Resumo: durante o período de dominação persa os camponeses de Judá viviam sob re- gime de tolerância cultural e religiosa mas intensa opressão econômica e polí- tica. Desde muito tempo antes eles tinham constituído uma estrutura social em moldes tribais, semelhante ao período anterior à monarquia. Nesse contexto eles releem as esperanças messiânicas antigas. O Sl 132 expressa alguns as- pectos dessas esperanças.
Palavras-chave: Messianismo. Salmos de Subida. Pós-exílio. Camponeses.
O messianismo é uma esperança que esteve presente na religião de Israel e Judá durante todo o período bíblico, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento. Ao longo da história ele adquiriu diferentes características em diferentes contextos e em grupos diversos como profetas, sábios e outros.
Pretendemos neste trabalho analisar uma expressão do messianismo judaico no período pós-exílico, particularmente expresso pelos camponeses da época. Possivel- mente outras expressões dessa esperança poderão ser encontradas na Bíblia e relacionadas a este mesmo período. Não pretendemos fazer uma abordagem de todo o pensamento messiânico deste período. Apenas verificar como ele está expresso em um texto determinado.
Iniciamos este trabalho definindo o que é messianismo a partir dos estudos feitos no campo das ciências sociais.
Marcos Paulo Bailão**
POREI UMA LÂMPADA PARA O MEU UNGIDO*
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* Recebido em: 03.06.2015. Aprovado em: 27.06.2015.
** Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo. Professor na Faculdade de Teologia de São Paulo da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil. E-mail:
mpbailao@gmail.com.br.
QUE É MESSIANISMO
Messianismo é a crença na vinda de uma pessoa, o messias, que tire o grupo social ou todo o povo da condição de crise em que se encontra e o leve para uma situa- ção de paz e prosperidade. O messias pode ser tanto a própria divindade como um ser humano enviado por ela. É a esperança messiânica existente no meio do grupo que faz emergir o messias, e não a figura messiânica que suscita a crença popular. Ele é uma espécie de catalizador das esperanças do povo.
Para este estudo é importante destacar que a esperança messiânica não se extingue após o desaparecimento do messias ou com a frustração do movimento messiâni- co. Nem mesmo quando ele fracassa no intento de conduzir o grupo social à prosperidade. Ao contrário, ele nunca falha. Se fracassa o intento, é por culpa de outros, não do messias. E a esperança messiânica permanece latente no inconsciente coletivo e se manifesta em outro tempo, às vezes depois de ge- rações, permanecendo a crença de que o messias um dia voltará para, enfim, cumprir sua missão (MOURÃO, 1974).
Outro ponto a se ressaltar é que o messianismo surge em meio a sociedades ou grupos sociais com características específicas, dentre as quais está a de se encontrar em anomia social (QUEIRÓS, 1976). Aqueles que vivem um período de pros- peridade não desenvolvem esperanças messiânicas.
Nosso próximo passo é observar se a sociedade judaíta sob dominação persa, ou algum dos grupos sociais que a compunham, possui tais características.
OS CAMPONESES SOB A DOMINAÇÃO PERSA
Judá apresentou um considerável aumento de população a partir do início do período de dominação persa. Esta população se estabeleceu em pequenas vilas rurais, a grande maioria localizada onde não tinha sido habitado nos períodos imedia- tamente anteriores e que foram fundadas no início do período de dominação persa.
Nessas novas vilas agrícolas foram assentados juntos grupos que retornavam do exílio e grupos que tinham permanecido na Palestina. Tais novas áreas rurais ocupa- das serviriam de instrumento para suprir o império com víveres e aumentar a arrecadação de taxas e impostos.
Organização Social
A organização básica da sociedade camponesa judaíta sob dominação persa se dava em
torno da “casa dos pais” (Ed 2,59; Ne 7,61) ou “cabeça dos pais” (Ne 8,13)
ou ainda simplesmente “os pais”(Ed 2,68; Ne 11,13; 12,22). Esta organização
procurava ser a reconstrução da instituição social básica da época pré-estatal conhecida como “casa do pai”.
A casa do pai era formada pelo conjunto de três ou quatro gerações habitando juntas e compartilhando da vida econômica, religiosa e social. No período persa, as casas eram constituídas de um número muito maior de membros do que na época anterior à monarquia, porém pretendiam reconstruir a estrutura básica do grupo familiar sendo a primeira instância econômica, social, jurídica e reli- giosa. Mais do que uma reprodução estrutural, era a tentativa de reconstrução ideológica da casa. Umas poucas casas que habitassem próximas formavam vilas sem muros.
As semelhanças que explicam a adoção de um termo que represente a tentativa de reviver a mesma experiência estavam na formação de pequenas vilas que di- vidiam a utilização e produção de recursos, e que eram tratadas pelos órgãos governamentais como unidades administrativas e fiscais. Também deve ser considerado o sistema patriarcal de poder, centralizado na figura do chefe da casa e a recuperação de antigas tradições como base ideológica e de identidade de povo.
Nestas casas deu-se o encontro e a integração entre os que ficaram na Palestina e os pobres que retornaram do exílio. Esta integração se dava a partir de pressões externas oriundas do poder central persa que visava o repovoamento para o in- cremento da produção da região. Nas casas dos pais dava-se também a reunião entre grupos teologicamente distintos.
O templo, em particular, era alvo de interesse dos reis persas. Não apenas pelas rela- ções sociais e de poder que nele eram construídas, mas principalmente pelas relações simbólicas que esta instituição fomentava no meio da população. Do- minar tal universo simbólico representava um grande meio de interferência nos destinos desse povo. O templo também era importante para os grupos camponeses que preservavam seu valor simbólico e teológico como elemento agregador do povo e da resistência ao império.
Se na organização social os camponeses pretendiam recuperar uma estrutura do pas- sado, o mesmo não acontecia na área econômica. Até porque eles não tinham autonomia para isso.
Economia
A economia de Judá estava baseada no aumento da produção agrícola patrocinada pelo
Império Persa. O aumento não representava uma variedade maior de itens, mas
ao contrário, a concentração da produção em torno de alguns poucos víveres
como a oliva, a uva e grãos. Essa era a política do império para os territórios
dominados. Nesse período cresce também o número de instalações de bene-
ficiamento e industrialização desses gêneros produzindo especialmente óleo de oliva e vinho. A concentração da produção em torno de poucos produtos e o seu beneficiamento tinha por objetivo suprir o centro com produtos vindos da periferia e, ao mesmo tempo, criar uma interdependência entre as regiões dominadas da qual a administração central tirava proveito.
A agricultura em Judá se transforma de uma cultura de subsistência para a produção em escala comercial. Tal transformação levará a um empobrecimento ainda maior de uma grande parcela da população e ao enriquecimento de alguns poucos, ligados ao comércio e à administração imperial. A narrativa de Ne 5,2-5 apre- senta as queixas dos camponeses em meio a uma grave crise:
Porque havia os que diziam: Somos muitos, nós, nossos filhos e nossas filhas;
que se nos dê trigo, para que comamos e vivamos. Também houve os que diziam:
As nossas terras, as nossas vinhas e as nossas casas hipotecamos para tomarmos trigo nesta fome. Houve ainda os que diziam: Tomamos dinheiro emprestado até para o tributo do rei, sobre as nossas terras e as nossas vinhas. No entanto, nós somos da mesma carne como eles, e nossos filhos são tão bons como os deles; e eis que sujeitamos nossos filhos e nossas filhas para serem escravos, algumas de nossas filhas já estão reduzidas à escravidão. Não está em nosso poder evitá-lo;
pois os nossos campos e as nossas vinhas já são de outros (Tradução de João Ferreira de Almeida, revista e atualizada).
Gerstenberger destaca que esta nem deveria ser uma situação permanente e nem deve ter ocorrido em uma única circunstância (GERSTENBERGER, 2011, p.113).
Porém, situações de tal gravidade não são construídas de uma hora para outra e nem se resolvem em pouco tempo. A realidade de grave empobrecimento e anomia social era constante entre os camponeses judaítas sob o domínio persa.
Os camponeses, grupo social que enfrentava tal situação produziu uma coleção de tex- tos que interessam ao nosso estudo.
OS SALMOS DE SUBIDA
Os Sl 120-134 recebem um título cuja tradução não é consenso, mas entendemos como Canto (ou Salmo) de Subida, como também o faz a maioria das traduções.
Mais disputado do que a tradução, é o significado deste título. Embora os títulos não per- tençam ao texto original, parece haver entre os comentaristas uma esperança de que ele possa remeter a algo que auxilie na intepretação desses cantos. Várias alternativas foram propostas, conforme exposto por Siqueira (2008, p. 60-5).
O mais certo e aceito atualmente é que esses cantos fossem entoados durante as peregri-
nações ao Templo de Jerusalém por ocasião de alguma de suas festas (Dt 16,6).
É sabido que os cânticos faziam parte da peregrinação (Is 30,29; Sl 42,4).
Algumas características comuns a esses salmos reforçam essa ideia. Em primeiro lugar eles são mais curtos do que a média dos salmos, exceção feita ao Sl 132, que difere dos outros Salmos de Subida também em outras das suas caracterís- ticas comuns. Os nomes Jerusalém, Sião e Israel aparecem com frequência não usual no restante do livro. Um significativo número deles alterna entre o estilo individual e o coletivo de tal forma que poderiam ser utilizados tanto por pessoas em meio a um grupo quanto por um grupo de diferentes pessoas reunidas. São temas frequentes assuntos do cotidiano familiar, em particular de pequenos e médios agricultores.
Desses salmos, um particularmente nos interessa, por ser frequentemente considerado messiânico: o Sl 132.
O SALMO 132
Passamos agora a uma análise do Sl 132. Buscamos destacar os elementos exegéticos mais pertinentes ao propósito deste trabalho. Iniciamos com a tradução literal e estudo da estrutura.
Estrutura
Apresentamos aqui uma tradução do texto hebraico do Sl 132, o mais literal possível, distribuindo graficamente os elementos componentes do texto a fim de que se possa perceber visualmente os seus paralelismos e outras relações da poesia.
1
Canto de subidas.
Lembra-te Yahweh de Davi
e de todas as suas humilhações..
2
Que jurou para Yahweh,
fez um voto ao Poderoso de Jacó
3
Não entrarei na tenda de minha casa
E não subirei ao leito de minha cama
4
Não darei descanso para meus olhos, para minhas pálpebras sono
5
Até encontrar lugar para Yahweh,
morada para o Poderoso de Jacó
6
Eis que escutamos dela em Efrata,
a encontramos nos campos de Jaar
7
Entremos em sua morada,
prostremo-nos diante do escabelo de seus pés
8
Levanta-te Yahweh para o lugar de teu descanso, tu e a arca de teu poder.
9
Teus sacerdotes vistam-se de justiça e teus fiéis exultem
10
Por amor de Davi, teu servo, não repelirás a face do teu ungido
11
Jurou Yahweh para Davi verdade,
não voltará atrás dela
do fruto de teu ventre colocarei no trono para ti
12
Se guardarem teus filhos minha aliança, memorial este que eu lhes ensinar,
também seus filhos para sempre assentarão no trono teu.
13
Porque escolheu Yahweh a Sião,
desejou-a para morada dele
14
Este meu lugar de descanso para sempre, aqui habitarei,
porque a desejei
15
Seu mantimento certamente abençoarei,
seus pobres satisfarei com pão
16
Seus sacerdotes vestirei de salvação e seus fiéis gritarão de alegria
17
Lá farei brotar chifre para Davi
porei lâmpada para meu ungido
18