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1 POLÍTICA E EDUCAÇÃO: ESPECIFICIDADES, DIFERENÇAS E

2.2 A escola e a pedagogia da sala de aula

A escola que se conhece, como já se viu, foi construída ao longo de séculos. Além disso, foi se constituindo pelas necessidades e reflexões acerca de sua função. Não é uma escola que alcançou seu ideal, mas que está organizada da melhor forma encontrada até então para cumprir seu objetivo de transmitir os conhecimentos elementares das diversas áreas de saberes para os mais novos.

Normas, horários, séries de ensino, faixas etárias e currículos não são definidos em vão, mas fazem parte desse jeito de ser da escola que foi se formando em cada época. De acordo com Cambi,

[...] a escola, como nós a conhecemos, é um produto da Idade Média. A sua estrutura ligada à presença de um professor que ensina a muitos alunos de diversas procedências e que deve responder pela sua atividade à Igreja ou a outro poder (seja ele local ou não); as suas práticas ligadas à lectio e aos

auctores, à discussão, ao exercício, ao comentário, à arguição etc.; as suas

práxis disciplinares (prêmios e castigos) e avaliativas vêm daquela época e da organização dos estudos nas escolas monásticas e nas catedrais e sobretudo nas universidades (1999, p. 146, grifos do original).

O primeiro modelo de escola surgiu na Idade Média com a necessidade de ocupar os filhos dos senhores feudais e a elite que tinha tempo ocioso. Ainda nesse período, a escola desenvolveu uma estrutura de sala de aula, de alguém que ensina

e alguém que aprende, de tempo e espaço específicos para tal e a necessidade de disciplina para o aprendizado, passando a ter abertura para públicos de diversas procedências.

A concepção do que era aprender, com certeza, era muito diferente das concepções que se formaram até os dias atuais, mas se organizava uma estrutura para que a aprendizagem ocorresse. Naquela época já havia a preocupação de selecionar conhecimentos para que as novas gerações aprendessem uma determinada cultura e tivessem subsídios para falar, escrever bem e pensar como a Igreja defendia ser o correto.

Nascia, assim, uma escola dividida pelos conhecimentos a quem o ensino se destinava, já que uma determinada população teria uma educação que instrumentalizasse para o trabalho e outra uma educação erudita que ocupasse o tempo ócio. Também, uma escola organizada por faixa etária e com um professor que detinha o conhecimento sistematizado para transmitir aos alunos. Era uma escola baseada na rígida disciplina, com punições e castigos e um sistema avaliativo que buscava retomar os conhecimentos tais e quais foram passados aos alunos.

Com o passar dos séculos, a atenção foi focada no que ensinar. Era preciso constituir um conjunto de conhecimentos que desse embasamento para que a criança e o jovem se tornassem capazes de, como adultos, terem uma visão geral da sociedade, possibilidade profissional e conhecimento de mundo em nível cultural hegemônico.

De acordo com Cambi,

Matemática e ciência, política e religião universal, ou tolerância, compreensão, diálogo, começarão a fazer parte do curriculum formativo ideal, pelo menos dos grupos sociais privilegiados e destinados a um papel de direção política (1999, p. 209, grifos do original).

É elaborado um conjunto de disciplinas que pudessem ocupar esse lugar de formar um cidadão para a sociedade. Surge, aí, a noção de currículo como diversas disciplinas fundamentais para a formação de crianças e jovens, reforçando a ideia de que a educação escolar tem um papel único que não pode ser desempenhado pelas demais instâncias de aprendizagem.

Com a Revolução Francesa, no século XVIII, um novo modelo de escola se forma, sendo Condorcet o seu principal expoente. De acordo com ele (2008), são

necessários três tipos de instrução. O primeiro tipo é uma instrução comum que se baseie em conhecimentos gerais para formação para a vida e a profissão. A segunda é uma instrução que possibilite o aperfeiçoamento na profissão a que o cidadão venha se dedicar. E a última tem caráter científico, referindo-se à produção de conhecimentos e descobertas que se destinam a toda a espécie humana.

Essas três espécies de instrução dividem-se ainda em duas partes. Com efeito, é preciso inicialmente ensinar às crianças o que lhes é útil saber, quando vierem a usufruir de seus direitos, quando vierem a exercer de modo independente as profissões para as quais se destinam. No entanto, há uma outra espécie de instrução que deve abarcar toda a vida. [...] O homem que, ao terminar sua educação, não continuar a fortalecer sua razão [...] logo verá desaparecer todo o fruto de seu trabalho dos primeiros anos [...] (CONDORCET, 2008, p. 32-33).

Percebe-se aí que Condorcet diferencia o papel da instrução de crianças – já que essas estão em fase de educação – da instrução de adultos – que tem caráter de aperfeiçoamento, exercício da razão e contribuição científica para a humanidade. Enquanto as crianças e adolescentes frequentam a escola a fim de instruírem-se para a vida social, ao mesmo tempo em que se educam como pessoas, os adultos já estão educados para a vida em sociedade, cabendo a eles não deixar de exercitarem sua razão através de outros meios de instrução que não mais a escola.

A escola, assim, vem garantir o direito da criança e do adolescente a uma instrução pública que dê acesso a conhecimentos gerais que são base para a vida de cada um em sociedade. Da mesma forma, a escola proporciona uma formação inicial para exercer uma profissão, isto é, faz com que cada criança e adolescente entenda o papel das diferentes profissões para a sociedade e tenha formação geral para exercê-la, o que é diferente de ter formação específica para um determinado tipo de trabalho.

Condorcet já afirma que “as leis pronunciam a igualdade de direitos. Só as instituições de instrução podem tornar essa igualdade real” (2008, p. 37). A escola, assim, deve ser importante instrumento para a promoção da igualdade. É por meio dela que as crianças e os jovens têm acesso a conhecimentos universais e, assim, pode-se dizer, assume uma condição de igualdade frente à sociedade humana.

Por isso, a escola é uma instituição que se estabelece de forma independente, mas se constitui através de profissionais licenciados para dar aulas, organiza seu tempo e espaço por meio de diretrizes e desenvolve os conteúdos de

ensino por meio de parâmetros nacionais. A liberdade da instituição está vinculada à organização na realidade local, mas sempre garantindo que a instrução necessária à vida pública ocorra nesse espaço.

Ainda, a escola não é um espaço constituído com a finalidade de educar-se humanamente. Essa relação é estabelecida no contato e convívio com humanos e, com certeza, também ocorrerá na escola. Porém, a escola não serve para isso, mas é espaço de instrução e de formação geral, com metodologias próprias e pessoas preparadas para esse fim. A escola não deveria suprir o que a família deixou de fazer, mas fazer o melhor para cumprir o seu papel de instruir as crianças para serem futuros cidadãos.

Essa concepção de escola forjada na modernidade é a visão que se consolida na atualidade. Para Cambi, “seja como for, a escola contemporânea, com suas características públicas, estatais e civis, com sua estrutura sistemática, com seu diálogo com as ciências e os saberes em transformação, nasceu no século XVIII” (1999, p. 328).

Trata-se de uma escola que se torna pública através da compreensão de que toda pessoa precisa passar por um processo de ensino para aprender conceitos básicos das diversas áreas do conhecimento. Só assim, poderá ter clareza do que acontece em sociedade e será realmente capaz de participar das decisões políticas enquanto adulto em uma sociedade republicana e democrática.

Daí que todos devam ter acesso à escola, pois a educação informal vivida no cotidiano da família e das experiências sociais proporciona inúmeros conhecimentos, mas não são conhecimentos embasados em pesquisas já feitas, nem sistematizados como fonte de conhecimento. A escola afirma-se por seu papel instrutivo, de transmissão de conhecimentos que serão reconstruídos pela criança e pelo adolescente na medida em que aprendem e também em seu papel de mediar sistematicamente vivências na infância para que as crianças tenham maiores possibilidades de aprender ao longo de sua vida. Na escola, portanto, há vivências educativas nas próprias ações cotidianas, porém, seu papel é o de proporcionar o ensino e a aprendizagem de conhecimentos sistematizados em uma tradição epistemológica, ou, no caso dos pequenos, proporcionar base para isso.

2.3 O sentido político da escola no âmbito das sociedades republicanas e