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Sistema processual acusatório e inquérito policial no Brasil: uma análise comparativa entre o atual código de processo penal e o projeto de reforma

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

MILENA MARQUES DA CRUZ

SISTEMA PROCESSUAL ACUSATÓRIO E INQUÉRITO POLICIAL NO BRASIL: UMA ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE O ATUAL CÓDIGO DE PROCESSO

PENAL E O PROJETO DE REFORMA

Ijuí (RS) 2019

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MILENA MARQUES DA CRUZ

SISTEMA PROCESSUAL ACUSATÓRIO E INQUÉRITO POLICIAL NO BRASIL: UMA ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE O ATUAL CÓDIGO DE PROCESSO

PENAL E O PROJETO DE REFORMA

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso - TCC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Patricia Borges Moura

Ijuí (RS) 2019

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Dedico este trabalho a minha Mãe, mulher guerreira, que me ensinou a lutar pelos meus sonhos, e sempre esteve ao meu lado me apoiando em tudo. É meu alicerce, e tudo que hoje sou, devo a ti.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, acima de tudo, que meu deu saúde e forças para superar todos os momentos difíceis, por guiar meus passos, iluminando-me e conduzindo pelos melhores caminhos, permitindo tudo que aconteceu ao longo da minha vida.

A minha mãe Gisele, por ser tão essencial na minha vida, que apesar de todas as dificuldades, sempre me incentivou, e me ajudou na realização do meu sonho. É um exemplo de mulher, foi e sempre será minha inspiração.

Ao meu pai Joel (in memoriam), que infelizmente não pode estar presente neste momento tão feliz da minha vida, mas que não poderia deixar de agradecer a ele, pois se hoje estou aqui, devo muitas coisas a ele. Saudades eternas!

Ao meu querido irmão Douglas, que sempre me apoiou e acreditou em mim, por me ajudar sempre que preciso, contribuindo com a chegada até aqui.

A minha orientadora Patrícia Borges Moura por todo apoio e paciência, pela dedicação e empenho ao longo da elaboração deste trabalho, e por ser essa profissional incrível em quem me espelho.

Aos meus familiares e amigos, pelos conselhos, pela paciência em me ouvir a falar sobre assuntos da faculdade, e por me encorajar a ir além. E também aos meus grandes amigos da faculdade, que permitiram que essa caminhada fosse mais alegre.

Aos meus amigos de trabalho, Protti Advogados Associados, por toda a ajuda e apoio durante este período tão importante da minha formação acadêmica.

A todas as pessoas que direta ou indiretamente contribuíram para a realização da minha pesquisa.

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“Pouco importa às pessoas saber que têm os direitos reconhecidos em princípio, se o exercício deles lhes é negado na prática.”(Francisco Sá Carneiro)

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso estuda o inquérito policial e seus diferentes sistemas processuais penais, enfatizando o modelo adotado no Brasil e os sistemas de investigações preliminares existentes. A partir de uma metodologia de revisão bibliográfica, busca filtrar o princípio norteador da investigação no Brasil, se inquisitivo ou acusatório, e qual de fato seria o mais adequado. Examina a importância do papel do inquérito policial em relação à persecução penal, como também aborda o procedimento realizado no decorrer do inquérito até o momento da propositura da ação. Explora a característica inquisitiva do inquérito policial e sua inadequação com os princípios constitucionais e o sistema acusatório de garantias. Por fim, faz uma análise comparativa do previsto acerca da investigação preliminar no Código de Processo Penal atual com o Projeto de Lei nº 8045/10, ainda em trâmite.

Palavras-Chave: Sistemas Processuais Penais. Sistemas de investigação preliminar. Inquérito Policial. Persecução Penal. Inquisitoriedade. Projeto de Lei nº. 8045/2010.

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ABSTRACT

The present study of the course studies the police investigation and its different criminal procedural systems, emphasizing the model adopted in Brazil and the existing preliminary investigation systems. Based on a methodology of bibliographic review, it seeks to filter the guiding principle of research in Brazil, whether inquisitive or accusatory, and which would indeed be the most appropriate. It examines the importance of the role of the police inquiry in relation to criminal prosecution, but also deals with the procedure carried out during the investigation up to the time the action was brought. It explores the inquisitive characteristic of the police inquiry and its inadequacy with constitutional principles and the accusatory system of guarantees. Finally, it makes a comparative analysis of the predicted preliminary investigation in the current Criminal Procedure Code with Bill No. 8045/10, still in progress.

Keywords: Criminal Procedural Systems. Preliminary research systems. Police Inquiry. Criminal prosecution. Inquisitorial. Draft Law no. 8045/2010.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 08

1 O INQUÉRITO POLICIAL E OS DIFERENTES SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS ... 10

1.1 Sistemas processuais penais e o modelo constitucional ... 10

1.2 Sistemas de investigação preliminar ... 17

1.3 Inquérito policial: características, finalidade e valor probatório ... 22

2 INQUÉRITO POLICIAL: DA INQUISITORIEDADE AO PROJETO DE REFORMA DO CPP ... 28

2.1 Inquérito policial e seu papel na persecução penal ... 28

2.2 A inquisitoriedade do inquérito policial e sua inadequação ao sistema acusatório de garantias ... 33

2.3 As reformas previstas para o atual CPP e as mudanças em relação ao inquérito policial: a necessária filtragem constitucional ... 38

CONCLUSÃO ... 44

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INTRODUÇÃO

No Brasil o inquérito policial é o principal procedimento de investigação preliminar e aparenta um caráter preponderantemente inquisitorial. Nessa condição, o indiciado é tratado somente como objeto de investigação, quando os fatos são apurados e evidenciem materialidade e autoria delitiva, subsidiando assim, o início da ação penal cabível. No entanto, isso acontece em flagrante desconformidade com o sistema acusatório de garantias, previsto no texto constitucional de 1988, em especial inobservância do contraditório e do direito à ampla defesa, como também pela característica do sigilo da investigação, em oposição à publicidade dos atos processuais.

Acontece que a doutrina, majoritariamente, acredita que, de forma mais corriqueira apenas se aplica o contraditório, mesmo sendo dispensável no Inquérito Policial, quebrando o sigilo previsto, e ferindo o princípio da eficiência, previsto no artigo 37 da Constituição Federal. Contudo, há ferrenha discussão entre os operadores jurídicos sobre a prevalência da inquisitoriedade, uma vez que o inquérito policial é um dos procedimentos investigatórios que fazem parte do sistema processual, e, enquanto sistema, este deve ter coerência com as outras fases da persecução penal.

A problemática do procedimento no inquérito policial surge quando o sistema se adequa mais ao princípio inquisitivo, mesmo quando o modelo constitucional é o acusatório. Contudo, o sistema processual é formado por princípios e regras constitucionais que surgiram de acordo com a situação posterior ao Código de Processo Penal atual.

O Código de Processo Penal (CPP) vigente é do ano 1941, época em que as normas eram orientadas pelo princípio inquisitivo. As alterações posteriores do CPP tentaram fazer

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uma filtragem constitucional das regras processuais, a fim de adequar a legislação infraconstitucional ao sistema acusatório de garantias, porém, não atingiram o inquérito policial. Portanto, urgem reformas nesse sentido, que promovam a coerência entre as diferentes fases da persecução penal, e isto impõe a que o princípio norteador seja preponderantemente o acusatório.

Nesse sentido se fundamenta o presente estudo, para analisar o inquérito policial frente ao Projeto de Reforma do Código de Processo Penal nº 8045/10, a fim de verificar se o mesmo se propõe a reestruturar o sistema de investigação preliminar a partir do modelo acusatório de garantias, tornando mais adequado e harmônico com a Constituição Federal de 1988. Dessa forma, é de extrema relevância tanto social quanto jurídica a discussão do tema proposto, a fim de investigar se o modo de se fazer a persecução penal no Brasil, em sua fase inicial, investigatória, pode se adequar, pela proposta de modificação ao Código de Processo Penal em trâmite, às regras próprias de um Estado e de um processo penal democráticos.

Para tanto, o desenvolvimento da pesquisa ocorreu de forma exploratória, baseando-se em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores, bem como, da legislação vigente para coleta de dados. Da mesma forma, utilizou-se da abordagem hipotético-dedutiva, realizando selecionando bibliografias e documentos relacionados com a temática, suficientes para a construção do trabalho.

Diante disso, o trabalho encontra-se organizado em dois capítulos. O primeiro capítulo aborda questões pertinentes ao inquérito policial e os diferentes sistemas processuais penais, enfatizando o modelo adotado no Brasil, buscando identificar o princípio norteador da investigação no país. No segundo Capítulo, é apresentada uma análise acerca da natureza inquisitorial do inquérito policial e sua importância para a Persecução Penal, para, ao final, verificar as mudanças propostas pelo Projeto de Lei n.º 8.045/10, ainda em trâmite, no que tange à investigação preliminar.

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1 O INQUÉRITO POLICIAL E OS DIFERENTES SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS

Os princípios são fundamentais na composição dos sistemas processuais, a orientar as ações do Estado na administração da justiça penal, em especial quando previstos no texto constitucional. Em relação ao processo penal, é importante salientar o quão importante é identificar qual o princípio fundante ou preponderante, a fim de que se compreenda o modo de se fazer a persecução penal no Brasil, visando a eficácia do caminho a ser percorrido para a apuração das infrações penais e de sua autoria.

Os sistemas processuais penais a serem discorridos no presente capítulo são: acusatório, inquisitório e misto, que são identificados na contemporaneidade, a partir de suas características preponderantes. Partindo-se de tal concepção, é preciso identificar qual o modelo de sistema processual penal pátrio, como é realizada a investigação preliminar, e sua (in)coerência e/ou (in)conformidade com referido modelo.

Nesse cenário, torna-se pertinente frisar a busca em analisar os sistemas processuais penais em seu aprofundamento histórico, ou seja, a origem e sua contextualização no Brasil, enfatizando o modelo aqui adotado e seus sistemas de investigações preliminares. Estuda-se ainda, o inquérito policial, buscando filtrar o princípio norteador da investigação brasileira, se inquisitivo ou contraditório, a fim de possibilitar posterior averiguação de sua eficácia no atual sistema de investigação preliminar predominante no Brasil.

1.1 Sistemas processuais penais e o modelo constitucional

É necessário fazer uma abordagem do que é um sistema no viés jurídico, possibilitando a compreensão do que é um Sistema Processual Penal. O Sistema é um conjunto de normas relacionadas, unidas por um principio unificador, e devem estar vinculadas aos valores presentes na Constituição de 1988, tendo como função sua organização no ordenamento jurídico. (IRVING MARC SHIKASHO NAGIMA, 2011).

A partir do Século XVII foi introduzida na Ciência de Direito a noção de sistema. Nesse sentido, Gilberto Thums (2006, p. 77) sistematiza a formação e estruturação do sistema jurídico:

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O sistema jurídico é formado por um complexo de normas organizadoras e estruturadas a partir de um texto fundamental, a Constituição. Nela estão organizadas estruturas conceituais, os princípios fundamentais, os objetivos do Estado, a ordem econômica, política e social. A Carta Magna é um sistema de princípios e regras e traduz-se em interesse especial o exame dos critérios de organização jurídica de uma sociedade, enfocando os princípios inspiradores ou estruturantes, eis que todas as regras legais devem harmonizar-se com o sistema constitucional, porque dele são decorrentes.

O Brasil promulgou em 1988 a Constituição, ainda em vigor, a qual não rompeu com toda a legislação vigente. No ponto, há de se considerar que, de regra, a legislação processual penal infraconstitucional, então em vigor, foi acolhida, exceto naquilo que não estiver em concordância com o texto constitucional, como ocorreu com vários artigos do Código de Processo Penal (CPP), com relação aos quais há necessidade de uma filtragem nesse sentido.

Diante disso é necessária maior abordagem relacionada ao sistema processual penal brasileiro, pois a legislação anterior, em vários aspectos, não está em conformidade com o modelo acusatório, adotado pela atual Constituição. Essa consideração é importante, tendo em vista que o atual CPP foi elaborado em um contexto histórico e político demarcado, na seara processual penal, pelo princípio do inquisitivo, o que não se coaduna com um Estado Democrático de Direito.

Os princípios na organização dos sistemas processuais são essenciais e norteiam a ordem constitucional, por conseguinte a Constituição é formada por princípios e estes devem formar um sistema que compõe e rege o Estado. Na seara processual penal, trata-se de uma compreensão importante, tendo em vista que o sistema é composto por princípios, regras e normas que regem, em especial, o modo de se fazer a persecução penal no Brasil.

Assim, Thums (2006) corrobora com a ideia de sistemas processuais, identificados a partir de suas características preponderantes, que são recentes, pois foi no Século XIX que o Direito Processual começou a ser tratado de forma autônoma, e desvinculado do Direito Penal.

E dentro deste sistema deve haver afinidade entre as normas penais e processuais, mas principalmente deve existir essa afinidade com a Constituição, pois ambas são fundamentais para o efetivo controle penal do Estado, refletindo diretamente os princípios.

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Nesse sentido, é possível verificar a importância da compreensão dos sistemas processuais, como diz Thums (2006, p. 175):

A compreensão dos sistemas processuais é fundamental para o estudo do Direito Processual Penal, eis que traduzem a ideologia política na estrutura da ordem jurídica. O Sistema Inquisitório é compatível com Estados autoritários, de Direto Penal máximo, enquanto o sistema acusatório (de garantias) preconiza o Direito Penal mínimo e direitos fundamentais maximizados.

Na contemporaneidade, pode-se afirmar a existência de três sistemas processuais penais: acusatório, inquisitivo e misto. Acontece que, no Brasil, desde a promulgação da Constituição de 1988, a fundamentação do real sistema é o acusatório, o qual se choca com o sistema inquisitivo presente Código de Processo Penal vigente.

O sistema acusatório foi o primeiro a surgir entre os sistemas processuais penais. Thums (2006, p. 233) explica que “O sistema acusatório foi adotado durante a Antiguidade, principalmente na Roma e na Grécia, e na Idade Média até o século XIII, quando foi implantada a Inquisição. [...].” Posteriormente, foi retomado o sistema acusatório, o qual tem uma fase preparatória para o processo penal, que pode ser realizada com mais de uma forma, tendo suas funções totalmente distintas, restando nítida a separação da acusação, da defesa, e do julgamento, a qual é incumbida para pessoas diferentes, tornando assim a criação de três personagens, autor, réu e juiz.

Aury Lopes Junior (2010) menciona em sua obra a respeito da retomada do sistema acusatório, o que se deu no Século XVIII, em especial pós Revolução Francesa, com o resgate de direitos que foram negados ao homem durante o movimento da Santa Inquisição nos países da Europa Ocidental, retirando-se de forma gradativa as características desumanas que constituíam os sistemas inquisitivos.

O autor mencionado (2010) refere como características atuais do sistema acusatório, as seguintes:

a) clara distinção entre as atividades de acusar e julgar; b) a iniciativa probatória deve ser das partes;

c) mantém-se o juiz como um terceiro imparcial, alheio a labor de d) investigação e passivo no que se refere a coleta da prova, tanto de imputação, como de descargo;

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e) tratamento igualitário das partes (igualdade de oportunidades no processo);

f) procedimento é em regra oral (ou predominante);

g) plena publicidade de todo o procedimento (ou da maior parte); h) contraditório e possibilidade de resistência (defesa);

i) ausência de uma tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre convencimento motivado do órgão jurisdicional;

j) instituição, atendendo a critérios de segurança jurídica (e social) da coisa julgada;

h) possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição.

Nesse sentido, é o entendimento de Norberto Avena (2012, p. 9, grifo do autor), “Chama-se “acusatório” porque, à Luz deste sistema, ninguém poderá ser chamado a juízo sem que haja uma acusação, por meio da qual o fato imputado seja narrado com todas as suas circunstâncias”.

Diante disso, é possível verificar que no sistema acusatório deve haver a observância de garantias constitucionais no desenvolvimento de todo o processo, entre as quais merecem destaque os princípios do contraditório e da ampla defesa, previstos no art. 5º, LV, da Constituição Federal de 1988. Diz-se isso porque o acusado deve ter seus direitos resguardados, podendo se defender da acusação a ele dirigida, fazer alegações e contra alegações, produzir provas, devendo as partes serem tratadas igualitariamente no curso do processo, com as mesmas oportunidades, a garantir o equilíbrio processual.

Com a necessidade de mais eficiência na justiça penal, e a preservação de garantias fundamentais, no Brasil, da década de 1941, foi então publicado o Código de Processo Penal, ainda em vigor, transformando a fase preparatória em inquérito, o qual é presidido pelo Delegado de Polícia, representando a atuação da Polícia Judiciária, tal como previsto no art. 144 da Constituição Federal de 1988, como também no art. 4º do Código de Processo Penal, podendo a ação penal ser iniciada depois da primeira fase encerrada.

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:" (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

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[..]

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. (Redação dada pela Lei nº 9.043, de 9.5.1995)

Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função

Por outro lado, o sistema inquisitivo é o oposto do acusatório, pois o acusado de fato não tem direito à defesa, é tratado de certa forma como um objeto de investigação apenas, não tendo as garantias previstas no sistema acusatório. O sistema inquisitivo foi surgindo aos poucos, a partir do Século XII, tomando o espaço do sistema acusatório em boa parte da Europa Ocidental. E assim vigorou, por mais de seis séculos, em toda a Europa continental, perdendo suas forças com o surgimento do Iluminismo. (THUMS, 2006).

Thums (2006, p. 201) menciona o processualista José Frederico Marques (1980) ao falar da característica principal do sistema inquisitório que é “quando o juiz exerce, além da função de decidir, que lhe é própria, mais uma outra das restantes, ou na verdade, todas elas”. Tem sua origem caracterizada pela função da persecução e o julgamento serem concentradas em um mesmo órgão estatal. O tratamento dispensado ao acusado é como se fosse mero objeto da persecução penal, ao invés de sujeito de direitos, praticamente inexistindo garantias ao acusado, e o objetivo principal é a busca da verdade real.

Mas antes de analisar o atual sistema processual penal vigente no Brasil, é preciso resgatar um pouco dos antecedentes históricos de sua implantação. Como referido, o sistema inquisitorial na Europa perdurou por mais de seis séculos como forma de controle social mais eficaz, só perdeu suas forças a partir do Iluminismo, quando, mais especificamente, a partir da Revolução Francesa um novo sistema foi desenvolvido, o chamado sistema misto, a contemplar, em suas diferentes fases, características inquisitoriais e acusatórias. (THUMS, 2006).

Julio B. J. Maier (1999) citado por Thums (2006) elenca em sua obra que na França daquele período houve resistência em abolir totalmente o sistema inquisitivo, mas foi lentamente se desfazendo quando foram criadas as Ordenações de 1498, desenvolvendo-se no

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Século XIV um órgão especifico para o desencadeamento da persecução penal, vindo a se denominar mais tarde Ministério Público.

O grande marco da eliminação do sistema inquisitivo na França se deu quando as Ordenações de 1670 foram revogadas, e o objetivo era introduzir o sistema acusatório com a finalidade de apagar as marcas deixadas pelo sistema inquisitório.

Simultaneamente, difundiu-se o Direito Canônico, e iniciou-se um movimento conhecido como Inquisição do Santo Ofício, ligado a uma época de brutalidade humana. A fé em Deus era colocada acima de tudo, e milhares de pessoas foram mortas em nome da fé, transformando a Igreja Católica com grande potencial econômico. (THUMS, 2006).

Thums (2006, p. 216) classifica a Inquisição em quatro períodos, mas em sua obra cita apenas duas, que são:

[...] a) Inquisição episcopal, onde os bispos inspecionam diretamente suas dioceses na repressão à heresia [...]; b) Inquisição legatícia ou delegada, entendida como período em que a defesa da fé realiza-se por pessoas escolhidas pelo Papa [...].

A Inquisição no Brasil chega por intermédio de Portugal, mas não permaneceu o Tribunal de Inquisição. Contudo, a tradição judiciária se manteve clerical, tanto que a legislação penal em vigor previa os chamados “crimes de fé”, e muitas sentenças não eram fundamentadas nos cânones legais, e sim em mandamentos da Lei de Deus:

Para exemplificar, cita-se sentença de um juiz proferida em 1833, na cidade de Porto da Folha, em Minas Gerais, onde um homem é acusado de fazer “coxambranças” (sic) com uma mulher e acabou condenado à pena de capação a macete. Pena esta considerada cruel, eis que já não mais poderia ser aplicada segundo a Constituição Imperial vigente. Não há menção ao o nome da vitima, nem à capitulação da conduta, sendo o réu condenado segundo critério subjetivo ao do juiz por estar em pecado mortal e por ter transgredido as leis da Igreja. A sentença retrata a verbalização de um inquisidor católico, tendencioso. Mesmo havendo lei penal – Código Penal do Império de 1830 -, bem como um código de Processo Penal, o juiz não fundamenta a decisão na legislação vigente, mas apenas em mandamentos da lei de Deus. (THUMS, 2006, p. 226).

Thums (2006) menciona o quanto é perceptível que, em pleno Século XIX, a Igreja afetava as decisões perante o Judiciário brasileiro, uma vez que, mesmo já havendo a vigência

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da Constituição do Império de 25.03.1824, a qual vedou a utilização das penas cruéis, houve a condenação de um réu à pena de esmagamento dos testículos a macete, fato este imputado três anos após a vigência do Código Penal de 1830 e oito anos após a Constituição do Império de 1824 ter sido classificada como humanitária. (THUMS, 2006).

Ao se referir aos dias atuais, Thums (2006) aborda que o sistema inquisitorial original não mais existe em países civilizados, o que se preserva é o princípio fundado no poder do juiz em chegar à verdade.

Por fim, o último sistema processual previsto na doutrina é o misto, o qual é composto por características que reúnem tanto o sistema acusatório quanto o sistema inquisitivo: se refere a uma espécie de fusão dos dois princípios. Este sistema apresenta duas fases procedimentais: a fase de instrução preliminar, e a fase judicial. Na fase de instrução preliminar o juiz procede com as investigações, colhe informações necessárias, para que depois possa realizar acusação diante do tribunal competente. Já na fase judicial, existe a acusação, na qual há debate oral e público entre as partes, e a acusação é feita, em regra, pelo Ministério Público. (PAULO RANGEL, 2012).

Atualmente, alguns países adotam o sistema misto, como é o caso da França e da Espanha. A França, historicamente, foi a primeira nação a adotar este sistema, pois foi pioneira na divisão das fases de investigação e juízo, adiante influenciando outros sistemas, como o espanhol que, atualmente, prevê a existência de Juizados de Instrução, dando ao juiz poder investigatório e jurisdicional. (LOPES JR., 2012; ANDRÉ PEREIRA DE SOUZA, 2009).

Hoje, o Brasil tem como modelo constitucional o sistema acusatório, uma vez que é um Estado Democrático de Direito, sendo este sistema implantado com a Constituição Federal de 1988. Não somente houve mudanças nas regras processuais, como também em todas as normas que estruturavam e organizavam a Justiça Penal, tomando como base um princípio orientador de garantias fundamentais do cidadão, garantias estas sustentadas por princípios constitucionais:

Exemplificativamente, podem ser citadas: a restrição ao emprego da prisão provisória, que deve vincular-se aos casos de extrema e comprovada

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necessidade (a presunção de inocência parte do principio de que o acusado tem o direito de responder ao processo em liberdade); a conclusão do processo em tempo razoável, justo, nem célere demais, nem demasiadamente longo, mas com respeito às garantias essenciais de ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, evitando que o procedimento processual represente um castigo ao acusado. (THUMS, 2006, p. 250)

Além do Brasil, existem outros países que seguem o sistema acusatório, como a Itália e a Inglaterra. A Itália, em 1930, passou a respeitar princípios que estavam em harmonia com o sistema acusatório. Já a Inglaterra foi se moldando a esse sistema em meados dos séculos XV e XVI. (THUMS, 2006).

Os sistemas processuais ora mencionados, apesar de suas diferenças, têm em comum o fato de que sempre há uma fase preliminar de investigação. No Brasil, há igualmente uma fase preparatória para o processo penal, podendo ser realizada de diversas formas e por outras autoridades administrativas, a exemplo, as Comissões Parlamentares de Inquérito, o inquérito civil, o inquérito policial militar, entre outras. No entanto, no Brasil, a forma preponderante de procedimento investigatório é o inquérito policial presidido pela Polícia Civil Judiciária, Estadual ou Federal.

1.2 Sistemas de investigação preliminar

Nos sistemas processuais mencionados, é de suma importância que a investigação preliminar esteja presente em todas as etapas, pois é ela que dará a base para todo o processo que poderá seguir após esta fase, para que evitem morosidade, ou conclusão inadequada, sem resultados satisfatórios.

Em sua obra, Lopes Jr. (2005. p. 36) traz o conceito de investigação preliminar:

[...] conceituar a investigação preliminar como o conjunto de atividades realizadas concatenadamente por órgãos do Estado; a parti de uma notícia-crime ou atividade de ofício; com caráter prévio e de natureza preparatória com relação ao processo penal; que pretende averiguar a autoria e as circunstancias de um fato aparentemente delitivo, com o fim de justificar o exercício da ação penal ou arquivamento (não-processo).

A investigação preliminar tem como natureza jurídica a apreciação de suas funções, estrutura e o órgão encarregado, seus atos praticados são múltiplos, uma vez que eles podem

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ser administrativos, judiciais e até mesmo jurisdicionais, como por exemplo, quando há a intervenção do juiz decretando prisão preventiva.

É considerada como uma fase preparatória para o processo penal, sendo administrativa quando estiver a cargo de órgão estatal, não pertencendo ao Poder Judiciário, citando como exemplo, o Inquérito Policial, dirigido pela Polícia Judiciária, como um procedimento administrativo pré-processual. É preciso salientar que mesmo sendo dirigida por autoridade judiciária, não será considerada como processo.

O início pode ocorrer por oficio ou mediante notitia criminis, já que não existe o exercício da pretensão acusatória, não existem partes, apenas meros sujeitos, e o juiz instrutor tem a função de investigar, decidir e até mesmo defender. Assim sendo, é um procedimento prévio ao processo penal, com função preparatória para o devido processo, ou até mesmo o não processo.

Lopes Junior (2005, p. 60) relaciona a investigação preliminar, como se fosse um filtro processual, evitando que prosperem acusações infundadas:

A investigação preliminar não só deve excluir as provas inúteis, filtrando e deixando em evidência aqueles elementos de convicção que interessem ao julgamento da causa e que as partes devem solicitar a produção no processo, como também deve servir de filtro processual, evitando que acusações infundadas prosperem. Evidenciados os graves transtornos que pode causar um processo penal infundado, resta saber com base em que grau de convencimento deve-se operar o filtro processual.

Mesmo havendo outras formas de se fazer a investigação, direcionar-se-á aqui a abordagem que Lopes Junior (2005) refere em sua obra, que apesar dos diferentes procedimentos investigatórios, genericamente, se considerar a autoridade a presidi-los, existem três tipos de investigações preliminares, o de investigação policial, realizada pela polícia judiciária; a investigação judicial, que é dirigida pelo juiz instrutor, sendo ele a autoridade máxima; e o terceiro é o promotor investigador, o qual é presidido pelo representante do Ministério Público.

A Polícia Judiciária é a encarregada do inquérito policial e, tal como previsto no art. 144, da Constituição Federal de 1988, possui atribuição para instruir os atos que se destinam à

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investigação dos fatos como também, a suposta autoria. Da mesma forma, estabelecerá a linha de investigação a ser seguida, produzindo provas, e estabelecendo quem será ouvido, tendo sua natureza jurídica administrativa, uma vez que não detém poder jurisdicional.

É importante salientar que neste sistema a policia não é um mero auxiliar, senão o titular (verdadeiro diretor da instrução preliminar), com autonomia para dizer as formas e meios empregados na investigação e, inclusive, não se pode afirmar que exista uma subordinação funcional em relação aos juízes e promotores. (LOPES JR, 2005, p. 63, grifo do autor).

Considerando que há delegacias de polícia em praticamente todas as cidades brasileiras, e por essa presença, de certa forma, a atividade se torna mais célere e mais vantajosa, por deter do comando do órgão e da atividade, e por ser a mais econômica, pois utiliza recursos que não detém de procedimentos que visam gastos excessivos.

A possibilidade de se estar em mais áreas possíveis do país, foi um dos principais argumentos que o legislador brasileiro em 1941 usou para comprovar a necessidade de o inquérito policial permanecer como procedimento investigatório, alegando que era o modelo mais adequado para a época, visto que para os Juízes de Instrução, era mais dificultoso, dado que eram dias de viajem para chegar a povoados na época. (LOPES JR, 2005).

Outro sistema de investigação preliminar existente é o Judicial, ou chamado de Juiz Instrutor, em que exerce a autoridade máxima a ele concedida, sendo o encarregado por dar o impulso ao procedimento, desenvolvendo todo o caminho da instrução preliminar. Deve ser um sujeito imparcial, mesmo com suas funções de impulsionar e dirigir a investigação. Dotado de todos os poderes, pode realizar diligências e investigações que julgar necessárias, para chegar a elementos convictos permitindo o Ministério Público a acusar e ao Juiz Instrutor, decidir. Significativo é destacar que este sistema não vigora no Brasil.

Neste sistema não se admitem processos a iniciarem de ofício, vigorando o princípio da Oficialidade, de forma que será de iniciativa própria do Juiz Instrutor a instauração de investigação preliminar, incumbindo à Polícia Judiciária que realize as investigações, ou outras funções que vier a ser apontada para fazer, ou seja, a polícia é subordinada ao Juiz Instrutor.

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As provas não são produzidas somente na presença do juiz instrutor, como também por ele podem ser colhidas, podendo atuar de ofício, sem necessária solicitação do MP ou do acusador. Além dessa, outras medidas que podem ser determinadas de ofício pelo juiz instrutor:

a) Proceder ao interrogatório do sujeito passivo; b) Utilizar medidas cautelares pessoais ou reais; c) Conceder a liberdade provisória;

d) Designar defensor para o sujeito passivo, caso não o tenha feito; e) Realizar inspeções judiciais e ordenar perícias;

f) Proceder ao reconhecimento de pessoas e coisas, intimar e ouvir a vitima e testemunhas etc. (LOPES JR, 2005, p. 72,).

Destarte, ao tomar conhecimento da prática de um delito, o juiz iniciará o procedimento, realizando os atos necessários para apurar a materialidade e autoria do fato, podendo o MP e a defesa, pedir diligências. Em virtude de ser o Juiz Instrutor quem detém o poder para realizar todas as fases do procedimento, é ele que deverá além de iniciar, concluir a investigação.

O Juiz Instrutor é a autoridade absoluta, e deverá ser imparcial, buscando fundamentos pertinentes para a futura acusação, como também, para que sirvam de excludentes, e firmem a defesa, seu objetivo é comprovar a verdade, devendo atuar como juiz, não acusador. Nunca poderá atuar como parte, é sujeito de relação processual, tendo que se desfazer de influências que possam vir a afetar a resolução, para que seja resolvida com certeza e justiça.

A imparcialidade (terzietà) é o alheamento, um estado isenção do juiz –

estar alheio– aos interesses das partes na causa. Ao seu lado, Ferrajoli

destaca a independência, vista como a sua exterioridade ao sistema politico, num sentido mais geral, como a exterioridade a todo sistema de poderes. O juiz não tem por que ser um sujeito representativo, posto que nenhum interesse ou vontade que não seja a tutela dos direitos subjetivos lesados deve condicionar seu juízo, nem sequer o interesse da maioria, ou inclusiva da totalidade dos lesados. Ao contrário do poder executivo ou do legislativo, que não poderes de maioria, o juiz julga em nome do povo – mas não da maioria – para a tutela da liberdade das minorias. (LOPES JR, 2005, p. 74)

A problemática da imparcialidade do juiz instrutor se dá quando suas atividades e funções diversas se chocam, como investigar e julgar a mesma pessoa, arriscando contaminar o seu julgamento por atuar diretamente na investigação. Há que se dizer que a imparcialidade do juiz ordinário é mais eficaz, em razão de que só atua no processo, se mantendo inerte.

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Outra desvantagem apresentada por Lopes Jr. (2005) para este meio de investigação é a questão da estrutura, pois é inquisitiva, atribuindo a uma mesma pessoa todas as funções da evolução da investigação, o que acaba de certa forma afetando a necessária imparcialidade do julgador. Mas, por outro lado, a vantagem está na qualidade em que pode se dar o resultado, tendo em vista que encontra melhores condições de efetividade, com maior probabilidade de utilização para o que virá futuramente, sendo na acusação ou na defesa do acusado.

O sistema de investigação preliminar a cargo do Ministério Público, ou denominado Promotor Investigador, surgiu com intuito de substituir o modelo adotado anteriormente, qual seja o do Juiz Instrutor. Nesse sistema, o MP é o titular da investigação, é ele que dirige, recebendo diretamente a denúncia ou pela polícia, podendo praticar os atos que sejam necessários a elucidar os fatos, como também detém o poder de comandar a atividade da Polícia Judiciária, posteriormente decidindo se fará a acusação ou solicitará o arquivamento.

Para realizar algumas medidas que limitam direitos fundamentais, como por exemplo, busca domiciliares, o Ministério Público precisa de autorização do juiz da instrução, que não é o mesmo Juiz Instrutor, e sim atuante como o juiz das garantias, pois não participa das investigações, somente quando lhe é solicitado para um controle de justiça.

Razão favorável ao sistema de investigação a cargo do Ministério Público é a imparcialidade que lhe é inserida, pois o promotor atua como parte formal e imparcial. O seu desejo é atuar como justiça, com intenção de agir justo e legalmente. Lopes Jr. (2005, p. 91) refere em sua obra, argumento para defesa desse sistema:

Na defesa desse sistema, pode-se argumentar também que a investigação preliminar é uma atividade preparatória e de servir somente para a formação da opinio delicti por parte do titular da ação penal pública, isto é, o Ministério Público. Cumpre ao promotor, e a ninguém mais, decidir se deve ou não propor a ação penal e em que termo. Por isso, a instrução preliminar deve ser uma atividade administrativa – e não judicial – dirigida por e para o promotor.

Referido autor também traz a visão negativa desse sistema, pois cita, em sua obra, um julgamento que discutia se o Ministério Público poderia, sem autorização judicial, decretar a quebra do sigilo bancário, e um dos fundamentos usado pelo Ministro, foi justamente a falta de imparcialidade. Vejamos:

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No voto que proferi na Petição 577-DF, caso Magri, dissertei a respeito do tema (RTJ 148/366), asseverando que o direito ao sigilo bancário não é, na verdade, um direito absoluto – não há, aliás, direitos absolutos -, devendo ceder, é certo, diante do interesse público, diante do interesse social, diante do interesse da justiça, conforme, esclareça-se, tem decidido o Supremo Tribunal Federal. Todavia, deixei expresso no voto que proferi no MS 21.729-DF, por se tratar de um direito que tem status constitucional, a quebra não pode ser feita por quem não tem o dever de imparcialidade. Somente a autoridade judiciária que tem o dever de ser imparcial, por isso mesmo procederá com cautela, com prudência e com moderação, é que, provocada pelo Ministério Público, poderá autorizar a quebra do sigilo. O Ministério Público, por mais que importantes que sejam as suas funções, não tem a obrigação de ser imparcial. Sendo parte – o advogado na sociedade -, a imparcialidade lhe é inerente. Então, como poderia a parte, que tem interesse na ação, efetivar, ele próprio, a quebra de um direito inerente à privacidade, que é garantido pela constituição? Lembro-me de que, no antigo Tribunal Federal de Recursos, um dos seus mais eminentes membros costumava afirmar que “o erro do juiz o tribunal pode corrigir, mas quem corrigirá o erro do Ministério Público?” Há órgãos do Ministério Público, que agem individualmente, alguns, até, comprometidos com o poder politico. O que não poderia ocorrer, indago, com o diretor de muitos, por esses Brasis, se o direito das pessoas ao sigilo bancário pudesse ser quebrado sem maior cautela, sem interferência da autoridade judiciária, por representantes do Ministério Público, que agem individualmente, fora do devido processo legal e que não tem os seus atos controlados mediante recursos”? (LOPES JR, p. 94)

Diante disso, a alegada imparcialidade do agir ministerial, para muitos críticos, não procede, pois é parte acusadora no procedimento, não tendo argumento plausível para que seja o diretor da investigação preliminar, podendo ocasionar efeitos graves, uma vez que possa tornar a atividade tão somente voltada para a acusação.

No Brasil, a forma de investigação preliminar que prepondera é a da Policia Judiciária, a qual é encarregada pela instauração do inquérito policial, que tem o intuito de apurar fatos delituosos, e, por conseguinte, iniciar a devida ação penal.

1.3 Inquérito policial: características, finalidade e valor probatório

Como referido, no Brasil, o sistema de investigação preliminar adotado é predominantemente o da investigação policial, que tem como função precípua a instauração e realização do inquérito policial, tal como previsto na Constituição Brasileira de 1988, em seu art. 144, §4 prevê que as polícias civis, dirigidas pelos delegados de carreira, ficam incumbidas para funções de polícia judiciária, a fim de apurar infrações penais. O Inquérito

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Policial está conceituado como um conjunto de diligências que buscam apurar fatos de que comprovam a materialidade do fato.

De acordo com Antonio Scarance Fernandes (2005, p. 92) citado por Rangel (2012, p. 71), a incorporação do Inquérito Policial, se baseia nos direitos e garantias individuais.

O inquérito policial foi estruturado, no direito brasileiro, pelo Decreto nº 4.824, em 1871, fruto de uma preocupação do Estado monárquico com os direitos e garantias individuais, pois os abusos eram constantes por parte das autoridades policiais que, desde a Lei de 3 dezembro de 1841 e do Regulamento 120, de 31 de dezembro de 1842, possuíam poderes excessivos no sistema processual brasileiro.

Avena (2012) classifica as características do inquérito policial em seis: escrito, oficiosidade, oficialidade, discricionariedade, inquisitorial, e a indisponibilidade.

O procedimento do inquérito policial deve ser escrito ou datilografado, em que todos os atos praticados durante o inquérito, devem ser assim registrados, acompanhados da assinatura da autoridade, não podem se restringir à oralidade. Mantendo a eficiência da justa causa para que seja possível dar embasamento probatório. É o que refere o art. 9º, do CPP, ao prever que “todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade”.

A característica da oficiosidade pressupõe que a autoridade policial, ao ter conhecimento de um fato possivelmente delitivo, deverá instaurar de ofício o inquérito policial, ressalvadas hipóteses de ação penal pública condicionada à representação e a ação penal privada. É resultado do próprio princípio da obrigatoriedade.

A oficialidade pressupõe que a investigação preliminar deve ser realizada por órgãos oficiais, não podendo ser instaurada por particulares, mesmo quando o fato a ser investigado seja de ação penal pública condicionada à representação, ou privada, conforme prevê o art. 144, da Constituição Federal de 1988 e, em especial, o §4º, o qual refere que as apurações de infrações penais, quando não for militar, serão incumbidas para as polícias civis dirigidas por delegados de polícia, operando as funções de polícia judiciária.

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Quanto à característica da discricionariedade, tem-se que o delegado de polícia pode definir e determinar as diligências que achar necessárias para elucidação dos fatos, e, nesse aspecto, possui liberdade para decidir. Porém, quando houver diligências investigatórias que violem ou afetem direitos fundamentais, como, por exemplo, a quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico entre outros, deverá providenciar ordem judicial para tal ato. A discricionariedade não é a mesma coisa que a obrigatoriedade, uma vez que esta está ligada a instauração do Inquérito Policial e a outra relacionada às diligências.

É inquisitorial, pois seu procedimento é inquisitivo, uma vez que nele não estão presentes as garantias do contraditório e da ampla defesa, seu objetivo é a busca de elementos que sejam necessários para subsidiar o oferecimento da denúncia ou da queixa-crime.

Embora seja inquisitivo o inquérito policial, nada impede que a vitima ou o indiciado requeiram a realização de uma diligência que julguem ser necessária para resguardar algum direito; contudo, a realização dela dependerá do juízo de valor a ser feito pela autoridade policial, tendo em vista o poder discricionário que lhe é conferido no Investigatório (CPP, art. 14). Tocantemente à perícia de exame de corpo de delito, já não há discricionariedade, por parte da autoridade policial, em determinar ou não a sua realização. Trata-se de perícia obrigatória, e por isso mesmo deve ser determinada de ofício, e, caso não seja, pode a vítima ou o indiciado não requerer, e sim exigir a sua elaboração, conforme art. 184 do Código de Processo Penal. (HIDEJALMA MUCCIO, 2009, p. 41).

O inquérito policial é indisponível, em razão de que depois que for instaurado, não poderá a autoridade policial, decretar o arquivamento sem que esteja concluído. Encontra seu embasamento no art. 7º do CPP, onde diz que “A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito”.

A jurisprudência prolatada pela 6ª Câmara Criminal do Superior Tribunal traz presente a característica do inquérito policial ser indisponível:

APELAÇÃO CRIME. RECEPTAÇÃO. PRELIMINAR DE NULIDADE DO AUTO DE AVALIAÇÃO. AFASTADA.O auto de avaliação é uma perícia simples, objetivando apenas indicar o valor de mercado dos bens subtraídos. Portanto, torna-se dispensável a comprovação da capacidade técnica dos peritos, podendo ser realizada, inclusive, por policiais civis. PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO DIANTE DO PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO QUANTO AO DELITO PREVISTO NO ARTIGO 309 DO CTB. AFASTADA. Tratando-se de delito (artigo 309 do CTB) processado em

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penal havendo indícios de autoria e prova da materialidade, em face do Princípio da Obrigatoriedade, e dela não pode desistir pelo Princípio da indisponibilidade. No caso em tela, o Ministério Público,

com base no inquérito policial, denunciou Marlon como incurso nos delitos do artigo 180 do Código Penal e artigo 309 do CTB. Porém, após a instrução probatória, requereu a absolvição do artigo 309 do CTB, por entender não ter sido comprovado em juízo o elemento do tipo penal, correspondente à condução de veículo de forma perigosa, tese esta acolhida pela magistrada. Assim, não há falar em inexistência de acusação, mas de pedido de absolvição por insuficiência probatória, de... modo que rejeitada a preliminar. MÉRITO. CONSCIÊNCIA DA PROVENIÊNCIA ILÍCITA

DO BEM. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA

DEMONSTRADA PELO CONJUNTO PROBATÓRIO. O acusado foi abordado pela polícia quando conduzia o caminhão furtado, não comprovando a origem lícita, sendo que sequer possuía habilitação para condução ou as chaves o veículo, ligado com um alicate. TESTEMUNHO DO POLICIAL. VALOR PROBANTE. Não há razão para se desmerecer seu testemunho, tão somente, por sua condição de policial, sobretudo se levado em conta que é o Estado quem lhe confere a autoridade e o dever de prender e combater a criminalidade. Seria um contrassenso credenciá-lo como agente público e, depois, não aceitar seu testemunho como meio de prova. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. Pena-base mantida no mínimo legal. REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA. Mantido o regime aberto, com base no artigo 33, § 2º, c, do Código Penal. PENA DE MULTA. Manutenção da sentença que impôs pena pecuniária no mínimo legal. SUBSTITUIÇÃO. Viável a substituição da pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos (artigo 44 do Código Penal), consistente em prestação de serviços à comunidade. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO DESPROVIDA. (RIO GRANDE DO SUL, 2018). (Grifo nosso)

Embora o autor citado não tenha apresentado o sigilo como uma das características do inquérito policial, está presente na maioria de outras doutrinas renomadas, como na obra de Muccio (2009, p. 35), ao referir que “[...] a ação investigatória para que tenha sucesso, não pode sofrer qualquer ingerência do autor da infração penal, seja por si ou por seus pares, inclusive parentes [...]”.

É o que dispõe o art. 20, do Código de Processo Penal, ao referir que: “A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”.

Embora a Súmula 14 do STF observe o direito do defensor em ter acesso amplo a documentos já contidos no procedimento investigatório, observa-se que a Lei n.º 8.906/1994 não prevê que o advogado possa intervir na investigação, como aborda Rangel (2012, p. 92):

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O caráter da inquisitoriedade veda qualquer intromissão do advogado no curso do inquérito. A consulta aos autos (cf. art. 7º, XIV, da Lei nº 8.906/1994) é para melhor se preparar para eventual acusação feita na ação penal ou, se for o caso, para adoção de qualquer providência judicial visando resguardar direito de liberdade. Jamais para se intrometer no curso das investigações que estão sendo realizadas em faze de um fato que é indigitado a seu cliente e não imputado.

Fernando da Costa Tourinho Filho (2003, p. 192), ao abordar a finalidade do inquérito policial, refere que sua existência se justifica pela necessidade de apurar, preliminarmente, informações necessárias a justificar uma acusação formal, a impulsionar a ação penal:

[...] há de se concluir que o inquérito visa à apuração da existência de infração penal e à respectiva autoria, a fim de que o titular da ação penal disponha de elementos que o autorizem a promovê-la. Apurar a infração penal é colher informações a respeito do fato criminoso. Para tanto, a Policia Civil desenvolve laboriosa atividade, ouvindo testemunhas que presenciaram o fato ou que dele tiveram conhecimento por ouvirem a outrem, tomando declarações da vítima, procedendo a exames de corpo de delito, exames de instrumento do crime, determinando buscas e apreensões, acareações, reconhecimentos, ouvindo o indiciado, colhendo informações sobre todas as circunstancias que circunvolveram o fato tido como delituoso, buscando tudo, enfim, que possa influir no esclarecimento do fato. Apurar a autoria significa que a Autoridade Policial deve desenvolver a necessária atividade visando descobrir, conhecer o verdadeiro autor do fato infringente da norma, porquanto, não se sabendo quem o teria cometido, não se poderá promover a ação penal.

O valor probatório do inquérito policial é relativo, uma vez que não há necessária observância das garantias constitucionais que devem nortear a instrução criminal, e as informações que forem nele obtidas, deverão ser confirmadas pelas provas que serão produzidas em juízo, com a observância do devido processo legal, com direito ao contraditório e ampla defesa, tal como previsto no art. 155, caput, 1ª parte do CPP, o qual diz “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação.”

Importante salientar que existe jurisprudência no sentido de que há aproveitamento de informações colhidas na fase investigatória, tal como se extrai da ementa que segue colacionada, prolatada pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO LIMINAR. WRIT IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO

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CABÍVEL. CONDENAÇÃO BASEADA EM PROVAS COLHIDAS NO INQUÉRITO POLICIAL. DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO DE EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO PARA O CRIME DE

QUADRILHA. COMPENSAÇÃO DA AGRAVANTE DA

REINCIDÊNCIA COM A ATENUANTE DA CONFISSÃO. MATÉRIAS NÃO APRECIADAS NO ACÓRDÃO IMPUGNADO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 1. A via eleita revela-se inadequada para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal conhecimento. Precedentes. 2. As alegações de que a condenação do paciente estaria baseada em provas produzidas exclusivamente na fase extrajudicial, de que o delito de extorsão mediante sequestro deveria ser desclassificado para o de quadrilha, e de que a atenuante da confissão espontânea deveria ser compensada com a agravante da reincidência não foram alvo de deliberação pela Corte Estadual no aresto impugnado, circunstância que impede qualquer manifestação deste Sodalício sobre os tópicos, sob pena de se configurar a prestação jurisdicional em indevida supressão de instância. Precedentes. RECONHECIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. NECESSIDADE DE

REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA

FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO

MANDAMUS. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. ÉDITO REPRESSIVO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. COAÇÃO ILEGAL NÃO CONFIGURADA. 1. A pretensão de reconhecimento da participação de menor importância do paciente é questão que demanda aprofundada análise do conjunto probatório produzido em juízo, providência vedada na via estreita do remédio constitucional, em razão do seu rito célere e desprovido de dilação probatória. 2. No processo penal brasileiro, vigora o princípio do livre convencimento motivado, em que o julgador, desde que de forma fundamentada, pode decidir pela condenação, não se admitindo no âmbito do habeas corpus a reanálise dos motivos pelos quais a instância ordinária formou convicção pela prolação de decisão repressiva em desfavor do acusado. 3. Agravo regimental desprovido. (RIO GRANDE DO SUL, 2018).

Embora o inquérito policial não seja obrigatório para antes do processo penal, e além de haver uma diminuição em relação a sua relevância, é importante para a persecução penal, uma vez que é a base, pois é a partir dele que se inicia a ação penal. E, quando bem feito pela Polícia Judiciária, leva a um devido processo legal, provando e auxiliando em busca da verdade, a fim de evitar uma acusação formal, sem justa causa, ou seja, sem um mínimo de informações acerca da materialidade e da autoria delitiva, ainda que na esfera da probabilidade.

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2 INQUÉRITO POLICIAL: DA INQUISITORIEDADE AO PROJETO DE REFORMA DO CPP

No presente capítulo será abordada a importância do papel do inquérito policial frente à persecução penal, ressaltando pontos positivos, como também abordando o procedimento realizado no decorrer do inquérito até o momento da propositura da ação. Posteriormente será abordada a característica inquisitiva do inquérito policial e sua inadequação com os princípios constitucionais e o sistema acusatório de garantias, enfatizando a necessária aplicação dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa.

Por fim, serão tratados os pontos importantes sobre o referido inquérito policial mediante o Projeto de Lei 8.045/10 que prevê a reforma do Código de Processo Penal vigente, analisando a sua adequação ou não aos princípios constitucionais necessários para efetividade de um Estado Democrático de Direito.

2.1 Inquérito policial e seu papel na persecução penal

A persecução penal é definida por um conjunto de atividades investigatórias, buscando informações e provas acerca da materialidade do fato e da autoria delitiva no âmbito do processo penal. É constituída por duas fases: a primeira é a fase pré-processual ou fase investigativa, e a segunda fase que diz respeito à fase processual em si, a instrução criminal, a exteriorizar o curso da ação penal, que somente existirá quando houver propositura de denúncia ou de queixa-crime.

Para Lopes Junior (2005) há uma ligação entre Direito Penal e o processo penal, partindo de um Direito Penal mínimo para um processo penal garantista. Cabendo ao Estado, o dever de proteger a comunidade, como também o delinquente de maneira a buscar o bem comum, surgindo o processo judicial.

À medida que o Estado se fortalece, consciente dos perigos que encerra a autodefesa, assumirá o monopólio da justiça, produzindo-se não só a revisão da natureza contratual do processo, senão a proibição expressa para os particulares de tomarem a justiça por suas próprias mãos. Frente à violação de um bem juridicamente protegido, não cabe outra atividade que não a invocação da devida tutela jurisdicional. Impõe-se a necessária utilização da estrutura preestabelecida pelo Estado – o processo judicial – em que,

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mediante a atuação de um terceiro imparcial, cuja designação não corresponde à vontade das partes e resulta da imposição da estrutura institucional, será solucionado o conflito e sancionado o autor. O processo, como instituição estatal, é a única estrutura que se reconhece como legítima para a imposição da pena. (LOPES JUNIOR, 2005, p.3)

Tourinho Filho (2003, p. 186) citando o autor Sabatini (1939), que aborda acerca do titular direito de punir pertence ao Estado Soberano, devendo o Estado-Administração levar a notícia de um fato aparentemente delitivo ao Estado-Juiz para que faça a análise da procedência ou improcedência do pedido de condenação ínsito na inicial acusatória:

O Estado, para tanto, desenvolve intensa atividade que se denomina

persecutio criminis in judicio, por meio do órgão do Ministério Público, por

ele criado para, preferentemente, exercer tal função, personificando o interesse da sociedade na repressão às infrações penais. Assim, é o órgão do Ministério Publico quem leva ao conhecimento do Juiz, por meio de denúncia, o fato que se reveste de aparência delituosa, apontando o seu autor, a fim de que o Juiz possa verificar “se ricorrano Le condizioni di

legge per condennarlo o per assoverlo”.

Como abordado, a fase pré-processual predominante no Brasil consiste na investigação preliminar realizada pela Polícia Judiciária, no caso, o inquérito policial. Trata-se de um procedimento investigatório, administrativo e tão só informativo, composto por uma sequência de diligências, prezando pela busca da verdade sobre o fato delituoso e o autor do mesmo, colhendo informações que justifiquem a justa causa para que haja o devido processo penal, ou para que se arquive e não se prossiga com a persecução penal.

Quando finda a investigação, o delegado que a preside elabora um relatório, informando as principais diligências realizadas, e seus resultados, emitindo um parecer no sentido de justificar ou não o indiciamento. Posteriormente, envia o relatado, com os autos do inquérito, ao Poder Judiciário, a fim de que sejam dadas vistas dos autos ao Ministério Público, que em seguida deverá se posicionar sobre o caso concreto, no sentido de, em essência, verificar se há ou não justa causa para a ação penal. Em havendo, oferecerá denúncia.

Nesse sentido, Tourinho Filho (2003, p. 192) apresenta algumas possibilidades, como:

A de dar início a ação penal com o oferecimento da denúncia; requerer o arquivamento por não constituir crime ou por ser desconhecido o autor; ou encaminhar novamente para Policia Judiciária, julgando necessário o

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cumprimento de outras diligências fundamentais para o oferecimento da denúncia.

Acerca do tema, cita-se o previsto no Código de Processo Penal: “Art. 16. O Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia.”

Em hipótese alguma o delegado de polícia poderá requer o arquivamento do inquérito policial, tampouco arquivá-lo de ofício, face ao princípio da indisponibilidade, previsto no art. 17 do CPP. Esse procedimento cabe ao Ministério Público que fará o requerimento de arquivamento do inquérito, encaminhando para o juiz, que decidirá sobre o arquivamento. Caso não concorde, remeterá os autos ao Procurador Geral da República, se este concordar com o juiz ao não arquivamento, não poderá oferecer a denúncia, mas designará um promotor ou procurador para que o faça, nos termos do disposto no art. 28 do CPP.

Veja-se que tão logo arquivado, somente poderá ser reaberto o inquérito policial mediante novas provas, conforme a Súmula 524 do STF: “Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, em requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas.” Nesse sentido, também o art. 18, do CPP: “Art. 18. Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia”.

É de anos que vem se estruturando a importância do inquérito policial como fase pré-processual. Seu crescimento toma um rumo de procedimento central e essencial para que seja uma ferramenta de proteção aos direitos fundamentais do indivíduo, pois, em casos possíveis, preserva a liberdade do indivíduo. Porém, não evita custos desnecessários, uma vez que, ao se prosseguir com a denúncia e consequentemente a ação, as informações alcançadas no inquérito não poderão ser usadas exclusivamente para fundamentar a decisão final, tendo que ser obtidas as provas curso do processo, fazendo com que se intensifique os custos.

Lopes Junior (2005, p. 44-51) afirma que o fundamento da existência da investigação preliminar é a instrumentalidade garantista, trazendo também três justificativas, quais seja, a busca do fato oculto, a salvaguarda da sociedade, em que ressalta sua função simbólica, de caráter sociológico, e de evitar uma acusação infundada, servindo de “filtro processual”:

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O ponto de partida da investigação preliminar é a notitia criminis e, por consequência, o fumus commissi delicti. Essa conduta delitiva é, geralmente, praticada de forma dissimulada, oculta, de índole secreta, basicamente por dois motivos: para não frustrar os próprios fins do crime e para evitar a pena como efeito jurídico. (...).

A investigação preliminar também atende a uma função de natureza sociológica ao assegurar a paz e a tranqüilidade social, pela certeza de que todas as condutas possivelmente delitivas serão objeto de investigação, Essa garantia, de que não existirá impunidade, manifesta-se também através da imediata atividade persecutória estatal. (...).

A função de filtro processual contra acusações infundadas incumbe, especialmente, à chamada fase intermediária, que serve como elo de ligação entre a investigação preliminar e o processo ou o não-processo. Sem embargo, esse é apenas um momento procedimental em que se realiza um juízo de valor, mais especificadamente, de pré-admissibilidade da acusação, com base na atividade desenvolvida anteriormente e no material recolhido. É inegável que o êxito da fase intermediária depende inteiramente da atividade preliminar, de modo que transferimos a ela o verdadeiro papel de evitar acusações infundadas.

Não há suspeitas de que a instauração do inquérito assume um sentido significante na persecução penal, se torna um procedimento a possibilitar a celeridade da persecução, uma vez que o Ministério Público pode propor ação penal sem que tenha havido o inquérito policial, porém na maioria das vezes não abre mão dessa fase preliminar.

Luiz Gonzaga da Silva Neto (2015), atenta para o equívoco que é iniciar a acusação e posteriormente investigar e julgar, pois o começo da persecução não deve ser feita de forma desajeitada, reconhecendo o quão é significativa à atribuição do procedimento administrativo preliminar preparatório, que é o Inquérito Policial.

Na decisão prolatada a seguir pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, pode ser verificado o quão o inquérito policial e a ação penal andam juntas, somando a importância de ambas para a persecução penal:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 2º, §1º, DA LEI N. 12.850/13. CONDUTA DELITUOSA DE OBSTRUÇÃO DA PERSECUÇÃO CRIMINAL QUE ABRANGE O INQUÉRITO POLICIAL E A AÇÃO PENAL. ABSOLVIÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA QUANTO AO CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PENDÊNCIA

DO RECURSO DE APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

ESTADUAL. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO. 1. A tese de que a investigação criminal descrita no art. 2º, § 1º, da Lei n. 12.850/13 cinge-se à fase do inquérito, não deve prosperar, eis que as investigações se prolongam durante toda a persecução criminal, que abarca tanto o inquérito policial quanto a ação penal deflagrada pelo recebimento da denúncia. Com efeito,

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não havendo o legislador inserido no tipo a expressão estrita "inquérito policial", compreende-se ter conferido à investigação de infração penal o sentido de persecução penal, até porque carece de razoabilidade punir mais severamente a obstrução das investigações do inquérito do que a obstrução da ação penal. Ademais, sabe-se que muitas diligências realizadas no âmbito policial possuem o contraditório diferido, de tal sorte que não é possível tratar inquérito e ação penal como dois momentos absolutamente independentes da persecução penal. 2. No que diz respeito à absolvição dos réus em primeira instância na ação penal que apura a denúncia de organização criminosa, referida circunstância não tem o condão de determinar o prematuro trancamento da ação penal de obstrução da persecução penal em face de organização criminosa. Na espécie, tendo sido interposto recurso ministerial em face da absolvição quanto ao crime de organização criminosa, é certo que o Tribunal Estadual pode, na apelação, analisar todo o arcabouço probatório para manter ou não a decisão do Juízo de Primeiro Grau. Recurso ordinário em habeas corpus ao qual se nega provimento. (BRASIL, 2018)

É sabido que os elementos colhidos nos autos do inquérito são vistos de forma meramente informativa, são apenas atos de investigação. Porém, salienta Lopes Junior (2012, p. 332) que apesar do cunho informativo, os atos produzidos no inquérito servem de base para restringir a liberdade pessoal, e a disponibilidade de bens. Como exemplo pode-se citar a constrição à liberdade pessoal através de prisões cautelares, e a indisponibilidade de bens, sendo medidas cautelares reais, como o arresto ou o sequestro de bens.

Referido autor (2012, p. 337) faz uma análise do artigo 155 do CPP, demonstrando que há uma falha no artigo, a qual dá possibilidade de o juiz fundamentar sua decisão complementando as provas judiciais com as do inquérito. No momento em que usa a palavra “exclusivamente”, o legislador dá a entender que o julgador não pode utilizar apenas as provas do inquérito para fundamentar sua decisão, mas não trata da impossibilidade de acrescentá-las de forma relacionada com as provas do processo. Vejamos o art. 155 do CPP:

Art.155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.

Em artigo construído em conjunto por, Ignácio Luiz Gomes de Barros Junior (2016) e Renato Lopes Costa (2016), destacam a importância do inquérito policial:

Referências

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