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Configuração e funcionamento de famílias com idosos que apresentam diferentes condições psicológicas e de saúde

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DÓRIS FIRMINO RABELO

CONFIGURAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE FAMÍLIAS COM

IDOSOS QUE APRESENTAM DIFERENTES CONDIÇÕES

PSICOLÓGICAS E DE SAÚDE

Campinas

2014

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RABELO, D. F. (2014). Configuração e funcionamento de famílias com idosos que

apresentam diferentes condições psicológicas e de saúde. Campinas: Tese de Doutorado em

Educação, Faculdade de Educação da UNICAMP.

RESUMO

Este estudo verificou a percepção de idosos quanto à configuração familiar (tipo de arranjo familiar, chefia familiar e contribuição dos idosos para o sustento da família) e ao funcionamento de suas respectivas famílias (satisfação com os relacionamentos familiares e clima familiar), considerando-se o gênero, a idade, as condições psicológicas indicadas por depressão e ansiedade e as condições de saúde indicadas por desempenho funcional, por número de doenças, sinais e sintomas e pelo envolvimento social. Foram realizados quatro estudos descritivos para analisar: 1) as relações entre a configuração familiar, o gênero, a idade e as condições psicológicas e de saúde dos idosos; 2) as relações entre a satisfação com os relacionamentos familiares, o gênero, a idade, as condições psicológicas e de saúde dos idosos e a configuração familiar; 3) as relações entre o clima familiar, o gênero, a idade, as

condições de saúde física e psicológica e a configuração familiar; 4) as relações entre as características dos idosos em termos de idade, gênero, condições de saúde física e psicológica, a configuração familiar e o funcionamento familiar. A amostra, composta por 134 idosos, foi representativa dos cadastrados no Programa de Saúde da Família de uma Unidade Básica de Saúde do município de Santo Antônio de Jesus – BA. Foram incluídos aqueles que pontuaram acima da nota de corte no Mini-Exame do Estado Mental – MEEM. A coleta dos dados foi feita nos domicílios dos idosos utilizando-se os instrumentos: Questionário de informações sociodemográficas, sobre o envolvimento social e sobre a configuração familiar; Questionário de doenças e de sinais e sintomas autorrelatados; INDEX de Independência nas Atividades de Vida Diária; Escala de desempenho de atividades instrumentais de vida diária; Escala de Depressão Geriátrica – GDS; Inventário de ansiedade de Beck – BAI; APGAR de Família; Inventário do clima familiar – ICF. Foram feitas análises de conglomerados mediante o método da partição, considerando a formação de três agrupamentos. Os resultados sugerem que a percepção do idoso quanto ao clima familiar positivo, seu lugar na hierarquia familiar e o significado desta, a função que ocupam na manutenção financeira da família e suas condições de saúde física e psicológica desempenham papel importante na explicação do funcionamento da família com e de idosos. O funcionamento familiar está mais relacionado às condições de saúde física e psicológica dos idosos do que a arranjos específicos de moradia, à idade ou ao gênero, embora estas variáveis ajudem a modelar os efeitos dessas interações.

Palavras-Chave: Relações familiares; Idosos–saúde mental; Saúde do idoso; Características

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RABELO, D.F. (2014). Configuration and functioning of families with elderly members who have different psychological and health conditions. Campinas: Doctoral Thesis in Education, Faculty of Education at the State University of Campinas, Brazil.

ABSTRACT

The aim of this study was verify the elderly perception of the family configuration (household arrangement, family leadership and financial contribution) and the functioning of their respective families (family relationships satisfaction and family climate), considering gender, age, psychological health (depression and anxiety) and physical health (functional performance, number of diseases, signs and symptoms and social involvement). Four descriptive studies was conducted to analyze: 1) relations between the family configuration, gender, age and psychological and physical health; 2) the relationships between family relationships satisfaction, gender, age, psychological and health conditions and the family configuration; 3) relations between the family climate, gender, age, the elderly physical and psychological health conditions and family configuration; 4) the relationships between the characteristics of elderly people in terms of age, gender, physical and psychological health conditions, family configuration and family functioning.The 134 older people sample, was representative of registered in the Health Family Program in a basic health Unit in Santo Antônio de Jesus-Bahia. We included those who scored above the cutoff score on the

Mini-Mental State Examination – MMSE. The data collection was made in the elderly households using the tools: demographic information, survey on social involvement and about the family configuration; Diseases survey of self-reported signs and symptoms; INDEX of Independence in activities of daily living; Performance range of instrumental activities of daily living; Geriatric depression scale-GDS; Beck anxiety inventory-BAI; Family APGAR; Family Climate Inventory – ICF. Conglomerates analysis by partition method, considering the formation of three groups, was performed. The results suggest that the elderly perception of positive family climate, his place in the family hierarchy and the significance of this role, financial maintenance of the family and their physical and psychological health conditions play an important role in the explanation of the elderly family functioning. The family functioning is more related to the elderly physical and psychological health conditions than the specific housing arrangements, age or gender, although these variables help to model the effects of these interactions.

Keywords: Family Relations; Elderly-mental health; Health of the elderly; Family

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 01 1. A família numa perspectiva sistêmica... 06

2. A velhice como último estágio do ciclo de vida

familiar... 13 3. As configurações familiares e as transferências intergeracionais de

recursos... 22 4. A complexidade emocional dos relacionamentos intergeracionais e a saúde

mental dos idosos... 5. Conclusões... UM ESTUDO SOBRE A CONFIGURAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DE FAMÍLIAS COM IDOSOS QUE APRESENTAM DIFERENTES CONDIÇÕES PSICOLÓGICAS E DE SAÚDE: O CONTEXTO, OBJETIVOS E MÉTODO.

29 44 1. O Contexto... 2. Objetivos ... 46 47 3. Método... . 48 4. Análise de dados... 5. Plano de apresentação dos resultados ...

54 54 ESTUDO 1... ESTUDO 2... ESTUDO 3... ESTUDO 4... 56 77 96 119 CONCLUSÕES... 140 REFERÊNCIAS... 148 ANEXOS... 161

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AGRADECIMENTOS

À minha Orientadora Dra. Anita Liberalesso Neri, sou muitíssimo grata pela maravilhosa experiência profissional e pessoal ao longo de vários anos e durante o doutorado, pela maneira carinhosa de compartilhar seu conhecimento, e por ter creditado confiança no meu trabalho. Ao meu esposo, Edmar Henrique Dairell Davi pelo seu amor, companheirismo, compreensão e incentivo ao meu crescimento.

À toda minha família que sempre torceu pelo meu sucesso, em especial minha mãe, Claudia Barbosa Firmino Rabelo pelo apoio e dedicação que sempre me ofertou e à minha avó Normy Barbosa Firmino pelo exemplo de vida.

Aos idosos participantes desta pesquisa que generosamente nos receberam em suas casas. Aos docentes do Programa de Pós-graduação em Educação e em Gerontologia por terem contribuído com meu desenvolvimento profissional.

Aos meus auxiliares de pesquisa, discentes da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Ao estatístico Helymar da Costa Machado pelo tratamento dos dados.

A todos aqueles que direta ou indiretamente colaboraram para o enriquecimento da minha formação pessoal e profissional.

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LISTADEQUADROS

Quadro 1: Tipologia da solidariedade intergeracional (Bengtson; Roberts, 1991)... 37 Quadro 2: Tipos de abuso e maus tratos a idosos... 41 Quadro 3: Variáveis e instrumentos. Estudo Configuração e funcionamento de

famílias com idosos que apresentam diferentes condições psicológicas e de saúde. Idosos, Santo Antônio de Jesus-BA, 2011... 52

Quadro 4: Síntese dos resultados de quatro estudos descritivos e respectivas

configurações de multivariação entre as variáveis idade, gênero, condições de saúde física e psicológica, configuração e funcionamento familiar. Santo Antônio de Jesus,

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LISTADETABELAS

Tabela 1: Distribuição das variáveis sociodemográficas da amostra do Estudo

Configuração e funcionamento de famílias com idosos que apresentam diferentes condições psicológicas e de saúde. Idosos, Santo Antônio de Jesus-BA, 2011... 50

ESTUDO 1

Tabela 1: Tamanho dos clusters conforme análise das variáveis idade, gênero, configuração familiar e condições de saúde física e psicológica. Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Idosos, 2011... 64 Tabela 2. Resultados da análise de conglomerados conforme as variáveis idade, gênero, configuração familiar e condições de saúde física e psicológica. Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Idosos, 2011... 65 Tabela 3. Frequência de idosos nos três grupos obtidos na análise multivariada em que entraram as variáveis idade, gênero, configuração familiar e condições de saúde. Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Idosos, 2011... 66

ESTUDO 2

Tabela 1: Tamanho dos clusters conforme análise das variáveis idade, gênero, configuração familiar, condições de saúde física e psicológica e satisfação com os relacionamentos familiares. Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Idosos, 2011... 85 Tabela 2. Resultados da análise de conglomerados conforme as variáveis idade, gênero, condições de saúde física e psicológica, configuração familiar e satisfação com os relacionamentos familiares. Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Idosos, 2011... 86 Tabela 3. Frequência de idosos nos três grupos obtidos na análise multivariada em que entraram as variáveis idade, gênero, configuração familiar, condições de saúde física e psicológica, e satisfação com os relacionamentos familiares. Santo Antônio de Jesus,

Bahia, Brasil. Idosos, 2011... 87

ESTUDO 3

Tabela 1: Tamanho dos clusters conforme análise das variáveis idade, gênero, configuração familiar, condições de saúde física e psicológica e clima familiar. Santo

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Tabela 2. Resultados da análise de conglomerados conforme as variáveis idade, gênero, condições de saúde física e psicológica, configuração e clima familiar. Santo

Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Idosos, 2011... 105 Tabela 3. Frequência de idosos nos três grupos obtidos na análise multivariada em que

entraram as variáveis idade, gênero, configuração familiar, condições de saúde física e psicológica e clima familiar. Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Idosos, 2011... 106

ESTUDO 4

Tabela 1: Tamanho dos clusters conforme análise das variáveis idade, gênero, condições de saúde física e psicológica, configuração e funcionamento familiar. Santo

Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Idosos, 2011... 127 Tabela 2. Resultados da análise de conglomerados conforme as variáveis idade,

gênero, condições de saúde física e psicológica, configuração e funcionamento familiar. Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Idosos, 2011... 128 Tabela 3. Frequência de idosos nos três grupos obtidos na análise multivariada em que

entraram as variáveis idade, gênero, condições de saúde física e psicológica, configuração e funcionamento familiar. Santo Antônio de Jesus, Bahia, Brasil. Idosos,

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LISTADEANEXOS

1. Questionário de informações sociodemográficas, configuração familiar e envolvimento social... 162 2. Questionário de doenças e de sinais e sintomas auto-relatados (NERI; GUARIENTO, 2011)... 163 3. INDEX de Independência nas Atividades de Vida Diária de Katz (KATZ et al, 1963; LINO et al, 2008)... 164 4. Escala de Lawton (LAWTON; BRODY, 1969; BRITO; NUNES; YUASO, 2007)... 165 5. Mini-Exame do Estado Mental (FOLSTEIN, FOLSTEIN, MCHUGH, 1975; BERTOLUCCI et. al., 1994; BRUCKI et. al., 2003)... 166 6. Escala de Depressão Geriátrica – GDS (YESAVAGE et al, 1983; ALMEIDA; ALMEIDA, 1999)... 167 7. APGAR de Família (SMILKSTEIN, 1978; BRASIL, 2006)... 168 8. Inventário do clima familiar – ICF (TEODORO, 2006)... 169 9. Aprovação no comitê de ética em pesquisa da faculdade Maria Milza – FAMAM,

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INTRODUÇÃO

A família vem ganhando novos significados e novas referências na sociedade brasileira contemporânea, em decorrência de importantes mudanças sociais que marcaram as últimas décadas, entre elas a urbanização, a diminuição das taxas de natalidade, o aumento da longevidade, a profissionalização da mulher, o aumento no número de divórcios e de recasamentos e a diminuição dos espaços domésticos. As famílias tornaram-se menores e com menor número de membros em cada geração, passou a ser cada vez mais provável contar com membros idosos e muito idosos entre seus componentes e diminuiu a disponibilidade de pessoas para exercer o cuidado aos mais velhos dependentes. Vem aumentando a taxa de chefia familiar exercida por idosos, principalmente em contextos de pobreza, onde eles são solicitados não só a garantir o próprio sustento, como também a oferecer apoio financeiro direto aos filhos e aos netos e a desempenhar papeis produtivos no âmbito da família, por exemplo, cuidar de crianças, da casa e de outros parentes (CAMARANO et al, 2004).

A instituição de valores mais igualitários e de uma cultura mais individualista modificou as relações entre as gerações, antes alicerçadas em um modelo hierárquico, baseado na autoridade, que valorizava a tradição e a continuidade dos costumes e que colocava as demandas familiares acima das demandas individuais (BORGES; ROCHA-COUTINHO, 2008). Progressivamente assimiladas pelo cotidiano familiar, as novas expressões da igualdade e da liberdade originaram formas mais democráticas de negociação de tarefas e responsabilidades. Como consequência, a convivência familiar alcançou grande dinamismo e vem sendo constantemente desafiada pela variação em limites, aspirações, metas e motivações para conviver (PETRINI, 2005). Emergiram novas formas de relacionamento entre as gerações. Diversificaram-se as funções do idoso na família e a maneira pela qual as trocas sociais entre os membros são construídas. A heterogeneidade de posições que podem ser ocupadas pelo idoso no âmbito familiar vem exigindo grande flexibilidade na realização de trocas instrumentais e afetivas (DEBERT; SIMÕES, 2011). No entanto, ainda não ocorreu a completa substituição de um modelo mais tradicional por outro mais contemporâneo de família. Coexistem ideais da família hierárquica e da família igualitária, como resposta à necessidade de compatibilizar a individualidade com a reciprocidade entre os membros.

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Assim, não existe hoje um único ou dominante modelo de família. O que se observa é uma combinação de estratégias e uma pluralidade de padrões de convivência e de relações familiares (BORGES; ROCHA-COUTINHO, 2008).

Apesar das alterações que a família sofreu nas últimas décadas, e mesmo considerando o aumento da demanda por apoio formal, ela ainda é o sistema de suporte mais presente na vida dos idosos. Permanece comprometida com seus membros mais velhos, em razão da vigência de valores culturais fundamentais à sociabilidade, entre eles a solidariedade entre as gerações. Os apoios familiares concretizam-se no intercâmbio de recursos materiais, instrumentais, afetivos e informativos recebidos e oferecidos pelos indivíduos. A convivência proporciona condições para a realização e a satisfação das necessidades dos membros, incluindo as de saúde. As experiências e as informações acumuladas pela família influenciam a prevenção, o tratamento e o controle de doenças bem como as formas de enfrentamento do adoecimento. Conviver de forma saudável com um familiar idoso e ampará-lo quando necessário, especialmente quando existem comprometimentos da saúde, são elementos importantes para uma dinâmica familiar positiva e para a saúde psicossocial de seus membros (LOPES; CALDERONI, 2007).

As relações familiares têm sido apontadas em vários estudos como elementos importantes para o envelhecimento bem-sucedido e para a qualidade de vida na velhice. Por exemplo, Moraes e Souza (2005) verificaram que as relações familiares, as amizades, o bem-estar, a saúde percebida, a capacidade funcional e o suporte psicossocial associam-se significativa e independentemente com envelhecimento bem-sucedido. Idosos entrevistados por Vilela, Carvalho e Araújo (2006) relataram que necessidades afetivas não satisfeitas são ocasião para um envelhecimento não saudável. Os idosos esperam que essas necessidades sejam satisfeitas principalmente pelos familiares, dos quais esperam maior atenção, reconhecimento, aceitação e paciência. Qualidade de vida significa, para os idosos, poder manter fortalecidos os vínculos com a família, contribuir para a educação dos descendentes, auxiliar vizinhos e amigos de maneira a solidificar a rede de suporte social e vivenciar uma dinâmica familiar positiva (TORRES et al, 2009; VECCHIA et al, 2005). Octogenários apontam os problemas familiares como um importante determinante de baixa qualidade de vida (XAVIER et al, 2003). Segundo

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dados de Ferretti, Nierotka e Silva (2011) a família é essencial para que o idoso se perceba saudável e tem papel central nas redes de apoio que o envolvem.

Enquanto um sistema interdependente, a família tem funcionamento dinâmico e está sujeita às transformações exigidas ao longo do curso de vida. Os idosos enfrentam questões como as perdas características do envelhecimento, as consequências de problemas de saúde, as mudanças em papéis sociais mais amplos e as mudanças nas relações intergeracionais. Demandas relativas aos eventos de vida precisam ser resolvidas e negociadas dentro de uma estrutura interpessoal que envolve papéis, regras, funções e necessidades específicas. No cumprimento dessas exigências a família busca o equilíbrio do sistema familiar. Para tanto, deve estar preparada para a convivência intergeracional e para a resolução dos conflitos que

podem emergir (CARTER; MCGOLDRICK, 1995). As características e a qualidade relacional das famílias que contam com um ou mais idosos entre seus membros refletem-se na estrutura domiciliar e na percepção do funcionamento familiar.

A configuração familiar envolve aspectos mais objetivos da organização familiar, tais como o arranjo de moradia atual e a posição do idoso dentro da família, determinada pelo desempenho do papel de chefe, que se associa à contribuição financeira. A estrutura domiciliar é um indicativo das necessidades de várias gerações, das transferências intergeracionais de recursos e das condições socioeconômicas e de saúde dos membros (CAMARANO et al, 2004). A percepção do funcionamento familiar refere-se ao universo subjetivo. Dele fazem parte as concepções sobre a coesão, o apoio, o conflito e a hierarquia familiar (TEODORO; ALLGAYER; LAND, 2009). Essas concepções influenciam fortemente as maneiras como as famílias distribuem recursos e enfrentam momentos de transição, conflitos e adversidades. O grau de satisfação dos membros da família com os relacionamentos familiares é um indicador importante do funcionamento familiar porque reflete não só aspectos objetivos das relações familiares, como também os valores, as expectativas e as crenças internalizadas pelos seus membros (SILVERSTEIN, 2006).

A idade dos membros da família e o fato de ela conter membros de uma, duas ou três gerações acarretam diferenças importantes em sua dinâmica, porque cada tipo de família tem

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necessidades e obrigações diferentes. O gênero, a idade e a condição econômica dos idosos que integram uma família na qual convivem seus filhos, netos e bisnetos criam uma dinâmica própria que envolve as funções, os papéis e os relacionamentos familiares. O grau de vulnerabilidade física e psíquica dos idosos, espelhada em limitações funcionais físicas pode afetar o equilíbrio da estrutura familiar. A extensão do desequilíbrio pode colocar em risco a capacidade assistencial da família. Idosos com depressão e ansiedade, condições psicológicas indicadoras de desregulação emocional, têm forte impacto sobre o suporte social oferecido pela família e sobre a percepção que seus membros têm sobre seu funcionamento. Quanto maior a funcionalidade familiar, melhor será a resposta da família às demandas da velhice e melhor será a qualidade de vida dos idosos. A funcionalidade familiar e a qualidade emocional dos vínculos familiares dependem da maneira como o sistema foi organizado ao longo do tempo, dos padrões que foram estabelecidos e das formas de ajustamento vigentes na família (FALCÃO; BAPTISTA, 2010; ANDRADE; MARTINS, 2011).

Pelo fato de ser fonte primária de suporte e o principal recurso potencializador da saúde física e mental dos idosos que nela convive, a família ocupa lugar de destaque na agenda social e no debate político, histórico, sociológico, psicológico e de saúde das sociedades. Compreender as variações correntes na configuração e no funcionamento da família brasileira que têm idosos entre seus membros e que vivem em contextos de pobreza, é um desafio que se abre para a pesquisa voltada ao atendimento das necessidades da população. Os dados resultantes poderão interessar aos gestores de políticas públicas e aos profissionais de saúde. Do ponto de vista teórico, é importante compreender a configuração e o funcionamento familiar porque a qualidade das relações familiares e os padrões de interação podem ser relacionados com o desenvolvimento e com o curso de diversas condições de saúde física e psicológica dos idosos. As famílias com membros idosos enfrentam vários desafios emocionais, financeiros, legais e instrumentais. A percepção sobre o grau em que as necessidades dos idosos devem ser satisfeitas relaciona-se com a provisão de suporte e com um funcionamento familiar saudável. A literatura brasileira sobre o assunto é escassa e atualmente está limitada principalmente à perspectiva do cuidador familiar. Conhecer o ambiente familiar a partir da perspectiva dos idosos pode contribuir para o desenvolvimento de estratégias de intervenção mais eficazes de

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promoção da saúde, contribuir para o esclarecimento do impacto de diferentes condições físicas e psicológicas sobre a família e fundamentar programas direcionados a comunidades menos favorecidas.

Os sistemas público e privado de saúde são constantemente desafiados a dar respostas eficazes às necessidades dos idosos, adequando-se aos valores e às praticas culturais e estabelecendo relações de parceira e corresponsabilidade entre familiares e profissionais. Dados de pesquisa sobre a configuração e o funcionamento de famílias com idosos podem ser úteis a essas agências, em processos de intervenção familiar que visem ao estabelecimento e à manutenção de estruturas familiares mais coesas e responsivas às necessidades de todos os seus membros. Podem ser úteis em situações de treinamento de profissionais para atuar junto à população idosa e na promoção de boas relações entre a família e a comunidade.

Foram realizados quatro estudos sobre a configuração e o funcionamento familiar, considerando-se o gênero, a idade, as condições psicológicas indicadas por depressão e ansiedade e as condições de saúde indicadas por desempenho funcional, por número de doenças, sinais e sintomas e pelo envolvimento social, fundamentado no paradigma sistêmico sobre a família. A configuração foi indicada pelo tipo de arranjo familiar, chefia familiar e contribuição dos idosos para o sustento da família e o funcionamento, pela satisfação dos idosos com a dinâmica dos relacionamentos familiares e pelo o clima familiar.

No texto que segue será apresentada a fundamentação teórica, começando pela concepção sistêmica de família. Nesta visão, a interconectividade é o principal fundamento do funcionamento da família e busca compreender como o sistema familiar se adapta e se reorganiza frente a estressores. No tópico seguinte, a família será apresentada sob o ponto de vista de sua historicidade, em termos de ciclos caracterizados pela interação dos membros individuais e do sistema familiar com pressões externas e internas que geram exigências para a adaptação. Ênfase será dada à última fase da vida das famílias, qual seja, a que coincide com a presença de idosos entre seus membros. No terceiro tópico será considerada a questão das transferências intergeracionais de recursos nas diferentes configurações familiares, em interação com características pessoais dos membros, com eventos situacionais, com a situação

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econômica e a saúde, a funcionalidade e a afetividade dos residentes. O quarto item será dedicado ao tratamento das relações emocionais que se estabelecem entre as gerações e do seu impacto sobre a saúde mental dos idosos. O argumento central é que a regulação dos relacionamentos sociais no âmbito da família está associada com a habilidade de seus membros de regular e manejar as emoções. Esta habilidade é crucial à harmonia das relações familiares e intergeracionais nos sistemas familiares.

1. A FAMÍLIA NUMA PERSPECTIVA SISTÊMICA

A literatura sobre a estrutura, o desenvolvimento e o funcionamento da família, assim como modelos de avaliação e intervenção familiar é bem diversificada. Porém, uma concepção comumente compartilhada é a de que a família é um sistema. O paradigma sistêmico sobre a família assume como principal fundamento o da interconectividade existente no grupo familiar, a qual preside o constante processo de realimentação dos comportamentos dos membros. Admite que, ao operar como um sistema, a família exerce efeitos sobre os indivíduos e seu curso de vida, assim como cada membro individual afeta o funcionamento do grupo como um todo e seu desenvolvimento (PIERCY, 2010).

A concepção de família como um sistema foi desenvolvida por volta dos anos 1950. Estenderam-se para o sistema familiar os conceitos teóricos desenvolvidos pela teoria geral dos sistemas e pela cibernética, que tinham a pretensão transdisciplinar de desenvolver princípios aplicáveis a qualquer sistema, fossem eles biológicos ou sociais. Essa perspectiva representou um salto para o entendimento da família, ao passar do pensamento linear (causa-efeito) para o circular (padrão interativo) e ao deslocar o foco do indivíduo (intrapsíquico) para o das relações (interrelacional). A dinâmica familiar passou a ser vista como o produto de um sistema, com propriedades que emergem do seu funcionamento sistêmico (SANCHEZ, 2012).

O pensamento sistêmico fornece um quadro conceitual para as tentativas de descrever as interações complexas que se dão ao longo do tempo entre os membros da família. Os

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relacionamentos e a natureza das interações entre os elementos do sistema são vistos como tão importantes quanto os próprios elementos. O desenvolvimento do estresse é visto dentro de uma matriz contextual, de contornos culturais e sociais. Como premissas, essa perspectiva inclui a totalidade e a não-somatividade, a homeostase, a morfogênese, os processos de feedbacke a equifinalidade (GRANDESSO, 2000). Segundo os princípios da totalidade e da não somatividade, o todo é maior ou diferente da soma das partes, isto é, o próprio sistema familiar tem qualidades que excedem as dos membros individuais. Todo sistema se comporta de maneira que a mudança em uma parte do sistema provoca mudança em outras subpartes e no sistema como um todo. A homeostase é um processo de autorregulação que mantém a estabilidade do sistema, preservando o seu funcionamento. A morfogênese diz respeito à espontaneidade dos sistemas vivos, sua abertura ao meio e sua capacidade de absorver estímulos e mudar sua organização. Os processos de feedback do sistema familiar podem aumentar a estabilidade ou provocar mudança. A equifinalidade é uma característica representada pela noção de que diferentes condições iniciais podem gerar o mesmo resultado, bem como diferentes resultados podem ser gerados pela mesma condição inicial, num processo regido pelos princípios da multicausalidade e da multidetermiação.

Os sistemas complexos têm capacidade de auto-organização, por meio das ações de seus elementos, que funcionam de forma interdependente. Por meio da retroinformação, a família regula entradas e saídas para que o sistema como um todo possa se adaptar. Trata-se de um processo circular em que a ação de um membro da família tem consequências que influenciarão suas próprias ações futuras e as ações do próprio sistema. A retroalimentação negativa funciona para manter a homeostase enquanto que os feedbacks positivos respondem pela morfogênese. A adaptabilidade do sistema diz respeito ao equilíbrio advindo da tendência à homeostase e da capacidade de transformação (NICHOLS; SCHWARTZ, 2007).

Um evento estressante cria a necessidade de reorganização do sistema e de adaptação. Quando os padrões habituais são perturbados, por exemplo, por um evento de vida, o sistema tenta restabelecê-los e recuperar a homeostase, ou seja, a família afetada tentará ajustar-se à nova

situação utilizando os padrões existentes. Quando os padrões habituais não funcionam mais, a família passa por um período de desequilíbrio desencadeado pela necessidade de modificar os

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padrões existentes, até alcançar o equilíbrio novamente. Mudanças são presididas por períodos de desequilíbrio, que podem funcionar como oportunidades para o crescimento ou para o movimento em busca de oportunidades. No entanto, se os recursos são insuficientes ou se o sistema não se envolver na ativação de processos de solução de problemas ou de geração de novos recursos, a adaptação e o consequente crescimento podem não ocorrer (WALSH, 2011). Não há uma elaboração teórica homogênea sobre a família dentro do pensamento sistêmico, o que reflete a complexidade do fenômeno. Para a escola estrutural sistêmica, cujo expoente é Salvador Minuchin (1982), três componentes são essenciais para a compreensão da família: estrutura, subsistemas e fronteiras. O sistema familiar tem uma estrutura, isto é, uma forma de funcionamento dada por um conjunto invisível de regras que organizam a interação familiar. A estrutura da família está relacionada com seu funcionamento. Em um sistema complexo de elementos em mútua interação, cada membro faz parte de um subsistema e de um sistema, em uma relação de complementaridade e mutualidade. Os subsistemas familiares são caracterizados pelo grau de reciprocidade entre os membros, pelo equilíbrio do poder e pela qualidade afetiva dos relacionamentos. Respondem a demandas específicas associadas ao desempenho dasfunções conjugais, parentais, filiais e fraternas, que se diferenciam por meio de fronteiras ou barreiras invisíveis que regulam o contato e os limites de interação com os outros, definem os espaços subjetivos de cada membro e delimitam seus papéis. Essas fronteiras protegem a autonomia e a diferenciação do sistema e dos subsistemas, e assim, ajudam os membros da família a lidar com a proximidade e com a hierarquia (AUN, VASCONCELLOS; COELHO, 2007).

A permeabilidade das fronteiras permite as trocas materiais, de informação e emocionais entre as pessoas. Segundo Minuchin (1982), as famílias podem apresentar fronteiras rígidas (são restritivas, resultam em isolamento e distanciamento e limitam a afeição e a ajuda), nítidas (sinalizam a diferenciação e permitem contato e troca) ou difusas (revelam intromissão e emaranhamento emocional e fornecem apoio mútuo às custas da independência e da autonomia dos membros). Podendo ir de um extremo emaranhamento até o desligamento, as fronteiras não representam uma característica definitiva, mas um processo pelos quais os padrões relacionais do sistema passam ao longo da vida familiar, enquanto exercem suas

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funções. Quando os subsistemas têm fronteiras claras e definidas, mas dinâmicas e flexíveis, as associações relacionais são mais adaptáveis às mudanças no ciclo de vida familiar e às mudanças sociais externas.

Na estrutura familiar há sempre algum tipo de hierarquia e os níveis de poder se diferenciam segundo o subsistema a qual pertencem. Cada membro familiar participa de vários subsistemas. A liderança é necessária, e geralmente é assumida pelo subsistema parental, evidenciando que os pais funcionam em níveis de autoridade e poder diferentes dos filhos. A hierarquia envolve a compreensão de como é estabelecida a relação de poder entre pessoas, subsistemas ou gerações e é fundamental para a diferenciação de papéis na família. O padrão de autoridade precisa ser flexível e adaptável ao processo de desenvolvimento dos membros da família, por exemplo, à medida que os filhos se diferenciam enquanto indivíduos e se tornam autônomos ou quando os pais tornam-se dependentes por motivo de doença física ou mental (COELHO, 2007).

A família compreendida como funcional não é aquela caracterizada pela ausência de problemas, mas sim a que permite o desenvolvimento adequado, saudável ou adaptado de todos os seus membros. A interação entre os membros da família é mediada pela comunicação, pelas trocas de informação e de suporte, pelo desenvolvimento e pela transmissão de significados. O sistema familiar estabelece regras, hierarquia e limites quanto à abertura em relação a quem e a como alguém pode participar do sistema. Busca acordos entre os membros e desenvolve redes para o enfrentamento de uma variedade de situações estressantes (WAGNER; TRONCO; ARMANI, 2011). O sistema familiar se organiza como uma estrutura de relações com exigências funcionais para que todos os seus membros assumam papéis e desempenhem tarefas, interajam, resolvam problemas, respondam uns aos outros e se comuniquem. O funcionamento familiar é harmônico quando os papeis e as tarefas são negociadas considerando-se as necessidades circunstanciais e a disponibilidade dos membros, e quando o grupo familiar é capaz de responder a solicitações, conflitos e situações críticas, ao mesmo tempo em que cumpre suas funções essenciais. Um funcionamento insatisfatório reflete-se nos membros individuais e na família como um todo e o desenvolvimento.

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Os estudos sobre família têm apontado a coesão e a hierarquia como duas dimensões básicas à descrição da organização familiar (MINUCHIN, 1982). A coesão é definida como vínculo, proximidade emocional ou sentimento de estar conectado ao grupo. É uma propriedade dos subsistemas e dos sistemas familiares com maior bem-estar psicossocial. A hierarquia é definida como uma estrutura de poder que envolve influência, controle (criação de regras e imposição de limites), poder decisório e adaptabilidade. Quando auxilia a manter o equilíbrio no sistema familiar, o exercício de poder é adaptativo. Assim, o funcionamento familiar saudável está relacionado ao relacionamento igualitário do casal (equilíbrio de poder) e à superioridade dos pais sobre os filhos. Famílias estressadas têm maior probabilidade de demonstrar inversão dessa hierarquia, que pode levar ao colapso no funcionamento da família (GEHRING; MARTI, 1993; GEHRING; MARTI; SIDLER, 1994).

O modelo circumplexo dos sistemas conjugal e familiar proposto por Maynard e Olson (1987) destaca três dimensões: a coesão, a adaptabilidade e a comunicação. A coesão reflete a maneira como o sistema equilibra separação versus união. Segundo Olson e Gorall (2003), existem cinco níveis de coesão: emaranhado (coesão muito alta), conectado (coesão moderada), separado (coesão baixa) e desligado (coesão muito baixa). Os níveis centrais ou equilibrados de coesão geram um funcionamento familiar e conjugal equilibrado, enquanto os níveis extremos ou desequilibrados (desligado ou emaranhado) estão relacionados a problemas nos relacionamentos. É esperado que os níveis de coesão mudem momentaneamente para que o sistema lide com os estressores, e que mudem ao longo do tempo para acomodar as mudanças evolutivas dos membros. Um sistema equilibrado é aquele que pode experimentar níveis extremos quando apropriado, mas que em seguida volta aos níveis basais de funcionamento.

A flexibilidade familiar diz respeito a como o sistema equilibra estabilidade com mudança (MAYNARD; OLSON, 1987). Caracteriza-se pela habilidade do sistema conjugal e familiar para mudar a estrutura de poder, a liderança (controle e disciplina), os papéis e as regras, em resposta aos eventos de vida. Como ocorre com a coesão, a permanência prolongada nos níveis extremos pode ser problemática, gerando inflexibilidade ou flexibilidade caótica.

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Relacionamentos bem estruturados e estáveis são capazes de mudar de maneira mais funcional.

Terceira dimensão do modelo circumplexo, a comunicação é considerada uma facilitadora da alteração dos níveis de coesão e flexibilidade e está relacionada às habilidades de escuta (empatia e saber ouvir atentamente), de fala (falar por si mesmo), de autorrevelação (compartilhar sentimentos) e de respeito e consideração (aspectos afetivos da comunicação). Sistemas equilibrados quanto à coesão e à flexibilidade tendem a ter uma boa comunicação. Estas dimensões funcionam segundo as expectativas e as normas sociais e culturais. As noções de equilíbrio e desequilíbrio podem variar segundo a etnia ou ao grupo religioso aos quais a família pertence.

Gehring e Marti (1993) consideram que a combinação entre coesão e hierarquia define a estrutura relacional familiar. Acreditam que essa combinação funciona num contínuo que inclui os níveis equilíbrio, equilíbrio instável e desequilíbrio. Uma estrutura equilibrada é indicada por coesão moderada ou alta e por hierarquia moderada. O equilíbrio instável é representado por coesão moderada combinada com baixa ou alta hierarquia, ou por baixa coesão combinada com moderada hierarquia. Estruturas desequilibradas apresentam escores extremos nas duas dimensões.

A avaliação das características dos relacionamentos intrafamiliares pelos membros reflete o ambiente ou o clima familiar e pode contribuir para o entendimento teórico e clínico da dinâmica familiar. Teodoro, Allgayer e Land (2009) apontam os atributos coesão, apoio, hierarquia e conflito como aspectos críticos do clima familiar. Um clima positivo guarda relação inversa com a intensidade de problemas emocionais de seus membros. Segundo Björnberg e Nicholson (2007), o clima familiar é um processo que inclui comunicação aberta, adaptabilidade, autoridade intergeracional, atenção às necessidades das gerações e coesão emocional e cognitiva.

O clima familiar pode ser analisado à luz das relações interpessoais entre os membros, que, segundo Montiel-Nava, Montiel-Barbero e Peña (2005), comportam três dimensões:

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relacionamento, crescimento pessoal e manutenção do sistema. A dimensão relacionamento reflete-se em coesão, expressividade e conflito. A dimensão crescimento pessoal diz respeito ao grau em que a família permite e ajuda os membros a se desenvolverem como únicos, independentes e orientados à realização e às atividades intelectuais, culturais e recreativas. Engloba também a ênfase nos aspectos religiosos. A dimensão manutenção do sistema inclui aspectos de controle e organização que permitem à família funcionar como um todo organizado.

A família tem uma cultura própria que é regida por regras, valores e crenças. Segundo Naves e Jesus (2005), sua funcionalidade é fruto do equilíbrio entre a cultura das relações interpessoais (coesão/conflito, sentimento de pertença; afetividade e comunicação), a cultura da heurística (capacidade de adaptação à mudança, criatividade), a cultura da hierarquia (regras, os papeis, os limites) e a cultura dos objetivos sociais (objetivos sociais, pressão social, competitividade). O equilíbrio refere-se à flexibilidade e à rigidez, que devem complementar-se em proporções mais ou menos simétricas, frente às demandas internas e externas do sistema. A disfuncionalidade reflete a incapacidade de obter equilíbrio entre os vários aspectos desse complexo processo e não se caracteriza apenas pela presença do conflito, mas também pela dificuldade de lidar com ele de forma eficaz. O conflito pode colocar a adaptação familiar em risco, quando afeta significativamente a coesão. Também pode ser um veículo de mudança e de reestruturação e, como tal, é indispensável ao desenvolvimento das relações familiares. Em qualquer fase do desenvolvimento, a funcionalidade da família reflete-se na capacidade de adaptação e mudança, na capacidade de enfrentar a pressão social, nos recursos afetivos e na organização de papéis, normas e regras.

No âmbito das disfunções familiares, Osorio (2009) descreve dois fenômenos que podem causar sofrimento no campo relacional da família: o divórcio e as cisões intra e inter geracionais. O divórcio gera questões de ordem financeira, social e emocional. É disfuncional se as etapas de seu ciclo não se sucedem dentro do esperado ou se o sofrimento imposto aos membros da família impede a execução das tarefas correspondentes ao seu ciclo de vida. As cisões intrageracionais são situações de conflito entre pessoas de uma mesma geração; as intergeracionais envolvem conflitos entre pessoas de gerações diferentes. São exemplos das

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primeiras as brigas entre irmãos por dinheiro e outros bens materiais. Exemplificam cisões intergeracionais os conflitos entre pais e filhos decorrentes de desacordos com relação às escolhas afetivas ou profissionais destes últimos. A violência, o abandono e os abusos também são instâncias de disfuncionalidade familiar.

A família sofre constantes pressões externas e internas, tais como doenças, morte, nascimentos, casamentos e separações, que requerem constante transformação nas relações e nas posições dos membros dentro do sistema. Se a família responde com rigidez aos diferentes eventos estressantes, podem ocorrer padrões disfuncionais. Como os membros operam como um sistema e estão ligados de várias maneiras ao longo da vida, os desafios e transições do ciclo vital determinam a forma de ser e de estar da família e determinam como as situações são vivenciadas, segundo suas forças e vulnerabilidades. A compreensão dos problemas que os idosos e seus familiares vivenciam depende das características dos eventos de transição, dos padrões familiares e das relações inter e intrageracionais. As relações familiares são moldadas pela história de vida dos seus membros e pelas circunstâncias históricas específicas que os afetam e afetam o sistema familiar ao longo das respectivas existências (CARTER; MCGOLDRICK, 1995).

2. A VELHICE COMO ÚLTIMO ESTÁGIO DO CICLO DE VIDA FAMILIAR

O desenvolvimento humano é um processo de curso de vida, é multidimensional e multidirecional, inclui a ocorrência simultânea de ganhos e perdas em várias dimensões do funcionamento e é demarcado por eventos normativos e não-normativos. Os cursos de vida individuais são únicos e ocorrem em contextos históricos e sociais em contínua transformação (PIERCY, 2010). O curso de vida familiar é igualmente de longa duração, contextualizado, multidimensional, sujeito a ganhos e perdas concorrentes e demarcado por eventos de transição. Seus membros individuais e a família como sistema cumprem trajetórias de tarefas evolutivas que se influenciam reciprocamente (DESSEN; COSTA JÚNIOR, 2005). Para Hoffman (1995), a família não muda numa linha suave e contínua, mas em saltos

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descontínuos. Pressões e tensões podem significar disfuncionalidade momentânea, sinalizando uma nova e mais complexa integração. Porem, quando a solução dos problemas é impedida ou retardada, podem sobrevir problemas duradouros de adaptação.

As respostas da família aos eventos de transição da vida de seus membros e do sistema como um todo dependem da história familiar compartilhada, das normas sociais sobre o significado dos eventos, dos comportamentos e papéis esperados, das crenças compartilhadas com relação às fases da vida e à duração e à sequência dos eventos (PIERCY, 2010). Os eventos de transição costumam gerar estresse familiar. Geralmente os membros são capazes de enfrenta-lo e supera-enfrenta-lo (COELHO, 2007), mas o estresse pode ser intensificado por conflitos intergeracionais com relação a valores e a expectativas de comportamento.

A necessidade de adaptação simultânea de várias gerações produz tensão. Segundo Carter e McGoldrick (1995), existem estressores horizontais e verticais no ciclo de vida familiar. Os primeiros são de natureza evolutiva, podendo ser normativos ou não-normativos. Os segundos incluem os padrões, mitos, segredos, tabus e rótulos, assim como as expectativas e os legados familiares, e são transmitidos para as gerações seguintes. Para Levy e Féres-Carneiro (2008), se, ao longo da história familiar, determinados conflitos são minimizados ou evitados e as emoções são anestesiadas, uma mudança brusca pode desorganizar o equilíbrio do grupo, fazendo eclodir uma crise reveladora de sentimentos de ameaça à integridade do self, dando origem a intenso sofrimento associado à percepção de descontinuidade.

O estresse presente nos momentos de transição pode se acumular nas relações entre as gerações. Se não resolvidas, as dificuldades de adaptação às mudanças e os processos emocionais subjacentes podem repetir-se, de maneira que os padrões vinculares observados em uma geração podem ser transmitidos para as seguintes. Trata-se do processo de transmissão geracional, no qual as experiências do passado dos membros são atualizadas em face de um evento de vida contemporâneo e generalizadas para outras esferas da vida individual e familiar. Por causa da interdependência dos membros da rede familiar, o sofrimento psíquico pode ser reativado e revivido no presente, por membros que não vivenciaram o fato principal (COELHO, 2007). Para Carter e McGoldrick (1995), basta um

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estresse no eixo horizontal para que a família se apresente como disfuncional e ocorra um rompimento no sistema, especialmente se houver um estresse intenso e concorrente no eixo vertical. A disfunção se apresenta como a presença constante (caráter longitudinal) ou ocasional de estruturas patológicas, coincidentes com a dificuldade da família de adaptar-se a mudanças e a novas circunstâncias. A insuficiência familiar também pode conduzir à disfunção, caracterizada, por exemplo, pela impossibilidade física de os membros prestarem a assistência necessária ao idoso, bem como por situações de maus-tratos e violência decorrentes de carências materiais, sociais, psicológicas e afetivas (LEME, 2007).

Ritos de passagem associados a eventos tais como o nascimento, a puberdade, o casamento e a morte têm um papel terapêutico nas crises familiares normativas. São períodos especiais, oportunos para a mudança e para a elaboração de processos emocionais familiares (FRIEDMAN, 1995). O mesmo não ocorre nas transições idiossincráticas, pois elas geralmente não dão origem a rituais familiares apropriados para unir o indivíduo, a família e a comunidade. Pela ausência de um mapa ou de apoio contextual, esses eventos requerem complexa reelaboração dos relacionamentos (IMBER-BLACK, 1995). Os idosos vivenciam desafios normativos e não normativos de sua própria vida e da vida dos demais membros da família, justamente num momento de sua vida em que têm grande chance de estar fisicamente fragilizados. Sua adaptação e a adaptação da família dependerão dos padrões relacionais, do tipo de sistema que criaram ao longo dos anos e das suas formas peculiares de ajustamento a novas exigências (FALCÃO; BAPTISTA, 2010).

Hareven (1996) identifica três domínios nos padrões familiares e nas relações geracionais envolvendo pessoas idosas:

1. Sincronia entre os eventos de transição da vida de cada membro da família e os eventos de transição da história social. Na vida individual, os eventos de vida demarcam o envolvimento das pessoas em novas fases do desenvolvimento e em novos papeis sociais, como acontece, por exemplo, com a entrada na escola, o casamento e a parentalidade. Podem demarcar, também, o afastamento de papéis, caso da aposentadoria e da saída dos filhos de casa para constituir a própria família. A elaboração desses momentos de transição da vida individual pode ser facilitada ou

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dificultada por períodos da vida social caracterizados por abundancia ou por restrição de recursos financeiros, empregos e oportunidades. Os idosos podem viver fortes sentimentos de incontrolabilidade se seus filhos e netos vierem a viver eventos por demais estressantes em comparação com os recursos de que dispõem para enfrenta-los, ou de viverem eventos de transição da vida pessoal em momentos de instabilidade política e socioeconômica.

2. Sincronia entre as transições individuais e as do coletivo familiar e como as relações geracionais são afetadas nesse processo. Os indivíduos sucessivamente se engajam em uma variedade de configurações familiares, que mudam ao longo do tempo em função da emergência de novas exigências e tarefas para a família como um todo. Eventos familiares como mortes, casamentos, nascimentos e migrações propõem novas exigências aos membros de cada núcleo familiar. A sincronia entre as novas exigências que pesam para a família, que tem que realocar papeis e atribuições de status é um aspecto crucial da adaptação da família e de seus membros. A assincronia entre esses aspectos é exemplificada por conflitos entre as metas individuais e as necessidades e ditames da família, os quais podem afetar as relações intergeracionais.

3. Impacto acumulado de acontecimentos anteriores da vida das coortes e das famílias. As experiências anteriores de cada coorte, moldadas pelos eventos históricos, têm impacto sobre o curso de vida das próximas gerações, sobre a disponibilidade de recursos para os membros familiares e sobre as habilidades de enfrentamento na velhice.

À medida que as pessoas se movimentam juntas através da vida emergem oportunidades de desenvolvimento. As trajetórias familiares podem ser analisadas de uma perspectiva de estágios (por exemplo, o da formação do casal pelo casamento, o do nascimento dos filhos e o da velhice de parte de seus membros). Cada estágio acarreta exigências emocionais, sociais e funcionais específicas, gera reorganização de papéis e de regras familiares e implica em maior ou menor grau de reorganização das relações dentro do sistema (CARTER; MCGOLDRICK, 1995).

A velhice dos membros idosos é o último do ciclo de vida familiar, caracterizado pelo rompimento com o trabalho formal, pelo vislumbre da perda de independência e autonomia,

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pela proximidade da morte e pela vivência do luto pela perda do cônjuge, de parentes e de amigos. Ao mesmo tempo, há a possibilidade de reencontro com o cônjuge, de projeção da continuidade familiar nas futuras gerações, de reestruturação de papéis familiares e de revisão de vida, de busca de integridade e de busca de significado. As características e a qualidade desse momento são consequentes a como as fases anteriores foram vividas, aos relacionamentos passados e aos padrões familiares desenvolvidos para manter a integração familiar (CARVENY; BERTHOUD, 2009).

Homens e mulheres envelhecem de forma diferente. A maioria dos idosos atuais foi socializada segundo um modelo em que a posição das mulheres nos relacionamentos era definida pelos homens. Cabia às mulheres a responsabilidade emocional pelos relacionamentos familiares e o gerenciamento das relações de intimidade, o que lhes conferia poder dentro da família. Esse padrão está mudando aos poucos, mas ainda é predominante entre os atuais idosos, conforme documentado por pesquisas de levantamento. Por exemplo, Socorro e Dias (2007) avaliaram a perspectiva de mulheres idosas quanto aos papéis vivenciados durante o ciclo vital da família. A maioria das idosas relatou que se moldaram aos padrões de família tradicional segundo o qual deveriam abandonar a vida profissional, subordinar-se aos seus maridos e ficar responsáveis pelos cuidados da casa e dos filhos. Com a viuvez, boa parte passou a residir com filhos e a cuidar de netos e de parentes idosos, mas relataram sentirem-se amparadas e acolhidas por suas famílias na velhice. Santos e Dias (2008) encontraram que os homens idosos exercem papel de transmissores de valores, conciliadores, agregadores e provedores de suporte financeiro, tendo importância fundamental na família. Mostram-se disponíveis nos momentos de crises e manifestam desejo de permanecer na posição de chefes e de norteadores do comportamento familiar.

Como já comentado, os eventos que marcam a vida pessoal dos idosos também marcam as relações familiares. A dependência e a incapacidade resultantes de problemas de saúde física e mental, a viuvez e a aposentadoria de um membro idoso acarretam implicações para o equilíbrio da família. O estresse decorrente desses eventos pode juntar-se com outros, principalmente em contextos de vulnerabilidade social. A viuvez é considerada um dos eventos de transição mais difíceis, pois é seguida por reconfiguração e adaptação de papéis e

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funções parentais, de chefia e de suporte na família. O processo de luto decorrente da viuvez está associado com maior risco de transtorno mental, com maior número de enfermidades de saúde geral (PARKES, 1998), com mortalidade aumentada (GOMES et al, 2013) e com mais sintomas depressivos (TRENTINI et al, 2009). A perda do cônjuge adiciona novos problemas ao cotidiano, acarreta necessidade de reavaliação do significado da vida e das metas, tem impacto sobre a identidade e implica em responder a novas exigências na vida prática. A adaptação à viuvez parece ser mais difícil para os relacionamentos com elevados níveis de proximidade e de dependência instrumental e com baixos níveis de conflitos no casamento (SILVA; FERREIRA-ALVES, 2012). Os homens costumam ser mais dependentes em termos instrumentais e as mulheres em termos emocionais. Homens e mulheres mais ajustados aprendem mais rapidamente a manejar o estresse decorrente da viuvez e das consequentes alterações em papeis e tarefas associados a gênero (SILVERSTEIN; GIARUSSO, 2010).

Para Carter e McGoldrick (1995), na velhice ou estágio tardio do ciclo de vida familiar, aceitar a mudança dos papéis geracionais é o principal processo emocional de transição. Os idosos devem apoiar a chamada geração do meio, formada pelos filhos, genros e noras, permitindo-lhes maior centralidade no desempenho de papeis de autoridade. A recusa em passar parte do controle, a inflexibilidade ou a dificuldade para aceitar a mudança de papéis são ocasião para conflitos e para disfuncionalidade familiar e pessoal. Segundo Silverstein e Bengtston (1994), muitos idosos relutam em solicitar ou aceitar suporte dos filhos, preferindo permanecer autônomos pelo maior tempo possível, mesmo quando a necessidade de assistência é inarredável. Se por um lado a interpretação da oferta de ajuda como desnecessária pode ajudar os idosos a preservar a autoestima e a autoeficacia, por outro pode causar desprazer e conflitos nas relações com os filhos. Quando há expectativa de suporte e esta não se realiza, os idosos podem sentir-se alienados e negligenciados. Se é verdade que as relações intergeracionais ao longo da vida são caracterizadas por uma tensão entre a autonomia a e dependência, também é verdadeiro que, na velhice, a saúde dessas relações exige a negociação dos papéis geracionais. Com o aumento da expectativa de vida e com a diminuição da disponibilidade de jovens para o cuidado, está aumentando o número de idosos que cuidam de outros idosos, por um período cada vez mais longo. Cuidar exige a realização de atividades diárias, dar assistência nas crises

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de saúde, oferecer conforto emocional, interagir com profissionais de saúde e lidar com conflitos familiares. Dados do Estudo Fibra Campinas (NERI, 2010) sobre o cuidado a idosos exercido por outros idosos com diferentes condições de saúde e bem-estar social apontam que a escassez de ajuda e a privação de contatos sociais são fontes de risco ao bem-estar físico e psicológico dos cuidadores idosos. As idosas cuidadoras tinham mais doenças crônicas do que os idosos cuidadores. Ser cuidador homem e ter deixado de lado a maior número de atividades avançadas de vida diária foram condições associadas ao baixo suporte social percebido. Para o grupo de cuidadores, baixa renda familiar associou-se com depressão e a percepção de que o suporte social disponível era insuficiente associou-se com maior probabilidade de afastamento social. Esses resultados mostram a complexidade das relações entre gênero, doenças, incapacidade, depressão e prestar cuidados na velhice.

A funcionalidade familiar é especialmente desafiada em situações de doença do idoso. A presença de limitações funcionais importantes pode afetar o equilíbrio da estrutura familiar e a capacidade assistencial da família (TORRES et al, 2009; TORRES et al, 2010; SANTOS; PAVARINI; BARHAM, 2011), além de impor parâmetros às escolhas, às possibilidades de ação diante dos estressores, (PIERCY, 2010). Idosos com incapacidade física e cognitiva, com problemas emocionais e sem renda suficiente para o próprio sustento são os que mais necessitam de cuidados de longa duração. Embora a família seja a principal instituição responsável pelo cuidado, questiona-se se pode desempenhar essa tarefa de forma adequada. Uma parte significativa de idosos com dificuldades em atividades instrumentais de vida diária relatam não receber ajuda de outros membros da família, o que significa que suas necessidades básicas não são devidamente atendidas. Por sua vez, as famílias não contam com programas regulares de apoio formal do governo ou da iniciativa privada sob a forma de atenção domiciliar, assistência ambulatorial e recursos financeiros. A principal fonte potencial de apoio dos homens é a cônjuge e, no caso das mulheres, os filhos. No entanto, idosos dependentes podem viver em arranjos familiares não continentes. Os que vivem sozinhos ou em casa de parentes são mais vulneráveis à violência familiar e à residência institucional (CAMARANO; KANSO, 2010).

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São exemplos de fatores que influenciam a boa funcionalidade de famílias com idosos que requerem cuidados de longa duração: contar com uma rede de suporte social informal composta por parentes, amigos, voluntários ou grupos religiosos; facilidade de acesso aos serviços de saúde; recursos comunitários, que possibilitam o acompanhamento regular do estado de saúde dos idosos. São importantes, também, a capacidade adaptativa dos familiares diante da doença; a organização da casa; relações afetivas consistentes, responsáveis e seguras e grande dedicação dos familiares ao idoso. (MARQUES; RODRIGUES; KUSUMOTA, 2006; HORTA; FERREIRA; ZHAO, 2010). As maiores dificuldades da família dizem respeito à desorganização emocional, ao luto antecipado, à sobrecarga do papel de cuidador, à falta de conhecimento sobre a doença e ao desajuste familiar, que aumentam com a doença, com a falta de colaboração para o cuidado e com o distanciamento nos relacionamentos. As mulheres estão mais expostas a sentir insatisfação em relação à funcionalidade familiar do que os homens idosos (SILVA; GALERA; MORENO, 2007; SANTOS; PAVARINI; BARHAM, 2011).

A família é a principal responsável por oferecer companhia, ajuda financeira, informações, visitas, ajuda nas atividades básicas e instrumentais da vida diária, facilitação do acesso a serviços de saúde e auxilio na regulação dos hábitos de saúde. Esses apoios são capazes de atuar positivamente na saúde física e mental dos idosos, na medida em que favorecem o enfrentamento e a recuperação, fortalecem o sistema imunológico e exercem efeito amortecedor em relação ao estresse. As trocas de apoio contribuem para o senso de controle, para o bem-estar psicológico e para a satisfação com a vida nos idosos (BARROS; SANTOS; ERDMANN, 2008; LEITE et al, 2008; FIORILLO; SABATINI, 2011; MOTA et al, 2010; ALVARENGA et al, 2011).

Quando os idosos não têm doenças nem dependência, a satisfação com a dinâmica familiar e o bom relacionamento entre os membros da família tornam-se mais prováveis. As exceções geralmente incluem os idosos que moram sozinhos e que precisam recorrer a pessoas fora da família e as famílias cujos membros são todos idosos. Os idosos saudáveis preocupam-se com a dependência, a doença e a solidão e têm opinião formada sobre as características da pessoa que gostariam que fosse sua cuidadora (PAVARINI et al, 2006; PAIVA et al, 2011).

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A assimilação da situação de cuidar, a resolução dos problemas dela advindos e a organização necessária para o enfrentamento e para a manutenção da trajetória familiar dependem da história familiar pregressa. As questões afetivas arraigadas nas relações e as tensões existentes dentro da família tendem a ser exacerbadas pela enfermidade do idoso. A partir da melhor elaboração dos conflitos e da consolidação de novos arranjos, a família consegue buscar alternativas e novos recursos para a idoso e para a própria estabilidade.

Segundo Coelho (2007), as famílias em situação de vulnerabilidade social são prejudicadas pela vivencia acumulativa de situações de estresse envolvendo más condições de vida e de trabalho, mais violência, maior instabilidade financeira e maior suscetibilidade a crises imprevisíveis. O ciclo de vida familiar dessas pessoas tende a ser mais truncado, menos delineado, com fases mais curtas e com demarcação mais confusa de papéis. É comum que seus membros assumam responsabilidades e papéis para os quais ainda não estão preparados (exemplos: gravidez precoce de netos e perdas repentinas). Para os idosos dessas famílias, as responsabilidades com filhos e netos não são diminuídas. Sua aposentadoria representa uma fonte importante de sustento de toda a família. Muitos continuam trabalhando para sobreviver e o arranjo familiar e domiciliar predominante em regiões mais pobres é o multigeracional. Os idosos são levados a viver arranjos com elevado grau de ansiedade, aumentada pelo contexto de pobreza, com mais dificuldade de atendimento às suas necessidades. São mais vulneráveis às frustrações do dia-a-dia e ao desgaste das relações entre as gerações (HINES, 1995).

O ambiente familiar é uma entidade formativa de qualquer indivíduo, fornece os fatores protetores e, ao mesmo tempo, pode atuar como uma fonte de estresse. O sistema familiar é moldado pelas histórias individuais e familiares ao longo da vida, as quais determinam diferentes formas de funcionamento. Move-se criando trajetórias de vida individual e familiar, e diversifica-se de acordo com os vários estágios do desenvolvimento humano. Além de ajudar a moldar os relacionamentos entre os membros, os eventos de vida e as mudanças socioeconômicas e demográficas influenciam a organização, a configuração e as funções da família. Estas refletem características pessoais e situacionais, necessidades, expectativas e formas de suporte determinadas pela situação econômica, pela saúde, pela funcionalidade e pela a afetividade dos seus membros, dentro de contexto socioculturais específicos.

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3. AS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES E AS TRANSFERÊNCIAS INTERGERACIONAIS DE RECURSOS

O conceito de configuração familiar diz respeito a quem faz parte de uma unidade domiciliar e como esta se organiza, caracterizando um núcleo ou nicho familiar. Os diversos arranjos domiciliares podem envolver uma pessoa vivendo sozinha, um casal, uma família nuclear tradicional (pai, mãe e filhos), uma família monoparental, uma família ampliada (pai, mãe, filhos, netos e bisnetos), um idoso vivendo com a família de um filho ou filha, um idoso vivendo com outros parentes, um idoso vivendo com amigos ou agregados, um idoso ou um casal de idosos vivendo com empregados domésticos ou cuidadores e arranjos mistos (PEDRAZZI, 2008). As diversas transformações sociais em curso no Brasil estão modificando o tamanho e a configuração da família, assim como estão mudando os arranjos domiciliares. A família é um importante instrumento para a manutenção e o tratamento de saúde de seus membros. É nela que se organizam os vínculos e os intercâmbios de apoio. Sua composição é um indicador importante de sua capacidade assistencial. Tanto os arranjos de moradia quanto a condição dos idosos no domicílio refletem eventos socioeconômicos e relacionais ocorridos em etapas anteriores do ciclo de vida familiar. Os arranjos domiciliares são formados, também, com base em aspectos demográficos (sexo, estado conjugal e idade), socioeconômicos (residência urbana ou rural, escolaridade, renda) e relativos à saúde e à capacidade funcional dos membros, em especial dos idosos (CAMARGOS; RODRIGUES; MACHADO, 2011).

Os arranjos familiares sofrem diferenciação por gênero. A tipologia predominante para os homens é a família nuclear tradicional, enquanto que as mulheres estão distribuídas em tipologias heterogêneas (ROMERO, 2002; PEDRAZZI et al, 2010). Para as mulheres, morar com alguém, principalmente com o cônjuge e os filhos, funciona como fator protetor com relação à autopercepção negativa de saúde (ROMERO, 2002). Morte do cônjuge, idade avançada, pobreza e baixa escolaridade são motivos importantes para a corresidência entre idosos e as gerações mais jovens (SILVA; BESSA; OLIVEIRA, 2004). A longevidade é uma

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realidade predominantemente feminina. Sendo mais pobres e menos escolarizadas do que os homens, as mulheres são mais vulneráveis às consequências do envelhecimento e apresentam mais doenças e incapacidades incidentes do que os homens idosos. Como o tipo de arranjo familiar é comumente determinado pela incapacidade física e pela pobreza, as mulheres têm

maior probabilidade de morar com parentes.

A configuração familiar também é moldada pela chefia familiar e pela contribuição dos membros adultos e idosos para o sustento da família. Nesse sentido, os economistas consideram a existência de famílias de idosos e de famílias com idosos (CAMARANO et al, 2004). Nas famílias de idosos, o idoso é o chefe da família, é geralmente mais jovem, economicamente produtivo e com boas condições de saúde. Sua renda é fundamental ao orçamento familiar, nele prevalecendo transferências descendentes de apoio (das gerações mais velhas para as mais jovens). Idosos com algum grau de dependência física podem manter-se na posição de chefes de família, se tiverem rendimentos e se puderem contar com o cônjuge para ajuda-los com cuidados. Nas famílias com idosos, eles ocupam a posição de parentes do chefe da família. São geralmente mais velhos e do sexo feminino, com renda insuficiente para garantir seu sustento e, com frequência, precisam de ajuda para o desempenho de atividades de vida diária. Nessas famílias, prevalecem transferências de apoio ascendentes (da geração mais nova para a mais velha).

Se por um lado a corresidência pode dar origem a conflitos relacionados ao controle familiar e ao manejo e à destinação dos recursos materiais, por outro pode beneficiar os idosos e seus descendentes, em especial em situações de pobreza extrema. Embora facilite a transferência de recursos materiais, instrumentais, emocionais e cognitivos entre as gerações, a corresidência não garante que o idoso receberá o apoio de que precisa, mesmo quando contribui financeiramente ou cuida de netos e da casa.

As contradições e os conflitos inerentes às configurações familiares e aos laços familiares têm efeitos sobre a qualidade de vida de todos os membros e dos idosos em particular. Apesar de a convivência familiar multigeracional oferecer mais oportunidades para conflitos, um maior número de pessoas no domicílio pode influenciar positivamente o apoio afetivo e emocional a

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