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DEUS O AMA DO JEITO QUE VOCÊ É

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Academic year: 2021

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DEUS O AMA DO

JEITO QUE VOCÊ É

NÃO DO JEITO QUE DEVERIA SER, POIS VOCÊ

NUNCA SERÁ DO JEITO QUE DEVERIA SER

BRENNAN MANNING

&

JOHN BLASE

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Parte 1

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Nem sempre recebemos o que pedimos. Imagino que

toda criança já deve ter ouvido isso de uma forma ou de outra. É uma lição difícil de aprender, mas é fundamental para o amadurecimento. Quando eu ouvia minha mãe, Amy Manning, dizer essa frase, sabia que ela não estava se referin-do a alguma coisa trivial como uma luva de beisebol ou uma boneca. Ela falava de algo muito mais profundo.

Minha mãe havia rezado por uma menina, mas o que ela recebeu no dia 27 de abril de 1934 foi um menino, eu, Richard Manning. Meu nome nem sempre foi Brennan.

Era a época da Grande Depressão, e nós morávamos no Brooklyn, em Nova York. Meu irmão, Robert, havia nasci-do quinze meses antes de mim. Durante anos, ouvi muitas mães sorrirem e se referirem ao segundo filho nascido pou-co tempo depois do primeiro pou-como “minha surpresinha”. Minha mãe não pensava assim; não naquela época. Para ela, fui mais uma decepção, mais uma prece não atendida.

Minha mãe nasceu em Montreal, no Canadá. Quando ela estava com 3 anos, seus pais morreram num intervalo de seis dias um do outro, vítimas de uma epidemia de gripe que varreu a cidade, matando milhares de canadenses. Na-quela época, quando se recitava na oração antes de dormir

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“se eu morrer sem acordar”, tal possibilidade era muito real. Não havia ninguém que pudesse acolher minha mãe, por isso ela foi mandada para um orfanato onde ficou durante dez anos. Só Deus sabe o que ela passou naquele tempo. Fico imaginando, às vezes, se havia alguém por perto para aju-dar uma garotinha enlutada de 3 anos. Será que alguém se lembrou de comemorar o aniversário dela? Será que sabiam o dia em que ela fazia aniversário? E no Natal, será que ela ganhava algum presente? Quem eram as mulheres por trás das paredes daquele orfanato, e que imagem materna passa-ram para ela, se é que passapassa-ram alguma? E os homens? Será que ela sofreu abusos? Foi estuprada? Tudo isso e muito mais pode ter acontecido à minha mãe naqueles dez anos de vida sofrida. No entanto, não há respostas para minhas pergun-tas, porque o que aconteceu naquele tempo ficou para trás. Mas é bem possível que ela respondesse às minhas perguntas do mesmo jeito que respondia a muitas outras: “Nem sempre recebemos o que pedimos”.

Quando tinha 13 anos, minha mãe foi adotada por um ho-mem conhecido como Black George McDonald. Por que ele a adotou, ou que detalhes cercaram a adoção, eu não sei; só sei que o nome dele parece ter saído diretamente de um roman-ce. O que me disseram foi que ele havia encontrado certa quantidade de ouro e que esteve envolvido na construção da cidade de Alexandria, entre Montreal e Toronto. Portanto, Black George tinha, evidentemente, boas condições finan-ceiras, mas desconheço quais teriam sido suas intenções. É possível, contudo, que fosse movido por algum grau de bon-dade, já que minha mãe queria ser enfermeira e ele pagou os estudos dela. Foi um presente que a levou ao Brooklyn, onde ela completou o curso de enfermagem, conheceu meu

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pai, casou-se com ele, deu à luz o meu irmão, rezou por uma menina e ganhou a mim. Embora seja fácil deduzir que para mim foi doloroso saber da decepção da minha mãe quando eu nasci, decidi que nestas páginas eu expressaria minha gra-tidão. Portanto, nesse espírito, digo: “Obrigado, Black George McDonald. Não sei bem pelo que agradeço, mas sei que a boa vontade que você demonstrou em relação à minha mãe acabou resultando no meu nascimento, desejado ou não. Então, obrigado”.

O curso de enfermagem que minha mãe fez era baseado nos métodos então em vigor dos anos 1920. “Paternidade” e “maternidade”, acredite ou não, são termos que só se torna-ram comuns no fim dos anos 1950; antes disso, só se falava em “educar filhos”. A regra previa disciplina, controle, rigor e um mínimo de afeto. Os primeiros behavioristas, como J. B. Watson, influenciaram o pensamento e a abordagem da época. Reproduzo a seguir uma citação que deixa muito cla-ro o espírito de então: “O amor materno é um instrumento perigoso que pode arruinar a chance de felicidade futura da criança”. Watson defendia um rápido aperto de mãos todas as manhãs entre pais e filhos, nada mais. Por mais estranho que isso soe agora, foi nesse mundo que meu irmão e eu nas-cemos. Sob muitos aspectos, era também o mundo em que minha mãe cresceu.

Uma vez que procuro compreender os mistérios da mi-nha vida, não posso deixar de considerar as vozes e as ex-periências que moldaram minha mãe. Sua odisseia de órfã à enfermeira profissional e jovem mãe torna sua sobrevivência nada menos que heroica, mas os heróis nem sempre são os melhores pais.

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Junte a essa história um homem chamado Emmet Manning, meu pai. Minha mãe e ele, de muitos modos, formavam uma dupla cheia de contrastes. Diferentemente dela, ele não ficou órfão. Na verdade, desde que meus pais se casaram, meus avós foram morar conosco. Black George, que fez as vezes de pai da minha mãe, era um benfeitor discreto, mas o pai do meu pai era um alcoólatra inveterado. Não tenho a menor ideia do que minha mãe deve ter passado quando criança, mas pude vislumbrar as explosões de ira que meu pai deve ter suportado na infância. Aprendi então que as crianças não estão sujeitas a um tipo de orfandade apenas.

Se, por um lado, minha mãe havia concluído o curso de enfermagem, meu pai, por outro lado, tinha apenas um mero diploma do ensino fundamental. O diploma de enfermeira de minha mãe fazia dela uma profissional disputada, mes-mo durante a Grande Depressão. Ela trabalhava em dois em-pregos: atendia oito horas por dia no St. Mary’s Hospital e cuidava depois de outros casos em particular. O trabalho do meu pai, isto é, quando havia algum, era sempre esporádico ou de meio período.

Esporádicas e parciais eram também as conversas que me lembro de ter com ele. As palavras que trocávamos tinham como foco a correção, isto é, a minha correção especifica-mente. Na verdade, dizer que eram conversas é um exagero. Pareciam-se mais com monólogos, cuja conclusão era sem-pre dolorosa. Ele me mandava para o quarto, eu abaixava as calças e ele me batia com um cinto de couro. Essas demons-trações de masculinidade talvez dessem ao meu pai uma sen-sação de poder, mas eu sabia que até mesmo essa sua função

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de agente da disciplina era um traço que minha mãe, a ma-triarca, fazia questão que ele tivesse.

Dia após dia, meu pai calçava seus sapatos de couro e saía a pé de casa em busca de trabalho. É impossível não pensar que ele não estivesse também atrás de outras coisas, algo que não conseguia expressar com palavras, mas de que precisava diariamente. Talvez estivesse em busca de si mes-mo e soubesse que seu pai, que deixara em casa, não poderia ajudá-lo. Talvez estivesse em busca de dignidade, na espe-rança de que alguém se orgulhasse dele. Minha mãe, porém, lhe recusava esse tipo de respeito. Não sei direito o que ele procurava, sei apenas que todos os dias ele saía.

Nem sempre recebemos o que pedimos; recebemos o que temos de receber. Amy era uma sobrevivente. Emmet era al-guém que buscava. Juntos, os dois eram as árvores mais altas da minha floresta: mãe e pai.

Sem nada dizer, ele pergunta: Como reagir ao que ficou para trás?

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