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Os efeitos da reforma trabalhista no combate ao trabalho reduzido a condição análoga à de escravo

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE

CURSO DE DIREITO

ANDRÉ LUÍS BARROS PEREIRA

OS EFEITOS DA REFORMA TRABALHISTA NO COMBATE AO

TRABALHO REDUZIDO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO

MACAÉ/RJ

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE

CURSO DE DIREITO

ANDRÉ LUÍS BARROS PEREIRA

OS EFEITOS DA REFORMA TRABALHISTA NO COMBATE AO

TRABALHO REDUZIDO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO

Trabalho parcial de Conclusão de Curso, apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense.

Orientadora: Professora Dra. Clarisse Inês de Oliveira.

MACAÉ/RJ

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ANDRÉ LUÍS BARROS PEREIRA

OS EFEITOS DA REFORMA TRABALHISTA NO COMBATE AO

TRABALHO REDUZIDO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no curso de Graduação em Direito do Instituto de Ciências da Sociedade de Macaé da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel no Curso de Direito.

Aprovado em: Macaé, 06 de dezembro de 2018.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________ ORIENTADORA: Profª. Drª. Clarisse Inês de Oliveira – UFF

___________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Fabianne Manhães Maciel - UFF

___________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Andreza Aparecida Franco Câmara - UFF

MACAÉ/RJ 2018

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5 AGRADECIMENTOS

À Deus em primeiro lugar, por ter me dado, sobretudo, força, saúde e sabedoria. À meus país, Jorge e Cleide, e minha irmã Joyce, por terem me proporcionado todo suporte, carinho e amor. À minha competente orientadora, Professora Clarisse Ines, que me instruiu muito bem. À Ana Carolina Farha por me apoiar e me ajudar na revisão desse trabalho. À Yan Felipe por dividir comigo esses anos de estudo, pela amizade e por me auxiliar nas dúvidas de formatação.

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6 O trabalho dignifica o homem, e o homem o seu trabalho. Francis Cirino

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7 RESUMO

O presente projeto analisará as novas formas de sujeitar uma pessoa ao trabalho escravo, levando os trabalhadores a condições laborais precárias que ofendem sua condição humana, e como o desenvolvimento do capitalismo está intrinsecamente relacionado com o advento da Lei 13.467/2017 – a Reforma Trabalhista. Será realizado um recorte normativo, temporal e social na análise da Portaria 1.129/2017, que prejudica significativamente o combate dessa prática ainda presente no país. O intento dessa pesquisa é mostrar os efeitos da Reforma no combate ao trabalho análogo à escravidão, assim como a necessidade de sua revogação. Para isso, utilizou-se como metodologia a revisão bibliográfica, a análise jurisprudencial e quantitativa através do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), além das normas de natureza internacional, como as contidas na Corte Internacional de Direitos Humanos. A hipótese trabalhada foi que não houve a diminuição esperada das taxas de desemprego, assim como não gerou mais empregos de carteira assinada, ocorrendo o crescimento das vagas de trabalho informal, demonstrando, assim, que os argumentos que levaram a elaboração pelo Ministério do Trabalho da Portaria 1.129/2017 não surtiram os efeitos esperados, assim como podem gerar consequências graves ao desestruturar o aparato normativo capaz de oferecer um patamar mínimo de direitos fundamentais ao trabalhador. Com esta publicação, espera-se atentar a sociedade para o que os avanços do capitalismo podem acarretar na precarização das relações de trabalho de modo a levar as pessoas a se sujeitarem à escravidão moderna.

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8 ABSTRACT

El presente proyecto analizará las nuevas formas de someter a una persona al trabajo esclavo, llevando a los trabajadores a condiciones laborales precarias que ofenden su condición humana, y cómo el desarrollo del capitalismo está intrínsecamente relacionado con el advenimiento de la Ley 13.467/2017 - la Reforma Laboral. Se realizará un recorte normativo, temporal y social en el análisis de la Ordenanza 1.129/2017, que perjudica significativamente el combate de esa práctica aún presente en el país. El intento de esta investigación es mostrar los efectos de la Reforma en el combate al trabajo análogo a la esclavitud, así como la necesidad de su revocación. Para ello, se utilizó como metodología la revisión bibliográfica, el análisis jurisprudencial y cuantitativo a través del Instituto Brasileño de Geografía y Estadística (IBGE), además de las normas de naturaleza internacional, como las contenidas en la Corte Internacional de Derechos Humanos. La hipótesis trabajada fue que no hubo la disminución esperada de las tasas de desempleo, así como no generó más empleos de cartera firmada, ocurriendo el crecimiento de las vacantes de trabajo informal, demostrando, así, que los argumentos que llevaron a la elaboración por el Ministerio de Trabajo Portaria 1.129/2017 no surtieron los efectos esperados, así como pueden generar consecuencias graves al desestructurar el aparato normativo capaz de ofrecer un nivel mínimo de derechos fundamentales al trabajador. Con esta publicación, se espera atentar a la sociedad para lo que los avances del capitalismo pueden acarrear en la precarización de las relaciones de trabajo para llevar a las personas a someterse a la esclavitud moderna.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...11

CAPÍTULO I - HISTÓRICO DO TRABALHO ESCRAVO...13

1.1. Terminologia e conceituação do trabalho escravo contemporâneo de acordo com o cenário internacional...15

1.1.1. A Convenção da OIT nº 29 (Decreto nº 41.721/1957)...15

1.1.2. A Convenção da OIT nº 105 (Decreto nº 41.721/1957)...18

1.2 Terminologia e conceituação do trabalho escravo contemporâneo de acordo com o cenário nacional...20

1.2.1. Constituição Federal da República de 1988 ... 20

1.2.2. PEC do trabalho escravo...22

1.2.3. Legislação infraconstitucional ...22

1.2.4. A posição adotada pelas Cortes Superiores Judiciárias brasileiras para conceituar o trabalho escravo contemporâneo...24

1.3 Características do trabalho reduzido a condição análoga à de escravo...28

1.3.1. Características principais...28

1.3.2. Formas comuns de trabalho reduzido a condição análoga à de escravo...30

1.3.3. Diferenças e semelhanças do trabalho escravo tradicional para o trabalho escravo contemporâneo...31

1.4. Trabalho Decente...33

CAPÍTULO II - NEOLIBERALISMO E FORMAS MODERNAS DE ESCRAVIDÃO...34

2.1. Modelos de aprisionamento pelo capital...34

2.2. Formas de precarização do trabalho...38

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10 2.4. Neoliberalismo e a livre autonomia de vontade de sujeitar-se a um contrato de trabalho...44 CAPÍTULO III - REFORMA TRABALHISTA E TRABALHO ESCRAVO...49

3.1. Modificações legislativas no bojo da Reforma Trabalhista: Portaria 1.129 do Ministério do Trabalho publicada no Diário Oficial da União em 16.10.17 altera o conceito de trabalho escravo no Brasil...49 3.2. Grupos de pressão agraciados com a modificação do texto legal...54 3.3. Das críticas à revogação da Portaria 1.129/2017 emitida pelo Ministério do Trabalho....56 CONSIDERAÇÕES FINAIS...63

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11 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa visa investigar a nova roupagem que está revestida a escravidão no Brasil, diferenciando-se do sistema escravista da primeira metade do século XVI até o final do século XIX.

É possível observar através de notícias veiculadas pela mídia milhares de pessoas sujeitas a condições degradantes de trabalho, realizando serviços forçados, sendo impedidos de exercer seu direito de ir e vir.

Em diversas regiões no Brasil, como no município de Araruama e Campos dos Goytacazes no estado do Rio de Janeiro, há pessoas em serviços sem acesso a água potável, em péssimas condições de repouso e sem carteira de trabalho assinada, sendo muitas delas crianças ou adolescentes.

Tanto no meio rural como no urbano há a presença dessa prática que ainda assola a sociedade, mostrando-se que essa ilegalidade não ocorre apenas nos rincões do país, mas também nos estados mais populosos do território nacional.

Muitas vezes até mesmo há esse trabalho nas indústrias e na construção civil, sobretudo, utilizando em diversos casos trabalhadores imigrantes que estão na clandestinidade, que vem passando por uma vulnerabilidade no seu país de origem e é recrutada para servir de mão de obra no Brasil, como o caso de muitos trabalhadores bolivianos.

Logo, podemos não ver, mas o trabalho semelhante ao escravo está por trás de roupas, comidas, aparelhos eletrodomésticos, dentre outros itens, que fazem parte da vida das pessoas. O Brasil é elogiado e tido como referência internacional pelo papel desempenhado no combate ao trabalho semelhante à escravidão por, principalmente, retirar diversos indivíduos de locais em que há o emprego dessa atividade.

O Ministério Público do Trabalho, órgão especializado nessa luta, age mediante denúncias que são feitas tanto pessoalmente quanto pela internet ou pelo telefone, podendo ser anônimas ou não.

Contudo, surge no Brasil a Lei 13.467/2017 – conhecida como a Reforma Trabalhista – que atingiu a ampla estrutura normativa que tutela o trabalhador, ferindo seus direitos e garantias fundamentais.

Seguindo neste viés, o presente trabalho pretende analisar especialmente os efeitos causados pelo Reforma, destacando-se a Portaria 1.129/2017, que apesar de não integrar o texto da nova lei trabalhista, modificou a capitulação do trabalho reduzido à condição análoga

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12 a de escravo previsto no art. 149 do Código Penal, assim como transformou também o procedimento de fiscalização dessa ilegalidade.

Entretanto, para compreender os perigosos efeitos gerados pela Reforma Trabalhista no combate ao trabalho escravo contemporâneo, é necessário perpassar por mecanismos que desencadearam na aprovação no Congresso Nacional dessa Lei 13.467/2017.

Serão utilizados a revisão bibliográfica, a análise quantitativa e jurisprudencial, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Tribunal Superior do trabalho (TST) e o Supremo Tribunal Federal (STF), além das normas de natureza internacional, como as presentes na Corte Internacional de Direitos Humanos, para asseverar, sobretudo, que os argumentos utilizados para a elaboração pelo Ministério do Trabalho da Portaria 1.129/2017 não proporcionaram os efeitos esperados, bem como podem produzir consequências graves ao desestruturar a estrutura normativa capaz de proporcionar um patamar mínimo de direitos fundamentais ao trabalhador.

Somado a isso, será demonstrado que a Reforma está intrinsecamente ligada ao desenvolvimento do capitalismo, com o advento da flexibilização das relações de trabalho e maior precariedade laboral.

Com isso, o intento desse trabalho é mostrar os perigosos efeitos da Reforma Trabalhista no combate ao trabalho análogo à escravidão de modo que torna-se essencial sua revogação.

Para isso, no primeiro capítulo, além da breve contextualização histórica, será tratada a concepção e a caracterização de trabalho escravo na esfera internacional e no cenário nacional, analisando neste caso o aparato jurídico que tutela o trabalhador sujeito a essa condição tanto na seara constitucional quanto na infraconstitucional, assim como a posição adotada pelas Cortes Superiores de Justiça brasileira, destacando o conceito de trabalho decente que é referência em condições de emprego de qualidade.

No segundo capítulo serão trabalhadas as formas modernas de escravidão que desencadearam na substituição do trabalhador escravo para o assalariado e o papel do capitalismo para proporcionar essa modernização na escravidão. Além disso, espécies de aprisionamento pelo capital serão analisadas, assim como as formas precárias de trabalho que ganharam destaque com o advento do neoliberalismo.

O terceiro capítulo tem o objetivo de demonstrar os impactos gerados pela Reforma trabalhista, sobretudo quanto à mencionada Portaria 1.129/2017. Somado a isso, o presente trabalho tem o objetivo de demonstrar a opinião crítica de autoridades no assunto que levaram

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13 à aprovação desse ato normativo, assim como apresentar dados coletados no contexto da Reforma de modo a avaliar se os resultados objetivados pela nova legislação foram atingidos.

Diante disso, almeja-se com este trabalho proporcionar maior atenção à sociedade aos avanços do capitalismo, eis que podem acarretar a precarização das relações de trabalho de modo a levar as pessoas a se sujeitarem à escravidão moderna.

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14 CAPÍTULO I

CONTEXTO INTERNACIONAL DE NORMAS SOBRE O TRABALHO ESCRAVO

1.1. Terminologia e conceituação do trabalho escravo contemporâneo de acordo com o cenário internacional

1.1.1. A Convenção da OIT nº 29 (Decreto nº 41.721/1957)

Ainda persiste no território nacional nos dias atuais essa forma de exploração laboral, advindo de raízes históricas, conforme anteriormente analisadas.

Entretanto, de acordo com que estabelecem Ana Maria Viola de Sousa e Maria Aparecida Alkimin, em seu artigo “O trabalho escravo no Brasil e suas vicissitudes no mundo contemporâneo diante das diretrizes normatizadas pelo trabalho decente” (2013) o trabalho escravo ou condição análoga a de escravo sofreu expressiva transformação, tendo em vista que “assumiu os contornos dos malefícios da globalização e do sistema capitalista de produção e concorrência a baixo custo, em que a mão de obra é empregada em condições degradantes, humilhantes e sub-humanas.” (2013).

Com esse cenário de mudanças, diversos pesquisadores, juízes, promotores, acadêmicos e até mesmo funcionários de delegacias do trabalho tentaram conceituar o trabalho “escravo contemporâneo”, porém esbarrava nos desafios dessa definição.

Dentre a diversificação de seu conceito, a Convenção das Nações Unidas sobre Escravatura assinada em Genebra, em 1926, tratou sobre o assunto ao definir a escravidão em seu art. 1º como “o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual exercem, total ou parcialmente, os atributos do direito de propriedade.”.

Nesse sentido, determinados doutrinadores adotam a expressão “trabalho forçado”, reconhecida nos mecanismos internacionais, como, por exemplo, as Convenções da OIT – Organização Internacional do Trabalho, por ser mais abrangente que a denominação “trabalho escravo”.

Tal expressão advém desde 1932 na Convenção nº 29 da OIT, em sua Décima Quarta Sessão em Genebra, e ratificada no Brasil pelo Decreto n. 41.721/57, em que adotou a expressão trabalho "forçado ou obrigatório" ao conceituar este elemento em seu art. 2°, item 1, como sendo "trabalho forçado ou obrigatório" aquele que "compreende todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente."(BRASIL, 1957).

Observa-se que no supracitado artigo há a utilização dos termos “trabalho ou serviço”, em que, segundo Adriana Letícia Saraiva Lamounier Rodrigues, em seu artigo “Análise das

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15 Convenções 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho”, “trabalho é o exercício de uma atividade, de ocupar-se manual ou intelectualmente. Já o serviço é uma diligência, uma atividade específica” (RODRIGUES, 2018, p. 50).

Com isso, a Convenção busca adotar as duas espécies da aludida definição, de modo a sanar eventuais dúvidas sobre o tema.

Há ainda nessa conceituação de trabalho escravo, prevista no art. 2º da Convenção nº 29 da OIT, dois importantes aspectos, tais quais sejam, que o trabalho ocorra sob ameaça de sanção e a não voluntariedade.

A sanção compreende nesse aspecto numa forma, lícita ou não, de coagir ou reprimir o indivíduo, ameaçando-o a invadir sua esfera física e psicológica, de modo que o trabalhador se prende àquele serviço e não consiga sair em virtude do medo.

Dentre as formas de ameaça, destacam-se a extrema violência, confinamento, morte, as de natureza psicológica, confisco de documentos e punições financeiras, perpassando, desse modo, dos mais severos até os mais sutis contornos.

Com relação ao não oferecimento de espontaneidade, tal particularidade concerne na restrição de liberdade, de modo a impedir a sua liberdade de escolha para aceitar, permanecer ou sair daquele trabalho ou serviço.

Nesse liame, ainda no art. 2º da Convenção nº 29 da OIT, em seu item 2, há exceções estabelecidas pela Convenção que permitem o trabalho forçado, mesmo que presentes os requisitos caracterizadores dessa prática, conforme assim disposto:

2. Entretanto, a expressão "trabalho forçado ou obrigatório" não compreenderá para os fins da presente convenção:

a) Todo trabalho ou serviço que se exija em virtude das leis sobre o serviço militar obrigatório e que tenha um caráter puramente militar;

b) Todo trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais dos cidadãos de um país que se governe plenamente por si mesmo;

c) Todo trabalho ou serviço que se exija de um indivíduo em virtude de uma condenação pronunciada por sentença judicial, na condição de que este trabalho ou serviço se realize sob a vigilância e controle das autoridades públicas e que o dito indivíduo não seja cedido ou posto à disposição de particulares, companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado;

d) Todo trabalho ou serviço que se exija em casos de força maior, como guerra, sinistros ou ameaça de sinistros, tais como incêndios, inundações, fome, tremores de terra, epidemias violentas, invasões de animais, de insetos ou de pragas vegetais, e em geral, em todas as circunstâncias que ponham em perigo ou ameacem pôr em perigo a vida ou as condições normais da existência de toda ou parte da população; e) Os pequenos trabalhos comunais, ou seja, os trabalhos realizados pelos membros de uma comunidade em benefício direto da mesma, trabalhos que, consequentemente, podem considerar-se como obrigações cívicas normais dos membros da comunidade, com a condição de que a mesma população ou seus representantes diretos tenham o direito de pronunciar-se sobre a necessidade destes trabalhos. (BRASIL, 1957)

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16 Nesse sentido, para delimitar o supracitado artigo, outro aspecto de destaque dessa Convenção nº 29 da OIT é o art. 9º, em que impõe condições para a exigência da prestação dos cinco serviços permitidos pelo referido art. 2º, assim disposto:

Art. 9º, Salvo as disposições contrárias estipuladas no artigo 10, da presente Convenção, toda a autoridade facultada para impor um trabalho forçado ou obrigatório não deverá permitir que se recorra a esta forma de trabalho sem constatar-se previamente que:

a) O serviço ou trabalho a realizar-se apresenta um grande interesse direto para a comunidade chamada a realizá-lo;

b) O serviço ou trabalho é eminentemente necessário;

c) Seria impossível conseguir mão de obra voluntária para execução desse serviço ou trabalho, apesar da oferta de salários e condições de trabalho iguais, pelo menos, as que prevalecem no território interessado, para trabalhos ou serviços análogos; d) Tal trabalho ou serviço não imporá uma carga demasiado pesada à população, tendo em conta a mão de obra disponível e sua aptidão para empreender o trabalho em questão. (BRASIL, 1957).

Como depreende esse dispositivo, é indispensável que a autoridade competente pela

imposição do trabalho forçado atue com extrema urgência e relevante necessidade – como, por exemplo, estabelece a alínea “b”.

Veja-se, desse modo, na alínea “a” que é necessário ser direto e de real interesse da comunidade essa forma forçada de trabalho, mesmo que presentes as características estabelecidas pelo art. 2º, devendo ocorrer em caso de perigo atual ou iminente.

Outrossim, na alínea “c”, deve restar comprovado pela autoridade competente que tal serviço ou trabalho forçado não pode ser utilizado somente por trabalhadores voluntários, e que, deverá ser pago àqueles labutadores o salário que em média recebem naquela localidade os empregados responsáveis por executar tal trabalho ou serviço exigido, assim como disponibilize as mesmas condições para executá-los.

A alínea “d”, por sua vez, aborda que o trabalho forçado deve ser proporcional e adequado a cada indivíduo para a execução da tarefa, de modo a não prejudicar a liberdade de coletividade.

Nesse contexto, destaca-se ainda o art. 11 da referida Convenção ao restringir a obrigação dessa obrigação ao trabalho aos adultos do sexo masculino.

É de se destacar nesse contexto, que em 1948 surgiu a Declaração Universal dos Direitos do Homem, após a ocorrência de calamidades advindas da II Guerra Mundial que assolaram a humanidade. Esse documento trouxe em seu artigo 4º que “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas”, mostrando assim a proteção legal concedida ao trabalhador contra a escravidão.

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17 Assim, fica demonstrado o compromisso dessa Convenção da OIT com a delimitação do conceito de trabalho escravo contemporâneo a fim de gerar um aparato normativo que tutele melhor os condições laborais do trabalhador.

1.1.2. A Convenção da OIT nº 105 (Decreto nº 41.721/1957)

Outra concepção fundamental de trabalho escravo no âmbito internacional perpassa pela Convenção 105 da OIT, convocada em Genebra em 1957, em sua quadragésima sessão, e ratificada em 18 de junho de 1965 pelo Brasil, sendo promulgada em 14 julho de 1966 através do Decreto nº 58.822/1966, que tem como marco a ampliação do conceito de “trabalho forçado”.

Essa Convenção completa o instituto anterior, exigindo dos países signatários, sobretudo, a abolição de toda forma de trabalho obrigatório, conforme destacado pelos artigos 1º e 2º a seguir:

Art. 1º. Qualquer Membro da Organização Internacional do Trabalho que ratifique a presente convenção se compromete a suprimir o trabalho forçado ou obrigatório, e a não recorrer ao mesmo sob forma alguma:

a) como medida de coerção, ou de educação política ou como sanção dirigida a pessoas que tenham ou exprimam certas opiniões políticas, ou manifestem sua oposição ideológica, à ordem política, social ou econômica estabelecida; b) como método de mobilização e de utilização da mão de obra para fins de desenvolvimento econômico;

c) como medida de disciplina de trabalho; d) como punição por participação em greves;

e) como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa.

Art. 2º. Qualquer Membro da Organização Internacional do Trabalho que ratifique a presente convenção se compromete a adotar medidas eficazes, no sentido da abolição imediata e completa do trabalho forçado ou obrigatório, tal como descrito no artigo 1º da presente convenção. (BRASIL, 1966).

Com base em tal regulamento, é possível verificar a impossibilidade de utilização do trabalho forçado ou obrigatório imposto como forma de castigo, sanção e medida de coerção ou educação com o fim de servir como justificativa para punir o indivíduo por divergência política, manifestação de greve, mobilização social ou discriminação.

Soma-se a isso que a utilização do trabalho forçado nessas medidas fere o valor trabalhista e viola o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, pois se trata de um direito do indivíduo.

Desse modo, a Convenção nº 105 da OIT elenca determinados fins para os quais o trabalho forçado nunca pode ser imposto sem, no entanto, alterar o conceito básico estabelecido na Convenção nº 29 da OIT.

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18 A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, aprovada na Costa Rica em 22 de novembro de 1969 e promulgada no Brasil pelo Decreto 678 de novembro 1992, trouxe amplo aparato de proteção ao proibir a escravidão e a servidão, ressalvando, no entanto, em seu art. 6º, a distinção quanto ao trabalho forçado advindo de pena para determinados delitos, conforme aponta o dispositivo seguinte:

Artigo 6. Proibição da escravidão e da servidão

1. Ninguém pode ser submetido a escravidão ou a servidão, e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as suas formas. 2. Ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório. Nos países em que se prescreve, para certos delitos, pena privativa da liberdade acompanhada de trabalhos forçados, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que proíbe o cumprimento da dita pena, imposta por juiz ou tribunal competente. O trabalho forçado não deve afetar a dignidade nem a capacidade física e intelectual do recluso.

3. Não constituem trabalhos forçados ou obrigatórios para os efeitos deste artigo: a. os trabalhos ou serviços normalmente exigidos de pessoa reclusa em cumprimento de sentença ou resolução formal expedida pela autoridade judiciária competente. Tais trabalhos ou serviços devem ser executados sob a vigilância e controle das autoridades públicas, e os indivíduos que os executarem não devem ser postos à disposição de particulares, companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado;

b. o serviço militar e, nos países onde se admite a isenção por motivos de consciência, o serviço nacional que a lei estabelecer em lugar daquele;

c. o serviço imposto em casos de perigo ou calamidade que ameace a existência ou o bem-estar da comunidade; e

d. o trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais. (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969).

Essas exceções contidas no supracitado artigo preservam o ordenamento jurídico de determinados países americanos que apresentam em seu corpo jurídico pena de trabalho forçado para alguns delitos. No entanto, esse trabalho não pode ultrapassar os limites da dignidade da pessoa humana do condenado.

Para compreender ainda mais os desafios da definição desse trabalho escravo contemporâneo, destaca-se o Relatório Global contra trabalho forçado, divulgado pela OIT em 2005.

Esse Relatório apresenta elementos de conceituação de trabalho forçado, em que afasta a equiparação a baixos salários, más condições de trabalho e migração do trabalhador devido a carência econômica, como em situações que o trabalhador não tem condições de deixar o ambiente laboral por não ter opções de inserção em um emprego.

Destaca, ainda, que é necessário a correta compreensão do conceito e do tema, a fim de que as legislações nacionais apliquem devidamente as recomendações internacionais, visto que a fere de forma grave a liberdade de cada indivíduo.

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19 Entretanto, nesse sentido, é importante ressaltar que, apesar do Brasil ter desempenhado papel significativo no combate ao trabalho semelhante à escravidão, em 2016 o país foi o primeiro a ser condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) – instituição judicial de caráter autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA) por tolerar o trabalho escravo contemporâneo.

Tal fato deve-se em razão de oitenta e cinco trabalhadores obrigados a realizar, na Fazenda Ouro verde no estado do Pará, no ano de 2000, jornadas exaustivas de serviço, além de ter a carteira de trabalho retida, exerciam suas atividades mediante vigilância armada e tinham precárias condições de descanso.

Apesar de tais fatores e de reiteradas denúncias ocorridas desde 1989, o país não preveniu essa prática escravista e de tráfico de pessoas ocorrida na localidade. Com isso, o caso foi levado para a CIDH e o Brasil foi obrigado a retomar as investigações e a indenizar os trabalhadores.

1.2 Terminologia e conceituação do trabalho escravo contemporâneo de acordo com o cenário nacional

1.2.1. Constituição Federal da República de 1988

Para definir as práticas coercitivas de trabalho no Brasil é necessário perpassar pela seara criminal e trabalhista, analisando dispositivos do Código Penal Brasileiro e da Consolidação das Leis Trabalhistas, respectivamente.

Contudo, antes de analisar tais esferas, é importante destacar alguns mecanismos em que há a proteção conferida pela Carta Magna de 1988 ao combate a escravidão contemporânea.

Em seu art. 1º, a Constituição Federal de 1988 dispõe sobre os fundamentos da República, enquadrando-se nos incisos III e IV a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, conforme pode ser observado:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania; II - a cidadania

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

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20 No art. 4º da Constituição Federal há a presença dos princípios pelos quais o Brasil rege suas relações internacionais, de modo consta no inciso II a presença da prevalência dos direitos humanos.

Mais adiante, no art. 5º da CF, em que se encontram elencados os direitos fundamentais, no inciso XXIII, há a disposição de que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.

Soma-se a isso que, no mesmo artigo, há a previsão de que todos são iguais perante a lei, havendo também a garantia à inviolabilidade do direito à vida, à segurança, à liberdade e à propriedade.

Versa ainda a vedação ao trabalho forçado, no inciso III do mesmo art. 5º, ao dispor que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, de modo que no inciso XV há a proteção a liberdade de locomoção e no inciso XLVI a proibição a imposição de penas por trabalhos forçados (BRASIL, 1988).

Por fim, é conferido que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano, conforme caput do art. 170 da CF, assim como no art. 7º em que elenca-se direitos trabalhistas fundamentais (BRASIL, 1988).

Desse modo, estabelecer tais elementos com a salvaguarda constitucional demonstra maior preocupação com o tema da escravidão nos dias atuais, abarcando uma série de direitos conquistados com muito esforço, de modo a transformar o âmbito legal que envolve essa problemática e servir como alicerce para sua criminalização.

1.2.2. PEC do trabalho escravo

O amparo constitucional em prol do combate ao trabalho análogo à escravidão atravessou transformações significativas em seu texto.

Tal fato deve-se a PEC nº 438, popularmente conhecida como a PEC do Trabalho Escravo, aprovada pelo Senado em 27 de maio de 2014, dando origem a Emenda Constitucional nº 81, que modificou textualmente o art. 243 da Constituição Federal, em que prevê a expropriação de propriedades urbanas e rurais em que for encontrada a exploração do trabalho escravo, além das que contenham cultivo de drogas, sem qualquer indenização.

Assim colaciona-se a norma constitucional a respeito do tema:

Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a

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21 programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.

Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei. (BRASIL, 1988).

Cabe ressaltar o parágrafo único, em que prega o confisco de qualquer bem de valor econômico apreendido em virtude da exploração da mão de obra análoga à escravidão, destinando-o para instituições especializadas que fiscalizam, controlam e combatem preventiva e repressivamente essa atividade.

Dentre os argumentos à favor da PEC 438, destacam-se que o dono das terras expropriadas tem dificuldade de transferir a propriedade para terceiro, agindo como “laranja”, e que a punição é aplicada com mais celeridade e severidade.

Por outro lado, a falta de conceituação clara do que é trabalho escravo pode levar a expropriações arbitrárias de imóveis que se encontram produtivos, assim como o ambiente característico de cada região relacionado as práticas próprias trabalhistas dificultariam a aplicação de uma legislação para todos os casos.

1.2.3. Legislação infraconstitucional

Ao adentrar na seara infraconstitucional, é possível analisar as definições que se enquadram a tal tema.

Verifica-se, inicialmente, no Código Penal Brasileiro (1940) a tipificação da conduta de reduzir alguém a condição análoga à de escravo ao estabelecer o crime em seu art. 149.

Tal redação foi adequada através da Lei nº 10.803 de 11 de dezembro de 2003 e está assim organizada:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. § 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I – contra criança ou adolescente; (...) (BRASIL, 1940).

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22 O bem jurídico tutelado em questão, como pode ser observado, é o direito de o homem ser livre da escravidão e o respeito a sua dignidade humana, caracterizando-se quatro figuras que delimitam o crime no supracitado artigo, tais quais sejam: a submissão a trabalhos forçados; a imposição de jornada exaustiva; sujeição de condições de trabalho degradantes; ou, ainda, restrição por qualquer meio à locomoção do trabalhador em razão de dívida.

No que tange os trabalhos forçados, esta significa privar o indivíduo de sua liberdade de escolha, impondo-lhe determinados condutas sem possibilidade de opor-se. Com relação aos trabalhados degradantes, caracteriza-se, em suma, por submeter o trabalhador a condições que o humilham e afrontam sua dignidade. Já quanto a privação de liberdade em razão de dívida, ocorre quando a privação de liberdade resulta de confinamento da vítima, em que o individuo enclausurado perde ou tem limitado seu direito de ir e vir advindo de crédito que é até mesmo lícito.

Há também outros crimes referentes ao trabalho escravo, como o art. 149-A do Código Penal, inserido pela Lei nº 13.344 de 2016, que tipifica o Tráfico de Pessoas da seguinte forma:

Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:

I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;

II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; III - submetê-la a qualquer tipo de servidão;

IV - adoção ilegal; ou V - exploração sexual.

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (...) (BRASIL, 1940). Nesse liame, na legislação penal, o termo “trabalho análogo à escravidão” é considerado gênero, onde tem como espécies “trabalho forçado” e “trabalho degradante”

Por outro lado, na esfera trabalhista, apesar de não tipificado pela CLT - esta, no entanto, regulamenta amplos direitos do trabalhador, até mesmo para categorias específicas, caracterizado pelo trabalho formal -, encontram-se diversas Instruções Normativas oriundas do Ministério do Trabalho e Emprego em que intitulam “trabalho forçado” como gênero, enquanto “redução análoga a de escravo” representa espécie, combinando dispositivos da CLT e do CP.

O trabalho forçado ou análogo à escravo, nessa seara trabalhista, pode ser interpretado também como um comportamento à margem do que é empregado pelas leis, ou seja, tal conceituação perpassa pelo “não proceder” de acordo com as normas da relação trabalhista,

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23 conforme aborda Luma Cavaleiro de Macêdo Scaff no seu artigo “trabalho forçado é ilícito trabalhista ou penal?” (2012).

Nesse sentido, com base nos amplos direitos trabalhistas concedidos, destacam-se como forma de proteção ao trabalho escravo contemporâneo, a multa imposta ao empregador que não realizar o registro do empregado ou que não efetuar sua identificação assinando a sua Carteira de Trabalho - CTPS, além de aplicar multa ao empregador por não cumprir regras concernentes ao salário mínimo, assim como quanto à jornada de trabalho e às férias anuais remuneradas.

Quanto às demais esferas jurídicas, pontua-se a proteção ao trabalhador rural advindo da Lei n. 5.889/73 e o Decreto 73.626/74. E quanto a esfera civil e administrativa, no entanto, responsabilizam-se pela aplicabilidade, contando com mecanismos legais que se amoldam as diretrizes constitucionais que visam combater essas condições forçadas de trabalho.

1.2.4. A posição adotada pelas Cortes Superiores Judiciárias brasileiras para conceituar o trabalho escravo contemporâneo

Em análise à jurisprudência pátria brasileira, é possível identificar que no Tribunal Superior do Trabalho – TST – encontra-se o maior acervo de casos, porém, as expressões concernentes ao trabalho “escravo contemporâneo” não eram tratadas com foco principal, pois apareciam subsidiariamente nos julgados.

O termo genérico utilizado por essa Corte é “redução ao trabalho análogo à escravidão”, tendo como modalidades específicas o “trabalho em condições degradantes”, o “trabalho com jornada exaustiva” e “trabalho forçado”, o qual seria este último a modalidade mais perversa.

Para o TST, são modalidades suficientes para caracterizar o trabalho em condição análoga a escravidão: o trabalho em condições degradantes e jornadas exaustivas. Tal interpretação pode ser observada pela 4ª Turma do TST, de acordo com o estabelecido em parte do aresto a seguir:

(...)

VI - É que, conforme já explanado, tanto o relator originário quanto os demais integrantes do Colegiado firmaram entendimento de que a caracterização do trabalho em condições degradantes e de jornadas exaustivas já seriam suficientes para configuração de trabalho em condição análoga a de escravo.

VII - Com isso agiganta-se a inocuidade do registro ali lavrado de que a Turma, por sua maioria, considerara inexistente o trabalho escravo, visto que efetivamente o considerara existente, não na modalidade do trabalho forçado e sim na modalidade do trabalho degradante, a partir da qual foram excluídas da sanção jurídica certas obrigações impostas ao recorrido.

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24

(RR 61100-07.2004.5.08.0118, Rel. Antônio José de Barros Levenhagen. Julgamento 15/12/2010, 4ª Turma do TST) (TST, 2010).

Corroborando a isso, neste mesmo acórdão é possível extrair elementos que caracterizam trabalho escravo, de modo que possibilita compreender um conceito jurisprudencial do TST, conforme assim justifica o Ministro relator:

(...) para caracterização do trabalho escravo, não seriam imprescindíveis o concurso da falta de liberdade de ir e vir e condições degradantes de labor(sic). Isso porque, doutrinariamente, também o configuraria o trabalho forçado, por ser a modalidade mais perversa do trabalho escravo, presente no caso de trabalho em condições degradantes e em jornadas exaustivas, que alertara era justamente a que se verificara no caso concreto. (...) a jornada exaustiva que, a seu ver, já seriam suficientes para configuração da condição análoga a de escravo, tal como tipificado no artigo 149 do Código Penal. (...)(RR 61100-07.2004.5.08.0118, Rel. Antônio José de Barros Levenhagen. Julgamento 15/12/2010, 4ª Turma do TST) (TST, 2010).

Há ainda outro julgado que merece realce. Este da 3ª Turma do TST, em que trata de recurso de revista da União, não conhecido, em face à madeireira que comprovou ser salubre seu ambiente de trabalho, com o objetivo de retirar seu nome da lista de empresas que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravos do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Embora não conhecido, cabe aqui verificar o conceito estabelecido pelo Ministro Relator Horácio Raymundo de Senna Pires:

De outro giro, não é demais salientar que o trabalho em condição análoga à de escravo, e tão somente análoga, pois desde a assinatura da Lei Áurea não há mais que se falar em "escravo" em solo pátrio, encontra-se descrito no CP, art. 149, caput, que assim vaza: (...) Daí se vê que a conduta típica pode ser verificada de três formas, a saber, pela constatação de trabalho forçado, o que, em regra, é associado à restrição da liberdade ambulatória, e assim costuma ser feito pela doutrina, ou pela constatação de jornada exaustiva ou ainda em função das condições degradantes em que o trabalho é prestado. Não se nega que este último tipo apresenta conceito aberto. No entanto, degradante aqui deve ser compreendido como algo que fira direitos elementares do ser humano, que lhe atinja naquilo que tem de mais íntimo e configurador de sua dignidade e individualidade. (...) o conceito de labor degradante deve ser confrontado com a região onde o serviço é prestado, com o tipo de trabalho e a condição de vida dos trabalhadores.”

(RR. 87200-64.2005.5.16.0013. relator Ministro Horácio Raymundo de Senna Pires. Julgamento 17.11.2010, 3ª Turma do TST). (TST, 2010).

Desse modo, entende o Ministro Relator que para caracterizar o termo “degradante”, deve-se a tingir a dignidade e individualidade do ser humano, de modo que se deve analisar o caso em tela em conformidade com a região onde o serviço é prestado, assim como a tipificação do trabalho e a condição de vida do trabalhador.

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, há em maior parte dos julgados tratando sobre o tema em questão tratos relativos a conflito de competência, razão pela qual tal assunto

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25 é analisado pelos Ministros de forma incidental, conforme assim estabelece a 3ª Seção do STJ:

O delito de redução a condição análoga à de escravo está inserido nos crimes contra a liberdade pessoal. Contudo, o ilícito não suprime somente o bem jurídico numa perspectiva individual.

2. A conduta ilícita atinge frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana, violando valores basilares ao homem, e ofende todo um sistema de organização do trabalho, bem como as instituições e órgãos que lhe asseguram, que buscam estender o alcance do direito ao labor a todos os trabalhadores, inexistindo, pois, viés de afetação particularizada, mas sim, verdadeiro empreendimento de depauperação humana.

(...) Com efeito, a redução a condição análoga à de escravo não suprime somente a liberdade do indivíduo. A conduta ilícita atinge frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana, violando

direitos humanos basilares, e ofende todo um sistema de organização do trabalho, bem como as instituições e órgãos que lhe asseguram, que buscam estender o alcance do direito ao labor a todos os trabalhadores. (voto Relatora)

(...)

Inexiste, pois, no caso em apreço, viés individualista. Pelo contrário, noticia-se verdadeiro empreendimento de depauperação humana, possuindo o fato imputado um espectro de lesividade que escapa da individualização particularizada de lesão trabalhista. (voto Relatora). (STJ, 2010).

O STJ também abordou sobre a temática no mandado de segurança nº 14.017 da 1ª Seção do STJ, conforme é possível analisar no fragmento abaixo apresentado retirado do aresto:

Os fatos descritos nos Autos de Infração lavrados contra a impetrante são extremamente graves: condições degradantes de trabalho; alojamentos superlotados (onde os empregados dormiam em redes); retenção intencional de salários; jornada excessiva, com início às 4h30; não-fornecimento de água potável; intervalos menores que uma hora para repouso e alimentação dos trabalhadores; proibição expressa de que os obreiros pudessem parar para comer o lanche que eles mesmos levavam para as frentes de trabalho; recibos de pagamentos com valores zerados ou irrisórios; inexistência de instalações fixas ou móveis de vasos sanitários e lavatórios (segundo os fiscais, "em uma das frentes de trabalho, encontramos uma tenda montada, com um buraco de 50 cm de profundidade, sem vaso sanitário e nas outras frentes de trabalho não havia qualquer instalação sanitária"); ausência de fornecimento e de utilização de equipamentos de proteção adequados aos riscos da atividade; falta de material necessário à prestação de primeiros socorros, etc. (...)

(...) as condições de trabalho no local, para concluir que seriam insubsistentes os autos de infração que constataram a existência de condições degradantes de trabalho, alojamentos superlotados, retenção dolosa de salários, jornada exaustiva, não-fornecimento de água potável, inobservância do intervalo intrajornada etc. O trabalho escravo – e tudo o que a ele se assemelhe – configura gritante aberração e odioso desvirtuamento do Estado de Direito, sobretudo em era de valorização da dignidade da pessoa, dos direitos humanos e da função social da propriedade. (Mandado de Segurança nº 14.017-DF, Processo 2008/0271496-6. Relator Herman Benjamin, julgamento 27/05/2009, 1ª Seção do STJ). (STJ, 2009).

No julgamento do HC nº 43.381, o Ministro Félix Fischer, incidentalmente conceituou trabalho escravo da seguinte forma:

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26

O delito de redução à condição análoga de escravo consistente em subjugar alguém, ainda que praticado contra determinado grupo de trabalhadores se enquadra na categoria dos crimes contra a organização do trabalho de competência da Justiça Federal ex vi art. 109, inciso VI, da CF. (fl. 10 - Voto) (STJ, 2005).

Ao se tratar do entendimento do Supremo Tribunal Federal, tal análise perpassa incidentalmente pelo Recurso Extraordinário referente ao julgamento sobre conflito de competência, em que o Ministro Relator Joaquim Barbosa faz alusão ao art. 149 do Código Penal:

Reduzir alguém a condição análoga à de escravo fere, acima de tudo, o princípio da dignidade humana, despojando-o de todos os valores ético-sociais, transformando-o em res, no sentido concebido pelos romanos. E, nesse particular, a redução à condição análoga à de escravo difere do crime anterior - sequestro ou cárcere privado -, pois naquele a liberdade 'consiste na possibilidade de mudança de lugar, sempre e quando a pessoa queira, sendo indiferente que a vontade desta dirija-se a essa mudança', enquanto neste, embora também se proteja a liberdade de auto-locomover-se do indivíduo, ela vem acrescida de outro valor preponderante, que é o amor próprio, o orgulho pessoal, a dignidade que todo indivíduo deve preservar enquanto ser, feito à imagem e semelhança do Criador. (...)

Assim, Senhor Presidente, entendo que, no contexto das relações de trabalho - contexto esse que, como já disse, sofre o influxo do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, o qual ilumina todo o nosso sistema jurídico-constitucional -, a prática do crime previsto no art. 149 do Código Penal se caracteriza como crime contra a organização do trabalho, atraindo, portanto, a competência da justiça federal, na forma do art. 109, VI, da Constituição. (STF, 2006).

Em outro julgado, advindo do Recurso Extraordinário 466. 508, que teve como Relator o Ministro Marco Aurélio, convém observar como foi caracterizado quando não ocorre o crime de reduzir alguém a condição análoga a de escravo, prevista no art. 149, conforme assim estabelece:

TRABALHO ESCRAVO - DESCUMPRIMENTO DE NORMAS DE PROTEÇÃO AO PRESTADOR DE SERVIÇOS. O SIMPLES DESCUMPRIMENTO DE NORMAS DE PROTEÇÃO AO TRABALHO NÃO É CONDUCENTE A SE CONCLUIR PELA CONFIGURAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO, PRESSUPONDO ESTE O CERCEIO À LIBERDADE DE IR E VIR.

O acórdão prolatado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região contém a transcrição da denúncia ofertada pelo Ministério Público, dela podendo-se constatar que os fatos narrados dizem respeito ao descumprimento, de forma setorizada, da legislação trabalhista, sonegando-se direito a que teriam os prestadores do serviço. Em momento algum, há notícia de cerceio à liberdade de ir e vir desses prestadores, o que, se existente, atrairia a adequação do pronunciamento do Plenário ocorrido quando da apreciação do Recurso Extraordinário n. 398.041-6/PA. (STF, 2007).

Diante do exposto, é possível compreender que, diante das análises das Cortes Superiores de Justiça, não há um padrão devidamente definido sobre o conceito de trabalho escravo e suas especificidades, mas sob a égide da legislação penal prevista em nosso

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27 ordenamento jurídico pátrio, sobretudo, o trabalho análogo à escravidão ocorre quando há ofensa a liberdade do trabalhador.

1.3 Características do trabalho reduzido a condição análoga à de escravo

1.3.1. Características principais

Em que pese a pluralidade de conceitos que permeiam a definição de trabalho escravo, entendo que é possível melhor configurar essa exploração do trabalhador através da expressão genérica “trabalho reduzido à condição análoga à de escravo”. Tal termo, como visto, deve-se a inserção no ordenamento jurídico pátrio pelo Código Penal de 1940, que significativamente contribui norteando na seguinte análise de determinadas características genéricas sobre esse tipo de violação, conseguindo distinguir, assim, das demais modalidades.

Dentre essas diversas particularidades gerais, acentua-se verificar a sujeição a trabalhos forçados. Essa prática compreende em manter a pessoa no serviço mediante seja quais forem as formas de ameaça de sanção. Verifica-se, por exemplo, o isolamento geográfico; ameaças; violências físicas e psicológicas; utilização do trabalho como forma de punição por divergência ideológica ou por participação de greves; destacando-se, sobretudo, a utilização da mão de obra visando a exploração econômica.

Há também a imposição de jornada exaustiva, em que o trabalhador é submetido a esforço que excede seus limites e esgote suas capacidades produtivas, de modo que comprometa sua saúde, sua segurança ou põe em risco sua vida.

Nesse sentido, cumpre ressaltar nesse ponto previsões na Consolidação das Leis Trabalhistas, em seus artigos 58 e 59, em que estabelece, em regra, o limite da jornada de trabalho, conforme o aresto a seguir:

Art. 58 - A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.

(...)

Art. 59. A duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho. (...) (BRASIL, 1943).

Entretanto, tais limites são excedidos e compreendem, além da extensão das horas de trabalho, o ritmo e a produtividade que o trabalhador é obrigado a realizar, adquirindo uma série de problemas que afetam principalmente sua saúde, além de acabar perdendo tempo de lazer e descanso visando sua recuperação gerada pelo desgaste no labor.

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28 Outro ponto é o trabalho degradante, em que há desrespeito aos direitos fundamentais do ser humano, afrontando sua dignidade humana, de modo a haver carência de infraestrutura mínima de trabalho, de moradia, higiene, respeito e alimentação, assim como faltar garantias mínimas de saúde, segurança e à vida do trabalhador.

Na CF/88, em seu art. 7º, inciso XXIII, é possível encontrar proteção a prática de sujeitar o trabalhador a condições degradantes, conforme verifica-se no dispositivo colacionado:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;

(...) (BRASIL, 1988).

Corroborando a isso, na seara infraconstitucional, também há a previsão nesse sentido, conforme se depreende a seguir nos artigos 189 e 193 da CLT:

Art. 189 - Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.

(...)

Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:

I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;

II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial. (...) (BRASIL, 1943)

Cabe ressaltar, nesse contexto, o entendimento da OIT sobre essa temática, eis que, ao estar diante de trabalho forçado e em condições degradantes, há a configuração do trabalho escravo; enquanto que caso não haja ofensa a liberdade, mas há a presença de características que constituem as condições degradantes, será caracterizado como trabalho degradante.

Outro elemento que caracteriza a conduta de trabalho escravo é a limitação à liberdade de locomover-se, em que há restrição ao direito de ir e vir do trabalhador ou de dispor sua força de trabalho, e até mesmo finalizar seu trabalho, de modo que há, por exemplo, o impedimento de usar o transporte público ou privado.

Para reter o trabalhador no local de trabalho há também a ocorrência da vigilância ostensiva, assim como a retenção de documentos ou objetos pessoais do indivíduo.

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1.3.2 Formas comuns de trabalho reduzido a condição análoga à de escravo

Verificam-se também classificações comumente utilizadas que podem ser consideradas como dentro das características do trabalho reduzido a condição análoga à de escravo no Brasil.

Dentre tais elementos, há a grande distância entre o local de origem e o de trabalho, que contribui para o isolamento do trabalhador, de modo a dificultar fugas e facilitar a sujeição a submissão do patrão.

A servidão por dívidas é outro aspecto, visto que o trabalhador contrai débitos com o patrão e este dificulta a sua saída. Tal prática consiste, por exemplo, quando o aliciador, denominado de “gato”, vai a regiões de extrema pobreza e onde pessoas carecem de emprego com o intuito de realizar o recrutamento, fazendo promessas de boas condições de trabalho e salário, oferecendo inclusive adiantamento do pagamento para que o trabalhador deixe sua cidade e se encaminhe, muitas vezes, a fazenda onde realizará o labor.

Entretanto, chegando ao local e se deparando com oposto do prometido, ainda tem que realizar o pagamento da quantia recebida no ato do recrutamento, bem como os gastos com o decurso da viagem, como alimentação, passagem e hospedagem.

Soma-se a isso, o acúmulo de dívidas que o trabalhador contraiu advindos da execução do trabalho, como uniforme e produtos de higiene, devendo alimentar-se muitas vezes em cantina específica do patrão, com os preços arbitrados pelo mesmo.

Tais elementos da servidão por dívidas proporcionam o impedimento da saída do trabalhador da propriedade, permanecendo na condição de devedor.

Outra classificação é o tráfico de pessoas. É possível encontrar a definição dessa prática no Decreto nº 5017/2004, que promulgou o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidades relacionada ao combate ao tráfico de pessoas, em seu art. 3º, alínea “a”:

A expressão "tráfico de pessoas" significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos; (BRASIL, 2004).

O tráfico humano parte de uma relação bilateral, em que há motivação da vítima na emigração para trabalhar e tem a presença de recrutadores com a intenção de exploração ou abuso. Muitas pessoas são persuadias, iludidas ou enganadas sendo levadas a tratamento

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30 abusivo, ficando com a mobilidade reduzida, tendo cerceamento do seu direito de ir e vir, sujeitando-se a exploração sexual ou laboral, e até mesmo para remoção de órgãos ou tecidos.

Para ter efetividade, o traficante utiliza-se principalmente da servidão por dívidas e a retenção de documentos e objetos pessoais, dentre outras formas de exploração pelo trabalho.

Números de estudos do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) no Brasil aponta que o tráfico de pessoas é a terceira atividade criminosa mais lucrativa do mundo, ficando atrás apenas do tráfico de drogas e de armas. Nesse sentido, segundo dados da ONU, o tráfico de pessoas movimenta 32 bilhões de dólares em todo mundo no ano, sendo 85% advindo da exploração sexual.

Paralelamente a essa característica, encontra-se a imigração irregular, que são indivíduos que se sujeitam a exploração do trabalho por terem consciência de terem violado a lei, de modo que não denunciam às autoridades competentes por terem medo de serem deportados, ou serem proibidos de entrarem no país e até de sofrer medidas punitivas.

No Brasil, regularmente eram encontrados casos de migrantes latinos irregulares sujeitando-se a condições análogas à escravidão, sobretudo, em lojas de confecção de roupas.

1.3.3. Diferenças e semelhanças do trabalho escravo tradicional para o trabalho escravo contemporâneo

Para melhor compreensão das características do trabalho escravo moderno, torna-se indispensável compará-lo a velha concepção escravista.

Essa analogia perpassa pela compreensão de que a exploração dos trabalhadores não foi eliminada ao ser declarada ilegal a escravidão. Por outro lado, tomou novos rumos, modificando-se para atender novas necessidades de mão de obra e da estrutura capitalista que se instalou.

A primeira grande diferença é justamente no que concerne a proibição, tendo em vista que o trabalho escravo no Brasil Colônia/Império era permitido, enquanto que na modalidade contemporânea é proibido, possuindo, sobretudo, tipificação penal com o advento do art. 149 do CP.

Sob o aspecto da duração do tempo de trabalho, no período escravocrata brasileiro era ilimitada, passando essa condição aos seus descendentes, ou por períodos longos; enquanto que no cenário atual há limitação do tempo trabalhado, caracterizado por serem períodos muito curtos, podendo encerrar-se a qualquer tempo, de modo que muitas vezes a vítima da exploração não recebe nada ou é assassinado.

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31 Passou-se na escravidão moderna a adquirir o trabalhador por custo extremamente baixo, enquanto que no período escravista brasileiro quem possuía um escravo havia a necessidade de ter riqueza, eis que também haviam custos altos com a manutenção dos escravos.

Segundo o professor do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense, Norberto O. Ferreras, em seu artigo “O Brasil e o trabalho análogo à escravidão: a questão das imigrações”, um escravo era vendido ao que equivaleria a uma quantia de R$ 120 mil, ao passo que em Eldorado dos Carajás, no Sul do Pará, um aliciador levou um homem a trabalhar com ele por R$ 150,00 (2016, p. 420).

Outro importante fator é a mão de obra, visto que hoje é abundante, contando com uma série de trabalhadores desempregados; enquanto que antigamente era escassa, pois dependia do tráfico negreiro, do aprisionamento indígena ou da reprodução.

Soma-se a isso, que o trabalhador não constitui o patrimônio do patrão, de modo que é proibida a propriedade legal, em contrapartida que na escravidão tradicional era permitida.

Na concepção moderna não importam os aspectos raciais, étnicos ou religiosos, figurando a diferença econômica como importante, pois uma pessoa pobre e miserável se sujeita a tal exploração. No entanto, na concepção tradicional tais características não observadas atualmente eram determinantes para a escravização, aliado ao fato de que os escravizados em geral eram considerados inferiores de tal modo que justificava a coerção ao trabalho.

Nessa comparação, é possível encontrar de igual modo elementos semelhantes que aproximam as características da antiga com a “nova escravidão”.

Ao traçar esse paralelo é possível identificar que em ambos os cenários há o interesse dos patrões em ampliar os lucros de forma predatória, assim como há o desprezo a condição humana, aliado ao fato de que há o cerceamento à liberdade nas duas concepções.

Outrossim, em linhas gerais, observa-se também que as formas realizadas para a manutenção da ordem se assemelham em ambas conjunturas, eis que haviam ameaças, violência física e psicológica, vigilância, punições exemplares e, inclusive, assassinatos.

1.4. Trabalho Decente

A Organização Internacional do Trabalho, órgão das Nações Unidas, formulou em 1999 o conceito de trabalho decente, apresentando-o, segundo a mestre e doutora pela USP, Laís W. Abramo, em seu livro “Uma década de promoção do trabalho decente no Brasil: uma

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32 estratégia de ação baseada no diálogo social”, como aquele adequadamente remunerado, de modo a proporcionar oportunidades tanto para homens quanto para mulheres, a fim de que possam obter um trabalho produtivo e qualificado em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana (2015, p. 13).

De forma a conseguir reconhecer o trabalho decente como uma meta mundial, a OIT organizou a I Conferência Nacional do Trabalho Decente, antecedido por conferências estaduais, derivando do documento denominado Trabalho Decente nas Américas: uma agenda hemisférica, 2006-2015, firmado em Brasília em maio de 2006, em que define trabalho decente como ponto de convergência de quatro objetivos estratégicos:

“(...) o respeito às normas internacionais do trabalho, em especial aos princípios e direitos fundamentais do trabalho (liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; eliminação de todas as formas de trabalho forçado; abolição efetiva do trabalho infantil; eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação); a promoção do emprego produtivo e de qualidade; a extensão da proteção social; o fortalecimento do diálogo social.” (OIT, 2016).

Importante salientar que o trabalho decente com tal diretriz internacional guarda relação com a ideia de dignidade da pessoa humana, devidamente normatizada na Constituição Federal brasileira, sob o sentido de direitos fundamentais e garantias sociais, como o pleno emprego e com conteúdo protetor mínimo.

De tal modo, esse modelo de trabalho pretende satisfazer necessidades pessoais e familiares de alimentação, educação, moradia, saúde e segurança, protegendo o indivíduo quanto aos impedimentos ao exercício do trabalho, regulamentando as relações trabalhistas, proporcionando superação das formas de trabalho que geram renda insuficiente, assim como o combate ao desemprego e a pobreza, de forma que abranja as pessoas que estão à margem do mercado de trabalho estruturado, ou seja, os assalariados não regulamentados, trabalhadores por conta própria, terceirizados ou subcontratados, trabalhadores a domicílio e etc. (ABRAMO, 2015, p.27/29).

Nesse liame, Laís Abramo destaca em sua obra “Trabalho decente: o itinerário de uma proposta”, que as normas internacionais do trabalho se apoiam em parâmetros das Convenções, Tratados e Recomendações da OIT sobre os quais devem ser construídos e conquistados outros direitos, dentre os quais são a liberdade de associação e reconhecimento ao direito de negociação coletiva; eliminação de todas as formas de trabalho forçado; abolição efetiva do trabalho infantil; eliminação de todas as formas de discriminação no emprego e na ocupação (2010).

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33 O Brasil responsabilizou-se por promover, nesse contexto, o trabalho decente elegendo três prioridades: gerar mais e melhores empregos, com igualdade de oportunidades e de tratamento; erradicar o trabalho escravo e eliminar o trabalho infantil; e fortalecer o diálogo social.

O combate ao trabalho forçado foi significativo no território nacional. O Ministério do Trabalho e Emprego e da Comissão Pastoral da Terra tiveram ações expressivas ao resgatar milhares pessoas sujeitando-se a práticas coercitivas de trabalho. Entretanto, segundo dados do Censo Demográfico de 2010 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há alarmantes desigualdades de distribuição de renda no Brasil. Atrelado a isso, muitos estudos afirmam que o desemprego, os baixos salários, o trabalho informal e a ausência de proteção são problemas que afetam significativamente os trabalhadores brasileiros, conforme estabelece o professor Marcelo W. Proni, em sua obra “Trabalho Decente e vulnerabilidade ocupacional no Brasil.” (2011, p. 02).

Diante disso, pode-se verificar que o patamar mínimo de direitos fundamentais trabalhistas estabelecidos pela OIT perdura para ser implantado e enfrenta inúmeros desafios no cenário pátrio. Há problemas crônicos, por exemplo, para a geração de emprego, atrelado a trabalhos degradantes, dentre os quais a escravidão. Tal particularidade demonstra o distanciamento ainda existente para implementar devidamente o conceito de trabalho decente previsto pela OIT, devendo o país primordialmente superar tais práticas primitivas que ainda assolam as relações trabalhistas.

Referências

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