividades a partir do desenvolvimento desses mercados intermediários; isto pode ser explicado a partir das especificidades de seu público e de sua estabilidade relativa. É possível observar as mesmas características por parte dos sites enciclopédicos como Wikipedia. O crescimento das verbas publicitárias destinadas às mídias eletrônicas vai depender das estratégias de segmentação da oferta; se o suporte e as modalidades de acesso são diferentes das mídias tradicionais (televisão aberta, imprensa e cinema), o tempo que os consumidores potenciais dedicam pode aumentar consideravelmente nesses próximos anos. No âmbito de uma cultura segmentada e globalizada, o desenvolvimento dessas verbas publicitárias vai depender da diversificação da oferta e da estabilização dos diferentes segmentos do público.

3) A natureza dos subsídios ao consumidor e o bem-estar social.

O sistema de telefonia celular adotado na Europa e mais tarde no Brasil, o sistema GSM, funciona da seguinte maneira: no que diz respeito às ligações de um telefone fixo para um telefone celular, o agente que faz a chamada paga o valor do serviço à operadora de telefonia fixa (operadora A); esta operadora paga, para a operadora de telefonia celular (operadora B) uma determinada taxa de conexão; esta taxa representa o valor a pagar para a operadora A para ter acesso aos usuários da operadora B. Assim, a operadora B vai valorizar a rede que lhe é própria, ou seja, o acesso aos seus usuários/consumidores. (Bomsel, op. cit., p. 110 e seguintes). Por outro lado, as estratégias adotadas pelas operadoras de telefonia celular se traduzem por uma discriminação pelos preços praticados para a demanda de acesso a sua

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rede: existe um preço específico dentro da rede, para as operadoras de outras redes de telefonia celular e um preço mais alto para as operadoras de telefonia fixa. Neste caso, a operadora B atua como um monopólio discriminante.

O desenvolvimento das operadoras de telefonia celular se implementou da seguinte maneira: ela constitui sua própria rede a partir do fornecimento de uma série de serviços gratuitos para seus usuários, principalmente a caixa postal e a possibilidade de ser chamado por qualquer outro telefone. Por outro lado, o sistema de taxação é tal que os usuários que chamam têm que pagar para sua operadora a totalidade do custo do serviço. Este sistema permitiu um desenvolvimento rápido dos mercados de telefonia celular na Europa e no Brasil; na Europa, a taxa de penetração alcançou 98% em 2006 (Bomsel, op. cit., p. 108).

O mecanismo econômico é o seguinte: a totalidade do custo relativo à ligação telefônica é paga para quem faz a ligação, ou seja, quem chama. Os usuários que recebem a ligação não pagam nada para este serviço; isto, juntamente com o desenvolvimento dos planos pré-pagos, pode ser interpretado como uma subvenção paga pelos usuários da telefonia fixa em favor dos usuários da telefonia celular. Esta subvenção permitiu criar as redes específicas das diferentes operadoras de telefonia celular, propondo determinados serviços gratuitos; trata-se de transferências realizadas pelos usuários da telefonia fixa em favor dos usuários da telefonia celular.

Vários pontos precisam ser destacados:

i) Trata-se de um desvio das externalidades de demanda criadas originalmente pelo sistema de telefonia fixa; este desvio só foi possível por causa da compatibilidade entre os diferentes sistemas técnicos. Trata-se, igualmente, da criação de uma rede, e das externalidades que lhe corresponde, utilizando as externalidades de uma rede existente, e de uma modificação das relações de poder na cadeia de valor: as operadores de telefonia celular conseguem impor um valor de acesso a sua rede superior à valor de acesso a rede de telefonia fixa, conforme ressalta a evolução das transferências do sistema de telefonia fixa para o sistema de telefonia celular, na Europa (Blomsel, op. cit., p. 110).

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ii) É possível implementar essas tarefação pelo fato das modalidades de acesso serem fisicamente localizáveis e, conseqüentemente, totalmente controláveis. Este não é o caso de outras redes como as redes de troca de arquivos musicais, por exemplo.

iii) É preciso examinar a natureza dos subsídios dos quais se beneficiam os consumidores. No caso da telefonia fixa, por exemplo, os subsídios cruzados seguiam uma dupla lógica de integração espacial e de redistribuição social. No caso da telefonia celular, essas lógicas são parcialmente abandonadas: o conjunto dos usuários da telefonia fixa paga para os usuários da telefonia celular. No entanto, os usuários da telefonia celular que mais se beneficiam deste tipo de mecanismo são aqueles que apresentam a menor disposição a pagar, geralmente os usuários que optam para o pré-pago. Assim, o efeito global em termos de redistribuição é indeterminado.

Por outro lado, após a fase de constituição da rede, após ter formado esses consumidores cativos, a operadora pode aumentar seus preços e desenvolver uma série de serviços anexos gerador de valor agregado. Da mesma maneira, não é possível esquecer que este tipo de estratégias cria, no seio da mesma rede, dois tipos de consumidores com disposições a pagar diferentes: os consumidores de baixa renda, que se limitam a um serviço mínimo, basicamente caixa postal e o fato de receber ligações, e os outros que, a partir de uma renda maior, podem usar uma gama de serviços mais sofisticados e fazer chamadas. O preço do impulso da telefonia celular é, em todos os casos, maior que o preço do impulso da telefonia fixa.

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Gráfico 2 As transferências telefonia fixo/ celular, Inglaterra, Alemanha e França. 0 0,5 1 1,5 2 2,5 1998 1999 2000 2001 2002 Inglaterra Alemanhã França Fontes Bomsel, 2007.

O desenvolvimento da telefonia IP deveria se traduzir por uma diminuição dessas transferências, por uma queda dos preços ligados a este tipo de telefonia e por uma redefinição completa dos diferentes segmentos que compõem o sistema de telefonia, no seu conjunto.

Na obstante, não é possível afirmar que, a partir deste tipo de mecanismos, os antagonismos de classe são substituídos por antagonismos entre os diferentes grupos de consumidores (Idem, p. 96) e que o conceito de people substitui aquele de classe social (Ibid, m, p. 258): se as modalidades de criação e de apropriação do valor se modificaram, na economia digital, isto não significa que o conceito de classe social desapareceu. À medida que uma classe social se define em função de sua posição em relação à criação e à apropriação do valor, e que a economia digital se caracteriza pelo fato de existirem contradições entre as modalidades de criação coletiva do valor e suas modalidades de apropriação privada (Herscovici, Bolaño, 2005), esta categoria continua sendo explicativa, assim como o sistema sendo capitalista.

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Conclusão

O desenvolvimento da economia digital, e de todas as formas de capital intangível, torna necessária a construção de novas ferramentas analíticas (e eventualmente de novos paradigmas) para poder resolver as “anomalias” apresentadas em relação às análises tradicionais, sejam elas de cunho neoclássico ou heterodoxo. O presente trabalho pretende ter atuado neste sentido.

É preciso colocar o seguinte questionamento: em que medida a economia das redes eletrônicas corresponde a uma lógica social específica, ou seja, a um movimento de longa duração relativo aos processos de produção, às normas de consumo e às modalidades de valorização econômica?

O conceito de longo prazo parece pouco adequado para analisar uma economia deste tipo, pelo fato da obsolescência dos produtos e serviços ser particularmente acelerada, e das dinâmicas econômicas terem pouca permanência temporal. No entanto, certas tendências aparecem: uma redefinição do estatuto econômico dos bens e serviços, umas modificações importantes da natureza e das formas da concorrência e novas modalidades de determinação dos preços e dos custos e de suas determinações recíprocas.

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Referências

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