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Uma contribuição à crítica da discussão da pobreza no Brasil (2003-2013) : qualidade do emprego e do salário

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JAIME ERNESTO WINTER HUGHES LEON

Uma contribuição à crítica da discussão da pobreza no Brasil

(2003-2013): qualidade do emprego e do salário

Campinas

2015

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iii

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

JAIME ERNESTO WINTER HUGHES LEON

Uma contribuição à crítica da discussão da pobreza no

Brasil (2003-2013): qualidade do emprego e do salário

Prof. Dr. Plinio Soares de Arruda Sampaio Junior – Orientador

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestre em Ciências Econômicas.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO JAIME ERNESTO WINTER HUGHES LEON E ORIENTADA PELO PROF. DR. PLINIO SOARES DE ARRUDA SAMPAIO JUNIOR.

_______________________________ Orientador

CAMPINAS 2015

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v

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

JAIME ERNESTO WINTER HUGHES LEON

Uma contribuição à crítica da discussão da pobreza no Brasil

(2003-2013): qualidade do emprego e do salário

Defendida em 30/01/2015

COMISSÃO JULGADORA

PROF. DR. PLINIO SOARES DE ARRUDA SAMPAIO JUNIOR

Instituto de Economia / UNICAMP

PROF. DR. BRUNO MARTARELLO DE CONTI

Instituto de Economia / UNICAMP

PROFA. DRA. MARIA MELLO DE MALTA

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vii

Resumo

A pobreza é um fenômeno multidimensional do capitalismo discutido sob diversos pontos de vista. Rejeita-se a caracterização deste problema como pura insuficiência de renda. Nesta dissertação, ela é vista como derivada da luta de classes e expressa num intenso desequilíbrio na relação de forças entre o "capital" e o "trabalho" (além disso, no Brasil, é gerada pela especificidade do processo de formação da sociedade brasileira), o qual determina o padrão tradicional de vida da massa trabalhadora. Em particular, é entendido que, no Brasil, além de influenciada pelo processo acumulativo, esta falta de equilíbrio solapa o nível de vida dos trabalhadores, uma vez que suas raízes remontam aos resquícios de seu passado colonial, quando as condições de vida do escravo eram subhumanas. Atualmente, discute-se se houve um ponto de inflexão definitivo nos fatores que determinam a pobreza no mercado de trabalho, a partir de 2003. Escolheu-se uma determinada perspectiva a fim de se alcançar o objetivo do trabalho: elaborar uma contribuição à crítica da reflexão da pobreza desde uma análise empírica sobre a qualidade dos empregos e salários. A hipótese que permeia esta dissertação formula a ideia de que as mudanças no mercado de trabalho fazem parte de uma nova rodada, conjuntural, do ciclo de modernização dos padrões consumo, em vez de uma mudança estrutural e auto-sustentada. A especificidade do dilema da pobreza no Brasil, fruto da heterogeneidade estrutural e da posição periférica do Brasil na divisão internacional do trabalho, deve ser buscada nas raízes do processo de formação econômica e social que ainda está em curso. Utilizou-se as contribuições de Celso Furtado e Caio Prado Jr. para tanto. A discussão recente acerca da pobreza foi segmentada entre

i) as reflexões do "social-desenvolvimentismo", que tratam da volta da homogeneização social

combinada à retomada do crescimento econômico; e ii) as críticas do "modelo liberal periférico" e da perspectiva da "formação", que enxergam problemas estruturais não solucionados. Os dados sobre os rendimentos e os tipos de emprego predominantes no período 2003-2013 foram apresentados de forma a apontar que as melhoras recentes devem ser relativizadas, pois não há indícios de que a tese social-desenvolvimentista de "crescimento com equidade" se sustente permanentemente daqui em diante, uma vez que a segregação social e a dependência externa prosseguem como marcas estruturais da economia brasileira.

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ix

Abstract

The poverty is a multidimensional phenomenon of capitalism which is discussed under differents points of view. The caracterization of this problem as mere lack of income is rejected here. In this dissertation, it is seen as derived from the class struggle and expressed as an intense unbalance in the relationship between the forces "capital" and "labor" (in addition to that, in Brazil, it is generated by the specificity of the formation of the brazilian society), that determines the traditional standard of living of the working mass. In particular, it is understood that, in Brazil, beyond the influence of the cumulative process, this lack of balance undermines the standard of living of the workers, once its roots are to be found in its colonial past, when the living conditions of ths slave were subhumans. Nowadays, it is debated whether there has been a turning point in the determinants of poverty in the labor market or not, since 2003. A specific point of view was assumed in order to reaching the main goal of this dissertation: to elaborate a contribution towards the review of the poverty discussion from an empirical analysis on the quality of labor and wages

.

The present hypothesis of this research formulates the idea that the changes that have been seen in the labor market are part of a new, cyclical, round of modernization of the consumption patterns, instead of a structural and self-sustained transformation. The specificity of the poverty dilemma in Brazil, an outcome of the structural heterogeneity and the peripheral position in the international division of labor, must be looked for on the grounds of the economic and social formation, which still takes place. It was used the contributions of Celso Furtado and Caio Prado Jr. for such an effort. The recent discussion on poverty was divided between, on one side, the thoughts of the so called "social-developmentism", that combines economic growth and social homogenization; and, on the other side, the reviews of the "liberal-peripheric model" and the review of the "formation" outlook, both point out structural problems which are not solved. The data about wages and kind of employment between 2003-2013 were introduced so that the recent improvements can be relativized, once there is no evidence that the social-developmentist thesis of "growth with equity" sustains itself permanently henceforth, once the social segregation and external depedency remains as structural features of the brazilian economy.

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xi

Sumário

Resumo ... vii Abstract ... ix Sumário ... xi Agradecimentos ... xv

Lista de figuras e gráficos ... xvii

Lista de tabelas ... xix

Lista de Abreviaturas ... xxi

I - Introdução ... 1

II - Breves notas contextualizatórias ... 9

II.1- Sobre a formação nacional ... 9

II.2 - Sobre a questão social ... 13

Capítulo 1 - Pobreza: dilema de acumulação capitalista e formação nacional ... 19

1. Introdução ... 19

2 - A perspectiva da lei geral de acumulação capitalista ... 20

2.1- A interação entre capital e trabalho ... 21

2.2 A imagem da pobreza como reflexo da riqueza... 22

3 - A especificidade das causas da pobreza e da desigualdade na ótica da formação26 3.1 - Caio Prado Júnior ... 27

3.1.1 - A grande exploração rural ... 28

3.1.2 - Pobreza ... 30

3.1.3 - O capital internacional ... 32

3.2 - Celso Furtado ... 35

3.2.1 - Desemprego Estrutural... 36

3.2.2 - Subdesenvolvimento ... 38

3.2.3 - Modernização dos padrões de consumo ... 40

4 - Considerações finais ... 42

Capítulo 2 - A discussão sobre pobreza no período 2003-2013 ... 45

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xii

2 - Amartya Sen e as propostas do Banco Mundial para a América Latina ... 47

3 - Interpretação atual do que seja a pobreza no Brasil: um apêndice do debate interno sobre estratégias de desenvolvimento ... 49

3.1 - O social-desenvolvimentismo... 50

3.1.1 - A "nova classe média" brasileira ... 53

3.2 - A visão crítica ao social-desenvolvimentismo ... 56

3.2.1 - O modelo liberal periférico ... 56

3.2.2 - Neodesenvolvimentismo como um ciclo de crescimento orientado pela modernização dos padrões de consumo ... 58

4 - Considerações finais ... 63

Capítulo 3 - Contribuição à critica: evidências de pobreza (2003-2013) desde o mercado de trabalho ... 65

1 - Introdução ... 65

2 - Heterogeneidade estrutural e subemprego ... 67

3 - Contribuição à crítica da discussão sobre pobreza no Brasil (2003-2013): salários e emprego ... 69

3.1 - Remuneração do trabalho ... 69

Tabela 1: Evolução dos salário mínimo nominal, salário mínimo necessário e rendimento médio efetivamente recebido no trabalho principal ... 70

3.2 Subemprego ... 78

Tabela 2 - Participação dos empregados sem carteira assinada na ocupação total por região metropolitana (%) ... 80

Tabela 3 - Evolução da taxa de desemprego pelo mundo (%) ... 81

Tabela 4 - Criação de empregos no setor formal por faixa salarial (CAGED) ... 82

Tabela 5 - Brasil: Evolução da composição ocupacional (1970-2013) ... 83

Tabela 6 - Componentes da ocupação total e setorial (%) ... 85

Tabela 7 - Distribuição do subemprego, segundo critério selecionado ... 86

Tabela 8 - Componentes da ocupação total e setorial (%) ... 86

4 - Considerações finais ... 86

III - Conclusão ... 89

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xiii

Anexo ao capítulo 2: A multidimensionalidade da pobreza: algumas noções do fenômeno ... 93

Tabela 9 - Indicadores de extrema pobreza segundo ótica multidimensional das famílias com renda per capita inferior a R$ a 70,00 ... 102

Anexo ao capítulo 3: dados complementares... 103

Tabela 10 - Rendimentos médios reais efetivamente recebidos por posição na ocupação (reais de novembro de 2013) ... 106

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xv

Agradecimentos

Agradeço aos meus pais Jaime e Marília, por terem me proporcionado todas as oportunidades que já tive e pelo apoio incondicional; aos meus irmãos Clara, Isabel e Alexandre, por me aturarem; ao meu querido afilhado e sobrinho Bernardo, que tornou os meus dias mais alegres; a sua mãe Nathália; à Dona Dedé; e à Lilica e ao Tobias, meus estimados cães.

Cumprimento também meus colegas de mestrado, em especial, Luma, para quem dediquei a maior parte do meu tempo e atenção no último par de anos, suas reflexões foram exemplos para mim; Jean, com quem dividi casa e conversas sobre a jornada de superação do subdesenvolvimento; Maurício e Tatiana, que passaram pela mesma trilha que eu durante os últimos três anos e para com quem tenho uma grande dívida pela ajuda que me ofereceram na reta final de elaboração do trabalho; Camila e Nicholas, casal muito querido e presente na minha estadia em Campinas.

Agradeço, fraternalmente, ao meu orientador Plínio Sampaio Jr., por ter me apresentado uma visão de mundo que eu, até então, ignorava e que será fundamental para mim daqui em diante. Suas aulas e ponderações abriram horizontes que fico grato de poder enxergar e espero poder seguir durante toda minha vida como economista e como cidadão.

A participação no grupo de estudos Florestan Fernandes (GEFF) é essencial para minha formação, aprendi muito com os "veteranos" João Paulo; FH e Henrique; e também com os mais jovens Leandrão e Artur. Absorvi bastante dos seus trabalhos e dos outros colegas participantes: Rebeca; Daniel; Felipe; Sarah; Zullo e os novos integrantes. Agradeço ao professor Maurício Serra, com quem tive minha primeira experiência docente no "PED" de Desenvolvimento Econômico.

Agradeço à banca examinadora; à Unicamp, pela infraestrutura; aos professores e demais funcionários, em especial, os da biblioteca com quem tive contato diário: Clayton, Kelly, Lourdes etc. e ao CNPq que me suportou por dois anos.

Não posso deixar de agradecer aos colegas do "futebol econômico": Victor; Marchetto; Miguel ("potcha vida"); Lucas; Fabio etc. Tomei e dei dribles que ficarão na memória. Recordo também outros amigos da Unicamp: Carlos; Saulo; Morato; Fernando; Mendinho; Lídia; Ítalo; Nathy; Danilo; Daniel; e, por fim, Stellinha e Thiagão. Devo um "obrigado" há vários outros colegas de Campinas, como ao Erik, professor de alemão e amigo, com quem ri bastante.

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xvi

Um abraço para todos os "Amigos do Valdeco", meus melhores amigos, que me fazem rir todos os dias há pelo menos dez anos: Robinho; Patrick; Guti e Anna; Zelda; Livia; Roddy; Bebel; Pedro; Vinição; Vitão; Norberto; Valderrama; Íris e Chrys; Leitoa; Rômulo; Fernando; Gabriel; Rute; Amália; Juliana; Marola; Robsão; Addor e Iskin. Agradeço também aos meus patos Stefan e Rodrigo; ao meu amigo Márcio, colega economista com quem sempre dou risadas, e ao meu amigo, dos tempos de CATE, Alexandre.

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xvii

Lista de figuras e gráficos

Figura 1 - Ideia do trabalho ... 7

Figura 2 - Delimitação da pergunta-chave para a pesquisa empírica ... 8

Gráfico 1 - Projeção para o salário médio ao redor do mundo com paridade do poder de compra (US$ de março de 2012), países selecionados ... 72

Gráfico 2 - Evolução 2003-2013 Salário mínimo real x PIB per capita (2003 = 100). Reais de 2014 ... 73

Gráfico 3 - Evolução do salário mínimo real 2003-2013 (reais de abril de 2014) ... 74

Gráfico 4 - Evolução do Salário mínimo real x PIB per capita (1940 = 100) . ... 76

Gráfico 5 - Distribuição funcional da renda 2003-2013 ... 78

Gráfico 6 - Evolução da taxa de desocupação 2003-2013... 78

Gráfico 7 - Evolução do salário mínimo real (1940-2013), a preços de janeiro de 2013103 Gráfico 8 - Distribuição funcional da renda sob a ótica da renda nacional disponível bruta (1970-1999) ... 104

Gráfico 9 - Proporção de trabalhadores que trabalham mais do que a jornada de trabalho legal em São Paulo ... 105

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Lista de tabelas

Tabela 1: Evolução dos salário mínimo nominal, salário mínimo necessário e rendimento médio

efetivamente recebido no trabalho principal...70

Tabela 2 - Participação dos empregados sem carteira assinada na ocupação total por região metropolitana (%)...80

Tabela 3 - Evolução da taxa de desemprego pelo mundo (%)...81

Tabela 4 - Criação de empregos no setor formal por faixa salarial (CAGED)...82

Tabela 5 - Brasil: Evolução da composição ocupacional (1970-2013)...83

Tabela 6 - Componentes da ocupação total e setorial (%)...85

Tabela 7 - Distribuição do subemprego, segundo critério selecionado...86

Tabela 8 - Componentes da ocupação total e setorial (%)...86

Tabela 9 - Indicadores de extrema pobreza segundo ótica multidimensional das famílias com renda per capita inferior a R$ a 70,00...102

Tabela 10 - Rendimentos médios reais efetivamente recebidos por posição na ocupação (reais de novembro de 2013)...106

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Lista de Abreviaturas

BB - Banco do Brasil

BBC - British broadcasting corporation BH - Belo Horizonte

BNDES - Banco nacional do desenvolvimento BPC - Benefício de prestação continuada BSM - Brasil sem miséria

CAGED - Cadastro geral dos empregados e desempregados CEF - Caixa econômica federal

CLT - Consolidação das leis do trabalho

DIEESE - Departamento intersindical de estatística e estudos socioeconômicos E.U.A. - Estados Unidos da América

FMI - Fundo Monetário Internacional

IBGE - Instituto brasileiro de geografia e estatística ICV - Índice de custo de vida

IETS - Instituto de estudos do trabalho e sociedade INPC - Índice nacional de preços ao consumidor IPEA - Instituto de pesquisa econômica aplicada ISI - Industrialização por substituição de importações

OCDE - Organização para a cooperação e desenvolvimento econômico OIT - Organização internacional do trabalho

PA - Porto Alegre

PAC - Programa de aceleração do crescimento PEA - População economicamente ativa PED - Pesquisa de emprego e desemprego PIA - População em idade ativa

PIB - Produto interno bruto

PME - Pesquisa mensal de emprego

PNAD - Pesquisa nacional por amostra domiciliar RJ - Rio de Janeiro

SA - Salvador SP- São Paulo

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1

I - Introdução

A problemática da dissertação está inscrita na reflexão sobre a pobreza no Brasil no período entre 2003 e 2013. Um problema que constitui verdadeiro dilema para vários brasileiros1. O contexto atual é de intensa análise, no meio acadêmico e político, sobre o principal programa do atual governo iniciado em 2011, o Programa Brasil Sem Miséria (BSM), lançado no mesmo ano e cuja meta principal era a eliminação da extrema pobreza até o fim de 2014, através de três eixos de ação: i) a inclusão produtiva com o objetivo de melhorar a qualidade das oportunidades de trabalho e de renda entre as famílias pobres; ii) o acesso a bens públicos a fim de prover melhores condições de educação, saúde e cidadania para as famílias e iii) a garantia de renda para amenização imediata da indigência.

O governo federal afirma que houve uma inflexão em março de 2013, quando os últimos beneficiários considerados indigentes do Programa Bolsa Família transpuseram a linha de extrema pobreza - estipulada pelo programa em torno de setenta e sete reais, naquele ano - (Brasil, 2014). Os eixos de ação do BSM mostram que a pobreza é um impasse com vários determinantes: o tipo e a qualidade de inserção dos trabalhadores no mercado de trabalho; o acesso aos bens públicos; a situação da desigualdade de renda e de riqueza2; a insuficiência de renda etc.

O período de recorte do trabalho inicia-se em 2003 e sua justificativa é o fato de ter sido o ano de transição do discurso usado pelo governo em relação à estratégia de desenvolvimento adotada para o Brasil, muito embora se aponte traços de continuidade com a agenda anterior; e termina em 2013 pela falta de disponibilidade de dados.

Supostamente, há traços de descontinuidade na opção de desenvolvimento adotada a partir de 2003, a qual os setores da academia relacionados ao governo tentam convencer de que converge com a ideia de homogeneização social combinada ao crescimento econômico. Este "crescimento com equidade" seria, afirmam estes autores, fruto de um cenário externo propício

1

De acordo com os cálculos do IETS (2014), os números de pobreza e indigência para o Brasil em 2013, segundo os critérios da PNAD, eram de aproximadamente 29 milhões e 9 milhões, respectivamente. Os critérios de pobreza e indigência levam em conta a restrição de renda baseada na estrutura de consumo observada em populações de baixa de renda a partir da Pesquisa de Orçamentos Familiares. Além disso também são considerados discrepâncias entre padrões de consumo e preços ao consumidor entre as regiões e conforme o local de residência.

2

A recente ponderação sobre a importância da desigualdade de renda e, principalmente, de riqueza sucitada pelo trabalho de Pikety (2014) não é novidade para as Ciências Econômicas. Autores como Marx (2013), ao elaborarem uma crítica à Economia Política clássica já tratavam desta questão. Todavia, destaca-se que, de fato, o estudo da desigualdade, em suas múltiplas formas, é imprescendível para a reflexão da pobreza. O estudo da riqueza ainda é incipiente, dada a dificuldade de obtenção de dados no Brasil.

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2

até 2008 (quando se propaga a crise financeira internacional) e de um fortalecimento do quadro interno puxado pela valorização do salário mínimo; pelo consumo de massas, pela maior oferta de crédito às famílias, pela mobilidade social e pelo crescimento econômico. No decorrer deste trabalho, serão feitas críticas a esta perspectiva e suas conexões com a questão da pobreza.

Antes, porém, deve-se definir o conceito de pobreza empregado nesta dissertação. Entende-se aqui que o dilema é um fenômeno econômico e social um brutal desequilíbrio na relação entre o trabalho e o capital, dado o processo de acumulação capitalista que combina a geração de miséria e a de riqueza, levando à degradação do nível tradicional de vida do trabalhador - que é determinado social e historicamente - e à heterogeneidade estrutural. Vê-se, assim, que a noção de pobreza adotada aqui é diferente do conceito de "insuficiência de renda", tal como definido nas principais ações do governo.

No caso específico brasileiro, a pobreza apresenta-se como fruto da maneira idiossincrática que se desenrola o processo de formação nacional3, o qual, interpreta-se aqui, está longe de ser resolvido (Sampaio Jr., 1999a). O desfecho do processo de formação4 está em aberto e sua marca mais forte é a existência da "dupla articulação" entre segregação social e dependência externa que Fernandes (2011) indicara como característica consolidada na sociedade brasileira após o golpe de 1964.

Introduzido o problema da dissertação (a discussão da pobreza entre 2003-2013, num contexto em que se alegam mudanças estruturais na sociedade brasileira), pode-se colocar as perguntas que motivaram a elaboração do trabalho: i) quais são os fatores que determinaram o padrão tradicional de vida que coube ao brasileiro no período 2003-2013?; ii) estes fatores têm caráter conjuntural ou estrutural5?

Depois disso, é necessário apresentar a hipótese da dissertação, a qual a delimita ainda mais por restringir a análise da pobreza a um de seus determinantes, o mercado de trabalho. Mais especificamente, concentrou-se a reflexão na qualidade do emprego e dos salários recebidos pelo trabalhador brasileiro a fim de ressaltar a conexão da pobreza com a heterogeneidade estrutural latino-americana. Assim, a hipótese desta dissertação é: a miséria brasileira do período 2003-2013, dada pelo nível de vida dos trabalhadores e cuja expressão de destaque são as

3

O uso da perspectiva da formação nacional será tratado ao longo da dissertação.

4

Para um aprofundamento da questão do desenvolvimento nacional e história do pensamento econômico brasileiro ver Malta (2011).

5

Entende-se por conjuntural uma mudança que é cíclica e não auto-sustentada; por estrutural, entende-se uma mudança definitiva e radical, no sentido de ir na raiz da questão.

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3

qualidades dos salários e do emprego, apresentou traços de regularidade - caracterizados por uma nova rodada de modernização dos padrões de consumo. No entanto, os determinantes estruturais da pobreza6 persistem cristalizados na dupla articulação entre segregação social e dependência externa. Assim, a pobreza continua com marcas de permanência.

O objetivo geral do trabalho é responder, de forma crítica, às duas perguntas acima formuladas, ou seja, busca-se determinar i) quais as variáveis que influenciam diretamente o nível de vida padrão do trabalhador brasileiro e o ii) porquê deste patamar ser considerado abaixo do digno num determinado tempo histórico e numa determinada sociedade. O objetivo específico da dissertação é fazer uma contribuição crítica ao debate existente sobre os determinantes e sobre a recente evolução da pobreza no Brasil a partir de um ponto de vista determinado, o do mercado de trabalho. Além do mais, entende-se que o trabalho é peça chave para o estudo da miséria, pois é uma das expressões da sociabilidade humana (Marx, 2004).

A dissertação está estruturada da seguinte maneira: além desta introdução, há um item contendo notas contextualizatórias, três capítulos (com anexos aos capítulos dois e três, que visam à complementação do exposto) e a conclusão.

As notas contextualizatórias referem-se à apresentação da problemática da formação nacional e da questão social. Tal opção, de apresentação destes pontos por meio de notas contextualizatórias, é proveniente do fato de ambos os temas serem cruciais para a reflexão que se pretende fazer ao longo do trabalho e por não constituírem consenso no meio acadêmico. A ótica da formação apresentada neste trabalho considera as ponderações sintetizadas na obra de Sampaio Jr. (1999a) sobre as obras de Octávio Ianni; Florestan Fernandes; Caio Prado Jr. e Celso Furtado. Como exposto, tal perspectiva é relevante, pois acredita-se ser, primordialmente, através da história que se é capaz de entender o ritmo, o sentido e a intensidade das transformações que a sociedade brasileira demanda hoje. Além disso, este arcabouço teórico contribui para a percepção do quê se entende por "dupla articulação", conceito muito caro a este trabalho, entre segregação social e dependência externa.

Derivada da segregação social, a questão social foi apresentada, uma vez que, como colocaram Ianni (1989) e Iamamoto (2011), vive-se atualmente um problema social no Brasil que tem a mesma origem ao longo dos anos e que se trata no fundo de um único dilema apenas com

6

Como será visto, entende-se que os traços estruturais são o desemprego estrutural, a modernização dos padrões de consumo, a influência do capital internacional e a questão agrária.

(25)

4

uma "roupagem diferente". Além disso, a análise da questão social ajuda a entender a lógica da acumulação capitalista, que necessita da pobreza para pôr a riqueza em marcha.

O primeiro capítulo discute o perfil estrutural da pobreza no Brasil a partir da ótica da acumulação capitalista, de acordo com a ideia elaborada por Karl Marx, combinada à perspectiva da formação nacional, onde são privilegiadas as contribuições de Caio Prado Jr. e Celso Furtado. É sabido que não se pode atribuir imediatamente as reflexões de Marx, correspondentes a uma sociedade e a um tempo específicos - sua análise é no período pós revolução industrial e revolução francesa para os países da europa ocidental, em geral, e a Inglaterra, em particular - à realidade brasileira, uma vez que a introdução e o sentido do capitalismo no Brasil sempre foram distintos do que se passou na Europa. Não obstante, há certas categorias da obra do autor alemão que, se forem apropriadamente mediadas, podem contribuir bastante para o estudo do caso brasileiro. A ideia de salário como remuneração ao tempo de trabalho socialmente necessário à reprodução do trabalhador - histórica e socialmente determinado - é um exemplo.

Foi através da história que se buscou esta intermediação. A contribuição de Caio Prado Jr. é fundamental por apontar o sentido do capitalismo brasileiro, o qual sempre foi orientado pelos negócios e pelas contradições que impedem a transição do Brasil colônia de ontem para o Brasil nação de amanhã (Prado Jr., [1942] 2011). Seus elementos trabalhados foram a conexão entre i) grande exploração rural; ii) pobreza e iii) capital internacional. Já a contribuição de Celso Furtado, economista preocupado com a superação das bolsões de miséria do país, foi estudada a partir da interação de outros três elementos: i) desemprego estrutural; ii) subdesenvolvimento e iii) modernização dos padrões de consumo A opção de utilização destes dois intérpretes do Brasil foi originada do fato de apontarem como as causas últimas da pobreza fatores (que são considerados aqui) estruturais, assim como a questão da terra, a precariedade do trabalho e, logo, o nível de vida dos trabalhadores.

No capítulo dois, além da reapresentação do conceito de pobreza adotado na dissertação, é feita uma compilação e apresentação do debate no qual a questão da miséria está inserida atualmente. Objetivamente, expôs-se que as propostas de políticas públicas para combate à pobreza derivam da reformulação da abordagem da pobreza pelo Banco Mundial nos anos noventa, a qual foi influenciada pela ideia de "desenvolvimento como liberdade" de Amartya Sen. Seguindo, tem-se que no debate brasileiro existem, de um lado, os autores que foram

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5

denominados aqui de social-desenvolvimentistas7, os quais são caracterizados pela ideia de defenderem que, a partir de 2003, viu-se no Brasil transformações na economia e na sociedade brasileira correspondentes a um verdadeiro processo de crescimento com equidade. Um desdobramento deste pensamento é a abordagem crítica da "nova classe média"8, assentada na ideia de reconfiguração da base social a partir do trabalho . Do outro lado do debate, encontram-se autores que criticam a visão de homogeneização social atrelada a crescimento econômico no período 2003-2013, desdobrou-se esta crítica em duas vertentes9: i) a crítica do modelo liberal periférico e ii) a crítica do aqui denominado neodesenvolvimentismo como apenas mais um ciclo de crescimento associado a uma nova rodada de modernização dos padrões de consumo.

O capítulo três contém a pesquisa empírica sobre a pobreza no período 2003-2013 a partir da perspectiva privilegiada do mercado de trabalho. A maioria dos gráficos e tabelas é de elaboração própria, sendo feitas algumas exceções onde recorreu-se a trabalhos de teses de doutoramento e pesquisas do IBGE e do IPEA. Primeiro, é posta a discussão sobre a heterogeneidade estrutural na América Latina, em geral, e no Brasil, em particular. A ideia é mostrar como as descontinuidades produtiva, ocupacional e setorial são a marca dos diferenciais de produtividade do trabalho nas diferentes camadas da população trabalhadora; são também os traços que distinguem o subemprego e a informalidade do mercado de trabalho brasileiro; e sua conexão com o salário mínimo, elementos que servem de referência para os setores formal e informal da economia brasileira.

Em seguida, entra-se na pesquisa para uma contribuição crítica à discussão acerca da pobreza entre 2003-2013. Foram apresentados dados sobre a remuneração dos trabalhadores, destacando-se o papel do salário mínimo e do rendimento médio percebidos no Brasil. Em algumas ocasiões foram feitas comparações internacionais, com a preocupação de não ignorar o caráter histórico e socialmente determinado dos salários. A intenção foi ver como fica a posição do Brasil em relação a outros países em relação ao salário considerado digno do vigente em cada sociedade.

Também foram pesquisados informações sobre a qualidade do emprego brasileiro. Foram analisados dados sobre o subemprego10, a informalidade no mercado de trabalho

7

De maneira bem vasta, Castelo (2012) afirma que são representados por Ricardo Carneiro e Ricardo Bielschwosky.

8

Elaborada por Marcio Pochmann.

9 Representada por Reinaldo Gonçalves e Luiz Filgueiras; e Plínio Sampaio Jr., respectivamente. 10

Neste caso, em especial, recorreu-se ao trabalho de Portugal (2012), cujo material apresenta dados sobre o subemprego brasileiro de 1960 a 2009.

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6

brasileiro, a taxa de desemprego, a população não-economicamente ativa e a criação de empregos por faixa salarial.

O trabalho tem como objetivo despertar um debate mais crítico sobre a questão da pobreza no Brasil, de acordo com a verificação da hipótese lançada. Espera-se fazer isso apontando as causas da pobreza: a segregação social e dependência externa. Em especial, espera-se mostrar, através do estudo de elementos do mercado de trabalho, que a economia brasileira de 2003-2013 não sofreu mudanças nos determinantes da miséria. As figuras 1 e 2, a seguir, resumem o esquema analítico que orientou o trabalho.

(28)

7

Figura 1 - Ideia do trabalho

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Figura 2 - Delimitação da pergunta-chave para a pesquisa empírica

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9

II - Breves notas contextualizatórias

O objetivo destas notas é esclarecer a percepção de alguns pontos que são de extrema relevância para o objeto de estudo. A justificativa é a falta de consenso sobre seus conceitos e suas implicações.

II.1- Sobre a formação nacional

Para alguns cientistas sociais, o Brasil ainda é uma sociedade em construção. Ao longo dos anos, desde os movimentos de independência às manifestações de junho 2013, diversas são as interpretações sobre os rumos, obstáculos e inquietações pelos quais o país passa em determinados períodos históricos, ou seja, várias e distintas são as interpretações sobre o sentido do desenvolvimento brasileiro. Tocam a este trabalho as visões que têm como pano de fundo o fato de o movimento de formação da nação11 ainda se encontrar em curso.

Longe de ser um fim em si mesmo (teleologia) ou mesmo uma fatalidade histórica inexorável12, a formação é um processo dinâmico que não passa de uma possibilidade e uma necessidade do sujeito histórico (o próprio povo) de transformações em curso na sociedade brasileira colocada pelas bases econômicas, sociais, culturais e geográficas oriundas da colônia e que se mantêm no presente (Ianni, 1992; Prado Jr., 2011).

Enquanto sociedade de cunho colonial, o Brasil manteve as relações econômicas de sua coletividade orientadas pelos interesses do capital comercial internacional através, basicamente, da cristalização da produção primário-exportadora assentada na concentração de terras e na força de trabalho escrava (Sampaio Jr., 2013). Os nexos produtivos e sociais eram ditados pelos interesses do comércio externo, monopolizados pela metrópole e pela tutela inglesa. Resulta deste tipo de interações econômicas e sociais a dupla articulação ditada pelo padrão de acumulação e dominação do capitalismo dependente (Fernandes, [1975] 2011), o qual tolhe o

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Nação é um conceito em definição, pois é um processo histórico que gera a possibilidade, e é orientada pela necessidade histórica, de uma identididade econômica, política, cultural, social, regional e racial dentro de um país por parte de seu povo. Conforme Ianni (1992: 8): "Acontece que a nação é real e imaginária. Localiza-se na história do pensamento. Está no imaginário de uns e outros: políticos e escritores, trabalhadores do campo e da cidade, brancos, negros, índios e imigrantes, cientistas sociais, filósofos e artistas. E seria muito outra, se não se recriasse de quando em quando, na interpretação, fantasia, imaginação". E prossegue: "Sob o aspecto social, racial, regional e cultural, entre outros, continua em aberto a questão nacional. Em perspectiva ampla, a história do Brasil pode ser vista como a de uma nação em processo, à procura da sua fisionomia. É como se estivesse espalhada no espaço, dispersa no tempo, buscando conformar-se ao nome, encontrar-se com a própria imagem, transformar-se em conceito" (Ibidem: 180).

12 Ao analisar o fim do período colonial, Prado Jr. (2011) deixa claro que a formação econômica e social nacional não é um fim

histórico fatal. Antes disso, é o desenrolar da história que mostra as "forças" que engendram o motor das transformações econômicas e sociais no presente, as quais não estão fadadas a tomar lugar.

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país com a segregação social (em termos de renda, riqueza, posse de terras, etnia, acesso a serviços e bens etc.) e a dependência externa (ao capital interacional).

Não obstante a dominação exercida pelos portugueses, sementes de uma sociedade nacional foram plantadas durante a existência da colônia, quais sejam a constituição de um mercado interno e aspirações de autonomização política (Prado Jr., [1966] 2004). Entretanto, o que predominou foi a total falta de nexo moral entre as diferentes etnias, culturas e sociabilidades que foram forçadas a coexistir num território de proporções continentais e acabaram por resultar numa sociedade de identidade formada de "cima para baixo" de forma compósita.

A indepedência ensejaria o espírito do moderno no Brasil13. Os anseios de inserção numa sociedade de classes, com instituições sofisticadas, com um Estado forte e nos moldes da revolução industrial inglesa eram compatíveis com uma sociedade tipicamente burguesa. Todavia, eles não seriam o suficiente para uma ruptura drástica com os moldes da coletividade existente, isto é, os fundamentos da sociedade colonial - que garantiam os privilégios de riqueza e poder às classes dominantes - permaneceriam. A saber: o acesso à terra e as condições de trabalho continuariam precários.

A transição de uma sociedade escravocrata para uma de força de trabalho assalariada não se deu de forma a fornecer os meios de subsistência e de produção para esta população recém abolida. Entretanto, o ponto crucial é o tipo de capitalismo que se forma no Brasil a partir de uma determinada organização da correlação de forças "capital-trabalho" e a partir do tipo de inserção do Brasil no sistema capitalista mundial. O capitalismo que resultou daí conformou o caráter da burguesia brasileira e a instabilidade das relações produtivas que bloqueiam a integração de todas as camadas constituintes da sociedade.

De fato, a maneira como se deram a Abolição e a instauração da lei de terras de 1850 viriam a cristalizar o caráter segregacionista da sociedade brasileira, ao impedir a integração efetiva de grande parte da população na economia e sociedade ditas modernas com o bloqueio ao acesso à terra. Em termos de subserviência externa, a independência não revolucionou o caráter primário exportador da economia brasileira, senão que preparou as bases para a produção exportadora assalariada em escala maior. O que se viu foi a combinação de interesses das, muitas vezes indissociáveis, burguesias brasileiras e elite agrária. Nesta conjuntura, os trabalhadores começaram a se desenvolver como classe segregada. Diferentemente de qualquer protótipo

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europeu, a inserção das relações capitalistas de produção e trabalho no Brasil se deu de forma dependente e sem a superação total do passado colonial.

Já na virada do século XIX para o XX, emergiram interpretações acerca da necessidade e possibilidade de romper os laços coloniais da sociedade brasileira através de transformações disruptivas (democrática e nacional) a fim de completar a formação de uma identidade nacional. Seria a partir do processo de desmonte da divisão internacional do trabalho vigente até 1929 que se colocariam estas questões de mudanças estruturais em pauta.

Nos anos entre 1930 e 1964, o Brasil passou pelos movimentos de urbanização, consolidação do regime de classes e de uma incipiente industrialização. Esta teria, supostamente, o papel de criar as bases objetivas e subjetivas para a autonomização da economia brasileira, via mercado interno, no quadro capitalista mundial. De fato o fez, mas de forma limitada: não foi capaz de romper com os laços de subdesenvolvimento e dependência, mas, às vezes, os reproduziu de forma ampliada. A conjuntura pré golpe de 64 era de percepção dos antagonismos e dos dilemas do capitalismo dependente. Tanto era assim que alguns setores da sociedade desejavam instaurar um conjunto de reformas de base para lidar com aquelas questões.

Conforme Fernandes (2011), no contexto de Guerra Fria as burguesias dependentes brasileiras - onipotentes no quadro interno e subservientes no externo - passaram a sofrer pressões internas por reformas estruturais e externas referentes à dominação do espaço econômico nacional. Por "medo pânico" do povo, aglutinaram-se e optaram de forma compósita por um aliado, o imperialismo, de modo a instaurar uma contra-revolução permanente que consolidou as bases de sua dominação e privilégios e solapou a revolução democrática ao instaurar uma democracia restrita. Assim, o regime militar cristalizou a dupla articulação como condição necessária do capitalismo dependente.

Ainda segundo Fernandes, com a manutenção da ordem garantida através de um Estado plutocrático e repressivo, o desenvolvimento das forças produtivas pôde avançar com o prolongamento do padrão industrializante, com a partipação massiva das empresas transnacionais e com o endividamento externo. O que se deve destacar do período de ditadura militar é que, no que toca à formação nacional, o problema estava resolvido desde a perspectiva do capital; enquanto na perspectiva dos destituídos, dos semi-integrados e dos condenados do sistema, a questão ficou mais distante de uma solução.

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Em relação à temática da terra, a solução dada pela ditadura foi de uma verdadeira modernização conservadora, ressignificando a questão agrária e a restringindo ao remanejamento de terras improdutivas14 aos despossuídos sem se preocupar com os outros fatores determinantes da pobreza do trabalhador do campo e da cidade. Para piorar, a modernização no campo foi acompanhada pela elevação da produtividade no meio agrícola combinada de industrialização no meio urbano e por um processo desordenado de urbanização que implicou agravamento do subemprego. As contradições de tal padrão de acumulação de capital remontam, dentre outros fatores, ao problema do acesso à terra.

Ao longo da república, a questão da terra evidencia-se como um dos obstáculos para um Estado nacional que concilie capitalismo, democracia e soberania nacional (Sampaio Jr., 2013). Isto se dá porque o latifúndio, ao perpetuar a concentração da terra e um enorme exército de reserva marginalizado do mercado de trabalho, impede a conformação de um mercado de trabalho minimamente equilibrado na relação entre o capital e o trabalho. Sem um dito equilíbrio, fica distante a possibilidade de existência de um Estado democrático baseado na combinação dos nexos morais que ressaltara Prado Jr (2004).

O lento processo de abertura política do regime militar foi acompanhado do completo esgotamento da industrialização e do endividamento externo sem precedentes. Ainda fragmentada politicamente e desnorteada pelos sucessivos fracassos no campo econômico, a sociedade brasileira não foi capaz de implantar as transformações democrática e nacional. Pelo contrário, nos anos noventa foi adotado o receituário neoliberal do Consenso de Washington com vistas à "superação do atraso", o qual contribuiu para uma nova rodada de modernização dos padrões de consumo via a financeirização, a mundialização e a difusão do consumo de massa permitida pela revolução técnico-informacional.

A abertura comercial e financeira foi consolidada ao longo da década tendo a necessidade de estabilização monetária como prioridade nacional; com as privatizações promovendo o desmonte do parque industrial nacional; com o favorecimento do movimento rentista especulativo e com o abondono dos anseios populares de fim da segregação social garantidos na recém promulgada, e com forte apelo social, Consituição de 1988.

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Segundo Sampaio Jr. (2013), a resposta burguesa durante a ditadura para a questão da terra foi cristalizada no Estatuto da terra de 1964.

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Depois da virada do século, os dilemas da segregação social e da dependência externa brasileiras ainda se encontram em discussão na sociedade. Muito embora, os termos de tal reflexão tenham se alterado muito em relação às ideias discutidas ao longo dos últimos cem anos. Não se trata de derivar os dilemas da formação diretamente do período colonial, mas de entendê-los à luz e como consequências deste passado. Portanto, o quê se há de concluir é que o impasse da formação ainda está posto e que a análise das forças motrizes da dinâmica histórica de suas contradições serve, precípuamente, para clarear o sentido e a direção das transformações que podem vir a ocorrer.

II.2 - Sobre a questão social15

A questão social, no capitalismo, é mundial e permanente (Ianni, 1989; Iamamoto, 2011). É dizer, problemas tais quais a pobreza, a miséria, a desigualdade de renda e riqueza, a violência, a falta de acesso à educação, à saúde, o direito ao voto, à cidadania etc. não são uma peculiaridade dos dias de hoje e tampouco especificidades do Brasil. A explicação reside no fato de a questão social se assentar na lei geral de acumulação capitalista, alicerçada na unidade orgância entre produção, distribuição, circulação, troca e consumo. Portanto, pensar a questão social implica assumir a universalidade desta lei geral e as especificidades culturais, políticas e geopolíticas que ela assume16 (Netto, 2001; Iamamoto, 2011).

No fim do século XX, as corporações transnacionais passaram a atuar cada vez mais com o capital financeiro através dos investidores institucionais num processo de rolagem das dívidas públicas dos países e aquecimento do mercado acionário. De fato, tal dinâmica já vinha sendo desenvolvida através do processo de financeirização da riqueza desde o último quartel do século. Promovida mundialmente por órgãos multilaterais como o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio e o Fundo Monetário Internacional, a agenda da mundialização contou com a introdução da desregulamentação dos mercados, com a liberalização dos fluxos financeiros, a abertura comercial e produtiva, a flexibilização e precarização do mercado de trabalho e o desmonte das políticas sociais em prol da estabilidade macroeconômica. Toda esta

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"[...] em perspectiva histórica ampla, a sociedade em movimento se apresenta como uma vasta fábrica das desigualades e antagonismos que constituem a questão social. A prosperidade da economia e o fortalecimento do aparelho estatal parecem em descompasso com o desenvolvimento social" (IANNI, 1989: 147).

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Para Iamamoto (2011: 125-126) a questão social "expressa a subversão do humano própria da sociedade capitalista contemporânea, que se materializa na naturalização das desigualades sociais e na submissão das necessidades humanas ao poder das coisas sociais - do capital dinheiro e de seu fetiche. Conduz à indiferença ante os destinos de enormes contingentes de homens e mulheres trabalhadores - resultados de uma pobreza produzida historicamente (e não naturalmente produzida) -, universalmente subjugados, abandonandos e desprezados, porquanto sobrantes para as necessidades médias do capital".

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agenda promovida pelas empresas transnacionais contou com o apoio dos Estados nacionais, os quais longe de serem "mínimos", sustentaram as estruturas de classes e as relações de produção ao assegurarem mercado, vantangens de investimento, garantias de pesquisa e desenvolvimento em áreas de interesses do capital internacional, ao imporem a concentração de renda, as políticas sociais regressivas, o agrobusiness, a tributação regressiva etc.

Como indica Iamamoto (2011), o que não pode passar despercebido é que a mundialização centraliza processos que não são independentes (senão que constituem uma unidade de diversidades): a reforma do Estado, a reestruturação produtiva e a questão social.

Assim, a questão social é posta como expressão das desigualdades econômicas, culturais e políticas de classes sociais, intermediadas por assimetrias nas relações de etnia, de gênero, de formações regionais, afetando o acesso de significativa parcela da população aos bens produzidos pela civilização e despertando a consciência acerca dos direitos civis (Ianni, 1992). Ademais, a problemática social envolve a percepção das mudanças, que ocorrem através das pressões sociais, no contínuo processo de re-invenção da vida cotidiana no futuro (Iamamoto, 2011)17.

Muito embora seja um tema de abrangência mundial, apreender a questão social concretamente requer o entendimento das relações vigentes nas formas de exploração do trabalho nas especificidades históricas, culturais e políticas de cada país18. No Brasil, a compreeensão da organização da relação capital-trabalho é a chave para se entender uma sociedade de aspectos patrimonialista, mandatório, clientelista, particularista, oligárquico, de precárias relações de trabalho e que, ao mesmo tempo, está inserida nos círculos do grande capital internacional com forças produtivas, em certos aspectos, desenvolvidas. Por isso, ter em mente a combinação entre atrasado e moderno é relevante.

Tal como apontara Fernandes (2011), com a implantação da democracia restrita a partir do golpe de 64, as burguesias dependentes brasileiras incorporaram no plano ideológico o que havia de moderno no mundo, isto é, o princípio da livre-concorrência econômica e afastaram, no plano prático, os princípios modernos de igualdade jurídica já vigentes em alguns lugares do

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A mesma autora afirma: "[...] a questão social não é um fenômeno recente, típico do esgotamento dos chamados trinta anos gloriosos da expansão capitalista, Trata-se, ao contrário, de uma 'velha questão social' inscrita na própria natureza das relações capitalistas, mas que, na contemporaneidade, se re-produz sob novas mediações históricas e, ao mesmo tempo, assume inéditas expressões espraiadas em todas as dimensões da vida em sociedade" (IAMAMOTO, 2011: 161).

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Segundo Netto (2001: 48): "[...] se a lei geral da acumulação capitalista opera independentemente das fronteiras nacionais, seus resultantes societários trazem a marca da história que a concretiza".

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mundo. Tal combinação extemporânea entre arcaico e moderno é fruto da origem patrimonialista da sociedade brasileira, a qual remonta do período colonial e se assenta na propriedade de terras e no coronelismo, onde a esfera do poder público estava subjugada à esfera do poder privado. Resulta que a "contra-revolução permanente" preservou a aliança das burguesias brasileiras com o capital internacional, a concentração fundiária e o poder concentrado regionalmente. Isto foi garantido pela ação de um Estado violento e repressor que afastou as reclamações sociais urbanas e rurais da ordem do dia, sem contudo conseguir extinguí-las.

Ianni (1989) mostra que a discussão em torno da questão social tem sua origem no período colonial e durante a história da república esteve presente em todos os momentos de ruptura política, seja em 1922, 1930, 1937, 1945, 1964 ou 1985. As controvérsias e antagonismos sociais por detrás do tema sempre atuaram de forma a estimular a consciência coletiva de que tais questões são suscetíveis à mudança, controle e negociação. Não obstante a figura opressiva do Estado, as manifestações sociais, no campo ou na cidade, evidenciam a urgência de reformas e as chances de revolução. A realidade e concretude da questão social leva as autoridades a perceberem que o tópico merece uma elevação de status de "problema de polícia" para "problema de política".

A questão social vai sofrendo mutações ao longo do tempo reciclando sua roupagem e evidenciando, sempre, a fricção entre o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho e as relações sociais que o estimulam (Iamamoto, 2011). As inquietações sociais rebatem as teses de "sociedade amorfa" ou de "sociedade civil incapaz", que datam do século XIX, as quais promovem a naturalização do tema, como se a vítima fosse a causa do problema e a pobreza seu "estado de natureza".

No pensamento social, combinam-se a naturalização desta problemática com a repressão e com o assistencialismo, criminalizando a questão social como se fosse mera "fatalidade". Tais visões pressupõem o dualismo social, composto por um Brasil "velho e primitivo" e por um Brasil "moderno e industrial", ignorando porém, que um é condição do outro. O quê está por trás deste ponto é a centralidade das variadas formas de trabalho vigentes na sociedade ao longo do tempo (Ianni, 1992).

Com a adoção do ideário político e econômico neoliberal no Brasil no começo dos anos noventa, a abordagem dos dilemas sociais se concentrou na "nova questão social", que pretensamente é distinta da questão social "antiga". Como já afirmado, a problemática social, no

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modo de produção capitalista, é sempre a mesma e deriva da forma como se desenvolve a acumulação de capital em sociedades de classes. O fundamento desta abordagem "nova" é, justamente, a negação da existência das classes sociais, a naturalização das desigualdades sociais e o deslocamento da questão social da esfera do direito social constitucional para a esfera da solidariedade, da gestão social e da integração social dos excluídos.

Segundo alguns autores da sociologia do trabalho, as transformações pelas quais o Brasil passou desde o fim do período ditatorial acarretaram uma verdadeira reestruturação produtiva na economia. No fim da década de oitenta as mudanças foram marcadas pela retração dos custos por parte das empresas, pela redução da força de trabalho, a intensificação da jornada de trabalho e a introdução do sistema toyotista de produção combinado aos resquícios de um fordismo periférico. Na década de noventa, a tendência foi a de intensificação das transições. Os três setores da economia passaram a se confundir cada vez mais com a difusão dos serviços estimulados pela tecnologia de informação e a precarização do trabalho foi intensificada juntamente com a maior flexibilização da regulação do trabalho (Antunes, 2006). Além disso, as taxas de desemprego aumentaram.

As elevadas taxas de desemprego mundiais trazem à tona as reflexões de Mészáros (2006) ao afirmar que o desemprego e a precarização do trabalho, na transição do século XX para o XXI, são corolários inexoráveis do sistema capitalista e possuem três atributos característicos:

i) a supressão incessante do tempo disponível à fruição das necessidades dos trabalhadores pelo

tempo de trabalho necessário à geração de mais-valor; ii) o desemprego e a precarização atingem todo o globo, inclusive os países desenvolvidos, em tempos de globalização e iii) a defesa da flexibilização do trabalho não constitui outra coisa senão uma tendência à difusão da exploração do trabalho ao redor do mundo. De acordo com suas palavras:

Atingimos uma fase do desenvolvimento histórico do sistema capitalista em que o desemprego é a sua característica dominante. Nessa nova configuração, o sistema capitalista é constituído por uma rede fechada de inter-relações e de indeterminações por meio da qual agora é impossível encontrar paliativos e soluções parciais ao desemprego em áreas limitadas, em agudo contraste com o período desenvolvimentista do pós-guerra, em que políticos liberais de alguns países privilegiados afirmavam a possibilidade do pleno emprego em uma sociedade livre (Mészáros, 2006: 31).

Portanto, era necessário um Estado que garantisse o pacto federativo e que assegurasse a democratização das políticas sociais. A realidade que se seguiu à promulgação da

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Constituição foi, contudo, adversa. Tensionadas pela crise econômica, política e social dos anos oitenta, as políticas sociais sofrem um inflexão sob o comando do receituário propagado por instituições como Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional que resultaram no reordenamento de prioridades por parte do Estado e que permaneceriam desta forma pelo menos até 2003.

Maracci (2007) mostra que a inflexão proposta por longos anos de lutas e reflexão contra o regime militar culminou - no cenário acadêmico e político interno - com o diagnóstico de que era precisa a combinação das agendas do crescimento econômico e da solução da questão social. Segundo o autor, estas reivindicações se deram mais intensamente a partir de 1988 com a Constituição. Com mais de uma década sem avanços expressivos, a partir de 2003 surge uma corrente dominante que indica que o que se passa atualmente são "efeitos sociais indesejáveis" produzidos por ajustes temporários na ordem global. Desta forma, medidas emergenciais de focalização nas políticas públicas e corte de despesas são necesárias para dar um caráter mais humano ao tipo de capitalismo latino-americano e para acalmar possíveis inquietações sociais. Tais propostas na realidade representam diminuição dos direitos constitucionais e uma política de "mínimo sociais"19. Todavia, o projeto liberal foi incapaz de promover o crescimento na década de noventa, agravando a débil situação social, reafirmando os seus contornos permanentes.

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Capítulo 1 - Pobreza: dilema de acumulação capitalista e formação nacional

1. Introdução

Pobreza e desigualdade são alguns dos problemas crônicos do capitalismo dependente20 latino-americano, fruto do desenvolvimento desigual e combinado, que demandam uma análise profunda acerca de suas causas. Supõe-se que os problemas estruturais do capitalismo da América Latina são consubstanciados na dupla articulação entre segregação social e dependência externa (Fernandes, 2011). Sendo uma unidade, não é viável separar os componentes desta combinação como se fossem independentes. Mazelas sociais e dependência externa são faces de uma mesma moeda. Logo ao se tratar da questão social, acaba-se por indicar os laços de dependência dos países subdesenvolvidos com os centros econômicos mundiais. A permanência desta dupla articulação impede a consolidação das bases necessárias (política, econômica, social e cultural) para a formação de um Estado nacional capaz de liderar o sentido, o ritmo e a intensidade do desenvolvimento capitalista nacional (Sampaio Jr., 2012a).

O objetivo geral do capítulo é fornecer elementos - de caráter teórico, histórico e metodológico - para a compreensão dos determinantes estruturais da pobreza no Brasil.

A intenção secundária é ir além de análises puramente conjunturais da evolução de indicadores sociais. Para isto, a exposição busca sintetizar os determinantes do tipo de capitalismo vigente no Brasil: a maneira como se organiza a correlação de forças capital-trabalho; a posição em que o país é inserido na hierarquia do sistema capitalista mundial; o tipo de burguesia que daí emerge, os desequilíbrios que este tipo de capitalismo gera à relação capital-trabalho e, por fim, o nível tradicional de vida que cabe ao povo trabalhador brasileiro.

Em última instância, se destaca a percepção que a questão agrária é um dos fatores-chave para o caso brasileiro por gerar um vazio sócio-econômico, o qual se reflete no campo e na cidade através da pobreza e da desigualdade.

Para atingir estes objetivos, optou-se por um determinado referencial teórico e o capítulo foi estruturado da seguinte maneira: além desta introdução, há uma seção baseada na contribuição de Marx sobre a dinâmica da lei de acumulação capitalista a fim de evidenciar que a pobreza - oriunda da exploração do trabalhador - é condição necessária e estimuladora da dinâmica do modo de produção capitalista e, além disso, se dá concomitantemente à criação da

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O capitalismo dependente é interpretado neste trabalho tal como Prado Jr. (2004) e Furtado (1992b) o interpretaram. Para uma síntese de tais interpretações ver Sampaio Jr. (1999a).

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riqueza - também derivada do trabalho humano -. Em seguida, por se perceber a insuficiência de uma pretensa lógica geral do capital para explicar a dinâmica das mazelas do povo brasileiro, serão analisadas as contribuições de dois dos intérpretes da formação econômica e social do país para que se possa mediar realidade e ideias. Numa seção será estudada a contribuição de Caio Prado Júnior envolvendo os nexos entre capital internacional, latifúndio e pobreza e, em outra, será analisada a ótica de Celso Furtado a partir da relação do subdesenvolvimento com o processo de modernização dos padrões de consumo e com o desemprego estrutural. Por fim, há uma síntese dos elementos expostos que dão os parâmetros que organizam a discussão.

Não é pretensão21 de tal capítulo elaborar a exegese da pobreza no sistema capitalista de produção e nem da economia e sociedade brasileiras através destes autores. O que se fará é a interpretação de como a interação entre o capitalismo e a formação econômica e social brasileira explica a pobreza como questão estrutural do Brasil. Tampouco é meta deste capítulo fazer uma síntese bibliográfica de caráter puramente escolar. Ao se expor os elementos dos autores selecionados, visa-se uma apropriação destes para uma interpretação original.

2 - A perspectiva da lei geral de acumulação capitalista

Ao analisar concretamente o modo de produção capitalista, tal como se lhe apresentava no século XIX, Marx fornece as bases para a compreensão da pobreza. Sua contribuição, historicizada, pode ser entendida como uma análise crítica do "triunfo do capitalismo liberal burguês", que teve como epicentros a Inglaterra e a França, no período da dupla revolução1789-1848 e que fez o mundo ficar sob o domínio de poucos países ocidentais (Hobsbawm, 2010). Apesar da perspectiva de Marx ser histórica e transitória, alguns elementos de seu legado se perpetuam na história e contribuem para o entendimento do mundo atual.

Objetivamente, tem-se que, no capitalismo - regime no qual a unidade orgânica entre produção, distribuição, troca e consumo é crucial (Marx, [1885] 2014) -, ao mesmo tempo em

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A ótica da formação, em determinados pontos, vai de encontro a algumas interpretações do capitalismo no Brasil. Tal é o caso da escola do Capitalismo Tardio da Escola de Campinas. Para esta corrente houve, no período de industrialização por substituição de importações (ISI), as condições para a efetiva criação das bases objetivas e subjetivas para a autodeterminação do capital no Brasil. Entende-se aqui que esta visão trata os problemas da segregação social como meros resíduos inorgânicos e não como um problema estrutural e urgente. Assim, acaba por subestimar a história ao explicar a valorização do valor, orientada pela autonomização do departamento de bens de capital, principalmente pela lógica do capital. Carneiro (2005), ao resgatar e apontar alguns limites do pensamento de Campinas, expõe que a Escola interpreta o desenvolvimento como industrialização tardia. Seu caráter específico se daria no período monopolista da evolução do capital. Para ele, tal corrente teórica separa radicalmente "desenvolvimento capitalista" de "melhora na distribuição de renda", demonstrando que a distribuição de renda, apesar de defensável, não estabelece barreiras ao desenvolvimento. Segundo o autor, o Capitalismo Tardio separa a esfera técnico-produtiva da esfera social, sendo, relativamente, autônomas uma em relação à outra. Para mais sobre o capitalismo tardio ver Mello (2009) e Tavares (1972).

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que se cria uma massa crescente e jamais vista de riqueza, gera-se um contingente de trabalhadores miseráveis e paupérrimos relegados a condições de vida deploráveis. Esta seção mostrará que dita concomitância não é casual, senão que condição necessária e alavanca para o desenvolvimento do capitalismo.

2.1- A interação entre capital e trabalho

Pobreza e desigualdade são reflexos das carências e das necessidades22 dos trabalhadores. Sendo o trabalho uma expressão da sociabilidade humana (Marx, [1844] 2004), percebe-se na produção capitalista - social por definição - que o trabalhador tem como fonte de subsistência o seu trabalho e que o desenvolvimento das forças produtivas dita o acirramento do conflito entre capital e trabalho. Este confronto deriva de um longo processo de complexas interações sociais determinadas historicamente (Idem, [1867] 2013).

O antagonismo entre capitalista e trabalhador é a pedra angular do modo de produção capitalista. Dadas as sucessões de acontecimentos históricos, os quais resultaram na acumulação primitiva e na expropriação originária, há a separação entre possuidores dos meios de produção e os que possuem somente sua força de trabalho para vender e prover sua subsistência.

Para que dinheiro e mercadoria se transformem em capital, detentores dos meios produtivos devem se defrontar com os trabalhadores livres, detentores apenas da mercadoria força de trabalho, a fim de que possam valorizar sua riqueza através da compra desta mercadoria. Por trabalhadores livres, entende-se homens que não integram os meios de produção - tal como os escravos - e tampouco detêm meios de produção outros que não sua força de trabalho. Para Marx, a marca específica do sistema de produção capitalista é o confronto hostil entre empregadores capitalistas, de um lado, e trabalhadores livres e assalariados, de outro, numa relação de forças em que as partes se estranham inexorável e perenemente. Sua resultante é a reprodução do capital e a geração de pobreza.

A maneira como se dá a correlação de forças entre empregador e empregado acaba por transformar o trabalhador em uma mercadoria (com a ressalva de ser uma mercadoria única por ter o poder de reagir coletivamente contra as relações de produção), donde o produto do

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Ranieri (2004) realça a distinção feita por Marx em relação às carências e às necessidades humanas. Carência está relacionada à condição biológica do ser humano (comer, beber, habitar, dormir etc.) uma vez satisfeita, pode dar origem a carências mais elaboradas. Já necessidade está relacionada a uma situação estrutural de possibilidade de realização a partir da satisfação das carências.

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