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ALTERAÇÃO DO FIM CONTRATUAL DIREITO À INDEMNIZAÇÃO

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Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 05B1723

Relator: FERREIRA GIRÃO Sessão: 22 Setembro 2005 Número: SJ200509220017232 Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA.

Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.

DOCUMENTO AUTÊNTICO FORÇA PROBATÓRIA

INTERPRETAÇÃO ERRO SOBRE ELEMENTOS DE FACTO

ALTERAÇÃO DO FIM CONTRATUAL DIREITO À INDEMNIZAÇÃO

Sumário

I - Atento o disposto no artigo 371, nº1 do Código Civil, a força probatória material dos documentos autênticos não abrange a sinceridade, a veracidade e a validade das declarações dos outorgantes, pelo que é possível lançar mão de qualquer meio de prova para averiguar se essas declarações correspondem ou não à vontade real dos declarantes.

II - O erro sobre a base negocial é um vício da vontade que se traduz na

ignorância ou na falsa representação da realidade presente ou passada (erro- vício), nada tendo a ver com a pressuposição de determinada realidade que não vem a ser confirmada (error in futurum);

III - Não é, por isso, enquadrável no âmbito do erro sobre a base negocial a situação dos doadores que se determinaram a celebrar o contrato, além do mais, por terem confiado que ao terreno doado iria ser dado certo destino, vindo o donatário, contudo, a dar-lhe depois destino diferente.

IV - Constando expressamente esse destino, acordado entre ambas as partes, da escritura de doação, o seu desrespeito pelo donatário consubstancia o incumprimento de um encargo da doação (cláusula modal), que, embora não justifique a resolução do contrato (além do mais, por esta consequência não ter sido prevista na respectiva escritura), confere aos doadores o direito a uma indemnização equivalente à diferença entre o valor do terreno se lhe tivesse dado o destino clausulado (equipamento de realojamento social) e o valor que

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passou a ter com o destino que realmente lhe veio a ser dado (construções de luxo e de preço médio/alto).

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A" e B pedem, contra o Município de Lisboa, a declaração da anulabilidade da doação que lhe fizeram ou, subsidiariamente, que seja decretada a resolução da mesma e, em qualquer caso, a condenação do réu a restituir-lhe o terreno doado ou, na impossibilidade dessa restituição, a pagar-lhes o valor

correspondente, a liquidar em execução de sentença, alegando, em síntese, o seguinte:

-- em 1981, a CIVIL propôs-se expropriar a Quinta das Pedreiras, com os sinais dos autos, de que eram proprietários, para a realização do Programa de

Recuperação das Áreas Degradadas do Alto do Lumiar (PRADAL), tendo chegado a requerer ao Governo a respectiva declaração de utilidade pública;

-- desde inícios de 1982, os autores apresentaram à CIVIL diversos

requerimentos com vista a possibilitar o aproveitamento da referida Quinta ou negociar uma forma de se ressarcirem dos danos que resultariam da nova afectação dos seus terrenos, tendo-lhes sido então proposto, por aquela entidade, desistir da expropriação dos prédios integrantes da Quinta e

autorizar a urbanização de parte deles, caso lhe fosse cedida, gratuitamente, uma área considerável dos prédios em causa para realojamento das

populações carenciadas, no âmbito do PRADAL;

-- em 20/12/1982, a Câmara Municipal de Lisboa, considerando a aceitação dessa doação, por parte dos autores, deliberou aprovar o loteamento proposto, aceitar a doação da parcela do terreno com a área de 45.701.13m2 destinada à execução do plano PRAD, ou de outro plano de realojamento e fez excluir a propriedade do pedido de declaração de utilidade pública;

-- em 18/11/1983, os autores outorgaram a respectiva escritura de doação, da qual consta a menção expressa de que o terreno doado era «destinado a

equipamento a executar pela Câmara ou a seu mando e execução do PRAD, ou outro plano de realojamento de natureza social»;

-- no terreno doado estão em construção diversos edifícios de luxo, com área de construção superior a 100.000m2 e os edifícios construídos sobre os terrenos estão actualmente a ser comercializados por valores próximos dos 300.000$00/m2;

-- os autores fizeram a doação unicamente por estarem convencidos de que o terreno doado se destinava ao referido fim social de realojamento das

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populações carenciadas;

-- a não aplicação do terreno ao referido fim afecta gravemente os princípios da boa fé (artigo 334 do Código Civil) e concluem, assim, terem o direito à anulação da doação, com fundamento no erro sobre as circunstâncias que constituíram a base do negócio (artigo 252, nº2 do CC) e, caso assim não se entenda, sempre lhes assiste o direito à resolução do contrato de doação por alteração das circunstâncias (artigo 437 do CC), sendo certo que, em ambos os casos, têm direito à restituição da parcela doada ou, se tal não for possível, ao valor correspondente a liquidar em execução de sentença (arts.289, 433, 435 e 439 do CC).

O réu contestou por excepção e por impugnação.

Por acordo das partes foi alterado o pedido por forma a constituir pedido principal o de anulação da doação e subsidiário o da resolução ou do incumprimento da doação, cumulando-se, em qualquer dos casos, o da condenação do réu a pagar aos autores a indemnização correspondente ao valor actual do terreno doado, a liquidar em execução de sentença.

Realizado o julgamento foi proferida sentença a julgar a acção procedente, declarando-se a anulabilidade da doação em causa e condenando-se o réu a pagar aos autores a quantia correspondente ao valor actual do prédio doado, a liquidar em execução de sentença.

Esta sentença veio a ser confirmada pela Relação de Lisboa, que negou provimento ao recurso de apelação interposto pelo réu.

Continuando inconformado, o réu pede agora a revista do acórdão da Relação, formulando as seguintes conclusões:

1. O douto acórdão recorrido, objecto da presente revista, que julgou

procedente a acção declarativa de condenação proposta pelos autores, aqui recorridos, contra a CML, ora recorrente, declarando a anulação da doação outorgada em 18/11/1983 com fundamento em erro sobre a base negocial e condenando a última a pagar aos autores a quantia correspondente ao valor actual do prédio doado, a liquidar em sede de execução, enferma de evidentes e graves erros de julgamento, quer quanto à matéria de facto, quer no que respeita à aplicação do Direito ao caso concreto, erros esses que impõem a sua declaração de nulidade e a prolação de decisão de improcedência da acção e de absolvição da aqui recorrente.

2. O Tribunal a quo formulou todo o seu juízo baseado no pressuposto errado de que os autores fizeram uma pura e simples doação de terrenos à CML, motivados por um autêntico espírito de total liberalidade e generosidade para

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com a donatária, impulsionados pela usual espontaneidade que caracteriza, em regra, as doações, quando, na verdade e ao invés, a doação de terreno constituiu uma contrapartida imposta por aquela Câmara, nos termos legais, como condição para a aprovação de um loteamento (ou urbanização) da parte restante da propriedade dos autores e para desistência da expropriação.

3. A doação foi, assim, determinada pela intenção dos autores de urbanizar a parte restante da propriedade e, com isso, realizar um ganho económico de valor extremamente avultado, e não pela vontade ou intenção generosa de

«dar» um terreno à Câmara para aí proceder ao realojamento de pessoas carenciadas.

4. A generalidade dos erros e omissões em causa provêm da circunstância, óbvia, de o Tribunal a quo não ter prestado atenção ao teor da escritura de 18/11/1983, contrato cuja validade é posta em crise nos autos, verificando-se uma manifesta desconsideração do valor probatório daquele documento autêntico quando em confronto com a prova por documentos particulares e prova testemunhal, em clara violação do dispostos nos artigos 347, 363, 364, 371, 372 e 393 do CC.

5. Por referência ao quesito 2º, este devia ter sido julgado provado, conforme resulta da conjugação das escrituras públicas de contrato inominado de

7/12/1994 e da doação em causa, onde se afirma que a propriedade dos autores está «dentro do perímetro do Programa de Recuperação das Áreas Degradadas do Alto do Lumiar», existindo, deste modo, prova por documentos autênticos (as escrituras públicas) de que a construção nessa área obedeceu a Planos Parcelares, sendo assim manifesto o erro de julgamento;

6. Quanto ao quesito 6º, a decisão é manifestamente insuficiente, porque do texto da escritura de doação resulta que os autores tinham consciência que a Quinta das Pedreiras, onde se integrava o terreno doado, estava «dentro do perímetro do Programa de Recuperação das Áreas Degradadas do Alto do Lumiar».

7. O conhecimento de tal facto resulta também do texto da deliberação da CML que aprovou a Proposta nº251/82, em especial do seu segundo

considerando, de fls.13 a 15 dos autos e sem qualquer dúvida - atenta a prova da existência dos mesmos - dos Diários Municipais, juntos aos autos, datados de 20 de Agosto de 1980, 22 de Junho de 1981, 25 de Março de 1983 (vide despacho 58/P/83 referente à área degradada do Alto do Lumiar) e 15 de Abril

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de 1983 (Despacho 71/P/83, em que se vê claramente a área de intervenção constante da planta).

8. Tais publicações garantiram a validade e eficácia dos correspondentes despachos junto de todos os presumíveis interessados e designadamente os ora recorridos (AA), que não podem alegar o desconhecimento da mesma (cfr.

artigos 5ºe 6º do CC), por isso é que a resposta ao quesito 6º teria de ser provado sem mais.

9. As respostas aos quesitos 9º e 10º enfermam de manifesto erro de

julgamento, pois do documento autêntico (a fls.18 a 21) extrai-se com toda a clareza que a principal razão da doação foi a aprovação do loteamento (ou a autorização da urbanização), porque imposta pela CML como condição desta, concorrendo também para esta conclusão os factos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 13º (v.

fls. 540 e 542) e o próprio teor da escritura de doação. Assim, estes quesitos deverão ser julgados não provados.

10. Verifica-se que as respostas aos quesitos 9º e 10º (atente-se nas expressões «nunca teriam feito» e «unicamente») não correspondem à

realidade e à prova produzida, em especial àquela que resulta dos documentos constantes dos autos, mormente da escritura pública de 18/11/1983.

11. E tal interpretação está expressa no douto acórdão recorrido quando

refere que «a doação surge como uma resposta ao anseio dos AA em urbanizar parte dos terrenos integrantes da Quinta da Pedreira. Todavia, tal objectivo não anula que essa doação também tenha sido feita em função das

construções ou edificações a levar a cabo nos restantes terrenos.». Assim, reconhecendo o Tribunal a quo tal leitura dos quesitos 9º e 10º, não podem permanecer inalteradas as respostas àqueles, pois as menções a «nunca» e

«unicamente» não correspondem à verdade dos factos.

12. O quesito 17º deve ser julgado provado na sua totalidade, incluindo a adjudicação do concurso, como resulta do documento junto aos autos com a contestação sob o nº3 e que o Tribunal recorrido nem sequer menciona.

13. Acerca do quesito 19º o acórdão recorrido omitiu a sua apreciação, não se tendo pronunciado, contudo a sentença do Tribunal de 1ª Instância julgou

«não provado», quando, mais uma vez, o teor da escritura pública de doação comprova o inverso, ou seja, que à data da doação os autores tinham

conhecimento de que o PRAD tinha uma área de intervenção definida e de que

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tal área era muito superior às dos terrenos doados, pelo que deve ser julgado provado.

14. O quesito 20º também deve ser dado como provado pela conjugação dos factos 6º, 15º, 20º a 25º, 22º, bem como da resposta que se impõe aos

quesitos 2º a 19º, supra referidos, e do quesito 16º, que foi julgado provado, por referência ao quesito 6º e por isso é omitido no acórdão recorrido.

15. Em relação ao quesito 23º o Tribunal a quo qualificou como

incompreensível a reclamação da decisão do Tribunal de 1ª Instância que o considerou provado no ponto 27, mas no final acrescentou à expressão

«padrão médio», a palavra «alto», violando, assim, os limites definidos para o objecto da acção, pelo que deveria ser corrigida a redacção do facto 27º, retirando-se a palavra «alto».

16. Não obstante o quesito 16º ter sido julgado provado, o acórdão é omisso quanto ao mesmo, pelo que deverá ser corrigido com a respectiva inclusão;

17. Não se verificam os pressupostos em que se fundamenta o acórdão

recorrido, porque não existiu qualquer incumprimento ou desvio às condições e estipulações do contrato de doação - pois o terreno doado foi aplicado na execução do PRAD, fim definido na doação, onde nunca se refere que o terreno é doado para que nele se realize realojamento - não se verificando igualmente qualquer violação do princípio da boa fé com a manutenção da doação, quando os autores já beneficiaram da aprovação do loteamento.

18. Ao invés do que se determina no acórdão em apreço, não existe, nem poderá existir erro sobre a base do negócio, na medida em que: a estipulação de um destino de um terreno a dado fim não faz parte das circunstâncias que envolvem a celebração do negócio; para existir este tipo de erro é necessário que se verifique um vício na formação da vontade, por errada representação da realidade ou na sua ignorância, ou seja, contemporânea a tal formação, mas nunca por referência a circunstâncias futuras, pois o «error in futurum»

(o erro sobre o futuro) está completamente afastado do erro sobre a base do negócio.

19. O acórdão recorrido enferma de erro evidente de julgamento, pois a representação da realidade pelos doadores, aqui recorridos, não estava em desacordo com essa mesma realidade no momento da formação do negócio e da sua celebração, pelo que não existiu vício na formação da sua vontade;

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20. O que poderia ter eventualmente sucedido, por mera hipótese de raciocínio, é que a realidade posterior (futura) divergisse da previsão ou pressuposição então formada, o que, porém, não é um erro subsumível ao nº2 do artigo 252 do CC, uma vez que respeita a factos supervenientes ao negócio e à formação da vontade dos autores;

21. Assim, ao considerar que se verifica erro sobre a base negocial com fundamento no facto de que os terrenos não teriam, alegadamente, sido afectos ao destino mencionado na escritura, ou seja, por causa de factos ocorridos depois da sua outorga, o acórdão recorrido viola frontalmente o disposto no artigo 252, nº2 do CC, sendo, por isso, ilegal.

22. E, mesmo admitindo por mera hipótese e cautela de patrocínio, que se configuraria uma situação de erro sobre a base do negócio - a restituição do que houver recebido por parte de quem invoca e pede a anulação (os autores como contrapartida a urbanização da parte restante da sua propriedade), pelo que o acórdão recorrido viola o disposto no nº2 do artigo 432, ex vi artigo 439 e nº2 do artigo 252 do CC.

23. Ainda por referência ao acórdão recorrido, o artigo 437 não é subsumível aos factos, pois a verdade é que não houve alteração anormal das

circunstâncias, nem os autores foram lesados (foram sim altamente

beneficiados por não ter havido expropriação e ter sido o seu imóvel loteado), além do mais a obrigação de doar o terreno não afectou gravemente os

princípios da boa fé (pois o objectivo era obter aquela contrapartida o que se verificou) e ainda que o terreno doado se destinasse à «execução do plano PRAD ou outro plano de realojamento de natureza social» (o que

efectivamente se concretizou) por outro lado não se prova que tal não estivesse coberto pelos riscos próprios do contrato (de doação).

24. Pelo exposto, não se verifica um dos pressupostos da anulação dos contratos por erro sobre a base do negócio - a restituição do que houver recebido por parte de quem invoca e pede a anulação. Consequentemente a sentença recorrida viola o disposto no nº2 do artigo 432, ex vi artigo 439 e nº2 do artigo 252 do CC ou, se se entender, o artigo 437 do mesmo Código.

25. Em face de tudo o que acima se deixou exposto, os erros de julgamento de facto e de direito do acórdão recorrido e a sua manifesta ilegalidade, por violação dos normativos supra referidos, impõem a declaração de nulidade e que seja proferido novo acórdão que julgue improcedente a acção e absolva a

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CML do pedido.

26. Tal desiderato proposto pela recorrente tem sinteticamente em conta três ordens de razão - primeira: o terreno doado foi aplicado na execução do PRAD, conforme dispõe a escritura pública de doação, onde se diz expressamente que aquele se destina à «execução do plano PRAD, ou outro plano de

realojamento de natureza social»; -- segunda: o facto de o terreno dos autores não ter sido afecto ao realojamento das populações carenciadas, não impede que tenha sido um contributo para fins de natureza social, pois permitiu a implementação e desenvolvimento do PRAD nos termos em que se efectivou; -- terceira: a doação teve como contrapartidas, por um lado, a desistência da expropriação e por outro lado, o loteamento do terreno dos autores (vantagens obtidas com avultados lucros), em que se inscrevia o lote doado.

Os recorridos contra-alegam no sentido de que:

-- se encontra decidido (ac. do STJ de 18/1/2001 e ac. da RL, de 30/5/2006 no apenso A) que o contrato em causa tem natureza privada;

-- a questão do ganho económico dos autores e da obrigação de restituição ao réu, em virtude da anulação do contrato, não foi suscitada na contestação ou até ser proferida a sentença da 1ª instância;

-- a decisão da matéria de facto fundamentou-se nos documentos juntos aos autos e nos depoimentos prestados pelas testemunhas, que não foram gravados ou reduzidos a escrito.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

São duas as questões consubstanciadas nas conclusões dos recorrentes:

1ª -- ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO;

2ª -- INVERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DO ERRO SOBRE A BASE DO NEGÓCIO.

Apreciemo-las.

1ª QUESTÃO

A pretensão dos recorrentes de verem alteradas as respostas a alguns dos quesitos foi já indeferida pelo acórdão sob recurso.

Tem sido entendimento pacífico deste Tribunal o de que não integra o âmbito dos seus poderes a sindicância do não uso pela Relação da faculdade de modificar a decisão da matéria de facto, ao abrigo do nº1 do artigo 712 do

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Código de Processo Civil (CPC).

O legislador, entretanto, foi mais longe e alargou essa insindicabilidade não só ao uso dessa faculdade modificadora, como ainda às demais decisões da

Relação previstas nos quatro números seguintes do referido artigo 712 - cfr. o seu nº6, aditado pelo DL 375-A/99, de 20 de Setembro, aplicável, nos termos do nº2 do artigo 8º deste mesmo DL, aos processos instaurados após a sua entrada em vigor.

Argumentam, no entanto, os recorrentes com a força probatória dos documentos autênticos juntos aos autos (entre eles a escritura pública formalizadora da doação em causa), força essa que, no julgamento das instâncias, terá sido desprezada ou erradamente superada pela força probatória dos demais meios de prova.

Sem a invocarem expressamente, é nítido que os recorrentes fazem apelo à norma do nº2 do artigo 722 do CPC, que, excepcionalmente, permite ao Supremo verificar se as instâncias erraram na apreciação da prova e na

fixação da matéria de facto, por ofensa de disposição expressa da lei que fixe a força de determinado meio probatório - in casu, o artigo 371, nº1 do Código Civil, onde vem estabelecida a força probatória dos documentos autênticos.

Nada nos indicia, porém, que tal tenha sucedido.

E isto porque, como se sabe, a força probatória material dos documentos autênticos restringe-se, nos termos do artigo 371, nº1 do Código Civil, aos factos praticados ou percepcionados pela autoridade ou oficial público que emanam os documentos, já não abarcando, porém, a sinceridade, a veracidade e a validade das declarações emitidas pelas partes perante essa mesma

autoridade ou oficial público.

Daí que nada impeça a utilização dos demais meios de prova, nomeadamente da testemunhal (nº3 do artigo 393 do Código Civil), na interpretação do

contexto desses documentos de maneira a que seja atingida a vontade real dos declarantes - cfr. Manual de Processo Civil, de A. Varela, M. Bezerra e S. e Nora, página 522 e acs. do STJ, de 3/5/77, BMJ 267-125 e de 11/1/79, BMJ 283-234.

Foi isso que fizeram as instâncias, conforme resulta da pormenorizada

fundamentação da decisão de facto proferida pelo Colectivo da 1ª Instância e do teor do acórdão recorrido na parte em que apreciou a matéria de facto,

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nada se vislumbrando no sentido de que a interpretação que fizeram dos documentos autênticos seja ofensiva de qualquer norma legal, nomeadamente a de que exige que o sentido da declaração tenha o mínimo de

correspondência no texto interpretando (nº1 do artigo 238 do CCivil).

Na conclusão 16, com que finalizam a questão sob análise, voltam os

recorrentes a invocar uma suposta omissão da resposta ao quesito 16º sem atentarem no que, a propósito, esclareceu o acórdão recorrido - que não há qualquer omissão, uma vez que a resposta a este quesito é meramente

remissiva para a resposta ao quesito 6º e o teor desta encontra-se exarado na sentença.

Improcede, de todo o exposto, esta 1ª questão.

2ª QUESTÃO

Sendo assim, não havendo lugar a qualquer modificação da decisão de facto, dá-se aqui a mesma como totalmente reproduzida, ao abrigo do nº6 do artigo 713, ex vi artigo 7126, ambos do CPC.

Para resolver a questão em apreço - ao fim e ao cabo o thema decidendum - interessa salientar, como resumo essencial da matéria de facto, que os autores/recorridos fizeram a doação do terreno em causa a favor do réu/

recorrente por dois motivos:

-- para conseguirem o loteamento de parte dos terrenos, integrantes,

juntamente com o terreno doado, da chamada Quinta das Pedreiras, evitando, como isso, que o recorrente procedesse à sua expropriação por utilidade pública;

-- por estarem convencidos de que o terreno doado se destinava, conforme se fez constar da escritura de doação, «a equipamento a executar pela Câmara ou a seu mando e execução do PRAD, ou outro plano de realojamento de natureza social», sendo certo que nunca fariam a doação se soubessem que o terreno não viria a ter esse destino.

Não está em causa o primeiro motivo da doação, pois que os autores /

recorridos lograram o pretendido loteamento, doando, como contrapartida, o terreno em causa.

O que continua em discussão é o segundo motivo, ou seja, o do destino do terreno doado e que era - repete-se - o de nele ser executado, pela Câmara ou

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a seu mando e execução do PRAD (Programa de Recuperação das Zonas Degradadas de Lisboa), equipamento de realojamento social, quando é certo que ele nunca veio a ser ocupado por construções destinadas ao realojamento de pessoas carenciadas, mas antes por edifícios de luxo e de construção de preço médio alto, que estão a ser comercializados por valores próximos dos 300.000$00/m2.

Este motivo da doação não foi, assim, concretizado.

Nem se diga, como continua o recorrente a defender, que o terreno doado, apesar de nele não ter vindo a ser construído equipamento de realojamento social, não deixou de ser aplicado na execução do PRAD, uma vez que os seus objectivos não se limitavam a esse realojamento, envolvendo também a

própria recuperação urbanística das zonas em causa e o seu funcionamento tornava indispensável incluir fogos para comercialização (cfr. resposta ao quesito 14º).

É que, como bem decidiram as instâncias, aos autores/recorridos não bastava a integração do terreno doado na área de intervenção do PRAD; a doação foi feita para que no terreno doado fosse, efectivamente, construído equipamento e executado um plano de realojamento de natureza social.

E a comprovar a essencialidade, para os doadores, deste destino do terreno doado, aí temos, além do mais que resulta da prova produzida, a sua inclusão expressa na escritura que formalizou a doação.

De tudo resulta que o donatário/recorrente deu ao terreno doado destino diferente daquele que, por acordo com os doadores/recorridos, se tinha obrigado a dar, através de declaração expressa que fizeram constar do documento formalizador do negócio.

Qual o enquadramento jurídico desta situação?

As instâncias decidiram estarmos perante a figura do erro sobre a base

negocial prevista no nº2 do artigo 252 com remissão para o disposto no artigo 437, ambos do Código Civil, determinante da anulabilidade da doação e com o consequente direito dos autores, na impossibilidade de se verem restituídos ao terreno doado, a uma indemnização correspondente ao seu valor actual, a liquidar em execução de sentença.

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Entende o réu recorrente que não estamos perante uma situação de erro-vício, que se traduz num vício da formação da vontade, por errada representação da realidade ou na sua ignorância, ou seja, contemporânea a tal formação.

O que aqui se poderia verificar - «por mera hipótese de raciocínio», prossegue o recorrente - é que a realidade posterior (futura) tivesse divergido da

previsão ou pressuposição então formada.

Concordamos com esta perspectiva jurídica dos factos - realmente e não por mera hipótese de raciocínio.

O erro-vício consiste no desconhecimento ou numa falsa representação da realidade, «tem a ver com a ignorância ou falsa representação da realidade - logo, de circunstâncias ou factos já ocorridos, no passado ou no presente; a pressuposição, por sua vez reporta-se ao futuro, tem a ver com a convicção, determinante da decisão de contratar, de que as circunstâncias se manterão no futuro ou evoluirão em determinado sentido.» -- A. Pinto Monteiro em Anotação publicada na RLJ, ano 131, páginas 221-224 e ano 134, páginas 280-288, que seguimos muito de perto.

Ora, não estamos perante um quadro em que os autores/recorridos se tenham determinado na outorga da escritura de doação, por engano, ignorância, (ou até por dolo do réu/donatário), na convicção de que o terreno doado se

destinava ao referido fim de equipamento para realojamento social.

O que aconteceu foi que os autores/doadores celebraram o contrato de doação por terem confiado que ao terreno doado iria ser dado determinado destino, vindo o donatário, contudo, a dar-lhe, depois da celebração do negócio,

destino diferente daquele que, por acordo de ambas as partes, ficou a constar da escritura de doação.

Ora, temos para nós que este destino do terreno, porque acordado e declarado expressamente no documento formalizador do contrato, configura uma

obrigação do donatário juridicamente vinculante - ou seja, consubstancia um encargo da doação.

Constitui, assim, uma autêntica cláusula modal (artigo 963 do Código Civil), que foi incumprida pelo donatário/recorrente.

A consequência desse incumprimento só pode ser a do direito a uma

indemnização a favor dos doadores / recorridos, nos termos do nº2 do artigo 801 do Código Civil, já que a do direito à resolução do contrato, também

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prevista na norma, está definitivamente precludida pelo facto de não ter ficado a constar do contrato, como exige o artigo 966 do mesmo Código.

É certo que o encargo de uma doação não é uma verdadeira contra-prestação e daí que, apesar dele, a doação continua a ter a natureza de contrato

gratuito.

Mas não é igualmente menos certo que, apesar do seu carácter acessório, o modo ou encargo não deixa de constituir um verdadeiro dever jurídico, podendo integrar, como no caso em apreço, uma autêntica obrigação do donatário (cfr. Antunes Varela, Obrigações, 35).

E, como se sabe, a violação dos deveres laterais ou deveres acessórios de conduta -- integrantes da chamada relação obrigacional complexa ou relação contratual e essenciais ao correcto processamento da obrigação principal, atento o principio geral da boa fé estabelecido no artigo 762 do Código Civil - também acarreta, pela sua gravidade, as mesmas consequências que o

incumprimento das obrigações principais.

Não havendo, assim, lugar nem à anulação, nem à resolução da doação, esta mantém-se, pelo que não poderá o quantitativo indemnizatório equivaler ao valor actual do terreno doado, como decidiram as instâncias.

Nem nunca poderia equivaler, mesmo nessas hipóteses de extinção contratual, dado que o outro motivo que determinou os doadores a fazerem a doação - o loteamento do restante terreno da Quinta das Pedreiras -- foi conseguido.

Estamos, por isso, perante um incumprimento parcial (artigo 802 do Código Civil).

Nesta conformidade e lançando ainda mão das regras do enriquecimento sem causa (artigo 473 do Código Civil) - instituto a que se terá muitas vezes que recorrer, tal como ao do artigo 437 do mesmo Código (alteração das

circunstâncias), nestas hipóteses de mudança de destino (cfr.Anot. cit., RLJ, ano 134, página 283) -- entendemos que o réu/recorrente deverá ser

condenado a restituir aos autores/recorridos aquilo com que injustamente se locupletou, pelo que a indemnização que consideramos justa deverá equivaler à quantia, a liquidar em execução de sentença, que resultar da diferença entre o valor do terreno doado se lhe tivesse sido dado o destino constante da

escritura de doação e o valor que passou a ter com o destino que, na realidade, lhe veio a ser dado.

Procede, assim e em parte, a 2ª questão.

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DECISÃO

Pelo exposto concede-se parcial provimento à revista e, alterando-se o

acórdão recorrido, absolve-se o réu dos pedidos de anulação e de resolução da doação em causa, mas, pelo incumprimento (parcial) do mesmo contrato, vai o réu condenado a pagar aos autores, a título de indemnização, a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença e que corresponda à diferença entre o valor do terreno se lhe tivesse sido dado o destino constante da escritura de doação e o valor que passou a ter com o destino que, na realidade, lhe veio a ser dado.

Uma vez que o réu é entidade isenta de custas, estas serão suportadas só pelos autores na proporção de metade e sem prejuízo de ulterior correcção advinda da liquidação.

Lisboa, 22 de Setembro de 2005 Ferreira Girão,

Luís Fonseca, Lucas Coelho.

Referências

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