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Da política e da educação: a escola e a função docente nas democracias republicanas

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Academic year: 2021

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LETÍCIA RIEGER DUARTE

DA POLÍTICA E DA EDUCAÇÃO: A ESCOLA E A FUNÇÃO DOCENTE NAS DEMOCRACIAS REPUBLICANAS

Dissertação apresentada como requisito final para obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, PPG em Educação nas Ciências.

Orientador: Prof. José Pedro Boufleuer

Linha de Pesquisa: Teorias pedagógicas e dimensões éticas e políticas da educação

Ijuí 2015

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D812d Duarte, Letícia Rieger

Da política e da educação: a escola e a função docente nas democracias republicanas / Letícia Rieger Duarte. – Ijuí, 2015. –

80 f. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí e Santa Rosa). Educação nas Ciências.

“Orientador: José Pedro Boufleuer”

1. Política educacional. 2. Escola. 3. Política. 4. Catalogação na Publicação

Gislaine Nunes dos Santos CRB10/1845

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RESUMO

Esta dissertação desenvolve o tema “Da política e da educação: a escola e a função docente nas democracias republicanas”. Com esse tema, busca-se entender qual o papel da educação e, mais especificamente, da educação escolar no contexto das democracias republicanas. Para tal, é realizada uma pesquisa bibliográfica que se alicerça em diferentes autores que discutem os vínculos entre educação e política, ainda que, por vezes, divergentes em algumas ideias. O texto está dividido em três capítulos que possibilitam conduzir a reflexão até as questões mais pontuais relativas à configuração do trabalho escolar, considerando os vínculos com a ordem política. No primeiro capítulo aborda-se a política como uma construção humana mediante a qual determinada sociedade opta para uma condução coletiva das questões cruciais implicadas em sua trajetória. Considerando que a tarefa dessa condução exige determinadas condições e responsabilidades, compreende-se a política como própria do mundo adulto, enquanto a educação se refere à formação das crianças e dos adolescentes, numa forma de ação própria de uma instância pré-política. Nesse sentido, a educação consiste numa atividade de preparação dos jovens para a vida adulta e para o exercício da vida pública. Entendendo a importância da educação para a política e da política para a educação, o segundo capítulo retoma o processo de escolarização através da história. Após recuperar as formas não institucionalizadas de educação, típicas dos períodos da Antiguidade e da Idade Média, destaca-se a modernidade, principalmente com a Revolução Francesa, como a época em que surge o modelo de escola que se tem hoje e em cujo contexto se explicitam os seus vínculos com a política. Trata-se de uma escola pública, gratuita, laica, obrigatória e universal. No terceiro capítulo busca-se entender aspectos próprios da função docente nessa escola que compreende suas vinculações e reciprocidades para com a política. Abordam-se, nesse sentido, as questões da crise de autoridade na sociedade e que afeta diretamente a educação, da mediação do professor no contexto da sala de aula e de uma pedagogia pautada no diálogo entre professor e alunos, considerando aí os aspectos específicos dessa forma de interação humana. Destaca-se, por fim, a responsabilidade do professor para com o mundo humano que se expressa na forma pedagógica como percebe sua relação com o mundo humano e seu compromisso para com ele.

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ABSTRACT

This dissertation aims to develop the these “Of politics and education: school and teachers role on republicans democracy”. Aiming understand what is the role of educations and, specifically, the role of school education on the context of the republicans democracy, it was made a bibliographic research, based on different writers discussing links between education and politics, even though some of them had different points of view. This research is divided in three parts, each one makes possible make a reflection on the main points related on the configuration of the school work, it considers the links with the political order. On first part, politics is pointed as a human construction which each society makes the option to be collectively conduced on the main necessities included on its trajectory. Considering the task of conducting demands specifically conditions and responsibilities, it is possible to comprehended politic as adult world part, while education is from children and teenagers' formation world, on a self action of a pre-politics instance. This way, education consists in an activity of preparation of youth to adult life and to the exercise of the public life. Understanding the importance of education to politic and, the importance of politics to education, the second part of the research remember the history of education. After this memory of non institutionalized education, typical in old times and middle age, it is highlighted the Modernity, mainly France Revolution as a time of beginning the school model used nowadays, on which are explicitly shown the political links. It is talked about a public, free, laic, obliged and universal school. Third part of this research, aims to understand the self aspects of the teaching functions on that school which comprehend its linkers and reciprocity to the politics. It is pointed the questions as crisis of authority on society and how it affects education, teachers mediation in class and the pedagogy based on conversation between teacher and students, considering the specific aspects of this human interaction. In the end, it is detached the teacher’s responsibility to the human world, which is expressed on pedagogical form as they notice their relation to the human world and their compromise with it.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...06

1 POLÍTICA E EDUCAÇÃO: ESPECIFICIDADES, DIFERENÇAS E INTERDEPENDÊNCIA...09

1.1 Das especificidades da política ...09

1.2 Das especificidades da educação ...13

1.3 Interdependência entre os campos da política e da educação...26

2 A EDUCAÇÃO ESCOLARIZADA ...33

2.1 A educação que se escolariza na modernidade: apontamentos históricos ... 33

2.2 A escola e a pedagogia da sala de aula... 42

2.3 O sentido político da escola no âmbito das sociedades republicanas e democráticas ... 45

3 A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO ESCOLAR...49

3.1 A autoridade do professor na especificidade da docência ... 49

3.2 A aprendizagem escolar na mediação da docência ...64

3.3 O sentido formativo de uma pedagogia dialógica...73

CONCLUSÃO...77

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INTRODUÇÃO

A educação é um processo que se desencadeia com o nascimento de uma criança. Ao longo do percurso de sua vida, tudo é aprendizagem: um olhar, uma fala, um gesto, a maneira como se expressa, o diálogo que ocorre. Cada indivíduo vai adentrando o mundo humano e tornando-se humano por meio da educação conduzida por adultos, seja de forma espontânea ou intencional. Educar-se, assim, é tornar-se humano, preparar-se para interagir como membro adulto no meio em que vive.

O trabalho que segue busca compreender o caráter e o lugar da função docente na escola em uma sociedade republicana e democrática. A preocupação com essa questão se deve ao entendimento de que no Brasil de hoje há, ainda, uma confusão entre o que é próprio da política e o que é próprio da educação. Debitamos essa confusão ao longo período em que o nosso país foi submetido a um regime autoritário, iniciado com o golpe militar de 1964. Em um regime de exceção o exercício dos papeis propriamente políticos e propriamente educativos se confundem, desrespeitando-se ou insubordinando-se reciprocamente. Ocorre que após 30 anos da redemocratização do país, agentes educacionais e agentes políticos comportam-se, muitas vezes, como se não houvessem especificidades dessas funções, revelando uma compreensão das relações entre esses âmbitos que remontam à ausência de uma ordem democrática e de uma definição mais clara dos distintos âmbitos.

A clarificação da política e da educação permite, então, entender os objetivos da escola nas sociedades modernas sob uma nova ótica, percebendo as vinculações e reciprocidades entre uma e outra. E, com isso, responder à questão de como compreender a especificidade da docência no âmbito da educação escolar considerando a tarefa educativa de formar as novas gerações em conformidade com as disposições morais e as competências socioculturais demandadas pela forma democrática e republicana.

Trata-se, então, de esclarecer o que é política e delinear o papel da educação para a realização da política em uma república democrática. Sendo assim, os objetivos que orientam esse trabalho são: definir a interdependência entre educação e política em uma sociedade republicana e democrática na perspectiva de Hannah Arendt; entender como a educação escolarizou-se através do tempo; e aprofundar

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aspectos da relação professor e aluno e das especificidades de papeis em autores como Arendt, Savater e Freire, a fim de compreender a influência do professor para a educação na sociedade em questão.

A dissertação realiza-se através de pesquisa bibliográfica de diversos autores que discutem e ancoram a visão de educação em uma sociedade republicana e democrática. Para tal, reflete-se acerca do tema com autores como Arendt e Savater que pensam a sociedade republicana e democrática e a educação em tal sociedade e autores como Paulo Freire que escreve de uma outra perspectiva, mas tem grande influência sobre a educação e os professores de hoje refletindo temas referentes a relação pedagógica e aos papeis de professor e aluno.

Essa mescla de autores foi possível na medida em que se compreende que cada um fala de política e de educação de um contexto diferente e, por isso, entendem política e educação de um jeito diferente. Ainda assim, são autores que trazem importantes contribuições para o campo educativo com muitas ideias convergentes.

O primeiro capítulo busca definir o que é próprio da política e o que é próprio da educação em uma sociedade republicana e democrática, buscando compreender sua interdependência. Nesse sentido, a discussão remete ao fato de que a sociedade é composta por pessoas, sendo assim, todas as pessoas adultas têm o direito de decidir sobre a condução coletiva da sociedade. E se todos detêm esse poder de decisão, entende-se ser necessário que, enquanto adultos, tenham um mínimo de preparo para exercerem a vida pública e se co-responsabilizarem pela condução do que é público.

A educação, assim, vem a suprir uma necessidade da política. Enquanto crianças e jovens, os seres humanos precisam ser preparados para serem humanos em sociedade. O indivíduo da espécie humana nasce, mas nem por isso já está apto a enfrentar o mundo humano. É no processo educativo que se conduz modos de ser e de agir na sociedade. Por isso, em tempos mais recentes, houve a necessidade de organizar a educação para que fossem garantidas as aprendizagens dos conhecimentos necessários à criança e ao jovem em formação. Assim, o segundo capítulo desta dissertação aborda elementos históricos da institucionalização da escola como local da educação formal por excelência.

Será na modernidade que a escola se configurará com o seu caráter público, obrigatório, laico e universal. Assim, a escola que se conhece atualmente nasce

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como necessidade da modernidade, já que com ela, a política passa a ser co-participada e é necessário e prudente que as pessoas tenham uma formação comum para estarem aptas a decidirem conjuntamente. Ainda assim, essa mesma escola é local de humanidade e não de doutrinar ou designar o destino comum a todos, mas dar base para que cada um possa opinar quando adulto.

É no contexto da democracia republicana que a função docente se estabelece como potencializadora de futuro para a humanidade, mas não de sua manutenção na forma existente. Se fosse assim, estaria podando toda a novidade que vem ao mundo com as novas gerações. A tarefa e as especificidades da docência são, assim, elementos que compõe o terceiro capítulo desse trabalho, visando estabelecer aspectos relevantes da função docente para a humanidade.

A docência subentende alguém que ensina e alguém que aprende. Nesse sentido, uma das funções da docência diz respeito à autoridade do professor frente aos alunos. O professor não é somente uma pessoa que está com o outro. A relação que estabelece com o aluno é baseada no conhecimento específico dos conteúdos de ensino. Assim, é necessário observar a anterioridade pedagógica do professor em sua relação com o aluno, haja vista que se encontra há mais tempo em uma tradição de conhecimento na qual o aluno vai adentrando à medida que aprende.

Pela sua condição, importa que o professor não perca o foco da educação escolar, pois ela existe para trabalhar conhecimentos que as crianças precisarão no futuro enquanto adultos. Mas a própria educação escolar se torna muito mais significativa na medida em que o professor reconhece a realidade dos alunos e estabelece uma relação de diálogo com eles. Dessa forma, as crianças estarão sendo educadas para continuarem a sociedade humana, não como simples reprodução de tudo o que está aí, mas ao modo como irão vê-lo e como serão capazes de reinventar esse mundo.

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1. POLÍTICA E EDUCAÇÃO: ESPECIFICIDADES, DIFERENÇAS E INTERDEPENDÊNCIA

A discussão que aqui se estabelece procura entender o que, em uma concepção republicana, é próprio da política, o que é próprio da educação e em quais aspectos uma exerce influência sobre a outra. A opção por defender política e educação em uma concepção republicana parte do entendimento que o futuro é incerto e não precisamos defini-lo previamente, mas sim, podemos construir o caminho para o futuro com a opinião de todos. Parte-se, portanto, do pressuposto de que todos são co-responsáveis pela sociedade e que as decisões devem ser divididas com os outros, estabelecendo o direito de todos opinarem.

1.1 Das especificidades da política

Na condução da vida humana em esfera pública é importante perceber que várias são as interfaces de sua formação e articulação em sociedade. A saúde, a economia, a educação, o desenvolvimento de novas tecnologias e suas influências no meio rural entre outros fatores humanos pensados em âmbito público são estruturados e construídos pelos interesses de todos ou, mesmo, de parte da população. A decisão de como conduzir esses e outros aspectos sociais está vinculada à concepção política de construção da vida em sociedade.

A decisão sobre a vida humana em uma república democrática não é privilégio de alguns. Por se tratar de uma coisa pública1, os elementos sociais devem ser decididos por todos. Tudo o que envolve a sociedade é próprio da humanidade e, portanto, todos são responsáveis pela sua condução. Esse sentimento de pertença e co-responsabilidade faz parte da política em uma sociedade democrática e republicana.

A política, aqui, é entendida como criação humana, isto é, como condição para se proceder em sociedade. Na medida em que necessita pensar sobre o que é de todos, sobre o que é público, surge a necessidade de decidir em conjunto, daí que a política, em uma sociedade republicana e democrática, seja a decisão de

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todos sobre o bem comum em um regime de co-responsabilidade, o que é próprio da democracia.

Arendt afirma que

Existe [...] um tácito consenso, na maioria das discussões entre cientistas sociais e políticos, de que podemos ignorar as distinções e proceder baseados no pressuposto de que qualquer coisa pode, eventualmente, ser chamada de qualquer outra coisa, e de que as distinções somente têm significado na medida em que cada um de nós tem o direito de “definir seus termos” (2007b, p. 132).

Cada pessoa provém de uma realidade distinta e possui uma formação diferente proveniente de suas interações, daí de cada qual ter o direito de opinar, elaborar sua ideia diante das circunstâncias, “definir seus termos”. Ignorar isso não só vai contra o princípio democrático como está fortemente vinculado a uma visão de mundo hierarquizada em que uns decidem pelos outros por não se importarem com as necessidades de todos ou ainda por acreditarem que sabem o que é melhor para o todo. Ambas as visões excluem a noção desenvolvida de co-participação devido à co-responsabilidade pelas questões sociais.

Na medida em que uma questão trata do que é próprio do humano, isto é, o que é comum a todos os seres humanos, todas as pessoas devem sentir-se co-responsáveis por decidir de que forma tal questão será conduzida. Não é possível isentar-se da responsabilidade de conduzir sua própria vida que se encontra em relação com a vida dos demais. Ainda numa forma de governo representativo, as pessoas são co-responsáveis por escolherem a proposta de governo que mais se aproxima de sua opinião, representada na figura do candidato, por exigir ou não que se ponha em prática o projeto assumido ou ainda vincularem-se a um partido político para, em consonância com este, apresentarem suas próprias propostas e poderem governar.

Nesse sentido, o governo representativo também é co-participado e é possível que alguém em idade adulta não assuma responsabilidade alguma sobre a forma de governar, porém isso terá consequências. Mesmo que não queira opinar e não ajude a escolher os governantes, essa já é uma forma de participação política que influenciará positiva ou negativamente na condução da sociedade. Qualquer decisão individual, mesmo que seja uma tentativa de isentar-se de participação, influenciará nas decisões sociais. Essa condução, no entanto, não é de interesse

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individual de quem governa, mas do interesse de todas as pessoas. Sendo assim, em uma república democrática não é admissível, apesar de possível, que um governante tome atitudes que não contemplem os interesses de todos, já que seu cargo é um serviço e não uma posição a mais na hierarquia social. Seu cargo não o divide da população, mas o coloca em um mesmo patamar a serviço dos interesses de todos.

Daí que, para Arendt,

O governar a si mesmo e a distinção entre governantes e governados pertencem a uma esfera que precede o domínio político, e o que distingue este da esfera “econômica” do lar é o fato de a polis basear-se no princípio de igualdade, não conhecendo diferenciação entre governantes e governados (2007b, p. 158, grifos do original).

A política apresentada é a de uma relação de igualdade. Todos são membros de uma mesma sociedade e todos possuem interesses que dizem respeito à vida humana em sociedade. Governar e ser governado na polis2 é uma distinção de trabalhos exercidos, de formas de uso da palavra, de organização das tarefas, não uma forma de dominação de uns sobre outros, de uma minoria eleita sobre uma maioria sem direito de expor e fazer acontecer suas opiniões.

Governantes e governados são responsáveis pelas diversas questões que permeiam a sociedade e, portanto, seria bom que estivessem cientes da influência que exercem nas decisões públicas, do papel que desempenham suas ações. Daí que a política não dependa de crianças e adolescentes para acontecer, mas acontece no âmbito daqueles que já estão educados e aptos a entender e a exercer o ato político.

A educação não pode desempenhar papel nenhum na política, pois na política lidamos com aqueles que já estão educados. Quem quer que queira educar adultos na realidade pretende agir como guardião e impedi-los de atividade política. Como não se pode educar adultos, a palavra “educação” soa mal em política; o que há é um simulacro de educação, enquanto o objetivo real é a coerção sem o uso da força (ARENDT, 2007b, p. 225).

A expressão “educação política” perde aí a sua força. Não é possível educar politicamente crianças e jovens porque política não é objeto da educação. Política é ação, não educação, ainda que a educação possibilite e potencialize ações políticas.

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Da mesma forma não se educa na política porque seria subestimar a capacidade do outro que também é adulto e que, subentende-se, está em igual condição de decidir3. Qualquer forma de “educação” para adultos, nesse sentido, é uma tentativa de dominação da opinião do outro, de exercer influência sobre o que o outro dirá ou como agirá.

Ainda nesse intuito, o que muitas vezes se denomina “educação para/de adultos” é, na verdade, ensino de uma determinada técnica ou ainda reflexões acerca de determinados assuntos. Qualquer forma de educação não pode ser para adultos, porque adultos já receberam algum tipo de educação, já estão educados. Adultos exercem atividade política, crianças e adolescentes são educados.

Essa confusão ainda é muito comum e, por vezes, dificulta a vida em sociedade. Em um regime de exceção, por exemplo, por não haver legitimidade política, a educação se apropria do discurso político e de sua função, bem como a política se apropria da educação na tentativa de legitimar um governo não democrático. Fora desse regime, tendo ele terminado, a confusão pode permanecer inclusive sob a forma de não compreensão do que é próprio da política e o que é função da educação.

[...] a substituição do governo pela educação teve consequências do maior alcance. Com base nela, governantes têm passado por educadores e educadores têm sido acusados de governar. Nada é mais questionável, então como hoje em dia, do que a significação política de exemplos retirados do campo da educação. No âmbito político tratamos unicamente com adultos que ultrapassaram a idade da educação propriamente dita, e a política, ou o direito de participar da condução dos negócios públicos, começa precisamente onde termina a educação. [...] Reciprocamente, em educação lidamos sempre com pessoas que não podem ainda ser admitidas na política e na igualdade, por estarem sendo preparadas para elas (ARENDT, 2007b, p. 160).

Dessa forma, pensar a sociedade e sua forma de condução política implica entender que as decisões são vivenciadas pelos adultos e que a política em uma visão democrática republicana só é exercida quando é dado ao outro o direito de pensar a condução da vida humana em esfera pública. Todos aqueles que já ultrapassaram a educação e, por isso mesmo, se encontram no âmbito da política, são responsáveis por conduzir a vida humana em sociedade.

3

Subentende-se que já deveriam estar em iguais condições de discutir política. Nesse sentido a educação das crianças e adolescentes deve ser uma atividade potencializadora das ações futuras para que, como adultos, não estejam comprometidas as suas condições de atuação política, seja por falta de conhecimento, seja por situações que o tornam um ser marginalizado.

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Pensar o humano e a sociedade enquanto forma de organização humana implica perceber os diversos aspectos nela presentes, bem como compreender que existem diferentes formas de as pessoas se organizarem socialmente, sendo que a forma como se organizam não é uma imposição, mas uma opção. Portanto, a escolha por uma sociedade republicana inclui a co-responsabilidade pela construção de um caminho futuro respeitando as experiências do passado enquanto manifestação do que há de essencial na tradição.

Ao tratar desse último aspecto, Arendt entende que fazer memória às experiências passadas é o que há de mais profundo4 na sociedade. De acordo com a autora,

Estamos ameaçados de esquecimento, e um tal olvido – pondo inteiramente de parte os conteúdos que se poderiam perder – significaria que, humanamente falando, nos teríamos privado de uma dimensão, a dimensão da profundidade na existência humana. Pois memória e profundidade são o mesmo, ou antes, a profundidade não pode ser alcançada pelo homem a não ser através da recordação (2007b, p. 131).

A recordação do já vivido contribui para as decisões acerca de que caminho seguir. Nesse aspecto, a educação é um meio de recordar por meio de conteúdos do passado as experiências já vividas, é um modo de atingir o que há de essencial na humanidade.

1.2 Das especificidades da educação

Cada sociedade organiza-se de uma forma própria, desenvolvida por aqueles que ali vivem e já viveram. Essa forma de organização deve ser reinventada a cada geração que nasce e passa a conduzi-la. Não é possível tomar frente da condução de uma organização já existente sem conhecê-la. Se isso fosse possível, cada vez que uma nova geração passasse a governar, a sociedade voltaria a um estágio primitivo, pois não carregaria em si todas as vivências de seus antepassados. O conhecimento do que já existe deve ser transmitido às novas gerações para que possam adentrar-se no contexto social e forjar novas formas de interação e realização da vida em sociedade.

4 Profundo no sentido do que há de durável na sociedade, como a tradição de conhecimentos que indica caminhos, ou daquilo que permanece como legado depois que os fatos ocorreram.

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Aquele que nasce chega num mundo completamente estranho, com pessoas, objetos, formas, cores, linguagens, jeitos, convenções estabelecidas que não são conhecidas até deparar-se com elas. A criança nasce filho de um ser humano, mas ainda não conhece nada da humanidade. “Nascemos humanos, mas isso não basta: temos também que chegar a sê-lo” (SAVATER, 1998, p. 29). Há um longo processo até conhecer o que é próprio do humano e tornar-se propriamente humano.

A necessidade de transmissão de tudo o que os antepassados já aprenderam para as novas gerações criou o processo de educação. As crianças nascem biologicamente, mas precisam aprender a estar humanamente no mundo, precisam aprender o mundo. Por isso Arendt propõe que “[...] a essência da educação é a natalidade, o fato de que seres nascem para o mundo” (2007b, p. 223, grifo do original).

A natalidade, nesse sentido, é essa possibilidade de um novo acontecimento. A cada nascimento, uma nova pessoa vem ao mundo, daí que a educação exista pelo fato da natalidade, pois é no nascimento de um novo ser que há a possibilidade de novas formas de se pensar e agir. A educação dá possibilidade de que o recém-chegado insira-se na tradição para poder criar, também, mundo humano. De acordo com Arendt, “[...] o novo começo inerente a cada nascimento pode fazer-se sentir no mundo somente porque o recém-chegado possui a capacidade de começar algo novo, isto é, de agir” (2007a, p. 17).

Todo ser vivo nasce, mas o ser humano tem esse diferencial, precisa aprender a ser no mundo para ser efetivamente humano. Daí que a educação tenha se desenvolvido ao longo do tempo como o modo de transmissão dos conhecimentos construídos pela vivência das outras pessoas. Seria um verdadeiro desastre ou retrocesso se toda criança tivesse que aprender através da experiência somente. A educação é a formulação dos conhecimentos em conteúdos de ensino para se ter acesso ao que outras gerações, anteriores a essa, já compreenderam através de experiências.

Em outro modo de ver a questão se poderia dizer que “os outros seres vivos já nascem sendo o que definitivamente são, o que serão irremediavelmente, aconteça o que acontecer, ao passo que de nós, humanos, o que parece mais prudente dizer é que nascemos para a humanidade” (SAVATER, 1998, p. 30, grifo do original). Compreende-se dois nascimentos ao humano, aquele em que o ser humano, enquanto ser animal, sai de sua mãe biológica e aquele em que nasce para

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o contexto social do qual começa a fazer parte, nasce para ser humano, passa a assumir sua humanidade.

Savater afirma nesse sentido que

A criança passa por duas gestações: a primeira no útero materno segundo determinismos biológicos, a segunda na matriz social em que se cria, submetida a determinações simbólicas variadíssimas – a primeira de todas sendo a linguagem – e a usos rituais e técnicos próprios de sua cultura (1998, p. 33).

O segundo nascimento, que é o que determina a humanidade, só é possível com a influência daqueles que já fazem parte do mundo simbólico5 no qual a criança é introduzida. A essa relação entre os velhos do mundo com os novos que passam a conhecê-lo, chamamos de educação. A educação exerce, assim, o papel de desvelar as teias sociais à criança que chega e de potencializar sua ação no meio.

A criança tem um estranhamento em relação ao mundo, precisa nascer para ele. Sua humanidade passa a existir na medida em que aprende como viver com as regras sociais, as convenções, os modos de ser humano. Quando começa a perceber as consequências de determinados atos, as perdas e os ganhos, as vantagens e desvantagens de pequenas formas de ação, a criança começa a adentrar a humanidade e a ser verdadeiramente humana. Nesse processo, o outro é determinante, pois é nessa relação que o indivíduo se entende enquanto indivíduo. O outro passa a ser um espelho no qual se aprende a ser e se percebe como está sendo. Para Savater, “é preciso nascer para humano, mas só chegamos a sê-lo plenamente quando os outros nos contagiam com sua humanidade deliberadamente... e com nossa cumplicidade” (1998, p. 31, grifo do original). É na relação com o outro que aprendemos a ser e nos contemplamos para entender esse processo.

A aprendizagem do contexto educativo é viabilizada através do outro. São as outras pessoas, aquelas que já estão no mundo, que já possuem o conhecimento de certas normas que educam os recém-chegados. Isso não só é uma forma de organização, como também é o modo pelo qual se apresenta o mundo para os novos humanos que a ele chegam. “O papel desempenhado pela educação em

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Mundo simbólico refere-se ao universo de sentidos socialmente construído. De acordo com Boufleuer, “a objetividade do mundo social é determinada por e através das interações simbólicas dos seus agentes, os homens, que comunicativamente constroem sentidos” (1997, p. 49).

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todas as utopias políticas, a partir dos tempos antigos, mostra o quanto parece natural iniciar um novo mundo com aqueles que são por nascimento e por natureza novos” (ARENDT, 2007b, p. 225). A educação é a forma que a humanidade encontra de se perpetuar, de transmitir o conhecimento que produziu e que a envolve, evitando que morra com os que o produziram e/ou vivenciaram. Como expressão de continuidade da história, a educação permite que as novas gerações aprendam mesmo sem terem passado pelas mesmas experiências das gerações que as precederam. Ao tratar do papel educativo, Savater compreende que

A primeira coisa que a educação transmite a cada um dos seres pensantes é que não somos únicos, que nossa condição implica o intercâmbio significativo com outros parentes simbólicos que confirmam e possibilitam nossa condição. A segunda coisa, por certo não menos relevante, é que não somos os iniciadores da nossa linhagem, que aparecemos num mundo em que a marca humana já está vigente de mil modos e existe uma tradição de técnicas, mitos e ritos da qual vamos fazer parte e na qual também nos vamos formar (1998, p. 48, grifos do original).

A educação, desse modo, tem por função introduzir o novo nas relações sociais e apresentar àquele que chega parte da tradição, parte daquilo que a geração que já está aí, tem de conhecimento para viver e quer que o recém-chegado também o tenha. Para tal, os adultos se utilizam de diversas formas de condução de aprendizagem, que vão sendo discutidas e reformuladas para promover com mais eficácia a aprendizagem da tradição. Afinal, “a criança só é nova em relação a um mundo que existia antes dela, que continuará após sua morte e no qual transcorrerá sua vida” (ARENDT, 2007b, p. 235). É nesse percurso de tempo em que vive que ela precisa aprender para deixar de ser nova e adentra-se no tempo e na história.

Através da educação a criança nasce para o tempo. “Por meio da educação não nascemos para o mundo, mas para o tempo: vemo-nos carregados de símbolos e famas pretéritas, de ameaças e esperanças vindouras sempre numerosas, entre as quais se escoará apenas o angustiado presente pessoal” (SAVATER, 1998, p. 49). O mundo já existia antes do nascimento, vários conhecimentos já existiam e a criança nasce. O mundo continua sendo mundo e ainda o será mesmo depois de sua morte. A educação possibilita à criança transcorrer a história e contribuir nesse curto espaço de tempo com sua novidade.

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A decisão de educar é dos adultos. São os adultos que, conscientes do mundo em que vivem, percebem a necessidade de educar as crianças, aqueles que chegam a esse mundo. Daí que, desde que nasce, a criança começa a ser educada. É através da família que a criança começa a compreender a trama simbólica de relações e a desenvolver uma personalidade própria para viver em sociedade. É nesse contexto privado que a criança desenvolve elementos essenciais como a confiança e a autoestima que potencializarão relações mais complexas em âmbito público. Porém, a família, para a criança, é uma cápsula protetora da sociedade. Esse primeiro estágio é necessário, mas precisa ser superado para que a criança realmente nasça para o mundo. Há, aí, o papel fundamental da escola para ocorrer essa transição entre o espaço privado e o espaço público na vida da criança.

Normalmente a criança é introduzida ao mundo pela primeira vez através da escola. No entanto, a escola não é de modo algum o mundo e não deve fingir sê-lo; ela é, em vez disso, a instituição que interpomos entre o domínio privado do lar e o mundo com o fito de fazer com que seja possível a transição, de alguma forma, da família para o mundo (ARENDT, 2007b, p. 238).

A escola é determinada por ser um espaço de relações pedagógicas. Na família essas relações também ocorrem, visto que a educação nesse espaço se dá entre pais e filhos, ainda assim, a família é espaço de interação pedagógica e não de apresentação do mundo. É na escola que a criança se depara com a abertura para o mundo. É na relação com colegas e professores que começará a se perceber parte de um mundo com tradição e que poderá buscar espaços para desenvolver e expressar suas opiniões, modificando seu entorno, dando esse caráter de novidade ao mundo. Esse protagonismo ainda é limitado no meio escolar porque a criança e o adolescente ainda estão aprendendo, ainda há alguém que ensina e alguém que aprende. O que ocorre é o que Arendt chamou de espaço de “transição” entre o privado e o público.

Essa transição ocorre por meio da apresentação de um mundo já existente. Com a chegada dos novos, os adultos tomam a decisão de transmitir os conhecimentos já construídos, a tradição da sociedade para que os novos, ao serem a geração de adultos, possam agir com base nesses conhecimentos. No entanto, a educação não é apenas um espaço de manutenção, mas também um espaço destinado à novidade que surge com aqueles que nascem. O campo pedagógico

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não pode apropriar-se dos recém-chegados para que reproduzam o que já foi feito, mas ensiná-los a tradição para que a partir dela e com sua novidade possam forjar novas formas de agir em sociedade.

[...] a função da escola é ensinar às crianças como o mundo é, e não instruí-las na arte de viver. Dado que o mundo é velho, sempre mais que einstruí-las mesmas, a aprendizagem volta-se inevitavelmente para o passado, não importa o quanto a vida seja transcorrida no presente (ARENDT, 2007b, p. 246).

Daí o fato de ser um espaço de transição. A escola não é o mundo, não tem por excelência o dever de ensinar a viver, ainda que ensine, mas conduz as crianças e adolescentes pelo tempo para que possam apropriar-se também do mundo. Na medida em que são educados, se sentem parte do mundo e, quando finalmente tiverem aprendido os conteúdos básicos desenvolvidos para se perpassar o conhecimento seja na escola ou fora dela, se sentirão seres no mundo responsáveis por introduzir os novos. Nesse sentido, “a educação, [...] ao contrário da aprendizagem, precisa ter um final previsível” (ARENDT, 2007b, p. 246), pois aprender é um processo contínuo que ocorre ao longo da vida, mas educação é o processo de nascimento para o mundo.

Nascer para o mundo para quem nasce é a possibilidade de conhecer, mas para quem educa, é a possibilidade de manter o mundo humano, sabendo que haverá possibilidade de mudanças, pois cada pessoa constrói o seu jeito de ser no mundo. A educação transmite a tradição, mas deve conservar a novidade da criança, aquilo que é próprio de cada um, para que cada pessoa aja de acordo com as aprendizagens que já construiu. O mundo já existe e existe com muitos problemas. É necessário conservar o que há nas crianças para que elas também possam ser protagonistas quando adultas.

Basicamente, estamos sempre educando para um mundo que ou já está fora dos eixos ou para aí caminha, pois é essa a situação humana básica, em que o mundo é criado por mãos mortais e serve de lar aos mortais durante tempo limitado. [...] Nossa esperança está pendente sempre do novo que cada geração aporta; precisamente por basearmos nossa esperança apenas nisso, porém, é que tudo destruímos se tentarmos controlar os novos de tal modo que nós, os velhos, possamos ditar sua aparência futura. Exatamente em benefício daquilo que é novo e revolucionário em cada criança é que a educação precisa ser conservadora [...] (ARENDT, 2007b, p. 243).

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Dessa forma, a educação não pode imaginar e disseminar um modelo pronto de sociedade futura que será a solução para os problemas da humanidade. Até por que não há um futuro pré-concebido e certo de se seguir. O caminho se faz caminhando. A educação conserva a novidade possível em cada pessoa para poder vir a intervir no mundo, mas os próprios educadores, enquanto adultos, também intervêm. Na medida em que um adulto formula o que é possível para o futuro estará passando sua responsabilidade de adulto no presente para as gerações futuras. E isso não significa abrir mão de um processo pedagógico, mas assumir que a educação ensina o passado, que, por meio dos conteúdos propostos, introduz a criança ao mundo do conhecimento já construído. As mudanças no campo político vão ocorrendo por meio daqueles que têm, no presente, responsabilidade por isso e, no futuro, essa responsabilidade serão das crianças de hoje com o seu modo de ser e de proceder.

A transmissão da tradição é tarefa da educação, mas isso não significa dizer que a educação trabalha com o passado em um intuito de perpetuar formas de agir, de socializar e de governar. A situação pedagógica que se pretende criar é aquela em que o professor entende seu trabalho como um fazer memória de conhecimentos para que os alunos, aqueles que estão aprendendo, tenham condições de atingir o passado. Fazer memória na educação é potencializar que as crianças tenham o conhecimento necessário para, a partir dele, agir em contexto quando adultos. É possibilitar que, ao atingir a profundidade da humanidade através do tempo, a criança insira-se no mundo humano e crie suas novas formas de ação, não a partir do vácuo, mas alicerçada em conhecimentos sempre possíveis de reconstrução.

Por isso os adultos veem-se em uma encruzilhada diante daquele que nasce. A criança nasce e de alguma forma nascerá para o mundo. É necessário decidir que educação a criança terá. Todo animal nasce, mas o ser humano vê seus filhotes nascerem de novo. “A educação é sempre uma tentativa de resgatar o semelhante da fatalidade zoológica ou da limitação opressiva de mera experiência pessoal” (SAVATER, 1998, p. 111). Se os adultos não se preocupassem com que educação os jovens nasceriam para o mundo, seria uma total falta de amor próprio, à criança e à humanidade.

A opção de educar não é meramente uma chance àquele que vem, mas uma expressão de afeto. Educar é operar em favor de um modo de nascer para o mundo, é construir no ato pedagógico a humanidade. Adentrando no tempo a espécie

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humana torna-se humana, diferentemente dos demais animais que não precisam fazer essa opção. “Também os animais gostam de seus filhos, mas é própria da humanidade a combinação de amor e pedagogia” (SAVATER, 1998, p. 37). É amando sua espécie e a vida em sociedade que os adultos humanos tomam a decisão de educar.

Nas palavras de Arendt,

A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum (2007b, p. 247).

O que se destaca é a novidade da criança para criar um novo mundo. A criança traz em si a novidade e pode, com a ajuda dos adultos, ir além do que se espera. A educação deve potencializar a natalidade6, o movimento de criar e recriar em um mundo que está em construção a cada nova geração. A educação precisa estar em um constante movimento de memória do passado e abertura para o futuro sem se antepor ao novo, mas contribuindo para que aconteça de forma indireta.

Há uma linha muito tênue nesses aspectos da educação, pois da mesma forma que o adulto/professor precisa resgatar a tradição, precisa dar abertura à novidade. Da mesma forma, o professor deve dar abertura para a novidade, mas não pode obrigar o aluno a fazê-la. Não é papel do professor, enquanto professor, “vestir a camiseta” da mudança, esse papel é do aluno que se engaja e percebe seu papel transformador. O professor é um orientador do processo de aprendizagem contribuindo para que o aluno se perceba na história antes de “defender a sua bandeira”.

No entanto, ser aquele que faz memória do passado não tem mais a mesma força que em outros tempos. A modernidade trouxe consigo o amor à novidade e à juventude, enquanto causou certa repugnância ao que é velho e, por isso, considerado ultrapassado. Ser professor passa a não ter o mesmo status de antes, apesar de seu sentido ser o mesmo, pois fazer memória de conhecimentos

6 “[...] natalidade: o fato de todos nós virmos ao mundo ao nascermos e de ser o mundo constantemente renovado mediante o nascimento” (ARENDT, 2007b, p. 247).

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passados já não tem mais a mesma importância que inovar e seguir novas tendências.

A crise da autoridade na educação guarda a mais estreita conexão com a crise da tradição, ou seja, com a crise de nossa atitude face ao âmbito do passado. É sobremodo difícil para o educador arcar com esse aspecto da crise moderna, pois é de seu ofício servir como mediador entre o velho e o novo, de tal modo que sua própria profissão lhe exige um respeito extraordinário pelo passado (ARENDT, 2007b, p. 243-244).

Perder esse estreito vínculo com o passado não só põe em foco a profissão do professor para quem a vê no entorno sem aprofundamento necessário, como gera uma crise na educação. Educar para quê? Para transmitir a tradição? Quem valorizará a tradição se não há sentido no passado, mas no futuro e suas novidades? O que está em crise é a própria educação e, consequentemente, sua função diante da sociedade. Com isso, é gerada a crise da autoridade na educação. A educação, nesse contexto, só teria autoridade se tratasse das situações atuais, utilizaria, assim, seus espaços e tempos para possibilitar o novo somente, sem o resgate do passado. Se fosse assim, não haveria porque um espaço-tempo pedagógico.

A crise que atingiu toda a sociedade tomou tais rumos que gerou uma insegurança diante do velho. O percurso normal da vida foi interrompido pela necessidade de manter-se jovem. A juventude carrega a força produtiva, os impulsos sexuais e a desnecessária preocupação com consequências que atrai as pessoas para a necessidade de não sair dela. Envelhecer era sinônimo de experiência de vida, acúmulo de conhecimento e sabedoria. Hoje, envelhecer representa perder forças produtivas e marginalizar-se no contexto social.

Na mesma medida em que o envelhecer “sai de moda”, todos os conhecimentos provenientes dos mais velhos também perdem sentido. A tradição perde sua força de expressão para os novos e é desconsiderada nas decisões. Arendt esclarece que “com a perda da tradição, perdemos o fio que nos guiou com segurança através dos vastos domínios do passado; esse fio, porém, foi também a cadeia que aguilhou cada sucessiva geração a um aspecto predeterminado do passado” (2007b, p. 130). Daí que a educação perca sua força. Ao mesmo tempo em que perder a ligação com o passado torne insegura, e até mesmo insensata, a

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ação dos jovens, não ter ligação com o passado suscita que toda e qualquer decisão seja realmente nova e não predefinida por ser continuidade de um passado.

Ainda assim, pensar em uma ação original coloca a humanidade em um patamar primitivo e, dentro de nosso contexto, impossível, já que crianças estão constantemente em contato com outros humanos adultos e, mesmo que não haja intenção direta de nenhuma das partes, estão aprendendo. Não há, também, como considerar a “rebeldia” da adolescência como uma ação original a ser aproveitada pela humanidade, pois ela é própria da fase e serve para autoafirmação ainda no contexto de aprendizagem. Mesmo sem frequentar a escola, uma pessoa só é capaz de opinar politicamente de forma a construir um caminho para outro futuro se passou por um processo educativo.

Crianças e jovens precisam ser educados para agirem livremente em sociedade. Savater, alicerçado na visão kantiana, entende que somos condicionados em nossa essência animal pelos instintos. Desse ponto de vista, a liberdade é uma construção que ocorre por meio da disciplina mantida na infância e adolescência. Ao nascer, todas as pessoas são consideradas livres, mas é necessário aprender a agir em sociedade de forma aceitável e saber seu espaço de participação. Essa aprendizagem necessita de um processo pedagógico ao longo da infância e da adolescência para que o jovem conquiste sua liberdade.

[...] como admitir sem receio ou sem escândalo que o caminho para chegar a ser livre e autônomo passe por uma série de coações de instrução, por uma habituação a diversas maneiras de obediência? A resposta reside em compreender que a liberdade de que estamos falando não é um a priori ontológico da condição humana, mas êxito da nossa integração social (SAVATER, 1998, p. 111, grifos do original).

Nesse sentido, somente ao longo da vida, com as interações que estabelece e as aprendizagens que faz, a pessoa torna-se livre. Por isso o processo de educação, que ocorre com crianças e adolescentes, não ocorre na liberdade de ações dos que aprendem. É necessário que aprendam a ter disciplina, que o educando perceba a necessidade de limitar suas ações ainda que tenha vontade de realizá-las, para que assim, adquira a liberdade. Com a crise da tradição, esses fatores estão postos em questão. Os novos não veem mais na figura da educação e do adulto uma fonte de aprendizagem, mas uma mistura de passado com a obrigação da qual não querem mais provar, já que outras fontes mais novas de

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adquirir informação dão uma falsa liberdade instantânea, sem a necessidade de esforço.

A novidade é foco da atenção da sociedade em geral nesse novo cenário que se apresenta. A juventude do corpo e da alma tornou-se um valor pessoal a ser perseguido durante a vida. Cremes rejuvenescedores, cirurgias plásticas e tantos outros métodos tentam prolongar a juventude externa, enquanto se procura não perder a juventude interna através de casamentos sem filhos, busca de parceiros mais jovens, participação em festas adolescentes já na idade adulta. Todos esses fatores e outros vividos nos dias atuais são sinais da crescente desvalorização do passado. Todos chegarão à velhice, não há método que impeça isso, no entanto, parece “feio” admitir.

Arendt acrescenta essa ideia baseando sua fala no contexto americano quando expõe que

O entusiasmo extraordinário pelo que é novo, exibido em quase todos os aspectos da vida diária americana, e a concomitante confiança em uma “perfectibilidade ilimitada” [...] presumivelmente resultariam de qualquer maneira em uma atenção maior e em maior importância dadas aos recém-chegados por nascimento, isto é, as crianças, as quais, ao terem ultrapassado a infância e estarem prontas para ingressar na comunidade dos adultos como pessoas jovens, eram [o que] os gregos chamavam simplesmente oi neói, os novos (2007b, p. 224-225, grifos do original).

No contexto americano apresentado por Arendt, a atenção aos novos não poderia ser diferente. Aquele que nasce terá que nascer para a sociedade a qual pertence e, por isso, os adultos assumem a decisão de educar os recém-chegados. Assumem a condição de construção da humanidade dos novos seres de sua espécie que precisam se tornar humanos.

Savater escreve que “a genética nos predispõe a chegarmos a ser humanos, porém só por meio da educação e da convivência social conseguimos sê-lo efetivamente” (1998, p. 47). Se uma criança recém-nascida for largada em meio a uma floresta, adotada por um animal e sobreviver, geneticamente será humana, mas os hábitos, a forma de pensar e o próprio uso do pensamento não serão humanos, como demonstram casos, ao longo da história, de crianças que foram encontradas

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sendo criadas por outros animais7. A criança humana precisa ser educada e passar por um processo de socialização para tornar-se humana.

A educação pode acontecer de diferentes formas. Os adultos podem se predispor a ensinar e pensar métodos pedagógicos para tal ou, então, abrir mão de pensar esse processo e, ainda assim, educar. “Os adultos humanos reclamam a atenção de seus filhotes e encenam diante deles as maneiras da humanidade, para que as aprendam. De fato, por meio dos estímulos de prazer ou de dor, praticamente tudo na sociedade humana tem uma intenção decididamente pedagógica” (SAVATER, 1998, p. 34, grifos do original). Ainda que as pessoas não tenham intenção direta de educar, o exemplo dado e os estímulos positivos ou negativos destinados à criança são fonte de aprendizagem. Uma criança que põe o dedo no fogo e se queima, aprende que não deve colocar o dedo ali, ou, ainda, se ao jogar fora papeis importantes de sua mãe e receber por isso um abraço, aprenderá que poderá sempre fazê-lo. Tudo o que acontece no entorno da criança é situação possível de aprendizagem.

A verdadeira educação consiste não só em ensinar a pensar como também em aprender a pensar sobre o que se pensa, e esse momento de reflexão [...] exige que se constate nossa pertença a uma comunidade de criaturas pensantes.

[...] A principal matéria que os homens ensinam uns aos outros é em que consiste ser homem [...]. Qualquer pedagogia que proviesse de uma fonte diferente nos privaria da lição essencial, ou seja, a de ver a vida e as coisas

com olhos humanos (SAVATER, 1998, p. 42-43, grifos do original).

Estar cercado de criaturas humanas com ações não humanas não levará criança nenhuma a aprender o que é próprio da humanidade. Savater aponta que além da necessidade de aprender a pensar, a criança deve, ao longo de seu desenvolvimento, aprender a pensar sobre o conteúdo do próprio pensamento. A situação educativa revela sua eficácia na medida em que potencializa a conquista da humanidade por meio da aprendizagem do que é humano e a conquista da liberdade.

A descrição do que é ser humano é global em muitos aspectos, no entanto, em outros, depende do local e do tipo de sociedade em que a criança nasce. As diferentes culturas têm modos diferentes de ver o mundo e relacionar-se com os

7 Exemplo como esse é o caso de Amala e Kamala, as meninas-lobo encontradas na Índia com idades entre 2 e 8 anos e hábitos que coincidem com os hábitos de lobos.

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demais. Enquanto em um lugar o namoro, por exemplo, é direcionado desde a infância como uma fase da vida, em outros, isso nem é pensado pela impossibilidade e inexistência de namoros. A educação prossegue com sua função de transmitir a tradição e de contribuir para que as crianças e adolescentes aprendam a pensar e a pensar sobre o que pensam, porém, o objeto da tradição e do que pensam será inevitavelmente diferente.

Daí que toda vez que uma pessoa saia de seu local de origem precise se adaptar à nova realidade que encontra. Um adulto que vai morar em outro país vive um contexto diferente do que o constituiu como humano. Mas a criança e o adolescente ainda estão aprendendo sua humanidade, de modo que a construção de sua identidade dependerá da forma como os adultos do país que os acolhem lidam com a educação dos novos. Ao tratar disso, Arendt diz que

Na América, indiscutivelmente a educação desempenha um papel diferente e incomparavelmente mais importante politicamente do que em outros países. Tecnicamente, é claro, a explicação reside no fato de que a América sempre foi uma terra de imigrantes; como é óbvio, a fusão extremamente difícil dos grupos étnicos mais diversos [...] só pode ser cumprida mediante a instrução, educação e americanização dos filhos de imigrantes (2007b, p. 223).

A educação volta-se aí para transmitir o que há de profundo naquela sociedade, que é sua memória, sua história através do tempo. Se não cumprisse esse papel, o país que acolhe pessoas de diversos lugares não teria identidade, mas seria composto por guetos de diferentes etnias com dificuldades de relacionamento entre si. A educação dessas crianças é uma necessidade para a continuidade da identidade social, pois se entenderão humanas através do que é próprio do país que as acolhe.

Aquele que chega a um país estranho estabelece um vínculo de recém-chegado como a criança que nasce. É necessário aprender, adaptar-se, sentir-se membro do novo lugar que vive tal qual a criança no mundo. O imigrante precisa aprofundar-se na história do lugar em que nasce para tornar-se parte, poder agir com liberdade e ter direito à opinião sobre as decisões comuns. Por isso, a educação trabalha com o que é novo e, no caso de estrangeiros, trabalha com a novidade da infância para que a cultura do país que acolhe chegue até as famílias. A educação sempre transmite algo do lugar em que ela acontece.

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A educação existe porque crianças nascem a todo o momento. A novidade da infância acrescenta no mundo a sua diferença e capacidade de transformação, mas seria uma falta de amor aos que nascem e à sociedade deixá-los sem um processo pedagógico. No primeiro caso, seria um total abandono, porque a criança estaria desprovida do conhecimento histórico e seria somente um ser animal a agir primitivamente no mundo, teria todas as capacidades necessárias para pensar e não receberia os instrumentos potencializadores disso. No segundo caso, seria um desrespeito com a sociedade desvalorizar tudo o que foi historicamente construído para deixá-la à mercê da novidade da infância. Assim, é preciso deixar o que é novo acontecer, mas que possa utilizar-se da história para não por à parte o já construído sem valorizar o que há de bom e útil.

Por isso, pensar em uma crise na educação gera uma preocupação alarmante, pelo fato de não podermos deixar as crianças e a sociedade sem o amparo da educação. Ainda que a sociedade não valorize a tradição, os adultos não podem abdicar do seu dever de educar. Arendt salienta que

O sintoma mais significativo da crise, a indicar sua profundeza e seriedade, é ter ela se espelhado em áreas pré-políticas tais como a criação dos filhos e a educação, onde a autoridade no sentido mais lato sempre fora aceita como uma necessidade natural, requerida obviamente tanto por necessidades naturais, o desamparo da criança, como por necessidade política, a continuidade de uma civilização estabelecida que somente pode ser garantida se os que são recém-chegados por nascimento forem guiados através de um mundo preestabelecido no qual nasceram como estrangeiros (2007b, p.128).

A crise a que Arendt se refere é a crise na sociedade e aponta para o alastramento da crise para o contexto familiar, na relação de pais e filhos, e na educação, falando propriamente da relação professor-aluno. A autoridade perdida deixa crianças desprotegidas, crescendo em uma sociedade cheia de informações, mas muito pouco educativa. O resultado disso tem sido visível por meio de jovens e pessoas que chegam à idade adulta sem noção dos limites necessários à vida em sociedade. Para além disso, a crise da autoridade reflete na perda de um vínculo educativo que prepare crianças e adolescentes para serem cidadãos, para viverem livres e com direito à participação na sociedade, reflete-se, portanto, na política.

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A concretização de como viver e as formas de condução da sociedade são debatidas e direcionadas de acordo com cada concepção que rege o contexto analisado. Surgem, assim, diferentes formas de governo que viabilizam ou não a participação nas decisões políticas. No caso de uma política democrática e republicana, há um caminho a ser traçado com as diversas opiniões mesmo que não haja um futuro previsível. Viabilizar que todos aqueles que já estão em idade adulta participem desse processo é uma decisão política.

Diante dessas questões, é possível a dúvida sobre a sanidade de todos para decidirem sobre os rumos da vida coletiva. Ou, melhor dito, todos têm a visão e a capacidade necessárias para pensar a sociedade em seus diversos aspectos e ajudar a decidir suas demandas ou, ainda, ser co-responsável pela escolha de seus governantes? Como o critério “ser adulto” pode definir a capacidade de condução da vida, sendo essa uma coisa pública? Essas são questões que induzem ao pensamento sobre como alguém se torna capaz de decidir sobre o que é público.

O fato é que seres nascem para o mundo e, antes disso, nasceram biologicamente, como animais sem saber ser humanos. O processo pedagógico que ocorre entre o nascer do ventre materno e o nascer para o mundo potencializa uma prática de mudança de futuro alicerçada no passado aprendido. “Para que haja futuro, deve-se aceitar a tarefa de reconhecer o passado como próprio e oferecê-lo aos que vêm depois” (SAVATER, 1998, p. 177). O futuro é incerto, mas a devida discussão acerca dele ocorre entre aqueles que não estão mais em fase de ser educados, mas receberam algum tipo de educação. Daí que, ao falar em educação no contexto social, pensa-se no tipo de educação que uma pessoa precisa para chegar a ser autônoma, isto é, poder co-decidir sobre o futuro de sua vida e da vida coletiva.

De acordo com Savater,

Ninguém se atreverá a afirmar seriamente que a autonomia cívica e ética de um cidadão possa se forjar na ignorância de tudo o que é necessário para ele se desempenhar profissionalmente; e o melhor preparo técnico, carente do desenvolvimento básico das capacidades morais ou de uma mínima disposição de independência política, nunca formará pessoas íntegras, mas simples robôs assalariados (1998, p. 58).

Nessa perspectiva, não basta que a educação trate do humano abstendo-se de ensinar aspectos próprios da vida ligada ao mundo do trabalho. Toda pessoa

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precisa ter uma profissão, ou ao menos condição técnica de tê-la, e sentir-se integrado na sociedade para participar das decisões políticas. Por outro lado, é ilusão a educação, e nesse caso especificamente a educação escolar, acreditar que a simples instrumentalização para o ingresso no mundo do trabalho gerará cidadãos plenos. A técnica pela técnica não é produtora de pensamento, nem potencializa a participação.

Pensar na construção de um futuro para a sociedade que dependa da educação dos novos é enfrentar todas as incertezas da educação para pensar o futuro da humanidade. O avanço da sociedade depende da preparação dos que chegam, nem por isso a condução da sociedade é papel da educação, ou ainda, seria errado entregar a preparação dos novos ao âmbito político. O que se procura tratar é que há algo próprio da política e algo próprio da educação, sendo que a educação exerce influência na política e a política acaba por influenciar a educação.

Certamente, há aqui mais que a enigmática questão de saber por que Joãozinho não sabe ler. Além disso, há sempre a tentação de crer que estamos tratando de problemas específicos confinados a fronteiras históricas e nacionais, importantes somente para os imediatamente afetados (ARENDT, 2007b, p. 222).

O que Arendt aponta é que a ação pedagógica ocorre em meios específicos, com pessoas definidas e dificuldades individuais, no entanto, as situações pedagógicas com as facilidades e dificuldades que possuem também são decorrentes de um momento vivido pela sociedade. Da mesma forma não se pode julgar a estagnação ou retrocesso de um aluno sem o devido olhar sobre as causas que o levaram a isso, como é o caso da perda da autoridade na tradição e na educação, nesse caso, o aluno só será mais um indivíduo influenciado por um contexto global, não o resultado do trabalho errado da professora ou da falta de recursos na escola, por exemplo.

Além disso, viver uma crise global em termos de tradição e, por isso, de educação, influencia diretamente o mesmo contexto que a causa. Uma crise social pode ser superada se a educação dos novos possibilitar um alicerce no passado para a construção coletiva de um futuro em que a crise possa ser superada. No entanto, a própria educação é influenciada por essa crise e perde sua força. Ela fica frágil em sua capacidade de construir o alicerce na tradição e de possibilitar que o aluno chegue a ser livre fixado no tempo que passou. Essa fragilidade se constitui

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como uma barreira para a construção de aprendizagens que signifiquem uma educação qualitativamente relevante para os avanços que a sociedade precisa.

Arendt afirma que “[...] a crise periódica na educação [...] se tornou, no transcurso da última década pelo menos, um problema político de primeira grandeza, aparecendo quase diariamente no noticiário jornalístico” (2007b, p. 221). Isso porque é evidente que quando a crise mundial afeta a educação, a instituição responsável pela cura do problema também está adoentada. Por isso, apesar de a política não poder ser confundida com a educação, a crise de uma acaba por afetar a outra e vice-versa.

Em primeiro lugar, convém afirmar sem falsos escrúpulos a dimensão conservadora da tarefa educacional. A sociedade prepara seus novos membros da maneira que lhe parece mais conveniente para sua conservação, não para sua destruição: quer formar bons adeptos, não inimigos nem singularidades anti-sociais (SAVATER, 1998, p. 173-174).

A relação da educação com o desenvolvimento social está intrinsecamente associada a formas de condução da mesma. Pensar em que futuro se quer ou pensar que formas de condução de futuro se busca requer compreender que essas decisões serão tomadas por humanos e, por isso, é necessário educar esses humanos da melhor forma possível antes que sejam educados de forma não diretiva pela vida cotidiana. Isso não significa que uma criança e um adolescente que não frequentem a escola não terão condições de ser força qualificada de mudança, já que muitas vezes as oportunidades de aprendizagem cotidiana coincidem com um bom trabalho pedagógico, sorte construída pelo acaso. Ainda assim, a forma que a sociedade utiliza para garantir que seus novos membros se capacitem para contribuir em sua condução é a escola.

A escola por mérito ou imposição ainda é o local que garante que todas as crianças poderão ter um tipo e nível de instrução que as qualifique para a vida adulta. A forma de condução desse espaço é feita por profissionais que estudam teorias já construídas e capazes de pensar o processo pedagógico da melhor forma para que cada criança possa aprender o que é necessário a sua vida. Não cabe à escola ensinar valores e formas de participação como conteúdo específico, mas transversalmente ao processo pedagógico, a escola trabalha com as relações. A escola trabalha com o tempo, com conhecimentos construídos em outras épocas

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para que o jovem não precise construí-los novamente, sabendo-se que possivelmente nem construiria todos eles.

O movimento que se faz para que o jovem seja participativo enquanto adulto parte das descobertas que ele faz do passado. Os professores não devem querer mostrar e criar formas de construção do outro mundo possível ainda que o façam em âmbito pessoal fora da escola, mas cumprir com a tarefa educacional de transmitir a tradição. “Há professores tão inconformistas que não se conformam em ser só professores e também querem desempenhar o papel de jovens rebeldes, em vez de deixar pelo menos essa iniciativa a seus alunos” (SAVATER, 1998, p. 163). O que não significa que em âmbito público, como adultos, não possam ter suas lutas, mas na escola devem cumprir sua atividade pedagógica com responsabilidade para que o próprio jovem interprete, a partir dos conhecimentos que vai aprendendo, se a realidade precisa ser mudada ou não e escolha se rebelar contra os fatos.

Não há pior desgraça para os alunos do que o educador empenhado em compensar com seus comícios diante deles as frustrações políticas que não sabe ou não pode discutir diante de outro público mais bem preparado. Em vez de explicar o passado a que pertence, desliga-se dele como se fosse um recém-chegado e bloqueia a perspectiva crítica que os neófitos deveriam exercer, ensinando-os a rechaçar o que ainda não tiveram a oportunidade de entender (SAVATER, 1998, p. 177).

Toda crítica deve ser embasada no conhecimento de situações já vividas. O professor que utiliza suas aulas para formar a opinião dos alunos acerca de algo sem a fundamentação necessária, mas somente como imposição, está contribuindo para a produção de robôs que reproduzirão sua fala em outro contexto. Ensinar o passado é trabalhar para que os jovens entendam como as coisas chegaram a ser como são e, aí sim, possam ser críticos em relação ao que existe. O professor que se exime de seu trabalho para discursar sobre o que os alunos ainda não entendem, está fazendo qualquer coisa, menos um trabalho pedagógico.

Ainda assim, o professor não pode ficar indiferente frente às inquietações do aluno em relação aos problemas sociais. A escola também tem a função de discutir questões relevantes em diversos âmbitos da sociedade e assim potencializar a reflexão e capacidade de debate. O que não pode acontecer é o professor mudar o foco de seu trabalho para influenciar os alunos a pensar como ele. “Seria absurdo ocultar das crianças as falhas do sistema em que vivemos [...], no entanto é crucial inspirar-lhes uma prudente confiança nos mecanismos previstos para corrigi-las [...]”

Referências

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