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Fisiologia das emoções : os torcedores fanáticos de futebol

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA

ALINE MARQUES COLARES CAMURÇA

FISIOLOGIA DAS EMOÇÕES: OS TORCEDORES FANÁTICOS DE FUTEBOL

CAMPINAS 2019

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ALINE MARQUES COLARES CAMURÇA

FISIOLOGIA DAS EMOÇÕES: OS TORCEDORES FANÁTICOS DE

FUTEBOL

Tese apresentada à faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de doutora em Educação Física, na área de Educação Física e Sociedade.

Orientadora: Profª. Drª. HELOISA HELENA BALDY DOS REIS

ESTE TRABALHO CORRESPONDE A VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA ALINE M. COLARES CAMURÇA E ORIENTADA PELA PROFª. DRª. HELOISA HELENA BALDY DOS REIS

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Faculdade de Educação Física

Dulce Inês Leocádio - CRB 8/4991

Colares-Camurça, Aline Marques, 1983-

C67f ColFisiologia das emoções : os torcedores fanáticos de futebol / Aline Marques Colares Camurça. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

ColOrientador: Heloisa Helena Baldy dos Reis.

ColTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de

Educação Física.

Col1. Fisiologia. 2. Emoções. 3. Futebol-Torcedores. I. Reis, Heloisa Helena Baldy dos. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação Física. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Physiology emotions : the fanatic fans of football Palavras-chave em inglês:

Physiology Emotions Football-Fans

Área de concentração: Educação Física e Sociedade Titulação: Doutora em Educação Física Banca

examinadora:

Heloisa Helena Baldy dos Reis [Orientador] Carlos José Martins

Jose Irineu Gorla

Mariana Zuaneti Martins Ricardo de Figueiredo Lucena Data de defesa: 03-07-2019

Programa de Pós-Graduação: Educação Física Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0001-9825-1307 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/1488826961133851

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COMISSÃO EXAMINADORA

Profa. Dra. Heloisa Helena Baldy dos Reis Orientadora

Prof. Dr. Carlos José Martins

Prof. Dr. Jose Irineu Gorla

Profa. Dra. Mariana Zuaneti Martins

Prof. Dr. Ricardo de Figueiredo Lucena

A Ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade

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Dedico este trabalho às entidades de luz guardiãs do mundo e àquelas que me guardam e me regem, sem elas nada disso seria possível. Dedico também à professora Heloisa Reis.

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AGRADECIMENTOS

No meu primeiro dia de aula no doutorado da Unicamp, eu conheci um indivíduo, também estudante de doutorado da Educação Física, filho de militar que me disse o seguinte: “Os estudantes de humanas estudam o sexo dos anjos, eu gostaria de transferir o meu cérebro para um chip e viver eternamente como máquina, os homens de ‘barbona’ e as mulheres de ‘saiona’ não fazem “ciência.” Eu estava de ‘saiona’. Naquele momento eu não acreditei que tinha saído da minha terra natal, viajado mais de 3 mil km e transformado minha vida para produzir conhecimento com este tipo de vertente. Semanas depois, em minha primeira reunião discente eu ouvi o então representante discente defender a exclusão da área de humanas do programa de pós-graduação da Educação Física da Unicamp. Mais uma vez eu fiquei perplexa. Até que, ao trabalhar com a seleção brasileira de basquetebol feminino eu ouvi: “Se você quer ganhar olimpíadas, esqueça que são humanas.” Tudo isso foi se juntando dentro de mim como uma bomba propulsora para me afastar desse lugar. Eu não faço ciência para máquinas, eu não trato estudantes como clientes, tampouco quero integrar o universo da ciência que tem como prioridade o artigo científico e a unificação massificada dos pensamentos. Porém, eu só tenho a agradecer a essas pessoas e a essas situações. Sem elas eu não estaria onde estou agora, não voaria para Bélgica para apresentar este tema de forma inédita. Não teria a consciência da resistência ativa que é necessária dentro do meio acadêmico. Não teria encontrado e sido acolhida pela professora Drª. Heloisa Reis. De longe, a melhor orientadora que já conheci. A mais humana, a mais excluída, a mais resistente. Professora, a você eu agradeço imensamente. É uma grande honra apresentar este trabalho com você como suporte.

Agradeço a minha esposa, Aline Marques, por cada gota de amor que você me ensina a experienciar, pelos aprendizados em conjunto, pela jovem família que iniciamos, pela esperança de tempos melhores que compartilhamos a cada troca afetiva de olhares, pelo mundo que vamos descobrir juntas. Você é meu quartzo rosa do reino animal.

Agradeço a minha mãe de sangue, Maria Paz Colares, por todo apoio e ensinamentos nem sempre fáceis, assim como por todas as batalhas compartilhadas.

Agradeço ao meu pai, André Camurça, pela nossa trajetória.

Aos meus irmãos de sangue, Arturo Emanuel, Alessandra Russo, Audrey Miranda e André Camurça Filho, por existirem.

Agradeço a minha mãe de santo, Tatiana Rocha, por todas as conversas, pelo amor gratuito, pela firmeza e caridade.

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Agradeço a amiga e madrinha de casamento, Elaine Bezerra, por ter me mostrado o lado bom da Unicamp e por todo o mais que nós vivemos.

Agradeço à Luciana Bittencourt, ao Fernando Rosch e ao Ivan Bonfante pela simpatia, atenção e disponibilidade. Ciência não se faz sozinha.

Agradeço a professora Claudia Cavaglieri por sempre me receber de forma harmônica e pela grande contribuição na qualificação deste projeto.

Ao professor José Irineu Gorla e a professora Mariana Zuaneti Martins pelo apoio e pelas intervenções sempre engrandecedoras.

Agradeço a Simone Malfatti pela disponibilidade de sempre.

Agradeço a cada um dos fanáticos torcedores do Corinthians voluntários dessa pesquisa. Agradeço a Karime Ribeiro e a Barbara Germano pela ajuda fraternal.

Agradeço aos meus afetos e desafetos, todas (os) essenciais ao meu desenvolvimento pessoal e científico.

Agradeço ao Terreiro de Umbanda Mãe de Deus e cada um (a) dos seus/suas componentes por ser minha segunda casa, segunda família e por me ensinar muito mais do que posso explicar. Principalmente agradeço a todas as divindades que se empenham em emanar luz para as nossas mentes ainda tão jovens e errantes.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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“Emancipe-se da escravidão mental. Ninguém além de nós mesmos pode fazer isso.”

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RESUMO

O futebol foi aceito e transformado em paixão mundial parte por ações estratégicas, parte pelo seu perfil de dinâmica de tensões capaz de cativar a quem assiste. O torcedor fanático de futebol vive esta experiencia identitária de uma forma muito mais explicita. Ele se entrega a esta emoção! A experiência emocional pode significar uma representação cognitiva de estados globais do organismo, compostos por cadeias de sinalização central e periférica, específicas para cada tipo e grau de emoção (Ledoux, 2012). Assim, Nossa pesquisa se propôs a iniciar os estudos sobre a fisiologia das emoções no esporte. Convidamos 6 fanáticos pelo Corinthians, com idade média de 30 anos (± 7,8) a assistir, pela televisão, ao jogo da final do campeonato Paulista de futebol 2018 disputado em 8 de abril de 2018 (n=3) e a 24ª rodada (segundo turno) do brasileirão 2018, disputado em 9 de setembro de 2018 (n=3); ambos aos domingos às 16h, contra a Sociedade Esportiva Palmeiras. Os jogos foram assistidos em uma sala exclusivamente preparada para este fim, com temperatura controlada entre 22 e 25ºC, sem ingestão de alimentos durante o período da partida e com ingestão a vontade de água. Houve coleta de cortisol salivar, Glicose e PA em cinco momentos do dia do jogo (CF) e de um dia rotineiro (CR). Além disso, quarenta e cinco minutos antes do início do certame, os voluntários foram convidados a responder dois inventários (BECK, 1988) sobre presença/ níveis/ ausência de ansiedade e depressão. Trinta minutos antes da partida foram equipados com o medidor de frequência cardíaca firstbeat SPORTS team 4.6 performance monitoring system® (Firstbeat techinologies). A única emoção auto relatada de forma unânime foi a felicidade ao ganhar uma partida. Relacionados a esta emoção (final do paulistão) foram encontrados, um pico de FC que atingiu 68%, 72% e 86% da frequência cardíaca máxima individual e uma elevação média da concentração de cortisol salivar para 4.47 ng/mL ao término do jogo. As emoções associadas a perder um jogo (24ª rodada brasileirão), foram: tristeza, ficar bravo, piorar o dia e o humor. Nesta experiência emocional, a FC dos voluntários não alcançou 50% da máxima em nenhum momento e a concentração de cortisol salivar no final do jogo foi de 1 ng/mL. O comportamento da FC se apresentou muito peculiar entre os jogos, assim como nas ações de cada jogo. Mesmo quando o tipo de emoção auto relatada se deu de forma análoga, como a felicidade de ganhar uma partida e a felicidade de ver um gol do Corinthians, o controle da FC diferiu enormemente em cada situação (média de 75% e 66% da frequência cardíaca máxima, respectivamente). Desta maneira, este estudo ratifica a hipótese de que, embora seja relatado o mesmo significado cognitivo para uma emoção, ela se expressa fisiologicamente em dimensões de ativação e controle distintas. Além disso, sugere que vitórias, derrotas e o contexto específico de cada jogo, regulam o comportamento fisiológico dos marcadores periféricos avaliados de maneira particular. Corroborando, assim com a hipótese de Elias e Dunning (1992).

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ABSTRACT

Football has been accepted and converted into world passion, some by strategic actions some by the attractive tension dynamics. The fanatics fans live this identity experience in a much more explicitly way, he hands in to this emotion! The emotional experience can mean a cognitive representation of global organic states, build by specifics central and peripherical signalizing pathways according to the emotional type and degree (LEDOUX, 2012). Thus, our search is to start the study in sport´s emotion physiology. We invited 6 Corinthians fanatics fans to watch, on TV, the final of 2018 Paulista championship, which happened on April 8 and a Brazilian championship 24º round, which happened on September 9 of the same year. The games were seen in a specific room, with controlled temperature between 22ºc and 25ºc, without eating during the game time and water ad libitum. There was salivary cortisol, glucose and arterial pressure data collect at five time points at a game day and a routine day. Furthermore, forty-five minutes before the game starts, the volunteers answered a depression and anxiety inventory (BECK, 1988). Thirty minutes before the game starts, they were equipped with a heart rate monitor first beat sports team 4.6 performance monitoring system® (first beat technologies). The only unanimous self-reported emotion was winning a game happiness (the

final of 2018 Paulista championship). Related to this emotion we found a HR individual pick of 68%, 72% e 86% of maximum heart rate and a cortisol media levels increase to 4.47 ng/ml at the end of the match. Associated emotions to a lost game (Brazilian championship 24º round) were sadness, being angry and get worse the day and humor. In this emotional experience, heart rate didn’t reach 50%HRmax and salivary cortisol concentration was 1 ng/mL. Heart rate behavior was very singular at all time points including game actions and collect data day. Even when same emotion was described, as the happiness of winning a game and the happiness of seeing Corinthians score a goal, heart rate behavior was extremely different between those situations (75% and 66% respectively HR mean). this research emphasizes the hypotheses that even the same emotion´s cognitive significance was reported; the organic global state expressed its different in levels of activation and regulation. Furthermore, we suggest that winnings, losings and the specific game context regulate the peripherical markers of physiological behavior analyzed in this research in a particular way as it was said by Elias and Dunning (1992).

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Popularidade do futebol ... 24

Figura 2 - 1ª Transmissão ao vivo pela TV ... 41

Figura 3A - Identidade clubística ... 45

Figura 3B - “Nosso grupo, grupo deles.” ... 45

Figura 4 - A excitação do torcer ... 47

Figura 5 - Caracterização dos torcedores ... 50

Figura 6 - Torcedores fanáticos ... 50

Figura 7 - Teoria dos sistemas emocionais organizados em rede ... 55

Figura 8 - Anatomia do sistema límbico ... 57

Figura 9 - Via de sinalização da Síndrome de Adaptação Geral – SAG ... 59

Figura 10 - Representação do Sistema Nervoso Autônomo em suas vias efetoras simpáticas e parassimpáticas ... 60

Figura 11 – Circuitos de sobrevivência ... 63

Figura 12 - Estados globais do organismo ... 64

Figura 13 - Gráfico representativo do comportamento da Pressão Arterial ... 84

Figura 14 - Comportamento da glicose sérica ... 86

Figura 15 A – Análise do cortisol na final do campeonato paulista ... 87

Figura 15 B – Análise do cortisol na 24ª rodada do campeonato brasileiro ... 88

Figura 15 C - Cortisol e a comparação entre os dois jogos ... 89

Figura 16 - Comportamento da frequência cardíaca média durante a vitória ... 90

Figura 17 - Comportamento da frequência cardíaca média durante a derrota ... 91

Figura 18 - Comparação da média da frequência cardíaca entre vitória e derrota ... 91

Figura 19 A - Frequência cardíaca de repouso CF (final do campeonato paulista) ... 92

Figura 19 B - Frequência cardíaca de repouso CR (final do campeonato paulista) ... 92

Figura 20 A - Frequência cardíaca de repouso CF (24ª rodada do campeonato brasileiro) ... 93

Figura 20 B - Frequência cardíaca de repouso CR (24ª rodada do campeonato brasileiro) ... 93

Figura 21 A - FC durante o gol do Corinthians (tempo regulamentar) ... 94

Figura 21 B - FC controle gol do Corinthians (tempo regulamentar) ... 95

Figura 22 A - FC oportunidade de gol perdida (1ª) ... 96

Figura 22 B - FC controle oportunidade de gol perdida (1ª) ... 96

Figura 23 A - FC oportunidade de gol perdida (2ª) ... 97

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Figura 24 A - FC oportunidade de gol perdida (3ª) ... 98

Figura 24 B - FC controle oportunidade de gol perdida (3ª) ... 98

Figura 25 A - Comportamento da FC primeiro pênalti ... 100

Figura 25 B - FC controle primeiro pênalti ... 100

Figura 26 A - Comportamento da FC quinto pênalti ... 101

Figura 26 B - FC controle quinto pênalti ... 101

Figura 27 A - Comportamento FC sexto pênalti ... 102

Figura 27 B - FC controle sexto pênalti ... 102

Figura 28 A - Comportamento FC oitavo pênalti ... 103

Figura 28 B - FC controle oitavo pênalti ... 103

Figura 29 A - Comportamento FC no último pênalti e vitória corintiana ... 104

Figura 29 B - FC controle no último pênalti e vitória corintiana ... 104

Figura 30 A - Comportamento FC frente ao gol sofrido pelo Corinthians ... 105

Figura 30 B - FC controle frente ao gol sofrido pelo Corinthians ... 106

Figura 31 A - Comemoração da vitória pelos voluntários da final do paulistão ... 106

Figura 31 B - Final do jogo da 24ª rodada do brasileirão ... 106

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Resumo do delineamento experimental ... 71 Tabela 2 - Depoimento dos voluntários acerca das suas percepções cognitivas de um estado orgânico. Emoção autodeclarada ... 79 Tabela 3 - Comportamento da pressão arterial ao longo de cada dia de coleta ... 83 Tabela 4 - Níveis séricos de glicose ao longo de ambos os dias de coleta ... 85

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LISTA DE ABREVIATURAS

ACTH Hormônio Adrenocorticotrófico

ANATORG Associação Nacional das Torcidas Organizadas do Brasil ANOVA Análise de Variância

BAI Inventário de Ansiedade de Beck BDI Inventário de Depressão de Beck CBF Confederação Brasileira de Futebol CF Coleta Futebol

CND Conselho Nacional de Desporto CR Coleta Rotineira

CRH Hormônio Liberador de Corticotrofina ELISA Ensaio de Imunoabsorção Enzimática FA Football Association

FC Frequência Cardíaca

FCmáx. Frequência Cardíaca máxima FIFA Federação Internacional de Futebol HHA Hipotálamo - Hipófise - Adrenal PA Pressão Arterial

SAG Síndrome de Adaptação Geral SCCP Sport Clube Corinthians Paulista SN Sistema Nervoso

SNA Sistema Nervoso Autônomo SNC Sistema Nervoso Central SNS Sistema Nervoso Simpático

TCLE Termo de Consentimento Livre Esclarecido TO Torcida Organizada

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 17

CAPÍTULO I - Futebol, os contextos sociais, e os vínculos clubísticos ... 23

Enquanto isso no Brasil... ... 30

O SCPP e a ascensão do futebol em São Paulo ...37

CAPÍTULO II - Os torcedores fanáticos de futebol e a fisiologia das emoções no futebol ... 46

Mas afinal, o que é emoção? E como é sua fisiologia na literatura? ... 51

CAPÍTULO III - Método da pesquisa de campo, análise dos dados, resultados e discussão . 67 População da Pesquisa ... 70

Instrumentos para coleta de dados ... 71

Questionário para caracterização socioeconômico e do significado de torcer... ... 71

Inventário de Ansiedade de Beck (BAI) ... 72

Inventário de Depressão de Beck (BDI-I) ... 72

Aferição da Pressão Arterial (PA) ... 73

Coleta de Glicose e Cortisol Salivar ... 73

Aferição da Frequência Cardíaca (FC) ... 74

Relação da FC com as ações dos jogos ... 74

Análise de Dados ... 75

Resultado e Discussão ... 75

Caracterização Socioeconômica da População da Pesquisa e Significado de Torcer ... 75

Inventário de Ansiedade de Beck (BAI) e Inventário de Depressão de Beck (BDI-I) ... 80

Análise do Comportamento de Marcadores Bioquímicos Periféricos ... 82

Pressão Arterial ... 83

Glicose Sérica ... 85

Cortisol Salivar ... 86

Frequência Cardíaca ... 89

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA ... 110 ANEXOS ... 118

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INTRODUÇÃO

A copa do mundo de futebol que aconteceu em junho e julho de 2018 transformou aproximadamente 3 milhões de pessoas ao redor do mundo em espectadores de futebol (Os

números por trás da Copa do Mundo FIFA 2018. Disponível em:

< https://forbes.uol.com.br/negocios/2018/06/os-numeros-por-tras-da-copa-do-mundo-fifa-2018/>. Acesso em: 11 ago. 2018.) que se deslocaram de suas casas para os 12 estádios, reformados ou recém construídos, em regiões da Rússia Europeia e Asiática, durante todo o torneio que durou 31 dias. No Brasil, a média de público pagante nos estádios durante o campeonato brasileiro do mesmo ano foi de aproximadamente 18 mil espectadores por jogo, a maior desde 1987. Um dos maiores clubes de futebol brasileiro, o Sport Club Corinthians Paulista, apenas em 2018, teve a média de 31,5 mil pagantes em seus jogos; Arrecadou em torno de R$ 59,3 milhões em vendas de ingressos, ficando atrás apenas do seu “arquirrival” Palmeiras, também de São Paulo, que arrecadou cerca de R$ 79 milhões de reais, com a média de ingresso mais caro do campeonato - R$ 67,00. Em 2017 no Brasil, havia cerca de 662 times de futebol profissional filiados às federações de seus estados e à CBF, porém apenas 128 podem fazer parte do ranking oficial brasileiro e participam de campeonatos anuais, com certa visibilidade. Além disso, o futebol brasileiro conta com mais de 100 torcidas organizadas associadas à Associação Nacional das Torcidas Organizadas do Brasil – ANATORG (Ação no

Congresso Nacional. Disponível em: <https://anatorg.com.br/x/acao-no-congresso-nacional/>. Acesso em: 05 set. 2018).

Esse impressionante demonstrativo numérico relacionado a torcedores, jogos e campeonatos futebolísticos em âmbitos nacional e internacional, exemplifica como o futebol é hoje o esporte mais consumido em todo o mundo. Jornais, revistas, redes sociais, indivíduos em conversas presenciais informais favorecem e amplificam a comunicação que envolve esta modalidade esportiva, denominada por Eco (1984) como falação esportiva. A rede de comunicação televisiva, que utiliza o processo simbólico existente no futebol e sua crescente transformação em mercadoria1 para contribuir com uma visão fragmentada dos aspectos constituintes do futebol e, ultimamente a rede mundial de computadores (internet), detém grande parte das transmissões futebolísticas gerando em si um universo mercadológico quase autônomo em torno da bola, das quatro linhas e de quem assiste ao futebol espetáculo contemporâneo.

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O futebol sistematizado e regulamentado surgiu oficialmente na Inglaterra no século XIX como prática característica das escolas públicas inglesas no plano de formação de cavalheiros cristãos aptos a cumprir o seu papel na administração e expansão do império britânico. Este esporte foi exportado para diversos países e aportou no Brasil oficialmente por volta de 1878 com um jovem descendente de ingleses chamado Charles Miller. A partir de então a incorporação da sua prática na cultura nacional quase o afirma como propriedade brasileira. O século XX no país foi o século do futebol e para além de uma paixão, o futebol é um elemento indissociável da história brasileira recente. Sua prática exacerbada indica acima de tudo que o povo brasileiro foi moldado para o futebol e que não só o futebol nacional é o maior e melhor do mundo, como a população brasileira é a que mais entende deste esporte. Afinal o Brasil é “A pátria de chuteiras”.

Perante a Educação Física, parece que passa despercebido que o marco temporal da modernidade alterou estruturas de organização social responsáveis por determinar não só as práticas corporais contemporâneas, mas em sobremaneira as experiências emocionais vivenciadas pelos seres humanos. Segundo Elias (2011), o ser humano ocidental nem sempre se portou como se observa na contemporaneidade. A civilização em que vivemos e que aparentemente nos foi dada irretocavelmente acabada, chega a nós sem que perguntemos como ela passou a ser nossa posse, nosso costume diário, nossa norma social.

Através de uma viajem no tempo, Elias (2011) nos convida a observar uma série de figurações desenvolvidas a longo prazo, sem necessariamente uma direção definida, que indica uma transição do período medieval para a modernidade, responsáveis por estabelecer a estrutura social que conhecemos hoje em dia e que nos parece tão familiar. Neste contexto, o padrão de comportamento humano, em atividades elementares, mudou lentamente a forma como os indivíduos comportam-se e sentem.

A teoria do processo civilizatório tem como diretrizes dois aspectos distintos, interligados e interdependentes entre si. O primeiro engloba o refinamento das boas maneiras e dos comportamentos exigidos, assim como o autocontrole emocional no ambiente público em favor das auto restrições, em prol de um convívio social ‘adequado’. O segundo, evidencia o aumento das cadeias de interdependência, além de uma pacificação gradual mediada pela construção e estabilização dos Estados, que tem como forma de governo a tributação e o monopólio da violência (ELIAS, 2011).

O pensamento de Elias (2011) expõe que imposições externas para o controle social e individual de atos violentos, assim como a assimilação destas normas sociais por cada pessoa, são imprescindíveis para o processo histórico de complexificação das sociedades. Existe, neste

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roteiro, um papel fundamental dos sentimentos de vergonha, delicadeza e culpa, do modo como a sociedade exige e proíbe. Dos padrões de desagrado e medo socialmente instilados. Neste sentido, Dunnig (2014), explica que a teoria do processo civilizatório nega o paradigma no qual os humanos são seres racionais acima da natureza e solitários em relação uns aos outros. Em contrapartida propõe o entendimento de que os seres humanos são uma espécie animal criadora de símbolos, dependentes da linguagem, que, comparados a outras espécies, dependem menos de instintos e mais da transmissão intergeracional de experiências aprendidas. Além disso, os indivíduos são interligados de forma interdependente, concretizando assim figurações dinâmicas entre si, constituintes do fato biossocial da vida.

Essas figurações não são apenas amontoados de átomos individuais. As ações de uma pluralidade de pessoas interdependentes formam propriedades tais como as relações de força, tensão, sistemas de classe, estratificação, guerras e os esportes (ELIAS, DUNNING, 1992).

No decorrer do século XVIII o conceito de esporte associou-se ao divertimento da aristocracia e da pequena nobreza bretã, realizado durante o tempo livre. Já no século XIX, representantes ingleses das classes médias industriais, empresariais e profissionais em ascensão, passaram a reivindicar a possibilidade de executar este tipo de divertimento e implementaram as formas mais reguladas da competição atlética (DUNNING, 2014). Assim, o esporte em qualquer modalidade, refere-se a uma atividade de grupo organizada baseada no confronto entre duas ou mais partes, que se encontram entrelaçadas de maneira sutil, com formas de interdependência e cooperação, com regras conhecidas que definem o nível de violência permitida, capazes de promover o sentimento de “nosso grupo e grupo deles (as)”.

Esta figuração de indivíduos não só facilita as tensões, como também as restringe, o que gera “grupos de tensão controlada”. A excitação proporcionada pelas atividades esportivas é dinamizada por meio de criação de tensões que imitam situações de vida cotidiana, porém sem a presença de um perigo real. Sua manifestação pode ser mais agradável quando compartilhada com outras pessoas, tendo em vista que os seres humanos têm menos oportunidades de manifestarem sentimentos intensos em coletividade principalmente nas sociedades mais desenvolvidas. Ademais, a excitação agradável ativada pela ocupação do tempo livre com atividades esportivas e a expressão emocional vivenciada nestes espaços, podem ser consideradas como uma maneira de libertação das tensões cotidianas, preconizando o enfrentamento com êxito da rotina maçante das sociedades industrializadas e como um ambiente de produção de tensões específicas que carecem de investigação (ELIAS, DUNNING, 1992).

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Até os dias de hoje o quadro fisiológico da excitação central e periférica foi estudado quase inteiramente a propósito da fome, do medo, da raiva e, em geral, como uma reação específica ao perigo súbito. Porém, o que realmente sabemos sobre a síndrome da excitação associada ao prazer esportivo? Sobre a excitação espontânea e elementar que provavelmente tem sido inimiga da vida ordeira ao longo da história humana, o tempero de todas as satisfações próprias dos divertimentos (ELIAS, DUNNIG 1992).

Para realização desta investigação nos “apropriamos” de uma parte bem definida das obras de Norbert Elias e Eric Dunnig: O processo civilizador (ELIAS, 2011), Sociologia dos

esportes e os processos civilizatórios (DUNNING, 2014) e A busca pela excitação (ELIAS,

DUNNIG, 1992). Assim como uma gama de estudos fisiológicos acerca das emoções (CANNON, 1927; PAPEZ, 1937; SELYE, 1950; LeDOUX, 2012). Essa escolha nos proporcionou uma apreciação teórica sobre o processo civilizatório no ocidente, como este processo interfere na necessidade de lazer e as formas de concretiza-lo, além de ter nos fornecido o conhecimento de como os estímulos excitatórios desencadeiam respostas orgânicas especificas, afim de associar uma emoção percebida e auto relatada, a um estado orgânico representado por marcadores fisiológicos periféricos.

O complexo contexto esportivo quando utilizado como ambiente de coleta de dados na exploração das relações sociais, tais como competição, conflitos, pertencimento e harmonia, nos induz a enxergar uma pluralidade de conhecimentos indissociáveis presentes na constituição humana orgânica-social. A teoria multidisciplinar das emoções a que Elias e Dunning (1992) se referem, nos incita a identificar o significado do esporte em suas esferas sociais, psicológicas e fisiológicas, no que diz respeito a busca pelo prazer para a quebra da rotina, através de um conflito simulado chamado futebol.

O inquérito sobre a estrutura dos fatos que desencadeiam satisfação máxima e mínima, em associação à dinâmica individual que conduz a um maior ou um menor prazer na participação dos indivíduos como espectadores futebolísticos, fornece o critério para encontrar quais e de quais modos os aspectos fisiológicos de prazer e excitação são diferentes perante jogos de nível ótimo e aqueles que estão no limite oposto da escala (ELIAS, DUNNING, 1992).

“Existem poucos lugares onde o ser humano pode alcançar um estado de excitação emocional com a própria química do corpo, obtendo as misturas de adrenalina, endorfinas e catecolaminas.” (BREIVIK,2010 p. 1)

Ao perceber, conscientemente ou não, um estímulo excitatório, também chamado de estímulo estressor, o ser humano avalia o significado e a relevância deste fenômeno de acordo com seu contexto, experiencias passadas e cadeias de sinalização especificamente ativadas,

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promovendo assim um significado cognitivo a este estado global do organismo, sendo então capaz de auto relatar uma emoção associada (DEAK, 2011; LeDOUX, 2012b).

Um estímulo considerado estressor é usualmente definido como um estado real ou percebido de ameaça a homeostase, ou seja, aquele capaz de desencadear um conjunto de repostas, mentais, psicológicas e/ou comportamentais, relacionadas com mudanças fisiológicas, que acabam resultando em hiperfunção da glândula adrenal e do sistema nervoso autônomo simpático. Esta vasta associação de respostas é conhecida como resposta ao estresse. Neste mecanismo, o fator liberador de corticotrofina desempenha papel crucial, atuando na regulação do eixo Hipotálamo – Hipófise – Adrenal (HHA) o que desencadeia uma cascata regulatória que culmina na liberação de glicocorticoides do córtex adrenal. O Cortisol é um dos glicocorticoides humano mais importantes já evidenciado pela ciência (SMITH, 2006), de fácil coleta, transporte e armazenamento e com relativo baixo custo para análise.

A complexa interação dos eixos Hipotálamo – Hipófise – Adrenal e simpático-adrenal, recrutada pelo organismo frente a uma situação desafiadora, age conjuntamente para provocar alterações metabólicas fundamentais na mobilização de substratos energéticos para o sistema nervoso central (SNC) e tecidos musculares. Induz a glicogenólise, lipólise e proteólise, além de reduzir a captação de glicose por tecidos não essenciais frente a exposição ao estímulo estressor com a finalidade de preparar o organismo para uma reação. Diante deste contexto, ocorre também a modulação do sistema cardiovascular, por meio do aumento da frequência cardíaca e pressão arterial, além da regulação para vasodilatação e vasoconstrição de acordo com a necessidade de distribuição sanguínea (SELYE,1950; TANNO, 2002).

As várias ciências permitiram que adquiríssemos incontáveis certezas ao longo da evolução nos métodos de coleta, organização e análise de dados, porém, igualmente nos presentearam com inúmeras zonas de incertezas. A desagregação do conhecimento por meio das disciplinas e especialidades interferiu negativamente na compreensão do que significa ser humano em nossa individualidade, coletividade, subjetividade, simbolismos, situações dolorosas e prazerosas. A reunião de conhecimentos dispersos nas ciências naturais, humanas e filosóficas, evidenciará a identidade complexa e comum de tudo que envolve o que é ser humano (MORIN, 2011).

Assim, diante da observação das características de tensão-excitação dos jogos de futebol televisionados e assistidos pelos voluntários, bem como do auto relato acerca das emoções conscientemente percebidas para situações especificas das partidas e da coleta acerca do comportamento de marcadores fisiológicos periféricos classicamente associados a fisiologia

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das emoções, desenvolvemos este estudo no intuito de compreender os aspectos interdependentes da fisiologia das emoções dos torcedores fanáticos de futebol.

O objetivo geral deste trabalho foi iniciar uma nova linha de pesquisa na área da Educação Física: A fisiologia das emoções nos esportes. Traçamos como objetivo específico relatar o significado do torcer e o nível de ansiedade momentâneo dos torcedores fanáticos do Sport Club Corinthians Paulista, por meio de inventários específicos e medição de marcadores fisiológicos periféricos, tais como: Pressão arterial, Glicose sérica, Cortisol salivar e Frequência cardíaca. Para tal, o comportamento destes marcadores relacionados à fisiologia das emoções foi descrito e a elevação da FC acima de 50% da máxima calculada para cada indivíduo, foi correlacionada a momentos do jogo, em dois clássicos entre Corinthians e a Sociedade Esportiva Palmeiras, principal arquirrival dos corintianos, disputados no ano de 2018, respectivamente nos meses de abril e setembro.

A tese está organizada em Capítulo I denominado de “Futebol, os contextos sociais e os vínculos clubísticos”, que trata sobre o desenvolvimento da modalidade esportiva futebol no mundo e sua chegada ao Brasil. A apropriação cultural desta prática no nosso país, a expansão dessa experiência esportiva, seus significados e associações com a sociedade de indivíduos, além de relatar um pouco sobre o nascimento do Sport Club Corinthians Paulista e sua história. Ainda, descreve sobre as relações interpessoais desenvolvidas pelo viés do futebol, os simbolismos exacerbados pela prática futebolística e as figurações identitárias atreladas a um clube de futebol.

O capítulo II - “Os torcedores fanáticos de futebol e a fisiologia das emoções no esporte”, trata sobre a classe de indivíduos denominada torcedores de futebol no Brasil, a diferença entre os fanáticos e os não fanáticos, culminando nas teorias acerca da fisiologia das emoções. Neste sentido, o capítulo II apresenta uma revisão bibliográfica sobre esta teoria, destaca aspectos importantes sobre a resposta a um estímulo excitatório, utiliza o mecanismo de resposta ao estresse como base teórica para a fisiologia das emoções nos esportes e destaca os marcadores fisiológicos utilizados na coleta de dados.

O capitulo III – “Método da pesquisa de campo, análise dos dados, resultado e discussão” apresenta a metodologia utilizada para a coleta dos dados e disserta sobre os achados da pesquisa relacionando-os com as teorias sociológicas de Elias e Dunning assim como as teorias fisiológicas que fundamentam este trabalho.

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CAPÍTULO I

FUTEBOL, OS CONTEXTOS SOCIAIS, E OS VÍNCULOS CLUBÍSTICOS

Sou cearense, torcedora do Fortaleza Esporte Clube desde a adolescência. Fato este contrário a vontade do meu pai, torcedor do Ceará Sporting Club, mas muito relacionado a paixão juvenil que senti por um colega de escola, membro da Torcida Uniformizada do Fortaleza. Ocasionalmente frequento estádios, para assistir não só aos jogos do ‘meu’ time, afinal gosto da dinâmica de tensões que envolve o confronto esportivo. Em agosto de 2017 encontrei em um templo religioso de Campinas - SP uma soteropolitana de criação, que nasceu no Rio de Janeiro e passou a residir com toda sua família em salvador aos 3 anos de idade e, um baiano de nascimento, residente em Juazeiro do Norte, interior da Bahia. Pertencentes a gerações distintas, nunca haviam se encontrado. Deu-se então o início de uma conversa introdutória, digna dos começos das relações sociais. Em meio a apresentação das afinidades, ouvi por alto:

Ah! Você torce para o Bahia?!” “Claro que sim!”

De forma uníssona, seguiu-se: “Somos da turma tricolor! Somos da voz do campeão! Somos do povo o calor.

Ninguém nos vence em vibração. Vamos, avante esquadrão.

Vamos, serás o vencedor.

Vamos conquistar mais um tento. BAHIA! BAHIA! BAHIA! Ouve esta voz que é teu alento. BAHIA BAHIA BAHIA!” (Gargalhadas.)”

Ou seja, declamaram o hino do Bahia, demonstrando a dimensão alcançada pelo futebol. Nos inimagináveis espaços de convivência interpessoal, a possibilidade da modalidade esportiva denominada futebol ser trazida como um assunto em algum momento, existe e não é pequena. O livro clássico de Norbert Elias e Eric Dunning, A busca pela excitação (1992), nos lembra a afirmação de Laurence Kichin, a qual sustenta a máxima de que o único idioma comum para além da ciência, é o futebol. À medida que o assunto futebol é estabelecido em alguma das múltiplas situações sociais, é fácil observar a comoção causada. Alguns defendem a posição de

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reafirmar o valor desta modalidade esportiva em seus diversos níveis, outras pessoas argumentam que a vivência que envolve este espetáculo contemporâneo não é tão positiva a ponto de ser exacerbada. Outros ainda, serão enfáticos em se ausentarem das discussões, que para tantos são demasiado exaustivas. O fato é: O futebol é um dos, senão o esporte mais popular do mundo (figura 1) (ELIAS, DUNNING, 1992; MURPHY et al, 1994; MACHADO, 2005; LOPES e REIS, 2014).

Figura 1 - Popularidade do Futebol

Figura 1. Representação da popularidade mundial do futebol moderno. Fonte: Instagram @Imagens.História.

A Grã-Bretanha, e em parte a Inglaterra, são os países de onde se originaram a maioria dos esportes modernos. De fato, a origem do próprio termo sport em suas diversas pronuncias e composições gráficas, pode ser atribuída também a este território, ao passo que o termo sport se tornou tão intraduzível em outras línguas, quanto outras expressões particulares da língua inglesa, tais como o termo gentleman. Além disso, por volta do século XIX houve a tentativa de banir esta expressão na língua francesa, a fim de manter a integridade linguística desta parte da Europa. Eric Dunning em Sociologia dos esportes e os processos civilizatórios (2014) apresenta uma elegante discussão sobre a evolução da palavra esporte, suas especificidades e ao que se relaciona à sua prática, tendo sempre como trama teórica fundamental a sociologia figuracional de Norbert Elias (2011).

Na teoria apresentada em O processo civilizatório2, Elias (2011) nos convidou, por meio

de uma viagem no tempo, a observar hábitos cotidianos dos indivíduos nas sociedades ocidentais da idade média e da época moderna (séculos XII ao XVIII). Comparando aspectos

2Para uma compreensão adequada da teoria de Norbert Elias (2011) a tradução para o português de civilizing e

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alimentares, reprodutivos, de higiene e de divertimento, o autor defendeu que os ingredientes contidos no processo civilizatório valorizam o desenvolvimento da racionalidade em oposição ao corpo e a emoção. Com uma descrição detalhada, Elias (2011) ilustra a transformação do alimentar-se, do excretar e do reproduzir-se; o incremento da gentileza, da cortesia e da urbanidade, como comportamentos exigidos por grupos sociais vistos como mais nobres. Além de evidenciar o aumento das cadeias de interdependência e de uma gradual pacificação mediada pela construção, estabilização e monopolização da violência pelos Estados.

O período de transição dos Estados feudais para os Estados dinásticos e para os Estados Nação urbano industriais, foi vivenciado de maneira conflituosa, a disputa entre a realeza e a burguesia pelo poder de decisão e controle social se manifestava na política e por meio de. Durante o conturbado séc. XVII a monarquia Britânica buscava se impor à burguesia sobretudo no que diz respeito à soberania católica, a reivindicação monarca ao poder absoluto e ao recolhimento de tributos sem a anuência do parlamento, o que configurou um sério desafio a autoridade do Estado e deflagrou um ciclo intenso de violência revolucionária e contra revolucionária (DUNNING, 2014).

No decorrer de dois séculos contudo, o monopólio estatal inglês foi reestruturado sob condições específicas e a burguesia passou a ter condições de adquirir títulos de nobreza e desfrutar de uma autonomia sem precedentes. Membros das altas castas da Europa ocidental, principalmente da Alemanha, França e Inglaterra, se viram pressionados a exercitar o autocontrole emocional inclusive no embate político. Reis, rainhas, príncipes, duques e os nobres emergentes espelhavam nas suas relações, os códigos de cortesia, civilidade e civilização que deveriam ser seguidos e praticados por todos, para que fosse concretizado o que era outorgado como um bom comportamento pessoal (DUNNING, 2014).

O fato de os seres humanos terem incorporado um padrão de moral e costumes restrito, considerado adequado aos tempos que se estruturavam e que deveria ser seguido pelos sujeitos que desejassem se integrar a esta nova forma de se relacionar, principalmente no tocante ao autocontrole emocional no ambiente público e, as auto restrições em prol de um convívio social ‘adequado’, foi imprescindível para o processo histórico de complexificação de todas as sociedades ocidentais. Estes aspectos moldaram uma linha curva, sem necessariamente uma direção previamente definida, que nos trouxeram ao contexto socioeconômico cultural que vivemos agora (ELIAS, 2011).

Entretanto, esta almejada moralidade não parece ter sido adquirida por outra maneira senão pelo sacrifício da repressão orgânica, como a adoção de uma postura ereta, a substituição do sentido do olfato pela visão, ou ainda, transmitida pela noção de punibilidade e do

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sentimento de culpa, repetida exaustivamente a cada geração que nasce, até que se constituísse em uma memória coletiva, capaz de marcar cada indivíduo como um programa de atuação, governando suas ações ao custo da dor de um efetivo domínio das emoções. Toda criança, até os dias de hoje, passa por este processo de transformação, até que se torne gradualmente internalizado por um agente mental especial, regulador das suas ações - o superego. Exclusivamente por esse meio, este novo ser humano se torna um ser moral e social, veículo da civilização. De fato, também pode ser entendido por civilização, a relação entre o conhecimento adquirido pelo ser humano de extrair riquezas da natureza a fim de satisfazer seus desejos e necessidades, bem como a criação de regulamentos para ajustar a distribuição e a manutenção dessas riquezas. (CARVALHO, 2013; ELIAS, 2011; FREUD, 1969).

Ademais, pode-se entender deste contexto, que a maioria das pessoas teve que se restringir em suas pulsões primárias para a consolidação desta civilização, que aparentemente foi imposta a uma maioria resistente, por uma minoria que entendeu como obter a posse dos meios de coerção. Assim, a civilização, seus regulamentos, instituições e ordens investem contra a satisfação dos impulsos humanos (FREUD, 1969).

Estas repressões emocionais e expressivas são representantes de uma estrutura particular de relações humanas que é geradora e gerada por um alicerce social peculiar, onde os comportamentos são condicionados pelo desejo orgânico de diferenciação e pertencimento a alguma tradição, além de serem exercitados por uma sociedade de indivíduos que reforça uma autoimagem específica em suas múltiplas escalas. Neste sentido, na Inglaterra dos sec. XVII e XVIII integrantes das classes superiores manifestavam seu desejo consciente de superioridade social por meio de um processo sutil de distinção, impondo ações que almejavam o controle social e individual de atos violentos, assim como a recomendação de maneiras específicas para se comportar em público ou não.

À medida que a expressão pública e livre das emoções foi taxada como imprópria, houve o fortalecimento do uso da argumentação para o embate político e os confrontos físicos para resolução de conflitos pessoais, assim como as formas de divertimento da elite, passaram a ser menos impulsivas e mais regradas. Aos grupos sociais em Ascenção, tal qual já era à realeza, foi permitida a liberdade de associação, o que possibilitou a formação de partidos políticos, clubes e associações independentes, com grandes reuniões e assembleias, algumas de finalidade esportivas. Estas atividades se baseavam em regras escritas e procedimentos efetivos de controle coletivo e individual, principalmente no que se referia a contenção de casos explícitos de violência, a uma tentativa de equiparação das possibilidades de vitória para cada praticante ou grupo de participantes e, fundamentalmente, no caso de associações esportivas, a busca pela

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regulação das apostas vinculadas ao boxe. A ‘esportivização’ dos passatempos ingleses comuns no século XVIII e o significado deste processo correspondeu a uma importante mudança da estrutura social Inglesa, correlata a parlamentarização dos conflitos políticos e ao aparecimento de alternativas menos violentas para os impasses individuais e coletivos (DUNNING, 2014).

De acordo com Dunning (2014), a palavra sport, oficialmente começou a ser utilizada como característica expressiva e distintiva da aristocracia e da pequena nobreza britânica (proprietários de terra sem título nobre), nos séculos XVII e XVIII, ao se referirem a quatro modalidades de divertimento específicas: corridas de cavalo, críquete, boxe e caça à raposa. Derivada de uma expressão anglo-francesa, o desporter significava distrair-se, deixar-se levar pelo deleite prazeroso. Durante o século XVIII, caçadores praticantes da caça à raposa passaram a utilizar a expressão ‘A raposa nos proporcionou um bom esporte esta manhã’ (DUNNING, 2014. p. 171). O significado da palavra esporte passou a definir uma espécie de jogo, um tipo de divertimento no qual os elementos violentos necessitavam de maior controle. Um hábito saudável, divertido e socialmente valioso, com função social primordial de produzir, prolongar e finalmente consumar o prazeroso par: tensão – excitação (DUNNING, 2014).

Desta maneira, esportes são confrontos que envolvem capacidades biomotoras bem desenvolvidas ou proezas físicas e estratégias do tipo não militar, que incitam nos praticantes ou naqueles e naquelas que os assistem, a adoção de um tipo de comportamento característico do ambiente esportivo e ainda a vivência e a expressão intensa, muitas vezes coletiva, das próprias emoções (situação cada vez mais escassa na civilização moderna ocidental). Além disso, vários tipos de esportes têm em sua constituição o elemento da competição, marca característica da sociedade moderna. (DUNNING, 2014).

A título de familiaridade e no intuito de favorecer a aceitação de algo em maior grau, nós seres humanos, temos a tendência de buscar associações com fatos anteriores. Sendo assim, é possível facilmente associar a estrutura moderna do futebol a alguns tipos de jogos medievais conhecidos por inúmeros nomes incluindo uma pronúncia parecida com football. Nestes jogos, o implemento central do confronto físico coletivo, a ‘bola’, podia ser transportado de diversas maneiras inclusive pelo chute. Não havia equiparação de participantes, as orientações que delimitavam a prática eram transmitidas oralmente e acordadas entre os participantes do evento naquele momento e lugar. Esses ritos eram também uma oportunidade para ingestão demasiada de bebidas alcoólicas e muitos dos participantes “estavam ostensivamente em busca de

oportunidades de se envolver em brigas” (DUNNING, 2014. p. 189).

Com o passar do tempo, estas formas antigas de passatempos foram se tornando cada vez mais esporádicas e menos praticadas ao ponto que as formas mais modernas de futebol,

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mais regradas, foram sendo desenvolvidas e disseminadas principalmente durante o início das escolas públicas de período integral inglesas – justamente porque o princípio central das atividades físicas civilizadas foi a diminuição da violência utilizada pelos praticantes. Estabelecidas inicialmente como instituições de caridade para educação de jovens pobres e carentes, as escolas públicas inglesas logo se transformaram em ambiente educativo para estudantes oriundos de famílias abastadas. Deste modo a diferença de classe social entre professores, pertencentes a classe média, e de seus pupilos, pertencentes às classes ricas, interferia diretamente na capacidade de controle dos docentes para com seus estudantes. Os jovens nobres dispunham de um elevado grau de independência estrutural, culminando em uma intensa falta de disciplina e uma disputa crônica de poder entre docentes e discentes, sem efetiva supremacia de nenhuma das partes (DUNNING, 2014).

Diante deste contexto, deu-se então uma forma de controle dividido. No intuito de estabilizar a autoridade docente e certificar um certo poder discente, estabeleceu-se um tipo de hierarquia entre os estudantes, que era posta prioritariamente pelas diferenças de idade e de força física. Os estudantes mais velhos passaram a ter certo nível de legitimidade em sala de aula em troca de reconhecimento do seu direito de “monitor”. Este sistema de ‘sujeição ao monitor’ teve papel crucial no desenvolvimento inicial do futebol moderno nas escolas públicas inglesas (DUNNING, 2014).

O confronto esportivo era uma das maneiras pelas quais os estudantes mais velhos (veteranos) impunham seu domínio sobre os colegas mais jovens (calouros) ou mais desprovidos de habilidades físicas. Posto que neste estágio todas as formas registradas de futebol eram brutais, o futebol das public schools ainda era regido por regras orais, muitas vezes sem consonância no número de participantes, outras vezes com estudantes mais fracos restritos a atividades de proteção ao gol.

Ainda no século XVIII, as organizações corporativas artesanais e comerciais foram gradativamente sendo substituídas por novas forças sociais e econômicas: os industriais, uma classe média e o operariado urbano. O avanço do capitalismo industrial como modo de produção dominante foi desestruturando tanto os fundamentos da vida material, como as crenças e princípios religiosos, morais, políticos, jurídicos e filosóficos em que se sustentava o antigo sistema. A presença de uma nova sensibilidade, atitudes, comportamentos e valores, provocou intenso êxodo de famílias rurais para as cidades, em busca de trabalho. A área urbana acenava uma possibilidade de liberdade, proteção e melhores ganhos, embora esta realidade não fosse para todos. As cidades receptoras desse fluxo contínuo de pessoas foram crescendo

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acelerada e desordenadamente e, a fábrica moderna criara a cidade industrial (LOPES, 2008; QUINTANEIRO, 2009).

Houve então, durante o séc. XIX, o segundo momento da apropriação do processo de surgimento do sport moderno. Os representantes das classes médias industriais, empresariais e profissionais em ascensão, passaram a disputar o acesso ao esporte com as classes de proprietários rurais na vanguarda de sua prática. Como no trabalho industrial, no esporte surgiram as formas mais reguladas de competição atlética. As medições e registros minuciosos de espaço/ tempo no desempenho esportivo também se tornaram cada vez mais importantes e as ferramentas desenvolvidas pela ciência moderna na busca pelo conhecimento, se aliaram ao controle da prática esportiva. Além disso, houve o desenvolvimento inicial dos jogos de bola tais como rúgbi, hóquei, tênis e futebol.

Aproximadamente entre 1830 a 1860, as classes urbanas industriais passaram a ter mais poder do que as classes rurais, neste contexto agravaram-se as pressões para a reforma da educação pública, que viu no sistema de sujeição ao monitor uma ferramenta eficiente na execução do plano de produzir cavalheiros cristãos aptos a administrar e manter o império britânico em expansão. Parte da tática era convencer os estudantes mais destacados que o sport teria propriedades na formação do caráter individual, por tanto, a maneira violenta com a qual se dava a sua prática, se tornaria inviável diante da nova sociedade que se formava. A transformação deste esporte para adequação à estratégia da reforma disciplinar no momento outorgada, contou primeiramente com a criação das regras escritas do futebol em 1845 – por ex-estudantes das public schools, a mais antiga série de regras sobrevivente ao tempo que se tem conhecimento (DUNNING, 2014).

Aproximadamente por volta de 1859, os jogos embrionários do futebol começaram a extrapolar os muros das escolas e das universidades passando a se embrenhar no cotidiano social britânico. ‘O culto aos jogos da escola pública’ (DUNNING, 2014 p.195) possibilitou a difusão do futebol no âmbito nacional. Diante desta expansão, tornou-se notória a necessidade de uma regulamentação única, clara e amplamente divulgada das regras que passaram a reger a prática esportiva desta modalidade. Em decorrência disto, foi sugerido a criação do ‘parlamento do futebol’ em 1863 e um conjunto de regras que proibiam carregar a bola ou interceptar o adversário com as mãos, foi esboçado pelo comitê de estudantes que jogavam futebol na Universidade de Cambridge. A posteriori, deram-se início aos primeiros encontros da Football

Association (FA), nos quais o argumento do jogo se tornar mais ‘civilizado’, a fim de agradar

os adultos das classes altas ganhou voz, e as regras a priori descritas em Cambridge se tornaram mais populares.

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A codificação das regras do futebol, como boa parte de sua história, simboliza um pensamento único emergente em conjunto com ações que almejavam fortalecer, expandir, impor e dominar os aspectos do proposto conceito. Segundo Damo (2007), entre os motivos que levaram a codificação das regras do futebol estavam a necessidade de diferenciação da prática esportiva dos jovens londrinos, para com as outras práticas no restante do país e, a também necessidade dos integrantes ou egressos das escolas públicas inglesas se tornarem referência nesta nova forma de cultura (DUNNING, 2014).

Uma vez regradas e codificadas, as várias maneiras de se praticar esportes transpuseram características locais e conquistaram adeptos das mais diversas particularidades. A partir desta incorporação do esporte pela amplitude do território do Reino Unido, houve uma incorporação da sua prática pelo mundo todo e a partir do final do século XIX e início do século XX algumas ações foram implementadas a fim de aperfeiçoar as organizações internacionais de futebol. A Fédération Internationale de Football Association (FIFA) foi formada em Paris no ano de 1904 sem representantes britânicos, que apenas se envolveram com o projeto de internacionalização do futebol dois anos mais tarde, dando início a uma novela de filiação e desfiliação, que durou até 1945, quando finalmente a Inglaterra filiou-se permanentemente.

Enquanto isso no Brasil...

Durante o século XIX, houve etapas distintas do processo civilizatório no Brasil. O país se encontrava em um nível de desenvolvimento social diferente das sociedades do continente europeu e se caracterizava pela existência de grupos oligárquicos possuidores de grandes quantidades de terra, de diferentes gêneros agrícolas, com diferentes interesses políticos, econômicos e sociais, o que formava uma estrutura econômica predominantemente agraria, com grande parte da população sem participação na política nacional, por serem escravos ou servos (SAES, 1982).

Em meados deste mesmo século, em meio a abolição da escravatura (1888) e a proclamação da república (15 de novembro de 1889), houve um longo período de crescimento das importações do café em detrimento a produção de subsistência do produto, fato que contribuiu para a diminuição das atividades de economia rural, agrícolas ou manufatureiras. Por decorrência deste desenvolvimento industrial e do crescimento do transporte ferroviário no estado de São Paulo, uma nova cidade se moldou. A substituição do trabalho escravo pelo trabalho ‘livre’, principalmente o do imigrante, a crise do comercio exterior, a diminuição da capacidade de importação e as tarifas alfandegarias impostas aos produtos importados, proporcionaram amplo surgimento de fábricas nacionais empenhadas em se apropriar, em parte,

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da demanda preexistente para consumo de bens industriais, fornecendo a substituição de produtos advindos das importações, por produtos da nova indústria nacional (SAES, 1982; LOPES, 2008).

Com isso, houve uma reorganização geográfica e de estratificação social no Brasil, surgindo as classes médias e populares, situadas em áreas urbanas, relativamente vinculadas às condições sociais, econômicas e políticas que antecederam às suas consolidações. A população cresceu exponencialmente, devido principalmente a imigração europeia, no intuito de embranquecimento da população nacional. Os imigrantes partilhavam das mesmas circunstâncias do operariado local, com condições rudimentares de desenvolver suas tarefas, horas de desempenho profissional abusivas e remuneração aquém do necessário para uma existência saudável. Na moradia, havia, para consolidar uma segregação econômica, uma separação geográfica entre as residências do operariado e da elite. Os espaços urbanos estavam sendo hierarquizados e claramente demarcados de acordo com a classe econômico-social a qual se pertencia. Principalmente a sociedade do sudeste brasileiro estava crescida e vivenciava o surgimento de novos setores e atores/atrizes sociais (SAES, 1982; LOPES, 2008).

No período entre 1890 e 1900, a política de desenvolvimento industrial facilitou a implementação de fábricas em diversos locais no país, além de reforçar o rápido aumento da população urbana em detrimento às oportunidades de trabalho profissional. Existiu então uma composição de mercados internos nos centros urbanos emergentes, onde localizavam-se as atividades culturais (SAES, 1982; LOPES, 2008).

O trabalho profissional moderno, afazer remunerado, cotidiano e regrado, se fortaleceu como vital para a existência na sociedade urbana, não apenas pela necessidade de algum nível de participação nos meios de produções destinados a manutenção da própria vida na cidade, mas sobretudo pela vontade de ascensão socioeconômica e de pertencimento a classe dos ‘merecedores’. Nesta perspectiva, o trabalho foi instituído como um dever moral que nas sociedades industrializadas, se refere a uma forma específica de ganhar a vida: remunerada, altamente especializada, com o tempo de execução rigorosamente regulado, que conduz consigo um juízo de valor muito caro, exaltado e pessoalmente incorporado como uma medida pela qual as pessoas são predestinadas a salvação (GOMES, 2015, WEBER, 2009).

Desta maneira, a execução do trabalho profissional moderno se interlaçou com a forma de existir dos indivíduos em sociedade, sendo estrutura fundamental no sistema produtivo, nas relações interpessoais e nos múltiplos meios de organização dos fluxos e jeitos de vida no transcorrer do cotidiano. Porém, a esfera do trabalho é apenas uma das dimensões que reivindicam a subordinação ordenada e equilibrada dos sentimentos pessoais. A rotina global,

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com suas respectivas restrições, promoveu condições de ordem e segurança socioeconômicas, seguramente capazes de causar uma pobreza de emoções (SANTOS, 2013; GOMES, 2015; ELIAS, DUNNING, 1992; WEBER, 2009).

Assim como o manual de comportamento elaborado por Rotterdam na Europa do séc. XVI (Da civilidade em crianças), o Brasil também desenvolveu seus modelos escritos de boas maneiras, os quais expandiram suas orientações para além do comportamento social humano e englobaram também o desenvolvimento físico dos jovens brasileiros. O Compêndio de

Pedologia de autoria do Mons. Pedro Anísio (1937) traça consideráveis diretrizes para a

solidificação da civilidade dos púberes na paraíba do século XX. O termo faz extenso uso do conhecimento acerca da juventude em suas esferas fisiológicas, higiênicas e comportamentais, no que diz respeito ao papel de educador dos adultos nas escolas ou no contexto familiar. No plano de pedagogia integral proposto por Anísio (1937) a formação dos jovens perpassa indiscutivelmente pela atividade física e pela corporeidade. De forma restritiva e controladora, o jovem brasileiro ia sendo transformado em agente da civilização por meio da contenção não só das emoções e dos costumes, mas também e principalmente, da ação motora decorrente dos estados emocionais. O gesto calculadamente executado passou a ser requerido para aceitação social do indivíduo (LUCENA, 2016).

O crescimento das economias industrializadas, a criação dos sistemas políticos modernos e a supervalorização do pensamento científico, assim como da produção tecnológica, fizeram-se fundamental nas estruturas sociais que hoje desempenhamos (SAES, 1982; LOPES, 2008; SANTOS, 2008). Neste sentido, as exigências da vida moderna acabaram por sujeitar homens e mulheres à uma frequente situação de conflito, ansiedade e desequilíbrio emocional. (ARALDI-FAVASSA, 2005).

Diante de uma comunidade social cada vez mais industrializada, modelada pelos hábitos modernos, pelo monopólio da força detida pelo Estado, com regras explicitas para viver o cotidiano e pelo autocontrole assimilado tendendo sempre a auto restrição, as transformações das dinâmicas de tensão se tornaram relativamente paulatinas. Porém, até onde se pode mensurar, grande parte das sociedades humanas produz algum tipo de medida destinada a amenizar as pressões geradas por elas próprias, as quais permitem, de maneira geral, a fluência dos sentimentos de qualidade animadora em diversos níveis. Ou seja, autorizam a excitação agradável (ARALDI-FAVASSA, 2005; CARVALHO, et al 2013 ELIAS, DUNNING, 1992; ELIAS, 2011).

Neste sentido, alguns brasileiros entraram em contato com as práticas de lazer trazidas pelos imigrantes europeus e o uso prazeroso e não obrigatório do tempo livre passou a fazer

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parte da rotina do trabalhador industrial moderno, possivelmente como uma das formas de ruptura saudável da rotina (ELIAS, DUNNING, 1992; GOMES, 2015; NEGREIROS, 1992).

Dentro desses modos de aproveitar o tempo livre, a dinâmica de tensão – excitação, baseada em confronto físico, concebida para a competição – marca da metrópole moderna – regulamentada para a finalidade de conter a violência e equiparar as possibilidades de vitórias entre os participantes, que os ingleses denominaram de sport, fez muito sucesso entre os locais. A priori, revestidos de curiosidade, os cidadãos observavam e praticavam diversas modalidades esportivas. Posteriormente, caso a atividade produzisse mimeticamente dinâmicas dos níveis entre tensão e excitação agradáveis o suficiente para determinado grupo de pessoas, poderia se transformar em moda, atraindo cada vez mais praticantes e espectadores. Por fim, caso persistisse a prática após algum tempo, poderia se consolidar como atividade de lazer esportivo (ELIAS, DUNNING, 1992; NEGREIROS, 1992).

Nos periódicos da época, diferentes tipos de discurso defendiam e incentivavam a prática esportiva como formadora do ‘homem’ em seu mais amplo sentido. Por vezes era salientado o nível de desenvolvimento dos esportes nos países mais industrializados e mais civilizados, a fim de servir como exemplo a ser seguido pela população brasileira, paulistana. Além disso, era amplamente incentivado pelos cronistas e dirigentes esportivos, o intercâmbio com países que praticavam os esportes a mais tempo. Os brasileiros mais capitalizados, em visitas ao exterior, se deparavam com centros esportivos bem organizados. Os estrangeiros eram recebidos com o anseio por aprendizado. A cada nova prática inaugurada, havia o gosto para explicar detalhadamente os passos necessários para execução do novo jogo através dos meios de comunicação da época. Contudo, o termo esporte só foi redigido oficialmente em algum texto de conformidade legal no intuito de fortalecer o Estado Novo, em abril de 1939 na criação da Escola Nacional de Educação Física e Desportos (RJ) (LUCENA, 2003; NEGREIROS, 1992).

A excitação proporcionada pelas atividades de lazer possui um caráter singular. Em alguns aspectos mantem semelhança com a excitação causada por situações críticas sérias, contudo nutrem qualidades específicas como a certeza de que nenhum mal real poderá de fato acontecer. Além disso, a excitação agradável ativada pela ocupação do tempo livre com atividades miméticas de lazer, pode ser considerada como uma maneira de criação e libertação das tensões, preconizando o enfrentamento com êxito da rotina maçante das sociedades industrializadas (ELIAS, DUNNING, 1992).

A grande variedade de atividades de lazer, em particular os esportes, permite às pessoas uma diversidade de escolhas de acordo com as necessidades afetivas e emocionais, as quais

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proporcionam distintos graus de prazer e satisfação. Nesse contexto, as atividades de lazer constituem a chave para o desencadear, aprovado no quadro social, do comportamento moderadamente excitado em público em espaços determinados, como os estádios por exemplo. Isto significa que o esporte pode ser estabelecido como um tipo de antídoto ao excesso de controle e tensão dos indivíduos, fazendo-os liberar suas emoções de maneira aceitável pela sociedade (CANALE, 2012; ELIAS, DUNNING, 1992).

No mundo do jogo, as leis e convenções da vida cotidiana perdem a validade. Nele, as pessoas podem desempenhar papeis diferentes e realizarem coisas grandiosas. O jogo é uma mutação do sentido da realidade. Nele, as coisas se tornam outras, os comportamentos, apesar de semelhantes a vida cotidiana, adquirem uma significação específica. Ao deixar-se hipnotizar pelo jogo, o indivíduo se entrega, exterioriza corporalmente sua subjetividade, podendo, assim, transparecer também atitudes carregadas de construções individuais e sociais, permeadas pela moralidade institucionalizada. No jogo podemos levar nossas vontades, podemos traduzir em atos / ações o que está guardado e desta maneira, o lúdico permite que haja uma liberdade de expressão, que possamos ser espontâneos, verdadeiros (PIAGET, 1977; FREIRE, 2005; PRODÓCIMO, 2007).

Reis (2006) afirmou que o futebol, dentre todas as modalidades esportivas, teve uma aceitação tão grande entre os povos do mundo possivelmente porque produz momentos de cooperação e competição capazes de gerar o sentimento do ‘meu’ e do ‘seu’ grupo; estimula uma excitação específica desencadeada pela incerteza do alcance do tento, além disso, na sua forma de conflito, faz uso de uma grande arena a céu aberto que permite uma livre excitação e expressão emocional. Segundo Damo (2007) o gosto pelo futebol é uma construção social historicamente datada e culturalmente legitimada. Assim como outros arbitrários culturais, o futebol poderia ser definido como um consenso de época, legitimado por determinados públicos, tal qual a gladiadura romana e a tourada aldaluza. Para Brohm (1993), o esporte enquanto instituição é fruto de uma ruptura histórica marcada pelo modo de produção industrial. É uma prática de classes, não homogênea, integrado e reprodutor de diretrizes imperialistas que passou a ser mercantil, no qual o produto a ser vendido é o ser humano.

Jogos similares ao futebol no Brasil foram registrados oficialmente durante o século XVIII e foram proibidos em 1746 em São Paulo, por uma lei da Câmara Municipal, na qual o definia como causadores de desordem e agrupamento de vadios. Há ainda relatos de que, o futebol no Brasil desembarcou com os marinheiros ingleses e holandeses, que praticavam futebol com a população das cidades portuárias situadas a nordeste do Brasil, por volta de 1878. Contudo, tornou-se convencional atribuir a Charles Miller, brasileiro, descendente de ingleses,

Referências

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